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ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA. HAIDÊ SILVA (USP). Resumo Magda Soares, no artigo intitulado “Português na escola: História de uma disciplina curricular”, afirma que o ensino de Língua Portuguesa no Brasil tem se limitado ao ensino de gramática e especificamente, ao ensino de gramática de uma única modalidade da Língua Portuguesa. No que diz respeito ao ensino de literatura, Aracy Alves Martins Evangelista e outros autores, em A Escolarização da leitura literária, analisam o processo de escolarização da leitura literária e discutem o material oferecido pelos livros e manuais didáticos, para concluir que da forma como estão estruturados atualmente, eles não contribuem para o ensino de língua ou de literatura, uma vez que apresentam textos fragmentados e exercícios que utilizam o texto literário para o ensino de gramática e que, portanto, não incentivam a leitura do texto literário em si. Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho é discutir como tem sido o ensino de língua e literatura em nossas escolas, a partir das afirmações das autoras mencionadas acima e de outros autores que atualmente tem se dedicado a pesquisas e discussões a respeito do ensino de língua e literatura, para que possamos reunir as suas propostas e apresentar sugestões que contribuam para a formação dos professores e influenciem em suas atuações na sala de aula, no que diz respeito ao desenvolvimento de projetos de metodologias de ensino capazes de romper com a tradição que burocratizou o ensino de língua e literatura na Educação Básica brasileira e não contribui de fato, para a formação dos alunos. Como forma de contribuição, pretendemos apresentar um projeto de ensino interdisciplinar, colocado em prática neste primeiro semestre na Escola Estadual em que trabalhamos, na periferia da cidade de Embu das Artes e que, apesar de provocar polêmicas, também tem apresentado resultados positivos e, por esse motivo, acreditamos que precisa ser exposto e socializado. Palavras-chave: Língua, Literatura, Ensino. Introdução O objetivo do presente trabalho é discutir como tem sido o ensino de Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica brasileira, sintetizar as propostas dos autores discutidos, e elaborar sugestões de intervenção que possam superar a primazia do ensino de gramática, o uso artificial da língua, e o ensino inadequado de literatura na prática em sala de aula de língua e literatura. Portanto, estamos empenhados na elaboração de estratégias de ensino capazes de romper com a tradição que burocratizou o ensino de língua e literatura em nossas escolas e que pouco contribui para a formação de nossos jovens alunos. História da disciplina Magda Soares, no artigo intitulado "Português na escola: História de uma disciplina curricular"[1] afirma que a inclusão da disciplina Língua portuguesa no currículo escolar foi muito tardia no Brasil: ela só ocorreu nas últimas décadas do século XIX, já no fim do Império. E desde então, o ensino de língua portuguesa privilegiou o ensino da gramática de uma única modalidade da língua portuguesa, ou seja, a modalidade considerada padrão. Apenas a partir dos anos 1950 começou a ocorrer uma real modificação no conteúdo da disciplina português. É então que gramática e texto, estudo sobre a língua e estudo da língua, começaram a constituir realmente uma disciplina com um conteúdo articulado: ora se buscava na gramática elementos para a compreensão e a interpretação do texto, ora se buscava no texto estruturas lingüísticas para a aprendizagem da gramática. Assim, nos anos 1950 e 1960, ou se estudava a gramática a partir do texto ou o texto com os instrumentos que a gramática oferecia. Os manuais didáticos passaram então a incluir exercícios de vocabulário, de interpretação, de redação, de gramática. Mas na verdade, a gramática teve primazia sobre o texto nos anos 1950 e 1960, primazia que ainda hoje é dada em grande parte das aulas de português, nas escolas brasileiras. Como disciplina curricular, o português, como todas as demais disciplinas curriculares, sofreu, no inicio dos anos de 1970, uma radical mudança, resultante da intervenção feita nesse transcurso histórico pelo governo militar instaurado em 1964. Nesse novo contexto, cujas bases teóricas eram sustentadas pela teoria da comunicação, os objetivos do ensino de língua nas escolas brasileiras eram pragmáticos e utilitários: tratava-se de desenvolver e aperfeiçoar os comportamentos do aluno como emissor e recebedor de