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Novas tendências da extensão universitária em Direito. 
Da assistência jurídica à assessoria jurídica 
 
Ivan Furmann 
bacharel em Direito pela UFPR, mestrando em Educação pela UFPR 
 
Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. O tripé da Universidade e a Extensão; 3. 
Extensão e Pesquisa em Direito; 4. Extensão e Democracia na Universidade; 5. Método 
tradicional de extensão: Assistência jurídica; 6. Método inovador de extensão: Assessoria 
jurídica; 7. Considerações finais; 8. Notas; 9. Referências Bibliográficas. 
 Resumo: A extensão universitária no campo do Direito sempre se pautou em idéias 
assistencialistas nas quais os estudantes apenas forneciam serviços técnicos a populações 
carentes. Todavia a partir de teorias críticas em Direito e Educação a extensão ganha um 
novo significado podendo atingir um papel mais importante, a educação para a cidadania. 
Assim, o Direito deixa de ser um tema para os letrados tornando-se um instrumento de 
conscientização política. 
 Abstract: The academical extension in the field of the Law was always ruled in 
assistancely ideas in which the students just supplied technical services to lacking 
populations. Though starting from critical theories in Law and Education the extension 
wins a new meaning could reach a more important paper, the education for the citizenship. 
Like this, the Law stops being a theme for the scholars becoming an instrument of political 
understanding. 
 Palavras-chave: Extensão – Cidadania – Direito Crítico – Educação – Assessoria 
Jurídica – SAJU. 
1.Considerações iniciais 
 Escrever sobre o Direito e, em especial, sobre alternativas inovadoras ao uso do 
Direito mostra-se como tarefa de múltiplas implicações. Primeiramente, reconhecer que se 
lida com um saber-poder (1), com a especial função de dominação e controle, desenvolvido 
na racionalidade moderna. Por mais que se pretenda utilizar o Direito de maneira inovadora 
e crítica deve-se atentar que: o Direito é um instrumento de dominação social, o principal 
instrumento de expressão do status quo. Obviamente, refere-se aqui ao Direito numa 
perspectiva histórica. Trata-se do Direito Europeu Ocidental moderno do qual o Brasil é 
eminente herdeiro. Não se pretende traçar considerações pormenorizadas sobre a referida 
afirmação nesse artigo mas apenas se ressalta que o Direito no Brasil é, salvo exceções, 
instrumento de dominação. (2)
 Em segundo lugar o Direito é um espaço de luta política. Assumir essa perspectiva 
revoluciona o cenário jurídico. O Direito não é absoluto. Os direitos são pautados em 
escolhas políticas. As escolhas políticas podem mudar. Todavia, a mudança das escolhas 
políticas está necessariamente vinculada a regras para sua mudança, ou seja, em regras de 
poder. Numa sociedade democrática como a brasileira as regras de poder são pautadas pela 
razões democráticas. E a própria Democracia, por excelência, só é Democracia quando está 
aberta a críticas, inovações e aperfeiçoamento. 
 Por fim, o Direito é um espaço de luta hegemônica. O Direito apesar de ser 
utilizado, via de regra, como instrumento de dominação social pode desenvolver um 
importante papel na luta contra-hegemônica. O Direito pode ser usado para auferir 
conquistas políticas importantes para populações oprimidas, através do chamado uso crítico 
do Direito por operadores jurídicos conscientes do ideário político por detrás das regras 
aparentemente neutras. Mas o Direito também pode servir para uma outra função 
importante, quiçá mais importante, ele pode servir para desvelar o mundo. O Direito pode 
servir como meio para retirar o véu da dominação social, desmascarar a sociedade e 
auxiliar a conscientização da população oprimida, isso ocorre quando expostas suas 
contradições e revelada sua realidade política. Assim, é possível desenvolver no povo 
brasileiro algo que lhe é estranho, a experiência democrática através do diálogo político. É 
sobre esse espaço de luta contra-hegemônico que se pretende dissertar brevemente. 
 Portanto, o Direito, quando devidamente problematizado, pode torna-se substrato 
para consciência política e democrática. E como Paulo Freire já dizia: "O problema para 
nós prossegue, transcende a erradicação do analfabetismo e se situa na necessidade de 
erradicarmos também a nossa ‘inexperiência democrática’, através de uma educação para a 
democracia, numa sociedade que se democratiza" (FREIRE, 2001, p. 87). 
2. O Tripé da Universidade e a Extensão 
 A expressão ‘extensão’ é utilizada pela Constituição da República para nomear um 
dos "tripés" fundamentais da Universidade brasileira. (3) Conforme o conceito delineado 
pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão de Universidades Públicas Brasileiras: 
"A extensão universitária é o processo educativo, cultural e científico que articula o ensino 
e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre a 
universidade e a sociedade" (NOGUEIRA, p. 11). Perceba-se que a extensão foi 
conceituada, via de regra, pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores como processo educativo 
que articula ensino e pesquisa. Extensão não é um elemento novo dentro da Universidade 
mas uma maneira de articular ensino e pesquisa. Nesse sentido Paulo Freire já sugeria não 
apenas a substituição da expressão "extensão" por outra expressão "comunicação" 
(FREIRE, 1975, passim), mas tentava demonstrar que a extensão é o ato dialogal da 
Universidade com a sociedade. É o momento em que a universidade conversa com a 
sociedade. 
 Nesse sentido, não se estranha que a extensão universitária tenha emergido da 
perspectiva de responsabilidade social da Universidade. A proposta que estimulou a 
extensão "(...) se traduziu na crítica do isolamento da universidade, na torre de marfim 
insensível aos problemas do mundo contemporâneo, apesar de sobre eles ter acumulado 
conhecimentos sofisticados e certamente utilizáveis na sua resolução" (SANTOS, 2002, p. 
100-1). 
