Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ALMA NUA O DESNUDAMENTO DA ALMA ATRAVÉS DE UMA ABORDAGEM PSICO-TEOLÓGICA DO SERMÃO DO MONTE IVÊNIO DOS SANTOS ALMA NUA O DESNUDAMENTO DA ALMA ATRAVÉS DE UMA ABORDAGEM PSICO-TEOLÓGICA DO SERMÃO DO MONTE Digitalização: Argonauta 5 SUMÁRIO Dedicatória ................................................................ 07 Prefácio ..................................................................... 09 Nota do Autor............................................................ 11 Apresentação............................................................. 13 Introdução................................................................. 17 Capítulo I O Evangelho do Reino.............................................. 25 Capítulo 2 Um Outro Evangelho................................................ 41 Capítulo 3 O Voto da Simplicidade............................................ 47 Capítulo 4 A Constituição do Reino........................................... 57 Alma Nua 6 Capítulo 5 O Princípio da Adoração........................................... 61 Capítulo 6 O Princípio de Servir................................................. 85 Capítulo 7 O Princípio da Submissão.......................................... 103 Capítulo 8 O Princípio da santidade............................................ 119 Capítulo 9 O Princípio do Perdão................................................ 131 Capítulo 10 O Princípio da Reconciliação.....................................153 Capítulo 11 O Princípio da Integridade......................................... 167 Capítulo 12 O Princípio do Testemunho....................................... 195 Capítulo 13 A Terapia de Deus..................................................... 221 Conclusão...................................................................237 Notas.......................................................................... 244 Referências bibliográficas..........................................249 7 DEDICATÓRIA Dedico este livro a um amigo do coração, Luiz Gustavo Lança, por ter sido quem mais me estimulou a escrevê-lo. Obrigado Gustavo por ter ouvido as minhas pregações no Ser- mão do Monte com um ouvido tão atento e um senso crítico tão aguçado. Foi certamente as suas anotações, tão minuciosas, envia- das a mim, que deram a partida para eu colocar-me diante do computador e transformar o Seminário Diagnóstico e Terapia Es- piritual em Alma Nua. Alma Nua 8 9 PREFÁCIO Apresentar um livro é, na verdade, antes de tudo, apresentar um autor. Apresentar um autor é, na verdade, antes de tudo, apre- sentar uma pessoa. Por esta razão, tenho extremo conforto e ale- gria com o privilégio que me foi concedido de apresentar Alma Nua, e por trás das palavras, Ivênio dos Santos. Coincidentemente, meu primeiro contato com Ivênio foi atra- vés de um texto: a sinopse publicada de suas mensagens baseadas em Isaías 6 no jornal Liderança Pastoral, publicado pela SEPAL. Naquela época, início da década de 80, Ivênio já era uma figura lendária em meu coração. As muitas histórias que ouvia a seu res- peito e de seu ministério despertavam a cada dia o desejo de co- nhecê-lo pessoalmente, o que imaginava quase impossível, tama- nha a idealização que fazemos dos nossos heróis. Nosso contato pessoal foi numa conferência de aniversário da Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo, início do meu mi- nistério pastoral. Ali ouvi Ivênio pregar e cantar, e também o vi fazer o povo rir e chorar. Naqueles dias descobri o quê de mais be- lo há nos sábios e santos: são vasos de barro, homens de dores, em quem repousa a glória de Deus de maneira graciosa e singular. O título de seu livro é coerente com sua maneira de viver: I- vênio é um homem de alma nua. A abordagem do seu livro é pas- Alma Nua 10 toral, muito coerente com seu jeito de ser. A linguagem de seu li- vro é teológica, muito adequada a um amante das Escrituras Sa- gradas. Suas ilustrações são experienciais e vivenciais, próprias para quem deseja falar de coração para coração. Sua abordagem é original: tratar o Sermão do Monte como "a Constituição do Reino de Deus" e explicá-lo a partir das bem- aventuranças, transformando cada uma delas em princípios explo- didos no corpo do famoso Sermão de Jesus: os pobres de espírito adoram; os que choram servem; os mansos vivem sem ansiedade; os que têm fome e sede de justiça se santificam; os misericordio- sos perdoam; os pacificadores promovem reconciliação; os puros de coração são coerentes; os perseguidos se posicionam. O objetivo do seu livro é relevante: ajudar cada leitor a "detec- tar aqueles males da alma que se alojam nos cantos escuros da personalidade". A proposta do seu livro é uma santa pretensão: "a- presentar a Terapia de Deus para os males da nossa alma". No contexto religioso e evangélico brasileiro, o livro chega em boa hora. Diante da superficialidade das conversões, da irrespon- sabilidade de tantas lideranças espirituais, do analfabetismo bíbli- co de incontáveis crentes, e das doenças de alma do povo da fé, Alma Nua é uma palavra que merece e precisa ser ouvida por to- dos aqueles que desejam trilhar os caminhos do discipulado de Je- sus. livres dos pesos da religião e comprometidos com os elevadís- simos ideais da verdade revelada. Para o leitor interessado em ser curado na alma, o texto é óleo puro, pronto para a unção das feridas; para os pastores e líderes in- teressados em subsídios pastorais, o texto é "uma carta do céu". Para todos, uma estaca segura que aponta a essência da fé em Cris- to e o Cristo da fé. Com alegria recomendo às suas mãos Alma Nua, na esperança e oração que lhe seja ajuda para despir a alma diante de Deus e re- ceber a cura que existe apenas no evangelho da graça de Deus. Ed René Kivitz 11 NOTA DO AUTOR (EXPLICANDO O CONCEITO) Esta abordagem psico-teológica do Sermão do Monte visa de- monstrar que Teologia e Psicologia .não podem andar dissociadas, pois somente através de um conhecimento real de Deus é que se pode ter um conhecimento real do homem. A psicologia humanista que tem dominado quase todas as pro- postas terapêuticas conduz inevitavelmente o pensamento do ho- mem moderno a crer na auto-ajuda e não na ajuda do alto. Os pastores têm ficado reféns da idéia de que quanto ao acon- selhamento eles devem ceder lugar a um profissional da área de psicologia, pois estes estão mais preparados para tratar dos males da alma. Os psicólogos cristãos têm uma grande contribuição a fazer desde que usem a psicologia sob a