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FILOSOFIA DA LINGUÍSTICA TRÊS SAUSSURE(S)

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15/09/2016 LINGUASAGEM ­ Revista Eletrônica de Popularização Científica em Ciências da Linguagem
http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao11/polemica01 1/12
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Biblioteca Digital Mundial
 
 
FILOSOFIA DA LINGUÍSTICA: TRÊS
SAUSSURE(S)?
 
Mônica Baltazar Diniz Signori (DL-UFSCar)
Roberto Leiser Baronas (DL-UFSCar)
 
 
Em última análise é somente o lado pitoresco de
uma língua o que faz com que ela se distinga de todas
as outras como pertencendo a um certo povo que tem
certas origens, esse lado quase etnográfico, que
conserva interesse para mim: e, precisamente, não
tenho mais o prazer de poder entregar-me a esse
estudo sem desconfiança, e de desfrutar do fato
particular que se prende a um meio particular.
Sem cessar, a absoluta inépcia da terminologia
corrente, a necessidade de reformá-la e de mostrar
para isso que espécie de objeto é a língua em geral
vem estragar o meu prazer histórico, embora eu não
tenha nenhum desejo mais caro do que não precisar
ocupar-me da língua em geral.
 
Saussure[1]
 
 
ou
 
 
De você sei quase nada
Pra onde vai ou porque veio
Nem mesmo sei
Qual é a parte da tua estrada
No meu caminho
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Ceditec
 
Comunidade dos Países
de Língua Portuguesa
 
Dicionário de Termos Lingüísticos
Domínio Público
 
GEScom
 
GETerm
 
iLteC
 
Institut Ferdinand de Saussure
 
  
Portal de Periódicos Capes
 
 
Será um atalho
Ou um desvio
Um rio raso
Um passo em falso
Um prato fundo
Pra toda fome
Que há no mundo
 
Zeca Baleiro e Alice Ruiz
[2]
 
 
Quem é Ferdinand de Saussure? O que representa para a Linguística
contemporânea?
Um pensador sem dúvida nenhuma ultrapassado, autor de uma teoria alienada
que delimitou como único objeto da Lingüística a língua[3], excluindo dos estudos
linguisticos o discurso e, consequentemente, o sujeito e a história? A língua pela
língua... Que pensamento mutilado é esse que orientou a consolidação de uma
proposta científica em pleno século XX?
Um teórico superficial, que sequer vislumbrou a complexidade do objeto de
estudo que se propôs estudar, enclausurando a Linguística nos acanhados espaços
da imanência? Como se circunscrever aos limites da língua e relegar a um plano
indefinido, exterior à Linguística “propriamente dita” (CLG, 2000, p. 28), o
discurso?
Um pensador genial, que abordou a linguagem entrevendo sua complexidade?
A língua e o discurso, a sincronia e a diacronia, o sintagma e o paradigma...
Um pouco dos três? Como?
O estudo deste pequeno artigo procurará desenvolver essas interrogações.
Não tem o objetivo (pretensioso por demais!) de gerar conclusivas respostas[4].
Visa destacar algumas questões fundamentais da teoria saussuriana que, das mais
variadas formas, estão presentes no desenvolvimento da Linguística
contemporânea. Seja para ser aceito, seja para ser negado, Saussure é
continuamente relido, e cada releitura tece suas próprias considerações: “cada
época primou pela observação de determinados aspectos, cada tendência fez a sua
opção por uma obra ou um problema em particular [...]; cada leitor, enfim, leu o
“seu” Saussure” (Lopes, 1997, p. 142). Depois de um século de tamanhos
desenvolvimentos da Linguística, ao lado de sua continuidade, cada vez mais se
abrem espaços para retornos, espaços para (re)leituras, espaços criados pelo
próprio Saussure, que não nos deixou “uma ciência plenamente madura,
constituída, um corpo de doutrina consistente e consolidada. Na verdade, Saussure
15/09/2016 LINGUASAGEM ­ Revista Eletrônica de Popularização Científica em Ciências da Linguagem
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Portal de Revistas Científicas Persee
 
Revue Texto!
 