 Contra o objetivo genuíno da responsabilidade social da universidade 
contrapuseram-se interesses diversos, especialmente os relacionados à formação de uma 
massa de técnicos especializados para a manutenção da burocracia estatal-social. Esse papel 
foi assumido de maneira singular pelas Faculdades de Direito no Brasil, desde de suas 
origens até os dias atuais. (4) Não é difícil observar a falta de comunicação das Faculdades 
de Direito com a sociedade, em especial, com as classes oprimidas. Sem dúvida, um dos 
grandes equívocos das Faculdades de Direito é a manutenção de sua postura tecnicista. (5) 
Assim, "As universidades parecem transformar-se cada vez mais em escolas de 
profissionais destinadas a produzir funcionários, técnicos em todos os níveis, esquecendo-
se de sua missão de formar a inteligência, de promover, inventar e reinventar, a cultura no 
seio de um mundo que se desfaz e refaz" (JAPIASSU, p. 181). 
 Parte-se, portanto, da necessidade de renovação das perspectivas sobre a função da 
universidade. Essa mudança se conjuga com a idéia de extensão enquanto processo 
educativo e, principalmente, comunicativo. O que se pretende com a extensão não é 
simplesmente o aperfeiçoamento técnico mas sobretudo a educação para o pleno 
desenvolvimento da cidadania a partir do diálogo. 
3. Extensão e Pesquisa em Direito 
 A pesquisa e a extensão são duas atividades que contribuem incisivamente para a 
superação do paradigma tradicional. "Pesquisa e extensão são ausências injustificáveis no 
processo do ensinar, ausências que fecham portas à realidade. A volta da escola à rua – a 
consolidação da união entre ensino, pesquisa e extensão – permite o confronto entre as 
teorias e o mundo, e permite arejar o discurso do ensino" (CORTIANO JR., p. 237-8). 
Enfim, na Universidade é possível a elaboração denovos saberes. Uma nova visão de 
extensão somente é viável a partir do desenvolvimento de novas teorias sobre o Direito, 
ultrapassando os limites da dogmática tradicional, ou seja, conciliando a pesquisa e a 
extensão. Fazendo o saber acadêmico dialogar com a sociedade. 
 O envolvimento da Universidade no mundo é essencial na construção de um novo 
paradigma universitário. As Universidades Públicas, em especial, detém o potencial 
desvelador da mentalidade pública entre os estudantes, (6) qualidade essa que somente o 
desenvolvimento cultural e cidadão pode proporcionar. Assim, o desenvolvimento cultural 
e cidadão deve ser uma das prioridades das Universidades, que não podem assumir um 
papel de centros técnicos superiores. "É necessário imiscuir-se tanto em questões internas 
vividas pela faculdade, como em questões externas, principalmente aquelas ligadas ao 
acesso à justiça. Aproxima-se, por um lado, da atividade desempenhada pelos movimentos 
sociais. Em poucas palavras, politizam-se a entidade e os estudantes. Insere-os na realidade, 
não como mero espectador, mas como sujeito atuante" (CARVALHO, Lucas, p. 232), 
vislumbrando aos estudantes novas visões sobre a realidade social. "A ‘abertura ao outro’ é 
o sentido profundo da democratização da universidade, uma democratização que vai muito 
além da democratização do acesso à universidade e da permanência nesta. Numa sociedade 
cuja quantidade e qualidade de vida assenta em configurações cada vez mais complexas de 
saberes, a legitimidade da universidade só será cumprida quando as atividades, hoje ditas 
de extensão, se aprofundarem tanto que desapareçam enquanto tais e passem a ser parte 
integrante das atividades de investigação e de ensino" (SANTOS, 1997 (2), p. 225). A 
extensão é uma oportunidade única de pensar o ensino de forma indissociada da pesquisa. 
 Pensar o ensino indissociado da pesquisa é pensar o ensino com base na lógica da 
pesquisa, isto é, como ela se constitui. Percebe-se então, que é possível tomar diferentes 
caminhos para a realização de uma investigação, mas é forçoso admitir que não há pesquisa 
sem dúvida, sem questionamento. Isso significa reconhecer que a pesquisa tem a dúvida 
como princípio fundamental. É ela que nos impulsiona a refletir, a levantar questões, a 
procurar respostas, a imaginar possibilidades, enfim, a estudar e a construir o 
conhecimento. Foi assim que, historicamente, a humanidade se comportou ao trilhar a 
trajetória do conhecimento, O novo sempre foi fruto da necessidade, da perplexidade e da 
insegurança, originárias do raciocínio e da observação (CUNHA, p. 27-38). 
4. Extensão e a democracia na Universidade 
 A inovação do paradigma universitário, logo, precede da democratização do espaço 
universitário. A democratização do espaço universitário começa com a rearticulação das 
relações alunos-professores. Gramsci já denunciava o modelo asséptico que as 
Universidades de seu tempo adotavam e que não é muito diferente do atual: 
 (...) nas universidades, o contato entre professores e estudantes não é 
organizado. O professor ensina, de sua cátedra, à massa dos ouvintes, isto é, 
dá a sua lição e vai embora. (...) Para a massa dos estudantes, os cursos não 
são mais do que uma série de conferências, ouvidas com maior ou menor 
atenção, todas ou apenas uma parte: o estudante confia nas apostilas, na obra 
que o próprio professor escreveu sobre a matéria ou na bibliografia que 
indicou (GRAMSCI, p. 146). 
 A inovação não pode ser feita sem se levar em consideração o estudante. O método 
de ensino e de gestão universitária tradicional imobiliza o estudante e o condiciona como 
um consumidor ou cliente de um serviço. A educação não deve se constituir num serviço 
mercantilizável. A Universidade, para que não se torne mera mercadoria, precisa 
urgentemente de uma transformação gestionária superando posturas unilaterais e 
coisificantes. É preciso, pois, sopros de democracia nos ares viciados das Universidades. 