mensagens, através da utilização e compreensão de códigos diversos, verbais e não verbais. Ou seja, já não era mais necessário estudar sobre a língua ou a língua, mas o desenvolvimento do uso da língua. E os livros didáticos testemunharam essa mudança na disciplina: neles, a gramática foi minimizada, os textos incluídos já não eram escolhidos exclusivamente por critérios literários, mas também por critérios de intensidade de sua presença nas práticas sociais. Portanto, textos de jornais e revistas, histórias em quadrinhos, publicidade e humor passam a conviver com textos literários. Ampliou-se o conceito de leitura: não só a recepção e interpretação do texto verbal, mas também do texto não-verbal. A linguagem oral voltou a ser valorizada, mas agora para a comunicação no cotidiano. Pela primeira vez apareceram nos livros didáticos de língua portuguesa exercícios de desenvolvimento da linguagem oral em seus usos cotidianos. Na segunda metade dos anos 1980, época da redemocratização do país, as novas teorias desenvolvidas na área das ciências lingüísticas que então começavam a chegar ao campo do ensino da língua materna provocaram várias interferências significativas no ensino de Língua Portuguesa, todas ainda em curso, segundo Magda Soares. A lingüística oportunizou à disciplina português uma nova maneira de tratar o texto, o que significou uma nova maneira de tratar a oralidade e a escrita no ensino. E a semântica, em suas tendências mais recentes, se associou à lingüística textual, para trazer uma nova maneira de tratar a expressão e a compreensão tanto na modalidade oral quanto na escrita. No entanto, Soares acredita que a contribuição fundamental foi a influência exercida sobre a disciplina português concomitantemente pela pragmática, pela teoria da enunciação e pela análise do discurso, influência fundamental porque implicou em uma nova concepção de língua: uma concepção que vê a língua como enunciação, não apenas como comunicação que inclui as relações da língua com aqueles que a utilizam, com o contexto em que é utilizada, com as condições sociais e históricas de sua utilização. Essa nova concepção vem alterando em sua essência o ensino da leitura, da escrita, as atividades de prática da oralidade, e até mesmo o ensino da gramática. Mas não só as ciências lingüísticas trouxeram novas orientações para o ensino de Língua Portuguesa: três áreas de estudos e pesquisas recentes, a história da leitura e da escrita, a sociologia da leitura e da escrita, a antropologia da leitura e da escrita, especializações da história, da sociologia e da antropologia, que ao investigar e analisar, respectivamente as práticas históricas de leitura e escrita, as práticas sociais de leitura e escrita e os usos e funções da leitura e da escrita em diferentes grupos culturais, introduziram a necessidade de orientar o ensino da língua materna também por perspectivas históricas, sociológicas e antropológicas. E, segundo Magda Soares, no momento em que elaborou a sua história da disciplina Língua Portuguesa no Brasil, havia três questões em discussão na área educacional brasileira que só poderiam ser esclarecidas e decididas, se buscássemos realizar uma articulação e síntese entre: a definição de parâmetros curriculares para a disciplina português, areformulação dos cursos de formação de professores dessa disciplina, a avaliação dos livros didáticos para essa disciplina. Formação de professores Marisa Lajolo (2002) afirma que o professor de português deve dispor de uma noção ampla de linguagem; deve ser usuário competente da modalidade culta da língua portuguesa; precisa dominar completamente várias modalidades da linguagem, de forma que se cometer desvios será de propósito e não por desconhecimento; deve estar familiarizado com uma leitura bastante extensa de literatura, particularmente da brasileira, da portuguesa e da africana de expressão portuguesa; e também deve estar familiarizado com a história do ensino da Língua Portuguesa no Brasil, com a história da alfabetização, da leitura e da literatura na escola brasileira. Sabemos que é consenso entre os pesquisadores que a concepção de linguagem determina a forma como o profissional se relaciona com seu objeto de trabalho, o ensino de língua materna. De acordo com o lingüista Geraldi (2006), têm se observado três formas de concepção de linguagem: 1) a linguagem como espelho do pensamento; 2) a linguagem como instrumento de comunicação; 3) a linguagem como forma ou processo de interação. E segundo o autor, as bases teóricas que sustentam a