Texto livre
 
TRIANGLE
 
UEHPOSOL
 
Universia
 
não fez nada disso: ele nos deixou idéias – quer dizer, clarões de luz, sementes
para germinar” (Lopes, 1997, p. 52).
Para a breve discussão deste artigo, vamos dialogar com três obras: (i) As
palavras sob as palavras: os anagramas de Ferdinand de Saussure, (ii) o Curso de
Linguística Geral e (iii) os Escritos de Linguística Geral.
Em As palavras sob as palavras: os anagramas de Ferdinand de Saussure,
Jean Starobinski analisa a pesquisa de Saussure sobre os anagramas, que se
realizou, provavelmente, entre os anos de 1906 a 1909[5]. Saussure preencheu
mais de uma centena de cadernos[6] com esses estudos, interpretando “a poesia
clássica como uma arte combinatória cujas estruturas desenvolvidas são tributárias
de elementos simples, de dados elementares que a regra do jogo obriga todo
conjunto a conservar e a transformar” (Starobinski, 1974, p. 113). Análises de
versos saturninos (17 cadernos e um maço de papéis), de Homero (24 cadernos),
de Virgílio (19 cadernos), da métrica védica (26 cadernos), e de outros tantos
autores, encaminham-nos para a compreensão de que
 
toda linguagem é combinação mesmo que não intervenha a intenção
explícita de praticar uma arte combinatória. Os decifradores, cabalistas ou
foneticistas, têm o campo livre: uma leitura simbólica ou numérica, ou
sistematicamente atenta a um aspecto parcial, pode sempre fazer existir
um fundo latente, um segredo dissimulado, uma linguagem sob a
linguagem. E se não houvesse algarismos? Sobraria este interminável apelo
ao secreto, essa espera da descoberta, esses passos perdidos no labirinto
da exegese. (Starobinski, 1974, p. 113)
 
O Curso de Linguística Geral, obra editada por Charles Bally e Albert
Sechehaye, foi publicado em 1916, três anos após o falecimento de Saussure. Bally
e Sechehaye compuseram o Curso de Linguística Geral com base em anotações
feitas por um dos alunos de Saussure, em três cursos que ele ministrou em
Genebra, entre 1906 e 1911. É considerada a obra inaugural da Linguística
moderna e, sem desmerecer o trabalho de Bally e Sechehaye – pelo contrário,
atentando para a importância de que a edição desse livro se revestiu –, não é
possível deixar de mencionar o fato dessa obra – inaugural –, que norteia a
fundamentação não apenas da Linguística, mas do Estruturalismo, que influencia a
organização científica em várias áreas do conhecimento, não ter sido nem escrita
nem revista por aquele a quem se atribui o corpo teórico ali apresentado. Saussure
foi um pesquisador que não encontrou eco para suas reflexões em sua época,
tendo podido construir bons diálogos em círculos restritos de “alguns ouvintes”,
aos quais fazia-se “de surdo” (Starobinski, 1974, p. 113) diante das incitações para
a publicação de seu trabalho:
 
Saussure afastava-se da sua época na mesma medida em que se tornava
pouco a pouco senhor da sua própria verdade, pois essa verdade o fazia
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rejeitar tudo o que então se ensinava a respeito da linguagem. Mas ao
mesmo tempo em que hesitava diante dessa revisão radical que sentia
necessária, não podia resolver-se a publicar a menor nota antes de haver
assegurado,em primeiro lugar os fundamentos da teoria. (Benveniste,
1988, p. 40)
 
Um homem sozinho dentro do seu pensamento durante quase toda a
sua vida, não podendo consentir em ensinar aquilo que julga falso ou
ilusório, sentindo que é preciso refundir tudo, cada vez menos tentado a
fazê-lo, e finalmente, após muitos desvios que não podem arrancá-lo ao
tormento da sua verdade pessoal, comunicando a alguns ouvintes, sobre a
natureza da linguagem, idéias que não lhe pareciam jamais suficientemente
amadurecidas para serem publicadas. Morreu em 1913, pouco conhecido
fora do círculo restrito de seus alunos e de alguns amigos. Já quase
esquecido de seus contemporâneos. (Benveniste, 1988, p. 48).
 