ótica da Teologia e não o con- trário. Mas, a bem da verdade, um grande número de psicólogos cristãos entendem que não podem fazer qualquer tipo de infração espiritual com os seus pacientes pois não estariam agindo com as ferramentas de uma "psicologia científica". O que muitos chamam de "psicologia científica" é a abordagem humanista que exclui totalmente Deus, crendo somente na capaci- dade e bondade inerentes ao ser humano, entendendo como esca- pismo qualquer busca de solução em Deus. Alma Nua 12 Temos de concordar que existem formas simplistas e escapistas de muitos que espiritualizam excessivamente tudo. No entanto, is- to não pode e não deve nos levar ao ceticismo que não confere qualquer valor à oração e à intervenção sobrenatural de Deus. Outrossim, é somente na Bíblia, como nosso espelho, que a- prendemos a lidar com as culpas certas e a ficar livres do domínio das falsas culpas. Esta abordagem doSermão do Monte pretende ser uma ajuda real na cura da alma profundamente maculada pelo pecado. 13 APRESENTAÇÃO Nós tivemos no meio evangélico, na década de 70. uma in- fluência muito benéfica do Seminário "Conflitos da Vida", minis- trado por Larrv Cov. Tive o privilégio de participar do primeiro, que foi realizado em São Paulo, na Catedral Presbiteriana da Rua Nestor Pestana. Antes de Larry Coy, Bill Gothard, seu discipulador, havia mi- nistrado, num encontro da MIB (Missão Informadora do Brasil), os princípios que deram origem ao Seminário "Conflitos da Vida". Dr. Russel Shedd esteve naquele encontro e passou para nós - um grupo de pastores que se reunia com ele semanalmente para estu- dar a Bíblia - os princípios aprendidos com Bill Gothard. Foi um grande impacto em nossas vidas. Quando Larry Coy ministrou pela primeira vez em São Paulo, os seus ensinos, exemplificados principalmente por sua vida, atin- giram-nos em cheio. Lembro-me que muitos teceram severas críti- cas ao que achavam ser uma imposição cultural do "american way of life". No entanto, não podíamos esperar que um pastor america- no, que nunca viveu no Brasil, apresentasse as suas propostas con- textualizadas à nossa realidade brasileira. Nós é que teríamos a ta- refa de contextualizar os seus ensinos. E, realmente foi o que pas- sei a fazer dali para frente. Alma Nua 14 Tive oportunidade de conversar com Larry Coy e fazer-lhe uma observação que julgava ser de grande relevância.O Seminário "Conflitos da Vida" precisava dar um enfoque mais claro à graça, caso contrário, ele poderia produzir três frutos indesejáveis: De- sespero - naqueles que tentassem viver os princípios do Sermão do Monte na sua própria suficiência; exacerbado legalismo, por parte daqueles que tentassem impor aos outros os padrões de excelência do Sermão do Monte; e descrédito para com a mensagem central dos ensinos de Jesus vendo-os como utópicos ou não aplicáveis aos dias de hoje. Naquela mesma ocasião esteve ministrando em São Paulo o abençoado avivalista inglês Roy Hession, autor de Senda do Cal- vário, Queremos ver a Jesus e Enchei-vos Agora, da Editora Betâ- nia. Tive o privilégio de recebê-lo na Igreja Batista Unida do Brás, onde eu era pastor. Numa daquelas memoráveis noites ele nos trouxe uma mensagem muito esclarecedora que mudou os rumos de minha percepção teológica. O seu tema foi: "Como entrar na posse das bem-aventuranças pela porta dos fundos", pregando so- bre "bem-aventurados os perdoados"1. Dali para frente comecei a ministrar o Sermão do Monte unin- do o que havia recebido do Seminário "Conflitos da Vida" com o que havia compreendido da graça através de Roy Hession. De lá para cá, tenho me aprofundado na compreensão do maior sermão jamais pregado até hoje, entendendo-o como "aio"2 que nos con- duz para Cristo, não apenas para a nossa justificação, mas também para a nossa santificação. O Seminário de Larry Coy ajudou-me a perceber os conflitos resultantes da violação dos princípios do Reino de Deus. Mas, foi a visão da graça que me possibilitou reconhecer o objetivo princi- pal de Jesus no Sermão do Monte, que é levar-nos a descobir a nossa total incapacidade de nos melhorarmos a nós mesmos, ou de nos santificarmos a nós mesmos através dos nossos esforços. As- sim sendo, passei a conjugar os princípios do Sermão do Monte com a mensagem da graça capacitadora de Deus, vendo no Ser- mão do Monte a Lei Superior de Jesus, que, qual espelho cristali- no, realça a nossa fealdade, provocando assim um desnudamento Apresentação 15 da nossa alma. Daí surgiu o conceito que transformei em livro: Santidade ao Seu Alcance3. Há esperança para nós, pecadores fracos que, justificados por Jesus, não fomos deixados à nossa própria sorte para tentarmos ser santos na "marra", através de autodisciplina e coisas tais. Este é o enfoque do Seminário "Diagnóstico e Terapia Espiritual" que ve- nho ministrando há quase 30 anos. Alma Nua é o Seminário trans- formado em livro que passo agora às suas mãos, desejando since- ramente descortinar diante de seus olhos uma vida de real Santi- dade, possível de ser vivida por aqueles que já descobriram o "... já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim."4. Que você possa ser tomado pelo maravilhoso sentimento de que Deus tornou-se acessível a nós, não somente para a nossa jus- tificação, mas também para a nossa santificação. Para tanto quero sugerir-lhe, depois de ler Alma Nua, a leitura de Santidade ao Seu Alcance onde procuro apresentar de forma mais distendida a a o- peração da graça na nossa santificação. Assim sendo Alma Nua é a Lei, e Santidade ao Seu Alcance é a Graça. Há esperança para pecadores fracos e cansados, pois este é o convite amoroso de Jesus: "Vinde a mim, todos os que estais can- sados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de co- ração; e achareis descanso para a vossa alma, Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve"5. Ivênio dos Santos Alma Nua 16 17 INTRODUÇÃO Voltar ou avançar no tempo sempre foi uma aspiração dos fic- cionistas. Seria realmente fantástico poder viajar a um passado bem distante e vivenciar certos acontecimentos que marcaram a história da humanidade. Vamos dar asas à nossa imaginação e em- barcar num avião do tempo que nos leve à Palestina de dois mil anos atrás. Vamos nos imaginar como judeus: vivendo na cidade de Jeru- salém nos dias de Jesus. Estamos debaixo do domínio dos roma- nos, amargando impostos extorsivos e leis coercitivas. Quando sa- ímos à rua e encontramos um romano carregando um fardo pesado este obriga-nos a levar o seu fardo por mais de um quilômetro. E