"A Universidade é o lugar da prática democrática, pois nela é que os princípios, a sociedade 
e o futuro são pensados. Espera-se que a Universidade esteja sempre além de seu tempo 
pois, em um ambiente em que o nível intelectual é bem superior à média da comunidade, o 
razoável é ter sempre a Universidade como um modelo a ser seguido. Neste sentido, é 
relevante a responsabilidade da Universidade para com a democracia e o Estado de Direito" 
(MALISKA, p. 218). O papel dos estudantes é fundamental nessa transformação. (7) "De 
fato, ‘sem a ação dos estudantes não haverá muitos avanços significativos na instituição de 
ensino à qual se vinculam. Mesmo sob a iniciativa de professores progressistas, qualquer 
avanço estará condicionado à politização do estudante do conteúdo das mudanças 
pretendidas’. Fundamental assim é o papel do estudante" (CARVALHO, Lucas, p. 233). 
 A universidade não poderá promover a criação de comunidades interpretativas na 
sociedade se não as souber criar no seu interior, entre docentes, estudantes e funcionários. 
Para isso é necessário submeter as barreiras disciplinares e organizativas a uma pressão 
constante. A universidade só resolverá a sua crise institucional na medida que for uma 
anarquia organizada, feita de hierarquias suaves e nunca sobrepostas. Por exemplo, se os 
mais jovens, por falta de experiência, não podem dominar as hierarquias científicas, devem 
poder, pelo seu dinamismo, dominar as hierarquias administrativas. (SANTOS, 1997 (2), p. 
225). 
 Democratizar, inclusive, a universidade, para a co-gestão de professores, estudantes 
e funcionários, desmascarando o sofisma da reação, que recusa o chamado ‘assembleísmo’, 
a fim de manter a ditadura dos autoproclamados ‘competentes’: é claro que não se pode 
resolver um problema científico pelo voto, mas pode-se determinar pelo voto paritário a 
direção de programas, a distribuição das verbas, a administração e, em geral, o destino da 
instituição (LYRA FILHO, 1986, p. 314). 
 Os projetos de extensão constituem-se como espaço ideal para o início desse novo 
paradigma democrático. Por isso, o ideal é que não existam hierarquias internas nas 
atividades de extensão, rompendo a tradição burocrático-hierarquizada da estrutura 
universitária. Assim, o conhecimento produzido e sua gestão se tornam coletivos; a tarefa 
do professor deixa de ser a de ‘coordenar’ para se tornar a de ‘orientar’ – seu conhecimento 
orienta as atividades mas não prescreve as ações dos alunos; o coletivo não se submete à 
ordem ou às idéias de uma pessoa pela simples condição hierárquica; a integração é 
solidária e não existindo hierarquias verticais entre os estudantes; cargos e funções são 
apenas distribuições de atividades e não posições hierárquicas; a participação de 
funcionários também não os coloca como empregados mas como participantes em paridade 
de condições com os estudantes e professores; um espaço interno democrático e sem 
hierarquias se refletirá na atividade de extensão, na atividade com a comunidade, 
possibilitando a participação da própria comunidade na organização do projeto de extensão; 
a quebra da hierarquia serve de exemplo para a comunidade e educa para a participação. 
 Atente-se, enfim, que um novo modelo de Universidade não teme enfrentar a 
questão política. A Universidade, por estar inserida dentro da sociedade e estar ligada a 
todas as forças políticas resultantes desta. "Num notável texto de reflexão escrito no meio 
da turbulência estudantil, Wallerstein afirmava que ‘a questão não está em decidir se a 
universidade deve ou não deve ser politizada, mas sim em decidir sobre a política preferida. 
E as preferências variam’ " (SANTOS, 1997 (2), p. 207). (8) A Universidade, em sentido 
amplo, e as atividades de extensão, em um sentido estrito, estão de alguma forma ligadas auma atuação política. 
 A extensão universitária pode se constituir em um elemento daquilo que Gramsci 
denomina ação orgânica ou, ainda, ação pedagógico-política. Quanto mais ela for 
acompanhada de pesquisa, mais força ou caráter orgânico ela poderá ter. A ação orgânica, a 
nosso ver, necessariamente tem de elevar as pessoas da camada popular e/ou a camada 
popular como um todo (quando se trata de políticas/iniciativas em nível de Estado ou em 
nível de sociedade global). Em outros termos queremos dizer que a extensão, caracterizada 
como orgânica, deve ser emancipadora, libertadora, possibilitar a autonomia e elevar o 
pensamento para além do senso comum (JANTSCH e SCHAEFER, p. 150). 
 Por isso é essencial ter-se em mente a pergunta: O que se pretende estender? Ou 
melhor, o que se pretende dialogar? (9) Será que o conhecimento que se pretende 
disponibilizar para a comunidade está impregnado com alguma ideologia? Qual? 
 Atentar-se às referidas perguntas é essencial pois a atividade de extensão pode (se 
feita sem reflexão) servir apenas para solver problemas superficiais, sem atingir as causas 
efetivas. Estender o Direito pode servir, portanto, para estender a ideologia dominante. Por 
isso, o conteúdo e a forma não se resumem a uma ‘forma de atuação’ mas se figuram como 
postura política da atividade de extensão. O conteúdo e o método irão determinar que se 
estenda o Direito como um espaço a ser conquistado – dialogando através dos direitos uma 
postura de participação democrática e popular. 
5. Método Tradicional de Extensão: Assistência 
 O discurso jurídico tradicional utiliza-se das expressões ‘Assistência’ e ‘Assessoria’ 
indistintamente e como sinônimas. A distinção ocorreu apenas dentro dos movimentos 
sociais, sob a influência do discurso pedagógico de Paulo Freire, ao repudiar a idéia de 
assistencialismo. O movimento estudantil (em especial as denominadas AJUs – Assessorias 
Jurídicas Universitárias) assumiu essa distinção, mas por contradizer o conhecimento douto 
estabelecido acabou por conviver com uma intrigante contradição. Mesmo sabendo na 
prática as diferenças entre uma Assessoria e uma Assistência não há substrato teórico 
estabelecido sobre o tema. Por isso, essa discussão ganha relevância teórica e política. 