Quando, em 1906, assume o cargo de professor titular na Universidade de
Genebra, e tem a oportunidade de “dar a conhecer as idéias pessoais que
amadurecera durante tantos anos” (CLG, 2000, p. 1), coloca-se, na verdade “diante
de um dilema”:
 
ou expor o assunto em toda a sua complexidade e confessar todas as
minhas dúvidas, o que não pode convir para um curso que deve ser matéria
de exame, ou fazer algo simplificado, melhor adaptado a um auditório de
estudantes que não são lingüistas. Mas a cada passo me vejo retido por
escrúpulos. (Saussure, em CLG, p. XVII)
 
As dúvidas de Saussure, o objetivo de construção de um entendimento bem
fundamentado diante da complexidade que a própria linguagem lhe apresentava
(mais de um século depois a linguagem ainda representa para a Lingüística
imensos campos a explorar), a ausência de eco suficiente entre seus
contemporâneos o fizeram não publicar sua teoria que, não obstante, foi editada e
trazida a público como sendo uma proposta pronta, acabada, do que deveria ser a
Ciência Linguística. É inegável, contudo, a importância da edição do Curso de
Linguística Geral para a divulgação de um pensamento que Saussure não
publicou. Mas também é inegável a necessidade de recolocá-lo em cada época,
buscando um lugar mais apropriado para idéias em franco desenvolvimento,
amadurecimento, aprofundamento.
Finalmente, os Escritos de Linguística Geral, trazendo o pensamento
saussuriano como foi deixado por ele mesmo. A edição foi organizada por Simon
Bouquet, a partir da descoberta, em 1996, de novos manuscritos saussurianos, em
hotel da família de Saussure, em Genebra.
Para quem teve sua formação linguística pautada pelas leituras do Curso de
Linguística Geral, é impossível evitar uma reação de estranhamento quando se lê
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o trabalho de Jean Starobinski, As palavras sob as palavras, quando nos
defrontamos com o Saussure dos anagramas.
Logo no início dessa leitura, nos deparamos com as seguintes afirmações de
Saussure, retiradas de “uma folha rasgada, não datada”:
 
Para mim, quando se trata de linguística, isto é acrescido pelo fato de que
toda teoria clara, quanto mais clara for, mais inexprimível em linguística ela
se torna, porque acredito que não exista um só termo nesta ciência que seja
fundado sobre uma idéia clara e que assim, entre o começo e o fim de uma
frase, somos cinco ou seis vezes tentados a refazê-las (Saussure, em 
Starobinski, p. 11)
 