assim, de mil maneiras, somos profundamente humilhados todos os dias. E a vida vai passando sem qualquer possibilidade de mudança. No entanto quando chega o sábado somos tomados de um novo alento, pois, deixaram-nos a possibilidade de adorar livremente em nosso grande templo. Na área do templo sentimo-nos gente. A nossa dignidade é reafirmada, e nossa esperança avivada. O rabino levanta-se para ler o Livro Sagrado1, e sua voz, embargada pela emoção, demonstra ter um recado do coração de Deus para o seu povo sofrido: - Queridos irmãos, quero repartir com vocês algo fantástico Alma Nua 18 que li durante esta semana no rolo do profeta Isaias. Minh'alma enchesse de regozijo ao meditar na palavra profética desse ho- mem que a 700 anos atrás foi um instrumento de Deus para falar- nos da nossa principal esperança nacional, a vinda do Ungido, o Messias de Israel. Eis a promessa do Senhor que deverá renovar em nós hoje a segurança de sermos o povo escolhido de Deus. - "Do tronco de Jessé sairá um rebento, e das suas raízes um renovo. Repousará sobre ele o Espírito do Senhor, o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortale- za, o Espírito de conhecimento e de temor do Senhor. Deleitar-se- á no temor do Senhor; não julgará segundo a vista dos seus olhos, nem repreenderá segundo o ouvir dos seus ouvidos; mas julgará com justiça os pobres, e decidirá com eqüidade a favor dos man- sos da terra; ferirá a terra com a vara de sua boca, e com o sopro dos seus lábios matará o perverso. A justiça será o cinto dos seus lombos, e a fidelidade o cinto dos seus rins. O lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um pequenino os guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas, e as suas crias juntas se deitarão; o leão comerápalha como o boi. A criança de peito brincará sobre a toca da áspide, e o já desmamado meterá a mão na cova do basilisco. Não se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte, porque a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar. Naquele dia recorrerão as nações à raiz de Jessé que está posta por estandarte dos povos; a glória lhe será a morada" 2. - Que promessa tremenda! Da descendência de Jessé, pai do nosso grande rei Davi surgirá aquele que haverá de trazer justiça para todos nós. Sacudirá de nossos ombros todo jugo romano, e não mais "estaremos por cauda, mas por cabeça" 3, pois as na- ções recorrerão a Ele, o nosso glorioso Messias. Voltamos para casa com uma disposição nova, o que nos con- fere força para suportar os romanos por mais uma semana. No próximo sábado estaremos juntos novamente considerando as fan- tásticas promessas de Deus. A semana passa sem maiores novidades, fora o ato humilhante a que fomos expostos quando vimos um romano espancando um irmão nosso pelo simples fato deste tê-lo atrapalhado a transitar Introdução 19 com a sua biga4 numa passagem estreita que dá acesso à via prin- cipal. A sensação de impotência diante da injustiça é horrível e corrói-nos as forças. Mesmo assim vamos levando as coisas, pois nossa alma ainda degusta a palavra profética que encheu-nos de regozijo, e pensa- mos: "Certamente teremos no próximo sábado a continuação do que vimos no sábado passado". Assim, quase não vemos o tempo passar, pois estamos, como que encharcados de esperança. Eis que hoje novamente é sábado solene. Aprontamo-nos com alegria e expectativa, pois vamos, como povo de Deus, adorar no Seu Santo Templo. Tudo em nós vibra de emoção e entusiasmo. A Palavra de Deus será ministrada de uma forma objetiva e clara, pois o nosso líder espiritual é um homem cheio do temor de Deus, e sua alma está em chamas diante daquilo que o Senhor tem reve- lado em sua bendita Palavra. No entanto, quando ele se levanta para falar o seu semblante parece turbado. Não percebemos nele aquela mesma alegria e en- tusiasmo da semana passada. O que será que o está perturbando? - Queridos irmãos, encontro-me hoje perplexo diante da Pala- vra de Deus. Passei uma semana de profundas lutas íntimas, pois não consegui discernir o que o profeta Isaias prosseguiu falando sobre o nosso glorioso Messias. Depois da benção que tivemos aqui no sábado passado, continuei analisando acuradamente as profecias seguintes e deparei-me com algo inusitado que passarei a lhes expor: - "Eis que o meu Servo procederá com prudência; será exalta- do e elevado, e será mui sublime. Como pasmaram muitos à vista dele, pois o seu aspecto estava mui desfigurado, mais do que de outro qualquer, e a sua aparência mais do que a dos outros filhos dos homens, assim causará admiração às nações, e os reis fecha- rão as suas bocas por causa dele; porque aquilo que não lhes foi anunciado verão, e aquilo que não ouviram entenderão. Quem creu em nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Se- nhor! Porque foi subindo como renovo perante ele, e como raiz de uma terra seca; não tinha aparência nem formosura; olhamo-lo, mas nenhuma beleza havia que nos agradasse. Era desprezado, e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o Alma Nua 20 que é padecer; e como um de quem os homens escondem o rosto era desprezado, e dele não fizemos caso. Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões, e moído pelas nos- sas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andávamos des- garrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos. Ele foi opri- mido e humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi leva- do ao matadouro; e, como ovelha, muda perante os seus tosquia- dores, ele não abriu a sua boca. Por juízo opressor foi arrebata- do, e de sua linhagem quem dela cogitou? Porquanto foi cortado da terra dos viventes; por causa da transgressão do meu povo foi ele ferido. Designaram-lhe a sepultura com os perversos, mas com o rico esteve na sua morte, posto que nunca fez injustiça, nem do- lo algum se achou em sua boca. Todavia, ao Senhor agradou moê- lo, fazendo-o enfermar; quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do Senhor prosperará nas suas mãos. Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma, e ficará satisfeito; o meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento, justificará a muitos, porque as i- niqüidades deles levará sobre si. Por isso eu lhe darei muitos co- mo a sua parte e com os poderosos repartirá ele o despojo, por- quanto derramou a sua alma na morte; foi contado com os trans- gressores, contudo levou sobre si o pecado de muitos, e pelos transgressores intercedeu. "5 Palavra? A quem o profeta está se referindo? Por tudo que analisei só pode ser uma referência ao Messias, pois a expressão "meu servo", que aparece aqui, é empregada em todo o livro de Isaias referindo-se ao Messias. Mas, como conciliar essas duas profecias? No sábado passado vimos um Messias glorioso que vem para governar com sabedoria e justiça, cuja atuação afetará até a natureza, pois as feras e os répteis peçonhentos viverão em paz e harmonia com o homem e entre si. O texto é claríssimo ao afirmar que "não se fará mal nem dano algum, porque a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o Introdução 21 mar". É de impressionar também a declaração: "naquele dia re- correrão as nações à raiz de Jessé que está posta por estandarte dos povos". Tudo aponta para um tempo maravilhoso em que o nosso Messias haverá de reinar sobre toda a terra. Como enten- der então este texto de hoje no qual O vemos sendo levado como ovelha para o matadouro?O que pode significar ser ele "traspas- sado pelas nossas transgressões?" Como entender também: "Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer; e como um de quem os homens escon- dem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso"? - Sendo bem honesto não sei o que esta profecia quer nos co- municar. Será que a Palavra de Deus está falando de dois Messi- as, um glorioso e outro sofredor? Será que não faremos caso d'E- le quando surgir no cenário histórico do nosso povo? Era este o sentimento que dominava os judeus da Palestina nos dias de Jesus. A esperança messiânica estava no seu auge. As cir- cunstâncias históricas de dominação e opressão mantinham-nos continuamente ligados nas promessas bíblicas de libertação pela vinda do Messias glorioso, prometido em Isaías 11. Por isso foram incapazes de reconhecê-lo ("... e d'Ele não fizemos caso"). Jesus, o Servo Sofredor de Isaías não se encaixava nos seus paradigmas de Messias glorioso e por isso O rejeitaram6. Se os judeus daqueles dias tivessem a Palavra de Deus escrita num volume, como a temos hoje, certamente grifariam Isaias 11.1- 10 e passariam por cima de Isaias 52.13-53.12, deixando-o de lado como texto incompreensível. Não é exatamente isso que fazemos em nossas Bíblias? O que hoje, depois de mais de dois milênios de história, po- demos saber, com segurança, é que as profecias da Palavra de Deus não estão falando de dois Messias, mas de duas vindas do Messias. Na sua primeira vinda, em cumprimento de Isaias 52.13;53.12, Ele veio para destronar, não o império romano, co- mo esperavam os judeus, mas o império satânico, e estabelecer o Seu Reino dentro de nós7. Na Sua segunda vinda, Ele virá em glória, para reinar sobre toda a terra, em cumprimento de Isaias11, que certamente terá o seu cumprimento literal como teve I- saias 53. Nós estamos, nesse momento da história, entre Isaias 53 Alma Nua 22 e Isaias 11, em que o Reino de Deus já está em nós e entre nós mas não ainda na sua plenitude. Somente de posse desta compreensão é que poderemos enten- der, de fato, o Reino de Deus, como entrar nele e também como buscá-lo em primeiro lugar conforme ordenou Jesus em Mateus 6.33. Buscá-lo em primeiro lugar é orar diariamente pedindo "Ve- nha o teu Reino. Seja feita a tua vontade"8 , não no sentido do Reino Milenar futuro, mas desejando de fato o seu governo sobre todas as situações do nosso dia a dia. É também através do entendimento do "Reino já e ainda não" que poderemos perceber porque Deus não cura sempre. Os que pregam que é da vontade de Deus curar sempre se baseiam em Isa- ías 53.4 — "Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermida- des". No entanto não foram apenas as nossas enfermidades que Ele levou sobre si, mas todas as mazelas conseqüentes da queda. Isaías 53.4 está se referindo apenas a uma dessas mazelas. Ele le- vou sobre si também a nossa morte e nós ainda morremos. Ele le- vou sobre si também os males que afetam a ecologia e esses conti- nuam ainda a nos assolar. Paulo afirma em Romanos 8.18-25 que a criação geme e suporta angústias até agora aguardando a sua re- denção. Neste período da história entre Isaías 11 e 53 Deus faz inter- venções sobrenaturais neste mundo para demonstrar que o Reino já chegou entre nós, mas não ainda na sua plenitude. No entanto Ele não faz sempre. Não podemos afirmar que é sempre da vonta- de de Deus curar. Teríamos que afirmar também que é sempre da vontade d'Ele ressuscitar mortos. Somente na plenitude do Reino, conforme Isaías 11 é que não se fará mais nenhum mal ou dano, porque a terra se encherá com o conhecimento do Senhor como as águas cobrem o mar.9 Por outro lado àqueles que pensam no Reino só em termos de futuro acabam tendo uma visão muito limitada do Sermão do Monte e sua aplicabilidade em nossa vida diária, pois racioci- nam tratar-se da ética do Reino Milenar que virá com a segunda vinda de Jesus. Tal postura tem gerado um baixo padrão ético na igreja contemporânea. Por isso John Stott analisa o Sermão Introdução 23 do Monte como uma contracultura demonstrando ser o Reino de Deus exatamente o oposto do que observamos na sociedade em que vivemos. Alma Nua 24 25 Capítulo 1 O EVANGELHO DO REINO (A PORTA DO REINO) "Percorria Jesus toda a Galiléia ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino...". (Mt 4.23) Seguramente, todos os que estão lendo este livro, devem co- nhecer um número bem grande de diferentes religiões. São tantos os nomes e alguns tão esquisitos, que ficamos a pensar que a ques- tão religiosa mais se parece com um mercado, onde se encontra de tudo, a gosto do freguês. No entanto pretendo demonstrar, através deste texto, que só e- xistem e, sempre, só existiu, de Adão até hoje, duas religiões no mundo, e que todos os diferentes grupos enquadram-se numa de duas diferentes filosofias religiosas. Quero apresentar-lhes assim o âmago das Escrituras. Não irei tratar das questões periféricas, mas ir ao coração da verdade bíbli- ca. A palavra evangelho significa boa notícia. A boa notícia que temos a dar a todas as pessoas é que, através da vida, morte e res- surreição de Jesus, abriu-se à oportunidade do ser humano colo- car-se novamente debaixo do governo de Deus. Esta foi à defini- ção dada para Evangelho pelo Congresso de Lausanne, na Suíça, em 1974, quando as principais lideranças da Igreja Evangélica no mundo debruçaram-se sobre a caminhada da Igreja Reformada. Este é o Evangelho do Reino, ou seja, do governo de Jesus sobre todas as áreas da vida. Ao falarmos em Reino de Deus, não estamos pensando em Alma Nua 26 termos escatológicos ou futurísticos1, quando então o Reino se consolidará