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Reflexões sobre A Teoria Ampliada do Estado em 
Gramsci 
 
João Rêgo 
Este texto foi escrito quando da comemoração dos 100 anos do nascimento de 
Gramsci. Publicado em 5 de abril de 1991 no Caderno Cultural do Jornal do 
Commercio. Recife, Pernambuco, Brasil 
O autor é cientista político e psicanalista. Atualmente é pesquisador na Fundação 
Joaquim Nabuco - FUNDAJ . Coordena o projeto do Centro de Estudos Eleitorais 
Internacionais - CELINT. 
 
Desde Maquiavel até Hobbes, de Locke, Rousseau até Marx o Estado vem sendo 
interpretado das mais diversas maneiras. É entretanto em Marx que o Estado perde sua 
áurea de superioridade entre os homens. Em Hobbes, o poderoso Leviatã, no qual todas as 
experiências históricas totalitárias podem ser nele retratadas, em Locke o Estado liberal, 
protetor da propriedade privada; todos vem agregando partes de "verdade" na explicação 
desse estranho "ente" que representa a passagem da humanidade do estado natural para o 
estado de vida em sociedade. Porém, foi apenas em Marx onde o Estado foi 
"dessacralizado"[1], ou seja foi relacionada sua existência às contradições das classes sociais 
existentes na sociedade. Assim, em vez do Estado imanente e superior, acima dos homens, 
Marx apresenta-o como um mero instrumento da classe dominante. A gênese do Estado 
reside portanto na divisão da sociedade em classes, sendo sua principal função conservar e 
reproduzir esta divisão, garantindo os interesses da classe que domina as outras classes. 
Esta descoberta de Marx, alterou significativamente as relações sociais, em decorrência das 
diversas inferências que a classe trabalhadora pôde daí extrair, principalmente no sentido de 
estimular a luta pela superação das contradições internas da sociedade, assumindo uma 
posição de nova classe dominante, extinguindo-se assim a sociedade de classes. 
Desta visão aparentemente simplista e mecanicista, Gramsci desenvolve uma visão mais 
elaborada e complexa sobre a sociedade e o Estado. Para ele o Estado é força e consenso. 
Ou seja, apesar de estar a serviço de uma classes dominante ele não se mantém apenas pela 
força e pela coerção legal; sua dominação é bem mais sutil e eficaz. Através de diversos 
meios e sistemas, inclusive e principalmente, através de entidades que aparentemente estão 
fora da estrutura estatal coercitiva, o Estado se mantém e se reproduz como instrumento de 
uma classe, também construindo o consenso no seio da sociedade. Assim Gramsci amplia a 
visão marxiana do Estado, interpretando-o como um ser que a tudo envolve, o qual é 
composto pela sociedade política e a sociedade civil. Em suas palavras: 
Estado - sociedade civil e sociedade política, isto é hegemonia encouraçada de 
coerção.(..........) 
O termo hegemonia, apesar de ter sido usado anteriormente por Lênin, traz uma dupla 
interpretação: a primeira, teria o significado de dominação; a segunda um significado de 
liderança tendo implícita alguma noção de consentimento. É nesta segunda definição que 
este termo assume um papel de destaque na elaboração de todo o quadro teórico 
gramsciano. É interpretando como se dá a dominação da burguesia na Itália, e utilizando 
Maquiavel e Pareto, sobre seus conceitos de Estado como força e consentimento, que o 
conceito de hegemonia em Gramsci assume papel fundamentador na sua concepção de 
Estado. 
É em uma carta à sua cunhada Tatiana Schucht de Dezembro de 1931 que Gramsci expõe 
de forma resumida seu novo conceito de Estado ampliado: 
Eu amplio muito a noção de intelectual e não me limito à noção corrente 
que se refere aos grandes intelectuais. Esse estudo leva também a certas 
determinações do conceito de Estado, que habitualmente é entendido como 
sociedade política ( ou ditadura, ou aparelho coercitivo para adequar a 
massa popular a um tipo de produção e a economia a um dado momento); e 
não como equilíbrio entre a sociedade política e sociedade civil ( ou 
hegemonia de um grupo social sobre a inteira sociedade nacional, exercidas 
através de organizações ditas privadas, como a igreja, os sindicatos, as 
escolas, etc.)........ 