Desconstrói-se diante de nós, conhecedores do CLG e de inúmeras (re)leituras
dessa obra, a imagem de um Saussure seguro, definitivo, que se apresenta como o
revelador de uma verdade única. Abre-se a imagem de um Saussure não inseguro,
mas absolutamente exigente, amplo, profundo, em dificuldades para elaborar
definições precisas e acabadas, expondo-nos, assim, a linguagem de maneira
muito complexa. Abre-se a imagem de um Saussure envolto, em sua essência, com
as questões de que a ciência linguística deveria se ocupar, longe da
institucionalização, próximo das íntimas indagações, imagem que não podemos
deixar de formar diante de um Saussure que se mostra por meio de uma folha
rasgada, não datada: “Saussure sente a clareza escapar-lhe vendo-a, no entanto,
oferecer-se tão próxima” (Starobinski, 1974, p. 12). É a linguagem que se apresenta
a esse pensador, em suas múltiplas faces, todas o convidando para a busca da
grande revelação: o que une tantas faces, o que faz todas elas serem únicas em
sua diversidade?
Impossível não nos perguntarmos sobre o Saussure que tão simplesmente
afirmou, no CLG, ser a língua (e não o discurso) o objeto de estudo da Lingüística:
“a língua só é criada com vistas ao discurso”, é a afirmação de Saussure que lemos
em Starobinski (1974, p. 12). Será possível que esse mesmo Saussure teria feito a
delimitação do objeto da Linguística sobre a língua, desconsiderando
completamente o discurso?
E as surpresas vão se sucedendo, página a página, desconstruindo um
Saussure austero (austeridade que parece esconder a ingenuidade de um
pensamento simplista), que delimitou com rigor o objeto de estudo da Linguística
na língua. Aparece-nos um Saussure que se detém sobre o discurso, preocupado
em compreendê-lo: “mas o que separará o discurso da língua ou o que, num dado
momento, permitirá dizer que a língua entra em ação como discurso?” (Saussure,
em Starobinski, 1974, p. 12)
Seria isso mesmo? Teríamos um Saussure da língua e outro do discurso? Um
Saussure, o que conhecemos, do CLG, e outro, dos anagramas, ou outro ainda dos
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Escritos de Lingüística Geral?
Considerando as datas das pesquisas sobre os anagramas – de 1906 a 1909,
com registros que indicam a continuidade do trabalho em 1910 – e da oferta dos
cursos de linguística geral – de 1906 a 1911 –, podemos afirmar que Saussure, no
mesmo período, estava elaborando a teoria anagramática e também os cursos a
serem ministrados, preocupado, portanto, tanto com a língua quanto com o
discurso:
 
Mas o que é a língua separada do discurso? O anterior ao discurso é
realmente a língua, ou não seria de preferência um discurso antecedente? A
língua, simples repertório de conceitos isolados, separada do discurso (da
fala) é uma abstração. A audácia de Saussure consiste em tratar essa
abstração como uma matéria-prima. Não teria havido língua – para o
linguista – se os homens não tivessem anteriormente discursado.
(Starobinski, 1974, p. 12)
 
Eis que se abalam as certezas construídas em torno de um Saussure que teria
excluído o sujeito dos estudos lingüísticos ao excluir destes o discurso. Melhor
formulada, “a pergunta que se coloca é”:
 
o que existe imediatamente atrás do verso? A resposta não é: o indivíduo
criador, mas: a palavra (ou parole, discurso) indutora. Não que Ferdinand de
Saussure chegue ao ponto de apagar o papel da subjetividade do artista;
parece-lhe, no entanto, que ela não pode produzir seu texto a não ser depois
de passar por um pré-texto.
Analisar os versos na sua gênese, não será, portanto, remontar
imediatamente a uma intenção psicológica: antes será preciso pôr em
evidência uma latência verbal sob as palavras do poema. (Starobinski, 1974,
p. 107)
 
Observamos, então, não a exclusão do sujeito, mas a colocação desse sujeito
dentro de uma teoria linguistica, que não deve se confundir com uma análise
psicologizante:
 
O discurso, a parole, não deriva imediatamente da língua, deriva
imediatamente de outro discurso anterior [...] em conseqüência, o criador do
poema não é primordialmente o poeta que o redige, é um discurso outro, o
discurso do outro, “inter-dito”. (Lopes, 1997, p. 87)
 
Em outras palavras, Saussure não exclui o sujeito, mas o compreende na
constituição da própria linguagem. Restaria-nos, das nossas certezas sobre
Saussure, o Saussure“a-historicista”?
 