plenamente sobre a terra e a sociedade humana, por ocasião da segunda vinda de Jesus, mas no Reino que já foi inau- gurado na sua primeira vinda2 – o Reino que Ele veio plantar den- tro de nós. Portanto, quando falamos em Reino de Deus, estamos pensando no Reino que já chegou. Todos os que se submetem ao governo de Jesus tornam-se súditos desse Reino. Quando Deus criou o homem Ele o criou em três partes. Vida física, vida mental e vida espiritual 3. Alguns advogam que alma e espírito aparecem nas Escrituras como sinônimos4. Usarei a trico- tomia mais por uma questão didática do que propriamente teológi- ca, para demonstrar o que foi que morreu na queda do homem. Em Gênesis 1.26 e 27 está registrado que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. O que vem a ser essa imagem e se- melhança? Teria Deus um corpo parecido com o do homem? Isto não é possível, pois o próprio Jesus afirmou que Deus é Espírito5. Por isso Deus não pode estar confinado num corpo que o limitaria no espaço. Ele é Onipresente. O que vem a ser, portanto, essa imagem e semelhança? Um dos principais atributos do homem, que o assemelha a Deus, é a sua Liberdade. Deus desejou criar um ser livre que correspondesse a Ele. Existem outros aspectos dessa imagem e semelhança, tais como: Pessoalidade (Deus é um ser pessoal e não uma força im- pessoal), Moralidade (Deus tem valores morais), Vontade (Deus tem uma vontade que é sempre "boa, perfeita e agradável"6, Cons- ciência (Deus é um ser que tem consciência de Si), Comunicação verbalizada (Deus é um ser que se comunica), etc. Algumas pessoas às vezes perguntam, como se estivessem fa- zendo uma grande descoberta: "Se Deus é tão sábio, poderoso e bom, por que Ele não criou o homem só para o bem?" Imaginemos o homem criado com apenas um caminho para tri- lhar. Eu pergunto: Ele seria livre? Quem gostaria de casar-se com uma pessoa maravilhosa, mas que tivesse debaixo da sua blusa vá- rios botões para ser programada? Um robô perfeito que ninguém jamais poderia imaginar ser uma máquina. E ali está ela para ser programada a fim de corresponder a todas as expectativas do noi- O Evangelho do Reino 27 vo. Será que teria sentido casar-se com uma máquina? Deus poderia ter criado um boneco assim, que Lhe repetisse o dia inteiro: "Eu te amo, eu te amo, eu te amo..." Na realidade Ele seria um grande tolo brincando com bonecos perfeitos. Como fator obrigatório, de querer um ser semelhante a Si, Deus tinha que dar a esse ser a possibilidade de escolher, mes- mo sabendo que não O escolheriam. O que torna uma pessoa livre é a possibilidade de escolher. Os homens distinguem-se basicamente dos animais por esta caracte- rística. Os animais agem por instinto, uma espécie de programa- ção, enquanto que nós, seres humanos fazemos escolhas continu- amente. Ao colocar o primeiro casal ali no Éden, Deus confron- tou-os com uma escolha: Obedecer-lhe ou não. Qual foi o fator es- colha? Aquela árvore colocada no meio do jardim. A árvore do conhecimento do bem e do mal. Muita gente pensa que o relato de Gênesis é um tanto fantasio- so. Tais pessoas simplesmente não atinaram para a singularidade do que estava acontecendo ali. Aquela árvore era um teste. Era o fator obrigatório de Deus querer um ser livre que correspondesse a Ele livremente. O fruto proibido não tem nada a ver com sexo co- mo geralmente se pensa na teologia popular. Às vezes mostra-se uma maçã mordida com a insinuação de que o pecado original te- nha sido o ato sexual. Deus já havia ordenado ao casal para crescer e multiplicar-se, e, obviamente, ninguém iria nascer dependurado como fruto de uma árvore. A ordem de Deus ao homem foi muito clara: "De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres,certamente morrerás"7. Isto nos revela a existência de uma liberdade, mas uma liber- dade com responsabilidade. E ali, naquele paraíso, no pleno uso de suas faculdades mentais, aquele primeiro casal disse não a Deus. Ao comer do fruto estavam dizendo: "Não queremos o teu go- verno sobre nossas vidas. Queremos ser os donos do nosso próprio nariz". Mas aí cometeram um sério e terrível engano, pois o homem Alma Nua 28 não é um ser absolutamente livre. Ele é livre tão somente para es- colher uma dependência. Em outras palavras, o homem é livre pa- ra escolher quem vai governá-lo. O homem só seria um ser absolu- tamente livre, se tivesse o controle de todas as circunstâncias. No entanto sabemos que somos finitos e dependentes. Nenhum de nós tem qualquer garantia de que viveremos mais uma dia sequer. Por- tanto, se somos assim dependentes, não somos livres. Eu pergunto: O Brasil é um país livre? Logicamente que não, pois devemos até as meias. E, quem deve é escravo8. Mas num certo sentido somos livres. Somos livres para escolher a quem dever. Isto ilustra perfei- tamente a situação do ser humano. Um homem é livre tão somente para escolher uma dependência. Portanto, ali no Éden, ao dizer não para Deus, o homem estava dizendo sim para alguém. Para quem ele estava dizendo sim? A quem estava ele se submetendo? A Palavra de Deus afirma com todas as letras que o homem estava colocando-se debaixo do jugo do tirano Satanás9. E, ao comer daquele fruto o homem morreu. Ele não morreu nem física, nem mentalmente. Não caiu um raio sobre a sua cabeça aniquilando-o por completo. Em que sentido então ele morreu? Ele morreu espiritualmente. Ele foi cortado da vida de Deus. Aquela árvore pode ser chamada também de árvore da autonomia. Ao comer daquele fruto o homem estava desligan- do-se de Deus, e isto é morte. Como via de conseqüência todos nós nascemos mortos. Não nascemos como Adão, e tivemos uma árvore pela frente, pois já nascemos cortados da vida de Deus. Nascemos separados de Deus, e, no dizer do apóstolo Paulo aos Efésios, nascemos mortos10. Agora pasmem com as palavras de Jesus em João 8.44. É im- portante perceber que Jesus está tendo um diálogo com gente boa da sociedade. Gente honesta que pagava as suas contas, que tinha boa reputação, que eram bons pais de família. Em outras palavras, gente honrada. Ouçamos as palavras contundentes de Jesus: "Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere a mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira". O Evangelho do Reino 29 Jesus não dirigiu essas palavras a bandidos e prostitutas. Ele di- rigiu-as a gente comum, como nós, que vivemos de forma honra- da. Portanto essas palavras de Jesus não diziam respeito apenas àqueles com quem falava, mas a todas as pessoas que já viveram até hoje. Isto inclui a você e a mim. Isto