 O conhecimento "científico" do Direito conhece duas acepções de Assistência, 
usualmente referida nos livros sobre acesso à justiça e nos manuais de direito processual. A 
distinção ocorre entre assistência jurídica e judiciária. Assistência judiciária seria a 
elaboração de trabalhos processuais para defesa dos direitos dos hipossuficientes pela via 
do Poder Judiciário e de forma gratuita. Os exemplos de instituições que prestam 
assistência judiciária mais citados são os escritórios-modelo, a defensoria pública e os 
escritórios de advocacia popular. (10) O conceito de assistência jurídica pode ser retirado da 
Constituição Federal da República do Brasil de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXXIV; " – 
O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem 
insuficiência de recursos" (11). Pode-se observar que a expressão utilizada na Constituição 
da República é: ‘assistência jurídica integral’. Por isso a doutrina tem considerado que a 
Constituição pretendeu ampliar a idéia de Assistência, incluindo, além da assistência 
judiciária, o que se entende por assistência jurídica. Logo, a assistência jurídica não está 
mais limitada à utilização do Poder Judiciário, mas também inclui meios extrajudiciais de 
conciliação, prestação de informações jurídicas por meio de consultorias, representação 
junto à administração pública, atividades de mediação de conflitos e atividades com o 
objetivo da educação (como a criação de cartilhas sobre direitos, palestras, etc.), entre 
outros. 
 É possível observar que essa distinção está calcada no uso (ou não) do Poder 
Judiciário. Enquanto a Assistência judiciária mantém-se ligada ao uso do Poder Judiciário a 
Assistência jurídica aceita novas possibilidades de resolução de conflitos. A primeira está 
ligada a uma concepção monista de Direito (o Direito é tudo que provém do Estado), já a 
segunda a uma concepção utilitarista do Direito (o Direito é tudo que resolve conflito). 
Além disso, ao se adotar essa terminologia proposta nos manuais, adota-se a idéia de que 
interessa apenas distinguir o que ‘é’ ou ‘não é’ assistência processual oficial, colocando-se 
todas as demais atividades de resolução de conflitos dentro do mesmo balaio de gato. 
 Não seria demasiada ousadia afirmar que a influência do positivismo jurídico está 
arraigada na base dessa concepção, adotando um viés monista e formalista do Direito. O 
que, obviamente, não se presta a atividades inovadoras de extensão jurídica universitária. 
Além do que, separa o Direito das demais áreas do conhecimento, ignorando a 
interdisciplinariedade. 
 Através das idéias de Paulo Freire, foi possível observar que as atividades de 
extensão universitárias (nesse caso as relativas ao Direito) se revelam, via de regra, como 
Assistência. Esse autor distingue duas possibilidades de Assistência: a intelectual e a 
material. Na primeira o sujeito recebe informações que são depositadas em sua mente, 
geralmente por meio de palestras (pelo que Freire chama de método bancário de ensino), 
ignorando-se a cultura popular e a experiência do sujeito, não transformando nem o 
"atendido" em sujeito do conhecimento (12) e muito menos a universidade. A segunda 
possibilidade é mais autoritária ainda, apenas se fornecendo algum produto pronto, como 
no caso de elaboração de petições sem a menor disposição ao diálogo. Esses duas 
possibilidades de assistência pautam-se na centralidade do solvimento do litígio pelo sujeito 
da universidade. O objetivo de ambas é a diminuição da litigiosidade. Mesmo quando a 
‘assistência intelectual’, pretensamente, quer estimular a educação para autonomia e 
cidadania não o faz efetivamente porque atua como se o ‘atendido’ fosse apenas um 
‘objeto’, um depósito a ser preenchido. Além disso, tanto a assistência intelectual quanto a 
material se limitam ao legal instituído. Portanto não superam a concepção monista de 
Direito, ignorando o pluralismo jurídico. 
 Ao primeiro contato com o tema, não raro, confunde-se ‘Assistência intelectual’ 
com a ‘Assessoria Jurídica’ pois a primeira objetiva a educação para os direitos assim como 
a segunda. Todavia, algumas características da primeira fulminam tal compreensão. 
Assistência intelectual objetiva a educação para a solução de litígios. A cidadania se resume 
a entender os direitos conferidos e exercê-los através do ordenamento jurídico já instituído. 
A assistência intelectual serve apenas para informar o cidadão de sua cidadania. A 
cidadania existe pronta em alguma legislação. O vazio da proposta de ‘assistência 
intelectual’ se encontra no conceito de cidadania, o qual se resume a um amontoado de 
direitos. Se assim se considerar, educar não conferirá cidadania a ninguém, mas somente a 
aperfeiçoará e torná-la-á consciente. A cidadania não seria uma conduta desejável (ética 
cidadã), porém apenas um conjunto de direitos concedidos pelos Getúlios desse berço 
esplêndido. (13) 
 A Assistência jurídica é predominante no meio acadêmico de Direito porque se 
utiliza de preconceitos para se naturalizar. Acredita-se na superioridade do conhecimento 
universitário, o que, consequentemente, leva à invasão cultural e à supressão do diálogo. "O 
diálogo verdadeiro só é possível entre iguais ou entre pessoas que desejam igualar-se" 
(BORDENAVE, p. 51). Para a Assistência o conhecimento universitário é dádiva que 
solverá todos os problemas da sociedade e a experiência histórica do sujeito comunitário de 
nada vale. De outro lado, acredita-se na vanguarda da universidade,a qual intitula-se centro 
da crítica na sociedade, pretendendo conferir a todos um conhecimento superior e puro (14). 