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Em seu trabalho sobre os anagramas que ainda estava em desenvolvimento em
1910, Saussure “esforçou-se para encontrar a prova de que os personagens e os
acontecimentos lendários tinham fundamentos nos personagens e acontecimentos
históricos (principalmente nas dinastias dos francos e dos borguinhões)”
(Starobinski, 1974, p. 9). Dessas pesquisas, Starobinski extrai “a maior parte das
reflexões teóricas de caráter geral”, que podem ser lidas nos manuscritos:
 
Elas permitem captar a analogia surpreendente que marca as duas
pesquisas onde Saussure, a partir de textos poéticos, se esforçou por
estabelecer a intervenção de palavras, de nomes ou de fatos antecedentes.
Caberia perguntar se as dificuldades encontradas na exploração da longa
diacronia da lenda, e curta diacronia da composição anagramática, não
contribuíram, como reação, para incitar Saussure mais resolutamente ao
estudo dos aspectos sincrônicos da língua. Convém aqui assinalar que o
Cours de Linguistique Générale, exposto entre 1906 e 1911, é em boa parte
posterior à pesquisa sobre os anagramas. (Starobinski, 1974, p. 9)
 
Não temos, ainda, como responder à pergunta de Starobinski (“é leitura para
uma vida inteira”), mas ela nos re-encaminha para a nossa própria questão: o
Saussure do CLG não é o mesmo Saussure dos anagramas? O Saussure da língua (e
da sincronia) não é o mesmo Saussure do discurso (e da diacronia)? Por que teria
Saussure reagido às dificuldades de ordem diacrônica com estudos “dos aspectos
sincrônicos da língua”? Teria Saussure desistido da diacronia e, portanto, da
história?
 
Saussure, que tem sido renitentemente acusado de a-historicista [...]
mostra aqui [a proposta da dicotomia sincronia/diacronia] que, ao
contrário, sempre se preocupou com as transformações do sistema,
preocupação essa característica da visada historicista: o que está em jogo,
aqui, de fato, são dois diferentes conceitos de historicidade:
a)   o conceito de historicidade externa: [...] compreendem a evolução de
uma língua a partir do modelo evolutivo-biológico vigente à época, como
adaptação do domínio verbal às mudanças ocorridas no ambiente social em
que a língua vive – transformação exogerada, produzida de fora para dentro
do sistema;
b)    o conceito de historicidade interna, para a qual as transformações
sofridas por um sistema linguístico entre dois de seus estados históricos
sucessivos são endogeradas, produzidas dentro do próprio sistema pela
transformação de um único elemento dele, que [...] vai repercutir  no
sistema todo, originando um novo estado histórico da língua, uma nova
sincronia; o modelo saussuriano da concepção histórica não é mais
evolutivo-biológico; é, antes, um modelo evolutivo-algébrico (“é interno
tudo o que transforma o sistema em um grau qualquer”) (Lopes, 1997, p.
95-96)
 
Assim, tanto a história quanto o sujeito devem ser entendidos como uma
construção interna: assim como se buscou compreender o sujeito endógeno, da
mesma forma buscou-se “o conceito de historicidade interna”.
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Resta-nos, por fim, a grande indagação: interna a quê? À língua? E voltamos ao
ponto de partida, ao Saussure lido pelo CLG, o Saussure a-historicista, que exclui o
sujeito. Seria preciso ser muito enraizado a certas concepções para não observar
que, confrontando o Saussure dos anagramas com o Saussure lido via CLG, surge o
Saussure dialético:
 
O funcionamento dialético de suas dicotomias reflete o funcionamento
dialético do pensamento que inspira toda a sua doutrina. Não lidamos aqui
com uma simples minúcia, uma questão de detalhe, ou com o capricho de
um pensamento lacunar tortuoso, que muitas vezes parece colocar
“Saussure contra Saussure”, ou prendê-lo nas malhas de contradições
insolúveis. Ao contrário, esse funcionamento cíclico está por toda a parte,
essa concepção dialética é a própria substância da revolução epistêmica e
metodológica dele. [...] pensar as suas dicotomias como antinomias puras,
de termos irredutíveis um ao outro, significa paralisar o funcionamento
dinâmico de um modo de pensar poderoso e corajoso, que, exatamente por
ser dialético, fez dele um contemporâneo do futuro. (Lopes, 1997, p. 140-1)
 