é muito diferente daquilo que as pessoas naturalmente pensam. É corrente entre as pessoas, que todo mundo é filho de Deus, e que todos nascem do lado de Deus. Só os facínoras e desclassificados é que são alinhados com Satanás. No entanto Jesus contesta claramente esta idéia popular, e coloca todos os seres humanos na posição de filhos do Diabo, submetidos assim ao seu governo tirano. Este é o problema crucial da humanidade caída. A história da humanidade é, de fato, a histó- ria de uma dominação maligna sobre a raça humana. Quero destacar agora a importância da palavra religião. Vem do latim religare, que significa religar. Portanto a palavra religião traz implícita a idéia de que o homem estava ligado a Deus, mas agora, depois de sua rebelião, ele foi desligado. Religião tem por, objetivo promover essa religação. São centenas e talvez milhares os nomes das religiões, mas pretendo defender a seguinte tese: O homem nasce neste mundo espiritualmente morto ou separado de Deus, existindo apenas duas religiões ou duas filosofias religiosas que procuram apresentar uma solução para o problema. Para ilustrar este fato imaginemos a seguinte cena: Um rio mui- to largo e traiçoeiro que nunca foi vencido por ninguém. Carlos, medalha de ouro em nado livre nas Olimpíadas aceita o desafio de atravessá-lo, querendo com isto entrar para o livro dos recordes. No dia marcado está ali, à beira do rio, uma verdadeira multidão de repórteres de várias partes do mundo, por ser Carlos o grande campeão mundial. O pai de Carlos leva um barco a motor, bem possante, e fica da margem torcendo pelo filho. No momento a- prazado Carlos começa a travessia, com muita segurança, debaixo do aplauso de todos. Mas em chegando bem no meio da travessia algo inusitado lhe acontece: começa a sentir terríveis câimbras nos braços e nas pernas. Quem já teve câimbras sabe o que isto signi- fica. Os músculos embolam-se produzindo uma dor lancinante que impede uma livre movimentação. Agora imaginemos Carlos com Alma Nua 30 câimbras nos braços e nas pernas dentro de um abismo de águas. Em outras palavras ele está morto. Ele começa a afundar em de- sespero. E é neste momento de desespero que ouve os gritos de seu pai lá da margem: - Meu filho não se afogue, bata as pernas e os braços, cora- gem! Será que os conselhos de seu pai irão ajudá-lo de alguma ma- neira? Parece-me que não. Pelo contrário, irão deixá-lo mais de- sesperado ainda. Os conselhos do pai levam-no a entrar em maior pânico, pois percebe que seu pai está esperando que ele consiga salvar a si mesmo, e ele sabe que as pernas não lhe valem para na- da nem tampouco os braços. O único recurso que lhe resta é a voz pra gritar: - Socorro meu pai! O que ele está esperando que o pai faça? Que pegue a sua pos- sante lancha e venha em seu socorro. E o pai faz exatamente isto, retirando-o da morte certa, colocando-o dentro do barco. Carlos está salvo e agora chegam em terra firme. Repórteres de todos os lados querendo saber o que aconteceu. Será que Carlos vai sair todo orgulhoso dizendo: - Eu sou o maior nadador do mundo, eu me salvei! Seria esta a sua postura? Certamente que não. Penso que ele sa- iria muito humilde afirmando: - Gente, eu estava morto, meu pai me salvou! Aqui está a diferença entre a religião de Deus e a religião dos homens. A religião dos homens é ilustrada pelo pai, lá da margem, dando conselhos para o filho, esperando que ele salvasse a si mesmo. É por isso chamada também de auto-soterismo, que ensi- na ser a salvação uma conquista do próprio homem. Existem mui- tos grupos que se intitulam cristãos, e que esposam esta filosofia. Para esses, Jesus não é Salvador, mas exemplo a ser seguido. Salvador é o próprio homem Agora eu lhe pergunto: Se você estivesse morrendo afogado, numa situação como a que foi descrita você precisaria que um grande nadador pulasse na água e começasse a lhe dizer: "Olhe pa- ra mim, veja como eu faço, siga o meu exemplo!" O Evangelho do Reino 31 Naquele momento você estaria precisando de um exemplo ou de um salvador? Antes de Jesus ser nosso exemplo Ele veio para ser o nosso Salvador. O que é crer em Jesus? Não é meramente acreditar na sua exis- tência. Apanhemos uma cadeira. Quando eu estou de pé todo o meu corpo está apoiado nas minhas pernas, mas quando me assen- to na cadeira, todo o meu peso passa para a cadeira e, então, eu posso descansar. Agora suponhamos que eu não confie na cadeira, e apenas finja estar sentado, continuando a sustentar todo o meu peso. Aparentemente estou sentado, mas as minhas pernas sentem a tensão do esforço de estar segurando o meu peso, de uma forma ainda mais desconfortável. Existem muitas pessoas que crêem em Jesus assim. Na realida- de aparentam ser boas pessoas, que se dizem possuidorasde muita fé, mas quando se verifica, a fé dos tais é em si mesmos. "Olha, eu sou uma boa pessoa! Eu não desejo mal nem para uma formiga! Eu só me apego com Deus! Eu faço o melhor que posso!" Qual é o centro de confiança dessas pessoas? Elas próprias. Es- tão confiadas nas próprias pernas, isto é, na sua integridade, na sua bondade, na sua justiça. Foi para esses que Jesus declarou: "... pois não vim chamar justos (ou seja, aqueles que pensam ser justos)11 e sim pecadores [ao arrependimento]"12. Esta é a filosofia básica da religião dos homens. O homem é o seu próprio salvador. A salvação é o fruto de suas boas obras. Não existe perdão de pecados. A tese esposada é: aqui se faz aqui se paga. É a chamada: Lei do Karma. Daí a necessidade das reencar- nações ou de purgar-se os pecados num determinado lugar. Con- seqüentemente aqueles que assim pensam nunca podem usufruir a segurança da salvação, pois nunca fizeram o suficiente. Estão confiados nas próprias pernas e não podem assim experimentar o descanso n'aquele que veio para levar sobre si todos os nossos fardos. E a religião de Deus? Eis a verdade central das Escrituras. Nunca é o homem que se volta para Deus para buscá-lo, mas é sempre Deus quem busca o homem. Esta é a gloriosa verdade que permeia toda a Bíblia: "Porque Deus amou ao mundo de tal ma- Alma Nua 32 neira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna"13. Jesus é a lancha de Deus. Jesus é Deus que veio aqui, porque o homem jamais poderia ir para Ele. O homem está com câimbras nas pernas e nos braços. No dizer de Paulo aos Efésios 2.1 "... mortos nos vossos delitos e pecados...". Deus não ficou do Céu gritando ao homem: "Seja bom, seja honesto! Faça o melhor possível! Faça boas obras! Faça penitên- cias! Faça tudo o que puder