Por fim, com especial relevância nas universidades públicas, acredita-se retribuir (e até 
pagar) a gratuidade do ensino oferecendo um ‘serviço’ a sociedade. Na perspectiva de 
‘serviço’ se oferece o conhecimento universitário na forma de ‘mercadoria’, mesmo que 
gratuita. (15) 
 Essa perspectiva, pautada em preconceitos, é chamada por Paulo Freire de 
‘assistencialismo’ e, em resumo, é criticada pelo mesmo pois: 
 Opúnhamo-nos a estas soluções assistencialistas, (...) Em primeiro lugar, 
contradiziam a vocação natural da pessoa – a de ser sujeito e não objeto, e o 
assistencialismo faz de quem recebe a assistência um objeto passivo, sem possibilidade de 
participar do processo de sua própria recuperação. Em segundo lugar, contradiziam o 
processo de ‘democratização fundamental’ em que estávamos situados. (...) O grande 
perigo do assistencialismo está na violência do seu antidiálogo que, impondo ao homem o 
mutismo e passividade, não lhe oferece condições especiais para desenvolvimento ou a 
‘abertura’ de sua consciência que, nas democracias autênticas, há de ser cada vez mais 
crítica. (...) O assistencialismo (...) é uma forma de ação que rouba ao homem as condições 
à consecução de uma das necessidades fundamentais de sua alma – a responsabilidade. (...) 
É exatamente por isso que a responsabilidade é um dado existencial. Daí não pode ser ela 
incorporada ao homem intelectualmente, mas vivencialmente. No assistencialismo não há 
responsabilidade. Não há decisão. Só há gestos que revelam passividade e ‘domesticação’ 
do homem (FREIRE, 1969, p. 57-8). 
 Observe-se que, quando a Assistência Jurídica ganha traços de ‘assistencialismo’, 
sua proposta perde todo o significado político e social radicais que a extensão universitária 
inovadora pretende. Um Estado democrático deve oferecer ‘Assistência jurídica’ como 
direito fundamental ao hipossuficiente e a Universidade Pública pode ser um caminho para 
possibilitar tal direito. Todavia, duas características são estreitas a essa questão: a 
necessidade e a excepcionalidade da Assistência. (16) Quando a Assistência não é necessária 
ou se normaliza recai-se no paternalismo e no assistencialismo. A ‘Assistência jurídica’ se 
justifica pelos obstáculos econômicos ao acesso à justiça. Todavia, a moderna doutrina 
sobre o Acesso à Justiça identifica, além dos obstáculos econômicos, obstáculos 
socioculturais (17). Ao se falar em obstáculos ao Acesso à Justiça não se trata só da pobreza 
econômica, mas também de seus efeitos culturais, sociais e políticos que levam ao 
desconhecimento e à descrença nos direitos. A Assessoria jurídica desenvolveu-se, 
precisamente, sobre a crítica do ‘assistencialismo’ e não sobre a crítica da ‘Assistência’ 
jurídica como direito fundamental. 
 Na exemplificação das atividades assistencialistas interessa referir-se ao chamado 
escritório-modelo. Sua influência está presente em todas as demais atividades de ‘extensão’ 
em Direito, as quais, em geral, buscam levar o escritório-modelo para comunidades 
marginalizadas. Esse talvez seja o grande problema da extensão em Direito: reproduz-se 
um método sem reflexão. Daí a importância de desconstruir a concepção metodológica do 
escritório-modelo para se visualizar a ideologia que o permeia. Obrigatório para a formação 
do aluno, o escritório-modelo parte, tanto na teoria como na prática, de uma concepção 
assistencialista. O grande problema metodológico da concepção do escritório-modelo é a 
tentativa de conciliação da prática assistencialista com o ensino da prática judiciária (18) para 
o acadêmico de Direito. Entretanto, geralmente, não se pratica "Assistência" jurídica livre 
do assistencialismo, assim como o ensino de prática é muito limitado e improvisado. 
 Outras propostas de extensão em Direito se limitam a "Assistência" intelectual, 
como na formulação de cartilhas, panfletos, folders e todo o tipo de material informativo 
sobre o Direito, ou na realização de palestras, conferências e cursos. Todavia, não há 
diálogo com a comunidade e a efetividade destas atividades de pretensa educação é 
questionável. Falta atenção a metodologia de ensino. As atividades de mediação e 
conciliação, geralmente, são feitas com o intuito de solver problemas específicos como 
separações, divórcios, pequenos danos, acidentes de trânsito, brigas de vizinhos, entre 
outros. Objetivam evitar o trâmite no Poder Judiciário, o que demonstra falta de sincronia 
desse com os problemas e a realidade social atual. Muitas vezes se oferecem acordos 
(su)geridos por um ‘conciliador’ que irá avaliar a situação jurídica, prever as conseqüências 
e propor a solução. As partes figuram como espectadores. Sua participação se resume a 
concordar ou discordar do acordo, sob a coação de enfrentamento do moroso e custoso 
Poder Judiciário. 
 Comparando os serviços legais tradicionais e os inovadores Campilongo 
desenvolveu no início da década de 80 uma tipologia dos serviços legais no Brasil, sendo a 
primeira reflexão sobre a questão dos serviços legais e o surgimento de novas realidades 
sociais. Sua tipologia divide os serviços legais tradicionais e inovadores: 
 Características dos Serviços Jurídicos na Tipologia de Celso Fernandes 
Campilongo 
 Serviços Legais Tradicionais: individual; paternalismo; apatia; mistério; legal; 
controle de litigiosidade; técnico jurídico; demandas clássicas; ética utilitária; certeza 
jurídica. 
 Serviços Legais Inovadores: coletivo; organização; participação; desencantamento; 
extralegal; explosão de litígios; multiprofissionalismo; demandas de impacto social; ética 
comunitária; justiça. (19) 
 A partir da crítica aos modelos de tradicionais de serviços legais começaram a 
surgir novas experiências de extensão universitária em Direito. A conciliação dessa nova 
perspectiva de serviços legais desenvolvida no período de redemocratização brasileira com 
as críticas pedagógicas freirianas formularam a nova perspectiva de extensão que os 
estudantes, apropriando-se do nome criado nos movimento sociais, denominaram 
Assessoria. 