terceira concepção de linguagem, que é justamente a recomendada pelos PCNs de Língua Portuguesa, é proposta por Bakhtin em Marxismo e Filosofia da Linguagem (1995). A partir do conceito de interação verbal, Bakhtin afirma que não é a atividade mental que organiza a expressão verbal e sim que é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina a sua orientação. Portanto, qualquer que seja o aspecto da expressão-enunciação considerado, ele será determinado pela relação social mais imediata, visto que a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados. Por isso, a interação verbal é o centro criador e organizador da palavra, que é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige a alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Dessa forma, se assumirmos que a linguagem é constituinte dos sujeitos ao mesmo tempo em que é por eles constituída, tendo em vista a sua relação com um contexto sócio-ideológico, com suas condições de produção, isso significa que, no trabalho em sala de aula, devemos sempre levar em conta que a linguagem está ininterruptamente nos constituindo, na mesma medida em que a constituímos e, portanto, a leitura de um texto passa a ser bem mais do que uma simples investigação do seu conteúdo, da sua semântica, para se tornar uma reflexão sobre aspectos pragmáticos e discursivos que constituem essa materialidade lingüística, e que a faz ser aquilo que é, aspectos que a faz estar imersa em um processo histórico, sendo constituída por muitas realidades e constituindo outras tantas. No entanto, parece que isso não acontece nas nossas salas de aula de língua portuguesa. Ensino de língua Geraldi (2006) afirma que o uso que se faz da língua nas aulas de Português é artificial e que esta artificialidade está presente nas três unidades de ensino da Língua Portuguesa. Para o autor, a prática de leitura que se faz na aula de Língua materna é artificial porque os alunos não lêem os textos, fazem apenas exercícios de interpretação. Diante disso, o autor afirma que o caráter dialógico da linguagem apregoado por Bakhtin não é considerado nas aulas de leitura e, portanto, é preciso saber quem é que está lendo o texto para os alunos? A professora? O livro didático? No que se refere à produção de texto também há artificialidade porque o único interlocutor do texto do aluno é o professor, que geralmente não lê o texto: apenas o corrige. Também nesse caso o caráter dialógico da linguagem não é levado em consideração porque o aluno-produtor não considera os possíveis leitores virtuais de seu texto e por isso não se esforça para criar estratégias discursivas para mover o texto em sua direção. Nesse processo artificial, o aluno tende a escrever nas redações exatamente o que a escola e seu representante oficial, ou seja, o professor quer ouvir. A análise lingüística também acontece de forma artificial porque o aluno não analisa a língua, mas apenas reproduz análises já existentes. E o problema maior é que os alunos provavelmente não utilizam esses raciocínios gramaticais reproduzidos para ler e produzir seus próprios textos. Portanto, não há forma de fazer com que o aluno, que já tem o domínio da língua em suas instâncias privadas de uso da linguagem, adquira o domínio da língua, em instâncias públicas de uso da linguagem, enquanto continuarmos utilizando a língua em sala de aula como algo artificial, correta em si mesma e independente de seus falantes e da sociedade. E, para minimizar essa situação, Geraldi propõe que o ensino de língua materna deve se direcionar em três grandes eixos: leitura de textos (dos mais variados gêneros), produção de textos (orais e escritos, dos mais variados gêneros) e análise lingüística (tanto dos textos lidos quanto dos textos produzidos). A principal estratégia deve ser sempre a de levar o aluno a refletir sobre o funcionamento da linguagem, estimulando-o a ler com seus próprios olhos e a produzir a sua própria fala. Para tanto, todas as unidades básicas do ensino de língua materna (leitura, produção de texto e análise lingüística) devem estar voltadas para, a partir do ensino da modalidade padrão, aumentar a capacidade comunicativa do aluno e não para calar a voz dele. Ensino de Literatura Aracy Alves Martins Evangelista e outros autores, em A Escolarização da leitura literária (2001), analisam o processo de escolarização da leitura literária na escola e discutem o material oferecido pelos livros e manuais didáticos, para concluir que, da forma como estão estruturados atualmente, os manuais em nada contribuem para o