O Saussure dialético é o Saussure que propõe o sujeito e a história na língua
que, por sua vez, só existe vinculada ao discurso, numa relação intrínseca, não
superposta. O Saussure dialético é o Saussure que valorizou amplamente,
profundamente a linguagem, trazendo para ela questões caras como as do sujeito
e da história.
E o que nos revelam os Escritos de Lingüística Geral?
Podemos dizer que há muitas deformações existentes entre o pensamento
saussuriano presente no Curso de Lingüística Geral (CLG) e nos Escritos de
Lingüística Geral (ELG). Ao afirmarmos isso, não objetivamos restabelecer o que
seria o verdadeiro pensamento saussuriano, trazendo ipsis verbis as palavras de
Saussure, muito menos fornecer ao leitor uma exegese mais segura, mas
evidenciar o quanto o CLG se distancia do pensamento do mestre genebrino.
Uma das primeiras deformações existentes no CLG – mesmo considerando
que, no seu prefácio, Charles Bally e Albert Sechehaye digam que a obra é uma
reconstituição, uma recriação dos cursos de Saussure em Genebra – é o fato de que
o livro é por eles apresentado como sendo de autoria do próprio Ferdinand de
Saussure. Trata-se, na verdade, de um texto composto por Bally e Sechehaye a
partir de anotações de um dos alunos que frequentou os cursos de Linguística
Geral, ministrados por Saussure na Universidade de Genebra. É preciso sublinhar
que nem Bally nem Sechehaye frequentaram esses cursos. Saussure, portanto, não
é o autor do CLG, mas o professor que ministrou três cursos de linguística geral
em Genebra, para um público bastante reduzido.
Ainda a propósito da edição do CLG, há um fato muito importante que não é
devidamente esclarecido por Bally e Sechehaye: o CLG foi organizado por eles a
partir das anotações feitas por Albert Riedlinger com base no terceiro curso, que se
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deu em 1910/1911. Bally e Sechehaye deixam de mencionar que os outros dois
cursos de linguística geral não serviram de fonte para a edição do CLG.
Mantendo-nos no espaço de considerações sobre a autoria do CLG, citamos a
ponderação de Charles Bally e Albert Sechehaye, feita no prefácio da sua primeira
edição (2000, p. 1):
 
[Saussure] lecionou três cursos de Linguística Geral, em 1906-1907;
1908-1909 e 1910-1911; é verdade que as necessidades do programa o
obrigaram a consagrar a metade de cada um desses cursos a uma
exposição relativa às línguas indo-européias, sua história e sua descrição,
pelo que a parte essencial do seu tema ficou singularmente reduzida.
(grifos nossos).
 