Assim o Estado se compõe de dois segmentos distintos, porém atuando com o mesmo 
objetivo, que é o de manter e reproduzir a dominação da classe hegemônica: 
A sociedade política (Estado em sentido restrito ou Estado - coerção) a qual é formada 
pelos mecanismos que garantam o monopólio da força pela classe dominante (burocracia 
executiva e policial-militar) e a sociedade civil, formada pelo conjunto das organizações 
responsáveis pela elaboração e difusão das ideologias, composta pelo sistema escolar, 
Igreja, sindicatos, partidos políticos, organizações profissionais, organizações culturais 
(revistas, jornais, meios de comunicação de massa, etc). 
E aqui merecem destaque os meios de comunicação, pois para sua época estavam ainda em 
sua fase embrionária, e a televisão nem sequer fazia parte dos projetos futurísticos da 
época. Isto só seria possível no início da década de 50. É exatamente através dos meios de 
comunicação modernos, que se dá a canalização da direção intelectual e moral, difundindo 
eficazmente as ideologias, da classe hegemônica vigente. 
Percebe-se aqui, que aquilo que os clássicos vinham tentado interpretar e explicar como 
Estado, é apenas a sociedade política do Estado gramsciano. A sociedade civil representa o 
novo momento teórico, a nova determinação descoberta por Gramsci. 
É interessante observar que esta sociedade civil vem assumir sua dimensão material com 
maior intensidade apenas no começo do século XX, com os partidos de massa, sindicatos 
de milhares de trabalhadores e outras formas complexas de organizações sociais. 
É somente após sua evolução histórica que a sociedade civil pôde ser capturada 
teoricamente. Antes disso, o Estado- coerção era muito superior em sua base material para 
se permitir tal percepção. 
O que nos chama a atenção no modelo do Estado Ampliado, contrariamente as definições 
dos clássicos, desde o Leviatã de Hobbes até Marx, é o sentido unitário do Estado. Ou seja, 
até Marx, se imaginava o Estado como algo distinto da sociedade civil, que deveria ser 
extinto no momento que se extinguisse a divisão de classes dentro da sociedade, uma vez 
que era esta divisão que produzia a necessidade de se ter um Estado. Percebe-se a separação 
entre Estado e sociedade, mesmo que a existência do primeiro esteja ligada a certas 
condições encontradas na segunda. 
Em Gramsci porém, quando ele agrega também a sociedade civil ao Estado-coerção, nada 
fica de fora do Estado. Este "todo" entretanto não é homogêneo, é rico em contradições e é 
mantido por um certo "tecido hegemônico" que a cada momento histórico é criado e 
recriado em um processo constante de renovação dialética. 
Assim, a luta pela construção de uma sociedade socialista, torna-se bem mais complexa e 
difícil do que se imaginava em Marx-Lênin. Não basta ser classe dominante, mas tem que 
ser também classe hegemônica (dirigente). Desta forma a arena de luta entre as classes 
(igualmente ao modelo de Estado) também se amplia. Assim a sociedade só ultrapassará o 
estágio do modo de produção capitalista, quando o bloco histórico hegemônico passar às 
mãos da classe trabalhadora. Neste momento a sociedade civil terá atingido uma base 
material superior a base material (aparelho de repressão) do Estado-coerção, atingindo o 
que Gramsci chama de "sociedade regulada". 
Segue interessante e esclarecedor texto de Gramsci citado por Carlos Nélson Coutinho: 
-... ele explicita melhor ainda a dialética (unidade na adversidade) entre 
sociedade política e sociedade civil : " A supremacia de um grupo social se 
manifesta de dois modos, como domínio e como direção intelectual e moral. 
Um grupo social é dominante dos grupos adversários que tende a liquidar 
ou submeter também a força armada; e é dirigente dos grupos afinsou 
aliados.( Gramsci ....)". Nesse texto, o termo supremacia designa o momento 
sintético que unifica (sem homogeneizar) a hegemonia e a dominação, o 
consenso e a coerção, a direção e a ditadura.- 
É finalmente no projeto de Gramsci em relação a transição da sociedade, de um modo de 
produção capitalista, para uma sociedade socialista, que ele renova dialeticamente os 
conceitos de extinção do Estado, de Marx, Engels e Lênin. 