ensino de língua ou de literatura, uma vez que apresentam textos fragmentados e exercícios que utilizam o texto literário para o ensino de gramática e não incentivam a leitura do texto literário em si. Rildo Cosson (2006) afirma que o uso da literatura como matéria educativa tem longa história, a qual antecede a existência formal da escola e, segundo ele, essa tradição cristaliza-se no ensino da língua nas escolas com um duplo pressuposto: a literatura serve tanto para ensinar a ler e a escrever quanto para formar culturalmente o individuo. No entanto, o que se ensina como literatura na escola costuma ter contornos muito diversos e, por isso, o ponto fundamental a ser discutido sobre a presença da literatura na escola é a discrepância entre o que se entende por literatura nos dois níveis de ensino. No ensino fundamental, a literatura tem um sentido tão extenso que engloba qualquer texto escrito que apresente parentesco com ficção e poesia. Além disso, esses textos precisam ser curtos, contemporâneos e divertidos. Como se registra nos livros didáticos, os textos literários ou considerados como tais estão cada vez mais restritos às atividades de leitura extraclasse ou atividades especiais de leitura. Em seu lugar, entroniza-se a leitura de jornais e outros registros escritos, sob o argumento de que o texto literário não seria adequado como material de leitura ou modelo de escrita escolar, pois a leitura já não serve como parâmetro nem para a língua padrão, nem para a formação do leitor. Já no ensino médio, o ensino da literatura limita-se à literatura brasileira ou à história da literatura brasileira, quase como apenas uma cronologia literária, em uma sucessão dicotômica entre estilos de época, cânone e dados biográficos dos autores, acompanhada de rasgos teóricos sobre gêneros, formas fixas e alguma coisa de retórica em uma perspectiva para lá de tradicional.Os textos literários, quando comparecem, são fragmentos e servem prioritariamente para comprovar as características dos períodos literários ensinados antes. Dessa forma, a literatura no ensino médio resume-se a seguir de maneira descuidada o livro didático: são aulas essencialmente informativas nas quais abundam dados sobre autores, características de escolas e obras, em uma organização tão impecável quanto incompreensível aos alunos. Raras são as oportunidades de leitura de um texto integral, e, quando isso acontece, segue-se o roteiro do ensino fundamental, com preferência para o resumo e os debates, sendo que esses são comentários assistemáticos sobre o texto chegando até a extrapolar para discutir situações tematicamente relacionadas. Diante disso, Cosson propõe que o ensino de literatura na escola deve promover o letramento literário, pois, uma vez que os livros jamais falam por si mesmos, a escola deve ser o ambiente no qual o aluno aprende a fazer a exploração do texto literário a partir da leitura individual da obra, pois, sem esse primeiro passo, nada poderá ser feito. Mas se o objetivo do professor de literatura for de fato promover o letramento literário, ele deve tomar alguns cuidados, e o primeiro deles está relacionado à seleção dos textos. Segundo Cosson, os professores atualmente têm adotado três critérios: há professores que ignoram as criticas que colocam sob suspeita a representatividade das obras selecionadas na formação do cânone e o mantém em suas aulas de literatura, há outros que se concentram na defesa da contemporaneidade dos textos como critério mais adequado para a seleção da leitura escolar. E o terceiro critério, que tem sido a decisão mais popular, é aquela que defende a pluralidade e a diversidade de autores, obras e gêneros na seleção de textos. De qualquer forma, o autor lembra que as nossas escolhas são sempre mediadas pelas instâncias que fizeram as obras chegar até nós e o que fazemos é selecionar dentro desse recorte o nosso próprio recorte, já que é papel do professor partir daquilo que o aluno já conhece para aquilo que ele desconhece, a fim de proporcionar o crescimento do leitor por meio da ampliação de seus horizontes de leitura. Em síntese, Cosson propõe que devemos combinar os três critérios de seleção de textos, fazendo-os agir de forma simultânea no letramento literário, pois, ao selecionar um texto, o professor não deve desprezar o cânone, já que é nele que encontramos a herança cultural de nossa comunidade; também não pode se apoiar apenas na contemporaneidade dos textos, mas sim em sua atualidade. Do mesmo modo, precisa aplicar o principio da diversidade entendido para