Ora, não é possível pensar os três cursos de linguística geral, tal qual
propostos por Saussure, separados da “exposição relativa às línguas indo-
européias, sua história e sua descrição”. É justamente essa descrição que fornece a
Saussure as bases epistemológicas para a proposição de uma ciência da linguagem
distinta daquela que vinha sendo praticada até então no século XIX pelos
comparatistas e pelos neogramáticos. Ou seja, essa descrição não é um desvio do
que seria o principal tema saussuriano, como asseveram Bally e Sechehaye. Ela faz
parte da essência mesmo desses cursos. Não há como pensar oscursos de
linguística geral sem que se leve em consideração tal descrição das línguas indo-
européias. Ademais, essa descrição não se apresenta como uma simples análise
histórico-linguística, mas como uma epistemologia dos estudos linguísticos que o
antecederam, sobretudo, os de gramática comparada.
Outra deformação existente no CLG é o fato de que o pensamento
saussuriano presente nos Escritos de Linguística Geral se inscreve num modelo
galileano de ciência. Trata-se de um modelo científico baseado na experimentação
dos fatos linguísticos, isto é, na literalização, na formalização e na refutabilidade
das hipóteses que explicam o funcionamento das línguas. Literalização e
formalização implicam uma matematização do funcionamento das línguas.
Entretanto, a experimentação no pensamento saussuriano não deve ser entendida
como sinônimo da mera observação de fatos linguísticos, mas como a transcrição
da realidade fonológica, liberada de toda escrita comum, sendo dessa forma
elevada à categoria de escrita científica. Os Escritos de Linguística Geral se
apresentam inicialmente como um conjunto de perguntas, hipóteses preliminares,
bastante gerais acerca do funcionamento das línguas. Num segundo momento,
essas hipóteses são re-elaboradas em linguagem científica, literalizadas,
formalizadas e submetidas a uma rigorosa testagem empírica com vistas à sua
refutação. Não obstante, o modelo científico no qual se inscreve o Curso de
Linguística Geral é o aristotélico, isto é, um modelo que parte da existência de um
sistema linguístico completamente hierarquizado em que a teoria não é submetida
aos critérios de literalização, formalização e refutabilidade. Esse modelo
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aristotélico que sustenta o CLG, baseado no que seria uma descrição fiel da
realidade linguística, apoiado basicamente, por um lado, no observável e, por
outro, no caráter de necessidade e de universalidade, é incapaz de deduzir
objetivamente, rigorosamente, consequências verificáveis pela experimentação das
hipóteses inicialmente postuladas. O que se busca então no CLG é um
conhecimento da essência das causas linguísticas.
Outra deformação, ainda, existente no CLG é o fato de que o pensamento
saussuriano é apresentado como se estivesse pronto, acabado. A natureza
inconclusa, às vezes vacilante, desse pensamento, manifestada abertamente pelo
mestre genebrino tanto no ELG quanto nos cursos de lingüística geral não está
presente em momento algum no CLG. Essa informação, extremamente pertinente,
é silenciada. As passagens abaixo, extraídas inicialmente de Bouquet (2002, p. 68-
9) e posteriormente de uma carta de Saussure a Louis Gautier[7], evidenciam o
inacabamento do pensamento de Saussure no ELG, nos cursos de linguística geral:
 
A língua é cheia de realidades aparentes – enganosas, visto que são
fantasmas criados por linguistas, aos quais esses linguistas se prendem. O
que é fantasma, o que é realidade? (...) A linguagem é um objeto de
miragens de todas as espécies. (...) Não há aqui nenhuma estrada traçada
em que haja aqui e ali alguma ramificação, nem mesmo uma vereda que
indique a direção a seguir. (...) Se o que eu quero dizer é verdade, não há
um único ponto que seja o ponto de partida evidente.
 
Vejo-me diante de um dilema: ou expor o assunto em toda a sua
complexidade e confessar todas as minhas dúvidas, o que não pode convir
para um curso que deve ser matéria de exame, ou fazer algo simplificado,
melhor adaptado a um auditório de estudantes que não são linguistas. Mas
a cada passo me vejo retido por escrúpulos.
 
E, talvez a mais grave das deformações do CLG, dada a sua interferência no
pensamento saussuriano, se refere ao fato de que Bally e Sechehaye desconfiguram
o próprio fundamento da epistemologia saussuriana: o objeto da linguística. Nos
manuscritos saussurianos, sobretudo, no capítulo que trata da dupla essência da
linguagem, Saussure insiste no caráter inseparável da dualidade língua/fala:
 
A linguística, eu ouso dizer, é vasta. Particularmente, ela comporta duas
partes: uma que é mais próxima da língua, depósito passivo, outra que é
mais próxima da fala, força ativa e verdadeira origem dos fenômenos que
se percebem em seguida, pouco a pouco, na outra metade da linguagem
(ELG, 2004, p. 273).
           