Ou seja, com a projeção da gradativa absorção da sociedade política pela sociedade civil, a 
qual atua através dos seus aparelhos privados de hegemonia (o que significa o consenso 
como essência da comunicação no interior da sociedade), o Estado-coerção irá sendo 
substituído pelo Estado-ético. E é esta figura remanescente do Estado-coerção, que torna 
mais factível o modelo de sociedade socialista e menos utópico como planejara Marx e 
Lênin. 
Novamente em Carlos Nélson Coutinho, encontramos esse trecho, no qual faz a distinção 
entre a extinção do Estado em Marx e Lênin para a extinção do Estado em Gramsci. 
O ponto novo, a concretização gramsciana da teoria "clássica" do fim do 
Estado, reside em sua idéia-realista de que aquilo que se extinguiu são so 
mecanismos do Estado-coerção, da sociedade política, conservando-se 
entretanto os organismos da sociedade civil, os quais se convertem nos 
portadores materiais do "autogoverno dos produtores associados". O fim do 
Estado não implica nele a idéia-generosa, mais utópica, de uma sociedade 
sem governo. 
Do exposto, podemos inferir que, na concepção gramsciana de Estado, as sociedades 
capitalistas modernas, democráticas, estariam historicamente muito mais avançadas e por 
conseqüência mais próximas de uma nova etapa de transição para o socialismo do que as 
sociedades que vivenciaram os 70 anos de "tentativa de construção do socialismo". Isto 
porque a sociedade civil nas primeiras estão infinitamente mais consolidadas 
estruturalmente do que as segunda, onde nestas o Estado-coerção ocupou durante décadas 
quase que a totalidade da base material da sociedade, ocasionando a necessidade de todo 
este processo de reestruturação com um estágio ainda incipiente de organização da 
sociedade civil. 
Outra questão: se a supremacia da sociedade civil se dará pelo consenso contra a coerção, 
onde fica o conceito de luta de classes, momento celular do pensamento marxista clássico? 
Ainda mais: se em Gramsci a extinção do Estado-coerção se dará pela reabsorção deste 
pelo Estado-ético (sociedade civil) e esta sociedade civil era parte integrante do Estado 
Ampliado, então não se pode falar de extinção do Estado, mas em uma reestruturação do 
Estado onde uma de suas partes componentes foi atrofiada por falta de uso ou necessidade, 
uma vez que os conflitos passaram a ser administrados pela base material do consenso ( o 
fato de você acabar com uma parte de um todo não significa que você acabou com o todo). 
Nossa dúvida final, em relação a extinção do Estado é fundamentada em alguns aspectos 
centrais da obra de Mosca e Pareto, (teoria das Elites) pois se no modelo gramsciano ainda 
restará o governo para cuidar da sociedade civil, indagamos se nesta distinção de função 
entre as pessoas (as que cuidam de exercer o "sacrifício" de governar e as que "usufruem" a 
vida numa sociedade de consenso) não estaria ainda latente o germe da dominação entre as 
classes e portanto o embrião do Estado-coerção em outro nível? 
Não estaria Gramsci incorrendo num erro fatal que perpassa todo o acervo do pensamento 
político socialista ( e portanto também pré-marxista) que é de superestimar a figura do 
homem como o "bon sauvage" rousseauniano, em vez da visão mais realista, ao nosso ver, 
do homem hobbesiano "o homem é o lobo do homem". Não seria o Estado-ético apenas 
conseqüência da projeção desse tipo ideal de homem? e portanto uma sociedade capaz de 
ser viável apenas na hipótese remota de ser composta por anjos e não por homens? 
Mesmo com tantos questionamentos, consideramos o paradigma gramsciano elevado a 
categoria de um conjunto de idéias extremamente válidas, não apenas para propor uma 
transição para o socialismo, bem como delimitar as limitações desta nova sociedade, mas 
principalmente como base teórica para compreender o desenvolvimento das sociedades 
capitalistas modernas, cada vez mais geridas pelo consenso. 
 
1 Esta expressão é de valentino Gerratana, em Lênin e a dessacralização do Estado, 
Roma, Ed. Riuniti, 1972

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