6. Método Inovador de Extensão: Assessoria 
 Como anteriormente aludido, a Assessoria parte do diálogo entre a Universidade e a 
Sociedade. (20) O agente do processo de Assessoria Jurídica não é somente o membro da 
comunidade nem somente o operador jurídico. Dentro da Assessoria jurídica somente o 
diálogo pode construir um conhecimento. Parte-se da proposta de que cada um, por ter uma 
experiência de vida diferenciada, detém um conhecimento e somente a partir do diálogo 
entre o popular e o acadêmico é possível construir um conhecimento crítico. Somente com 
a congruência do conhecimento acadêmico e do popular, um de cunho preponderantemente 
teórico e outro de cunho preponderantemente prático, é possível estabelecer diálogo e, por 
fim, um conhecimento crítico a partir de práxis (direito vivo). O que se busca não é impor 
conhecimentos ao membro da comunidade mas lhe possibilitar, a partir do diálogo, a 
construção do seu próprio conhecimento. 
 Para o membro da comunidade o conhecimento não se limitará à experiência 
inativa, pois adquirirá experiência de ‘como’ a questão jurídica pode ser problematizada e 
‘como’ poder-se-á encontrar uma solução a partir do intercâmbio de conhecimentos. O 
diálogo desenvolver-se-á com outros sujeitos, com o próximo, com a própria comunidade 
(21). Ocorre neste sentido o desenvolvimento da postura coletivista. Logo, quem irá 
desenvolver a solução para as questões será o coletivo, pois o individual precisa do coletivo 
para dialogar e construir o seu conhecimento. 
 A Assessoria se encontra na terceira onda de Acesso à Justiça,preocupada com os 
obstáculos socioculturais ao acesso à justiça. "Podemos afirmar que a primeira solução para 
o acesso – a primeira ‘onda’ desse movimento novo – foi a assistência judiciária; a 
segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representações jurídicas para 
os interesses ‘difusos’, especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor; e o 
terceiro – e mais recente – é o que nos propomos a chamar simplesmente ‘enfoque de 
acesso à justiça’ porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, 
representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais 
articulado e compreensivo" (CAPPELLETTI e GARTH, p. 31). (22)
 A Assessoria articula-se também a partir da crítica a linguagem pedante ou 
academicista do saber jurídico. "Na verdade, as linguagens não se esgotam nas informações 
transmitidas, pois elas engendram uma série de ressonâncias significativas e 
normalizadoras das práticas sociais" (WARAT, p.15). Essa característica da linguagem de 
transmitir mais do que o seu significado tem extrema relevância para o Direito e sua 
democratização. A linguagem adornada e pomposa da ciência jurídica transmite algo além 
da informação nela contida. Foucault aprofunda a questão quando afirma que: "(...) 
suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, 
selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por 
função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua 
pesada e temível materialidade" (FOUCAULT, p. 09). O controle do discurso se faz através 
da linguagem. Linguagem dominada por poucas pessoas. Domínio que se confunde com 
poder. Enfim, o que Foucault denomina saber-poder. (23)
 Marilena Chauí, por viés epistemológico diverso, elenca a questão do discurso 
competente, discurso que é proferido por determinadas pessoas em determinadas posições 
sociais. Assim, o Direito é assunto que somente ao jurista cabe tratar. "O discurso 
competente é aquele que pode ser proferido, ouvido e aceito como verdadeiro ou autorizado 
(...) porque perdeu os laços com o lugar e o tempo de sua origem. (...) O discurso 
competente é o discurso instituído. É aquele no qual a linguagem sofre uma restrição que 
poderia ser assim resumida: não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer 
coisa em qualquer lugar em qualquer circunstância" (CHAUÍ, p. 07). (24) Na atual sociedade 
o Direito é isolado da maioria da população, sendo assunto de pequena casta de intelectuais. 
 Além do referido controle discursivo, pode-se afirmar que a linguagem utilizada não 
detém o significado (a norma) em si. "Texto e norma não se identificam. A norma é a 
interpretação do texto normativo" (GRAU, p. 17). A ambigüidade e a imprecisão, ao 
contrário do que pretendia o positivismo, são características do discurso jurídico. "Assim, 
ambigüidade e imprecisão são marcas características da linguagem jurídica. Manifesta-se a 
primeira virtude de as mesmas palavras em diversos contextos designarem distintos objetos, 
fatos ou propriedades. A mesma palavra em contextos diversos conota sentidos diversos. 
(...) Quanto à imprecisão, decorre da fluidez de certas palavras, cujo limite de aplicação é 
impreciso" (GRAU, p. 197-8). (25) 
 Os juristas tradicionais protegem-se na masmorra do discurso competente e nas 
calabouços da ambigüidade e vagueza formando um enorme castelo jurídico kafkaniano. 
"(...) Na perplexidade em que se encontram, percebem sua perda de prestígio, para que não 
encontram salvação no preciosismo de sua linguagem, precisamente porque ela lhes é 
demasiado peculiar e, por isto, incapaz de comunicar significados por que o povo anseia e 
espera" (AZEVEDO, p. 14). 
 O primeiro passo na democratização do Direito, para a Assessoria jurídica, é a 
democratização da linguagem jurídica, simplificação que não recaia em simplismo. (26) "É 
preciso transmutar a linguagem jurídica para a linguagem do povo, tornando-a 
compreensível e real" (ARAUJO e OLIVEIRA, p. 156). Tal democratização não ocorre por 
um ato de autoridade mas por uma transformação cultural. "A democratização da justiça, na 
verdade, deve passar pela democratização do ensino e da cultura, e mesmo pela 
democratização da linguagem, como instrumento de intercâmbio de idéias e informações" 
(MARINONI, p. 79-80). 
 De outro lado, busca a materialização de democracia, não apenas de cunho formal 
mas de cunho material. Pretende-se instrumentalizar o povo com conceitos críticos para o 
desenvolvimento de uma democracia radical. Assim, a Assessoria é uma proposta pautada 
no anseio de uma sociedade democrática e socialista. Logo, a Assessoria Jurídica pretende 
educar os indivíduos para o exercício da democracia. 