além da simples diferença entre os textos, como a busca da discrepância entre o conhecido e o desconhecido, o simples e o complexo, em um processo de leitura que se faz por meio da verticalização de textos e procedimentos. É assim que tem lugar na escola o novo e o velho, o trivial e o estético, o simples e o complexo e toda a miríade de textos que faz da leitura literária uma atividade de prazer e conhecimento singulares. Após selecionar o livro, é preciso trabalhá-lo adequadamente, pois sabemos que não basta mandar os alunos lerem, é preciso esclarecer como se processa a leitura. A primeira etapa desse processo é o momento de antecipação que devemos fazer do que diz o texto. A segunda etapa é a decifração, pois entramos no texto através de letras e das palavras. A terceira etapa á a interpretação, ou seja, as relações estabelecidas pelo leitor quando processa o texto. A interpretação depende do que escreveu o autor, do que leu o leitor e das convenções que regulam a leitura de uma determinada sociedade. Interpretar é dialogar com o texto tendo como limite o contexto. E o contexto é simultaneamente aquilo que está no texto, que vem com ele, e aquilo que uma comunidade de leitores julga como próprio da leitura. Segundo Cosson, o processo de leitura completa seu primeiro estágio quando cumprimos essas três etapas e são justamente elas que guiam a proposta de letramento literário. Diante disso, o autor sugere algumas estratégias para que o ensino da literatura possa promover a sistematização necessária e, para tanto, podemos seguir uma seqüência didática básica que deve ser desenvolvida em quatro etapas: motivação, introdução, leitura e interpretação. A motivação constitui o primeiro passo da seqüência básica do letramento literário e consiste em preparar o aluno para entrar no texto. Por isso, a construção de uma situação em que os alunos devem responder a uma questão ou posicionar-se diante de um tema é uma das maneiras usuais de construção da motivação. A introdução consiste na apresentação do autor e da obra e exige do professor alguns cuidados para que ela não se transforme em longa e expositiva aula sobre a vida do escritor, com detalhes biográficos que não são importantes para quem vai ler um de seus textos. Portanto, no momento da introdução é suficiente que se forneçam informações básicas sobre o autor e, se possível, ligadas aquele texto. Outro cuidado que se deve ter é na apresentação da obra, pois cabe ao professor falar da obra e da sua importância naquele momento, justificando sua escolha. A apresentação física da obra também é importante porque é nesse momento que o professor chama a atenção do aluno para a leitura da capa, da orelha e de outros elementos para-textuais que introduzem uma obra. A leitura do prefácio também é interessante. Quanto à leitura, Cosson afirma que a leitura escolar precisa de acompanhamento porque tem uma direção, um objetivo a cumprir e esse objetivo não deve ser perdido de vista. Nesse sentido, o professor deve acompanhar o processo de leitura não para verificar se o aluno está lendo de fato, mas para auxiliá-lo em suas dificuldades, inclusive aquelas relativas ao ritmo da leitura. No que se refere à interpretação, o autor propõe que devemos pensá-la em dois momentos: um interior e outro exterior. O momento interior é o encontro do leitor com a obra e esse encontro é de caráter individual e compõe o núcleo da experiência da leitura literária e não pode ser substituído por nenhum mecanismo pedagógico. O momento externo é a concretização, a materialização da interpretação como ato de construção de sentido em uma determinada comunidade. É aqui que o letramento literário feito na escola se distingue com clareza da leitura literária que fazemos independente dela. Na escola, é preciso compartilhar a interpretação e ampliar os sentimentos construídos individualmente. Portanto, as atividades de interpretação devem ter como principio a externalização da leitura, isto é, o registro do que foi lido. O importante é que o aluno tenha a oportunidade de fazer uma reflexão sobre a obra lida e externalizar essa reflexão de uma forma explicita, permitindo o estabelecimento do diálogo entre os leitores da comunidade escolar. Nesse sentido, uma prática que tem sido adotada por várias escolas é a da resenha, porque o uso dessa modalidade de texto tem vários benefícios para o ensino da língua materna. Em primeiro lugar, porque é um exercício de escrita dentro de um gênero com predominância de estratégias argumentativas e condições de enunciação bem