Entretanto, no CLG,  Bally e Sechehaye (2000, p. 27) afirmam que
 
O estudo da linguagem comporta, portanto duas partes: uma, essencial,
tem por objeto a língua, que é social em sua essência e independente do
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indivíduo; esse estudo é unicamente psíquico; outra, secundária, tem por
objeto a parte individual da linguagem, vale dizer a fala, inclusive a fonação
é psicofísica. (grifos nossos)
           
Em momento algum no ELG Saussure vai entender o caráter dual da
linguagem como sendo constituído por uma parte que é essencial e por outra que
é secundária. Língua e fala, apesar das suas especificidades, são inseparáveis para
Saussure. Quando Bally e Sechehaye compreendem a língua como a parte essencial
da linguagem e a fala como secundária estão mutilando completamente o
pensamento do mestre genebrino. Acrescente-se a essa mutilação o fato de que o
enunciado “a Lingüística tem por único e verdadeiro objeto a língua encarada em si
mesma e por si mesma” nunca foi proferido por Saussure, quer seja no ELG, quer
seja nos cursos de lingüística geral.
É urgente, portanto, que o pensamento saussuriano seja apreendido na sua
totalidade, respeitando o seu caráter de inconclusibilidade. Isso não significa, de
forma alguma, sugerir que cessem os questionamentos sobre esse pensamento.
Mas é preciso, a todo custo, cuidar para que nossos estudos não continuem, como
sabiamente dito por Edward Lopes, colocando “Saussure contra Saussure”.
 
 
Referências
 
BENVENISTE, E. Problemas de Linguística Geral I. São Paulo: Pontes, 1988.
BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Trad. Carlos Salum e Ana Lúcia
Franco. São Paulo, SP: Editora, Cultrix, 2004 a.
_____ & Engler, R. Ferdinand de Saussure: escritos de linguística geral: Trad.
Carlos Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo, SP: Editora, Cultrix, 2004 b.
____. De um pseudo Saussure aos manuscritos saussurianos originais. Trad.
Roberto Leiser Baronas & Vanice Maria de Oliveira Sargentini, 2008 (mímeo).
____. Ontologia e epistemologia da Linguística nos textos originais de Saussure.
Revue Texto! vol. XVIII nº 3 juillet, 2008.
LOPES, E. A Identidade e a Diferença: raízes históricas das teorias estruturais da
narrativa. São Paulo: Edusp, 1997.
SAUSSURE, F. Curso de Lingüística Geral. 22 Ed. São Paulo, SP: Editora, Cultrix,
2000.
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STAROBINSKI, J. As Palavras Sob as Palavras: os anagramas de Ferdinand de
Saussure. São Paulo: Perspectiva, 1974
 
[1] Em Benveniste, 1988, p. 40
[2] Trecho da canção Quase Nada.
[3] “Pode-se, a rigor, conservar o nome de Linguistica para cada uma dessas duas
disciplinas e falar duma Linguística da fala. Será porém necessário não confundi-la
com a Linguística propriamente dita, aquela cujo único objeto é a língua.” (CLG,
2000,  p. 28).
Observação: coerentemente com as discussões tecidas neste artigo, vamos citar
como de autoria de Saussure apenas as passagens do Curso de Linguística Geral
que sejam transcrições de trechos de manuscritos saussurianos.
[4] Em A identidade e adiferença, Edward Lopes conta as composições “dedicadas
a analisar, interpretar e avaliar os estudos feitos pelo professor de Genebra” e, em
1988, o número dessas composições já ultrapassava “largamente a imensa cifra de
duas mil obras. [...] É leitura para uma vida inteira. Só por aí podemos aquilatar as
dificuldades com que se depara aquele que tenta, hoje, avaliar com um mínimo de
justeza o sentido da obra do mestre suíço”. (Lopes, 1997, p. 48)
[5] “As pesquisas sobre os Niebelungen, em que Saussure esforçou-se para
encontrar a prova de que os personagens e os acontecimentos lendários tinham
fundamentos nos personagens e acontecimentos históricos [...] continuavam em
1910, como atesta a data (out. 1910) que figura excepcionalmente na etiqueta de
um destes cadernos.” (Starobinski, 1974, p. 9)
[6] “Esses cadernos, classificados por Robert Godel, encontram-se na Biblioteca
Pública de Genebra. Estão distribuídos em oito caixas, cada uma designada por um
registro diferente.” (Starobinski, 1974, p. 7)
[7] Fontes manuscritas de Saussure, De Mauro, p. 30.
 
     
 
 
 
 
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