para chegar aqui". Jesus não está no cimo de uma escada bem íngreme dizendo: "Se você quer a salvação, então se esforce para subir cada degrau. O primeiro degrau é o domínio do seu gênio, o segundo, o domí- nio dos seus desejos carnais, o terceiro, a vitória sobre o seu ego- ísmo, e assim centenas de degraus estão à sua frente, vá subindo até estar preparado para chegar a mim. São muitos os degraus, mas se você esforçar-se bastante, quem sabe um dia, daqui a milhares de anos, você estará apto. Agora, se você tropeçar e falhar terá que começar tudo de novo". Qual é a gloriosa notícia que temos a dar a todos os homens? É que Deus tornou-se acessível ao maior pecador. Ele não esta lá no topo de uma escada, mas ao rés-do-chão chamando os pecadores: "Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve"14. Jesus é o pai, na parábola do nadador, vindo em direção do homem para tirá-lo da morte. A religião de Deus é a religião do perdão comprado na cruz por Jesus. É a verdade bíblica de que ao homem era impossível redimir-se e então Deus o redimiu do jugo do tirano Satanás. Agora, há um detalhe muito importante:.A vinda de Jesus não salvou automaticamente todas, as pessoas. A vinda de Jesus para morrer naquela cruz é o sim de Deus ao homem. A semelhança de um casamento. O celebrante dirige-se ao noivo e pergunta: - João, você aceita Maria para ser sua esposa, para amá-la, ser-lhe fiel em todo o tempo, etc, etc? O Evangelho do Reino 33 - Sim! Responde João. Será que o celebrante contentar-se-á apenas com o sim do noi- vo? Será que declará-los-á casados sem dirigir-se à noiva? Se ele fizesse, qual seria a reação natural da noiva? - O senhor não vai perguntar pra mim? Eu sou uma pessoa e não um objeto! Isto mostra-nos que o sim do noivo não consuma o casamento. De igual maneira a morte de Jesus é o sim de Deus ao ser humano. Ele, o noivo, já disse sim. Ele é a Árvore da Vida, diante da qual, agora, nos encontramos numa situação contrária à de Adão e Eva. Eles nasceram no sim, na comunhão com Deus e disseram-Lhe não. Nós já nascemos no não. Nascemos mortos espiritualmente. Nascemos cortados da vida de Deus. Nascemos debaixo do jugo satânico. E agora estamos diante do amor do Deus revelado em "Cristo Jesus. Estamos agora diante da Cruz. A Cruz é a "Arvore da Vida". E diante dessa outra árvore nós temos que responder a uma célebre pergunta: - Que farei de Jesus] Esta pergunta foi feita pela primeira vez por Pôncio Pilatos quando os judeus lhe trouxeram Jesus para que ele o condenasse a morte. - Tens que crucificá-lo porque ele se diz Rei, e não há rei se- não César! - Esbravejaram os judeus enraivecidos15. Quem era Pôncio Pilatos? Era o governador romano colocado ali na Palestina pelo Imperador do mundo, o poderoso César Au- gusto. Os judeus, à semelhança de todos os outros povos conquis- tados, estavam debaixo do tacão dos romanos, amargando uma dominação escravocrata. Anelavam pela vinda do Messias prome- tido a Israel, pois queriam se ver livres daquele jugo. Quando Jesus iniciou o seu ministério, os líderes de Israel fica- ram sobressaltados, pois não conseguiram entender a sua mensa- gem. Jesus pregava amor aos inimigos, referindo-se aos romanos. Numa certa ocasião chegaram a Ele com uma pergunta de conota- ção política: - Mestre, devemos pagar esses impostos a César?16 Quanta revolta havia naquela pergunta. Então, Jesus lhes pede Alma Nua 34 uma moeda: - De quem é esta efígie gravada aqui nesta moeda?17 Imagino que a contragosto e com muita raiva, responderam: - E de César! - Então dêem a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus! - foi a resposta de Jesus. Os líderes de Israel passaram a ver nele uma ameaça às suas aspirações políticas imediatas, e decidiram então matá-lo.18 Quando liam o profeta Isaías maravilhavam-se diante da profe- cia do cap. 11 que fala do Reino Milena do Messias. Por isso O esperavam, para que os livrasse de todo o jugo opressor dos roma- nos, mas não conseguiam entender a profecia do cap. 53, que fala do Messias Sofredor. E, eles, sem o perceber, cumpriram a profe- cia do cap. 53. O cap. 11 não se cumpriu ainda, e nós aguardamos aquele dia glorioso quando Jesus haverá de reinar sobre toda a ter- ra. Na sua primeira vinda Jesus veio libertar-nos de um jugo muito mais terrível do que o jugo dos romanos sobre os judeus. Jesus veio libertar-nos do jugo de Satanás. Mas os líderes de Israel não o reconheceram ("e d'Ele não fizemos caso"), e decidiram matá-lo. No entanto, eles não tinham autoridade política para fazê-lo19 e, por isso, foram a Pilatos exigir a sua condenação: - Tens de crucificá-lo, pois Ele se diz rei, e não há rei senão César. Os Judeus, não queriam saber do governo de César. Na reali- dade estavam colocando Pilatos "contra a parede". - Se soltas a este, não és amigo de César20. E Pilatos então, tentando agradá-los e ao mesmo tempo que- rendo soltar a Jesus propõe uma anistia. Era seu costume soltar- lhes anualmente um preso político, e assim ele traz diante da mul- tidão Barrabás e Jesus21. Quem era Barrabás? Era um zelote. Zelotes eram aqueles fer- renhos nacionalistas, bem extremados, que queriam derrubar o Império romano. Barrabás havia sido preso numa.sedição contra os romanos, e era bem popular entre o povo22. Pilatos tem a espe- rança que o povão que usufruiu dos milagres de Jesus o escolha. Então, ele propõe: O Evangelho do Reino 35 - Quem vocês querem que eu lhes solte, a Jesus chamado o Cristo (Messias), ou a Barrabás?23 A massa humana, ali reunida foi facilmente manipulada pelos líderes de Israel a gritar: - Queremos Barrabás! Queremos Barrabás!24 Pilatos não esperava por essa reação do povo, e então faz a cé-lebre pergunta que tem atravessado os séculos e gerações: - Que farei então de Jesus chamado o Cristo?25 (Messias). É esta a pergunta que cada um de nós tem de responder, mais dia, menos dia. Você está sendo confrontado agora por esta per- gunta, diante da qual só existem três opções: PRIMEIRA OPÇÃO: CONTINUAR NO MEIO DA MULTIDÃO Qual foi a decisão da multidão naquele dia? Gritaram com to- das as suas forças: - Crucifica-o, não queremos que ele reine sobre nós! Nós nascemos aqui no mundo com a mesma atitude daquela multidão, por isso afirmei que a primeira opção é continuar no meio da multidão. Qual foi a atitude de Adão e Eva lá no Éden ao comer daquele fruto? O que estavam dizendo a Deus? "Não que- remos o teu governo sobre nós! Queremos ser os donos do nosso nariz!". Todos nós que nascemos aqui neste mundo, depois de Adão, nascemos com a mesma