determinadas. Depois, o texto produzido tem possibilidade de circular entre os alunos e, por isso, não carrega a artificialidade da maioria das atividades de escrita escolar. Por fim, demanda do aluno o registro que é também memória de sua vida de leitor. E segundo Cosson, ao seguir as etapas descritas acima, o professor sistematiza seu trabalho e oferece ao aluno um processo coerente de letramento literário. Considerações Finais Considerando o que nos diz Magda Soares a respeito da História do ensino da disciplina Língua Portuguesa no Brasil, podemos perceber que a primazia do ensino de gramáticanas aulas de português só será superada quando os professores de língua e literatura tiverem formação suficiente para adotar, por conta própria, uma concepção de linguagem que combata a prática artificial de uso da língua que se faz nas salas de aula de língua portuguesa, conforme nos alerta Geraldi. E, no que diz respeito ao ensino de literatura, também é necessário que as leituras dos textos literários se encaminhem para a promoção daquilo que Rildo Cosson denominou letramento literário. No ensaio "Discurso da paixão: a leitura literária no processo de formação do professor das séries iniciais"[2], as autoras Aparecida Paiva e Francisca Maciel relatam uma experiência com a disciplina Discursos da paixão: leituras literárias, que ministraram na Faculdade de Educação da UFMG para o curso de pedagogia, no qual, durante um semestre, foram organizados seminários, nos quais professores convidados expunham suas paixões literárias. Segundo as professoras, os alunos eram provocados pela paixão do outro e tentados a conhecer as obras de seus apaixonados. Inspirados na experiência relatada pelas professoras, elaboramos o "Projeto sextas literárias", que desenvolvemos na Escola Estadual em que trabalhamos, no qual os professores, de diferentes disciplinas, foram convidados a falar de seus autores e obras preferidos, com a intenção de provocar os alunos e motivá-los a iniciar as suas próprias leituras. Os resultados foram surpreendentes, pois, apesar de não conseguir motivar todos, os que aderiram ao projeto fizeram uma leitura proveitosa e nos últimos seminários, destinados à exposição da leitura dos alunos, tivemos uma experiência bastante significativa no que diz respeito a promover o diálogo entre as várias possibilidades de leitura de uma mesma obra literária. Tentamos seguir as quatro etapas do processo de letramento literário propostas por Cosson: motivação, introdução, leitura e interpretação, mas, como estávamos apenas testando o projeto, não pedimos nenhum trabalho escrito aos alunos que participaram das discussões, portanto, ficou faltando o relato escrito das atividades que eles fizeram. No inicio deste ano letivo de 2009 elaboramos um projeto mais ambicioso, que tem por objetivo discutir a lista das nove obras literárias propostas pela FUVEST e Unicamp. E para continuar dialogando de forma interdisciplinar, todos os professores do ensino médio devem ler as obras e selecionar alguns aspectos que possam direcionar a discussão de acordo com suas respectivas disciplinas. Além disso, pretendemos incentivar a leitura e discussão de obras literárias promovendo não só os possíveis diálogos com as outras áreas do conhecimento, mas também estabelecer relações entre literatura e outras artes como o cinema, por exemplo. Desta vez, além da discussão oral, pretendemos incentivar os alunos a elaborarem um texto escrito, no qual possam relatar suas experiências de leitura, e de releitura dos textos literários através da obra de arte não literária. Referências bibliográficas BAGNO, Marcos (org). Lingüística da norma. São Paulo: Edições Loyola, 2004. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 7. ed. São Paulo:Hucitec, 1995. COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006 EVANGELISTA, Aracy Alves Martins et. al. (Orgs). A escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil. 2ª ed. Belo Horizonte: Autentica, 2001. GERALDI, João Wanderley. Concepções de linguagem e ensino de português. In: O texto na sala de aula. 4ª. ed. São Paulo, Ática, 2006. LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 2002. PAIVA, Aparecida et al. (org). Leituras Literárias: discursos transitivos. Belo Horizonte: Ceale/Autentica, 2005 [1] Bagno, Marcos (org). Lingüística da norma. São Paulo: Edições Loyola, 2004. [2] In: Paiva, Aparecida et al. (org). Leituras Literárias: discursos transitivos. Belo Horizonte: Ceale/Autentica, 2005
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