 Objetivando orientar o desenvolvimento das atividades de ‘Assessoria jurídica’, 
reporta-se à delimitação principiológica apresentada na oficina desenvolvida pelo projeto 
SAJUP-UFPR (24 de maio de 2003): 
 1.Superação do individualismo e preferência pelo coletivo (negar o individualismo); 
 2.Participação Comunitária e Acadêmica Horizontais para Conscientização (negar o 
paternalismo e a subordinação); 
 3.Construção de um Direito Crítico (negar o dogmatismo e o positivismo jurídicos); 
 4.Presentificação (negar o absenteísmo). 
 Negar o individualismo. A perspectiva do coletivo em contraposição ao individual é 
uma tendência do movimento de Acesso à Justiça. A perspectiva da ‘solidariedade’ ganha 
nova feição pois os direitos e a cidadania deixam de ser entendidos individualmente para se 
tornarem uma condição coletiva. Basta observar a moderna concepção de Direitos 
Humanos (27) e a indivisibilidade entre os direitos individuais e sociais. Isso não significa 
um abandono do individual, pelo contrário, entende-se que o indivíduo somente terá 
capacidade de afirmar-se enquanto tal quando coletivamente inserido, culturalmente 
inserido em sua comunidade. Tendo em vista o sistema econômico capitalista, o qual 
desnatura o indivíduo no individualismo, cabe à Assessoria propor o reencontro com o 
coletivo, com o comunitário. Vale dizer, ainda, que coletivamente a força política para o 
exercício de direitos e para a conquista de novos direitos se potencializa. Portanto, também 
é uma estratégia para luta política. 
 Negar o paternalismo e a subordinação. A Assistência pressupõe o comando das 
atividades por aquele que detém o conhecimento para resolver o problema jurídico: quando 
Assistência judiciária propõe a solução dada pelo Poder Judiciário; quando Assistência 
material a solução dada pelo técnico (advogado, estudante, ou jurista); quando Assistência 
intelectual a solução (conhecimento) ministrada pelo intelectual. Percebe-se o assistente 
dirigindo a atividade. Isto porque para a Assistência o membro da comunidade não é capaz 
de resolver a questão. Ao incapaz se destina o paternalismo. A relação de subordinação é 
conseqüente. Para superar tal aspecto a Assessoria se baseia na participação ativa do 
membro da comunidade em todos os momentos da atividade de Assessoria. No mesmo 
sentido, a participação só é efetiva quando se trava de maneira horizontal. 
 Negar o dogmatismo e o positivismo jurídicos. A Assistência, desde suas 
classificações até sua prática, apresenta-se conexa ao Direito estatal concebido estritamente 
pela lei (28). Diversas são as críticas ao positivismo, que resume o direito a lei estatal, e ao 
dogmatismo. Uma das principais tarefas da Assessoria jurídica é desconstruir os mitos do 
positivismo e do dogmatismo principalmente quando ligados à noção de cidadania (29). O 
que qualifica essencialmente a Assessoria enquanto Jurídica é exatamente a sua crítica, não 
apenas teórica,mas de igual sorte prática, ao Direito tradicional. 
 Negar o absenteísmo. Este princípio se mostra enquanto postura ética da Assessoria. 
Absenteísmo significa o estado de alheamento à realidade, ao ambiente e ao mundo 
exterior. Quando pratica a ‘Assistência jurídica’, o jurista não detém verdadeiro contato 
com a sociedade, não há interação entre os seres humanos. Para que os seres humanos 
realmente interajam é preciso uma intenção ética. É preciso deixar de ser um técnico 
jurídico e se tornar um ser humano (30). Estar presente na atividade de Assessoria é sentir, 
vivenciar sentimentos. Nisto consiste a presentificação. O envolvimento pessoal, humano e 
emocional com o coletivo. Isso não significa o abandono do racional ou da técnica, pelo 
contrário, se pretende desmitificar o pressuposto da neutralidade axiológica impregnado 
naqueles. Entender-se humano, repleto de emoções que não podem ser ignoradas, perfaz 
um novo sentido no contato entre humanos presentes na comunidade. 
 Para encontrar os limites de distinção da Assistência e da Assessoria interessante é a 
provocação do professor Pedro DEMO: "Mesmo fazendo parte do mesmo contexto da 
política social e dos direitos sociais, assistência e promoção comunitária contêm lógicas 
diferentes e mesmo polarizadas dialeticamente" (DEMO, p. 98). (31) 
 A contradição entre os métodos é nítida. A ‘Assistência jurídica’ pretende a 
igualdade mediante reformas, solução de litígios. Para a Assistência as reformas diminuem 
as desigualdades sociais. A perspectiva é reformista, melhorista. Já a Assessoria parte da 
noção de revolução porque fundada na contestação ao sistema social. A conscientização do 
homem se realiza na sua humanização, na passagem da posição de objeto para sujeito. O 
sujeito ao se humanizar não pode mais conviver com um mundo que o reifica, o coisifica. 
Por outro lado, questionando-se sobre a perspectiva politico-ideológica, de igual sorte 
incongruentes as metodologias da Assistência e da Assessoria. Enquanto a ‘Assistência 
jurídica’ visa à manutenção do capitalismo e da democracia meramente formal, a 
‘Assessoria jurídica’ busca, ao contrário, o socialismo democrático (democracia material). 
Operando-se com propostas assistencialistas, estimula-se a confiança nas medidas 
reformistas do sistema (do status quo). Por isso, quando se desenvolvem propostas 
assistencialistas, coopta-se o membro da comunidade ao sistema (e, consequentemente, à 
ideologia da reforma) ao invés de lhe despertar uma concepção crítica sobre o mesmo. Por 
isso, a mudança do método de educação (32) acaba por despertar no homem uma nova 
postura política. Conclui-se pela impossibilidade de conciliação dos métodos. 
 Assessoria e Assistência não podem ser conciliadas. Suas concepções ideológicas e 
políticas são estranhas. Logo, o que identificará a metodologia empregada é seu fim 
político-ideológico. 
 Por outro lado resta averiguar a questão relativa aos projetos/programas de extensão 
universitária que se utilizam das metodologias, simultaneamente, da Assistência e da 
Assessoria – seja por falta de reflexão do método, seja por outro motivo. Essas atividades 
tenderam a adotar apenas uma metodologia. Isto ocorre face a contradição finalística das 
metodologias, as quais caminharão para fins diversos. A tendência, portanto, será a de se 
adotar apenas um método. 
 Em geral, tendencialmente, predominará a metodologia assistencialista porque esta 
confere resultados imediatos e quantitativos (mesmo que superficiais e momentâneos), 
apreciáveis em menor tempo. Portanto, além de serem inconciliáveis, inexistindo método 
misto, também não permaneceram sendo desenvolvidas simultaneamente. 
 Se de um lado inexiste método misto de Assessoria e Assistência, por outro lado se 
deve ponderar pela dificuldade de aplicação pura dos referidos métodos. Para se 
identificarem, na prática, as diferenças, sugere-se a avaliação teórica e prática da finalidade 
e o resultado da atividade de extensão. Uma avaliação qualitativa só é possível em 
contrastando-se a teoria a que se propõe a atividade e sua prática. Isso sugere, portanto, um 
olhar casuístico. 
 Servindo como indicativo, as atividades de Assistência não precedem de 
explicitações teóricas pois se utilizam apenas das teorias dominantes de Educação e Direito. 
Já a Assessoria necessita de constante pesquisa teórica sobre Educação e Direito. A 
contestação não se suporta, enquanto atividade acrítica, sem reflexão teórica. Já a 
consecução prática da Assessoria depende de avaliações metodológicas (e não 
quantitativas) constantes. Portanto, a constante busca pela teorização caracteriza a 
Assessoria jurídica como método inovador. 
 Como se pode observar, nem sempre as Assessorias conseguiram (talvez nunca 
conseguirão) superar todos os obstáculos a que se propõem. A superação, portanto, exige 
um constante e rígido processo de auto-avaliação. 
7. Considerações Finais 
 Interessa, aqui, notar que atualmente os modelos institucionais da metodologia da 
Assessoria jurídica são os denominados SAJUs (Serviços de Assessoria Jurídica 
Universitária). Alguns contêm longo histórico, como o SAJU- UFRGS (33) e SAJU-UFBA - 
este fundado em 1963, e aquele em 1950. (34) Apesar de inicialmente desenvolverem 
projetos de cunho assistencialista, começaram a tomar uma nova configuração 
metodológica em suas atividades a partir do fim da década de 80 e início da década de 90 
devido à redemocratização, à eclosão da teoria crítica do Direito no Brasil (35) e à influência 
dos novos movimentos sociais. Com a crítica do modelo jurídico existente logo criticou-se 
também a extensão (a final, um ato de ‘estender’) desse modelo. A interdisciplinaridade 
também renovou os ares das propostas extensionistas, o que gerou a progressiva mudança 
metodológica desses projetos (36). Especialmente neste sentido, a metodologia freiriana e 
sua ‘Pedagogia do Oprimido’ tiveram influência decisiva para a tentativa de superação do 
método assistencialista. 
 Na década de 90 surgem os novos SAJUs. Estes se diferenciam pela proposta 
baseada, desde a origem, na concepção metodológica da AJUP. O apoio institucional aos 
SAJUs é reduzido e a grande luta é pela existência. Entre eles podem ser citados: NAJUP – 
Negro Cosme/UFMA, CAJU/UFCE, NAJUC/UFCE, Cajuína/UFPI, SAJU/UFS, 
SAJU/UNIFOR-CE e o SAJUP-UFPR. Há notícia ainda de novos projetos ainda não 
integrados à RENAJU como: SAJU-USP, SAJU-PUCAMP e o NAJUP-PUC/RS. Para o 
desenvolvimento destes projetos foi criada em meados da década de 90 a Rede Nacional de 
Assessoria Jurídica Universitária (RENAJU), que pretende, por meio de trocas de 
experiências, discutir e desenvolver a concepção da metodologia da AJUP, bem como 
divulgar e expandir esta proposta inovadora através do movimento estudantil de Direito, em 
especial através de encontros universitários. Além disso, existe o estímulo a teorizar as 
experiências a fim de que não ocorra o retrocesso às atividades de cunho assistencialista. 
 Recuperar essa história, micro-história é tarefa contínua dos movimentos 
inovadores. Como afirma Walter Benjamin: "O cronista que narra os acontecimentos, sem 
distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um 
dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história" (BENJAMIN, p. 223). A partir 
da experiência de novas propostas inovadoras pode-se vislumbrar um novo rumo para o uso 
do Direito no Brasil e, especialmente, para a finalidade da extensão na Universidade. 
Trabalho que pode parecer pequeno mas que gera grandes mudanças em quem atua com 
disposição nele. 
8. Notas 
 1 Diversas obras de Michel FOUCAULT trabalham esse conceito. Todavia, 
recomenda-se a leitura de pequeno artigo que resumea percepção do Direito para Foucault: 
LOSCHAK, Danièle. A questão do Direito. In: ESCOBAR, Carlos Henrique de.(org.) 
Michel Foucault - Dossier. Rio de Janeiro: Taurus, 1984. (122-4) 
 2 Para maiores detalhes recomenda-se a leitura da primeira parte do livro: FONSECA, 
Ricardo Marcelo. Modernidade e Contrato de Trabalho: do sujeito de direito a sujeição 
jurídica. São Paulo: LTr, 2002. 
 3 "Art. 207 - As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa 
e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre 
ensino, pesquisa e extensão." Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada 
em 5 de outubro de 1988. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. 
 4 "(...) sustentam que as academias de Direito foram responsáveis por uma prática de 
tal modo comprometida com os processos de exploração econômica e de dominação 
política que o bacharel não foi preparado para o exercício da função crítica" (ADORNO, 
p.159).

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