atitude. Este é o pecado herdado de Adão. "Não queremos que Tu governes sobre nós!" Por isso a nossa primeira opção real é permanecer no meio da multidão gritando: "Não quero o teu governo sobre a minha vi- da!". Você é livre para isto. Agora, não se engane; se não é Deus quem está no governo, então, é Satanás o governador. Não adianta enganar-se com a idéia romântica de que é Deus quem é o Senhor de sua vida, desde que você entende-se por gente. Não é isto que a bíblia diz. Nascemos aqui debaixo do jugo do terrível e tirano de Satanás, e, nenhum rito religioso, que alguém tenha feito, com a Alma Nua 36 melhor das intenções, em seu nome, inseriu-o no Reino de Deus. É tão absurdo alguém dizer-se cristão desde o nascimento, por ter si- do batizado em criança, quanto dizer-se casado desde que nasceu. Vamos imaginar dois casais muito amigos que ganharam um bebê, mais ou menos na mesma época, um menino e uma menina. Então resolvem levar seus filhos ao cartório e casá-los. Isto já po- de ter sido feito em outros tempos e em outras culturas, mas para nós hoje é algo inconcebível, uma verdadeira violência à liberda- de. Assim também seria a maior violência privar o ser humano de decidir quem ele quer, de fato, no governo de sua vida. Isto não é uma mera questão de gosto religioso. Isto é o âmago da questão. SEGUNDA OPÇÃO: TENTAR O IMPOSSÍVEL, ISTO É, "DAR UMA DE PILATOS" O que foi que Pilatos fez? Pilatos mandou vir água, e lavou as mãos, num gesto que passou a ser conhecido como tentativa de neutralidade. Era como se estivesse dizendo: "Nesta questão eu não tomo partido. Eu fico em cima do muro!". E, isto, é impossível, pois Jesus afirmou categoricamente: "Quem não é por mim é contra mim: e quem comigo não ajunta espalha."26 Voltemos a pensar na ilustração do casamento. Depois do noi- vo dizer sim, o celebrante dirige-se agora à noiva: - Maria você aceita João para ser seu marido, etc, etc... Imagine que a noiva fique quieta. Não abre a boca para dizer nada, nem faz qualquer movimento com a cabeça. Penso que o ce- lebrante irá estranhar bastante e, sem dúvida, irá repetir a pergun- ta. Se a noiva permanecer em silêncio, ele poderá realizar o casa- mento? Claro que não! Mesmo que os pais, os padrinhos, os con- vidados, ou quem quer que seja, argumentem com ele. O silêncio da noiva será tomado pelo celebrante como não, e não como sim, pois neste caso "quem cala não consente". Eis uma situação em que é impossível manter-se na neutralidade. Contudo, há muita gente "em cima do muro'' com relação a Je- O Evangelho do Reino 37 sus. As igrejas de um modo geral estão abarrotadas de pessoas que, embora freqüentadoras assíduas, estão tentando uma posição de neutralidade com relação a Jesus. Querem um Jesus à sua mo- da. Querem o Céu, o perdão, a paz, a prosperidade, mas não que- rem o governo de Jesus sobre elas. Querem ser seus próprios se- nhores. Senhores dos seus negócios, do seu lar, do seu namoro, do seu lazer, etc. Jesus não entra nessas questões. Jesus é coisa religi- osa de domingo. Na realidade, ao lavar as mãos, Pilatos estava dizendo não a Je- sus. Ele não queria deixar o trono, pois este lhe trazia muitas van- tagens. Ele, aparentemente, não queria dizer não a Jesus, mas o seu gesto acabou redundando num estrondoso não. Da mesma forma, aqueles que, aparentemente são cristãos, estão aí todo do- mingo, mas, na realidade, não querem o governo de Jesus sobre suas vidas, portanto estão também dando um sonoro não a Jesus. Lembro-me de um jovem que me disse em certa ocasião: - Eu não quero dizer sim para Jesus, mas também não quero dizer sim ao Diabo. Eu quero ficar neutro nessa questão. Eu não quero que Jesus nem o Diabo controlem a minha vida. Eu mesmo é que quero controlá-la. Aí está o engano de muitos, pois isto é impossível. Ou nos submetemos ao governo de Jesus, ou permaneceremos debaixo do governo do terrível e tirano Satanás. TERCEIRA OPÇÃO: FAZER DE JESUS O REI "Sim, Jesus, reina em mim! Eu me submeto ao teu comando! Eu desfaço agora todo compromisso com o reino das trevas e submeto-me incondicionalmente a ti para que me governes! Eu me arrependo agora de todos os meus pecados, ou seja, de toda a mi- nha vida vivida fora da tua vontade, tentando eu mesmo governar- me, mas sendo governado pelo reino das trevas. Tentando ser au- tônomo ou independente de ti, mas vivendo debaixo do jugo do ti- rano Satanás. Até hoje predominavam as minhas idéias, agora quero a tua Palavra. Até hoje era a minha vontade, agora eu quero Alma Nua 38 fazer da tua vontade o meu alimento diário"27. Isso é como se assentar na cadeira. É uma rendição total, mu- dando o centro de confiança de si mesmo para Ele. Isso é crer em Jesus e não meramente acreditar n'Ele. O que foi que o apóstolo Pedro disse à multidão no dia de Pen- tecostes quando tiveram seus olhos abertos para ver que haviam crucificado o Messias? A pergunta crucial da multidão foi: "Que faremos, irmãos?".28 E a resposta de Pedro foi clara e incisiva: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para a remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo".29 Esta é a porta de entrada do Reino de Jesus. Arrependimento é meia volta. É deixar de ser independente para ser dependente de Deus. Ser batizado é ser sepultado com Cristo. É morrer para o reino das trevas e levantar-se para uma nova vida no Reino de Je- sus. E o resultado será: "... e recebereis o dom do Espírito Santo". Deus virá morar no seu corpo. Seu corpo passará a ser templo do Espírito Santo30. Você tornar-se-á um transportador de Deus. Todos os seus pecados serão perdoados31. Você passará da morte para a vida32. Seu nome irá para o Livro da Vida do Cordeiro33. Aleluia! Eis a tremenda notícia que eu queria lhe dar: Através da vida, da morte e da ressurreição de Jesus você pode colocar-se de- baixo do governo de Deus. Deponha suas armas e renda-se incon- dicionalmente a Ele. Nunca irei esquecer-me daquele jovem a quem batizei, por vol- ta da meia noite, na banheira de minha casa. Ele vinha sendo e- vangelizado a um bom tempo. Ele entrou porta adentro declaran- do: - Quero batizar-me pois estou convertendo-me agora. Eu en- tendi que Jesus é a única solução e quero dar a Ele toda a minha vida. Enchi a banheira e o batizei naquela madrugada mesmo, depois de uma avaliação bem criteriosa do seu posicionamento. Ao sair do batismo ele falou com muita convicção: - Agora eu preciso pregar para a minha namorada, pois se ela O Evangelho do Reino 39 não se converter vou ter que deixá-la. - Mas, por que você terá que deixá-la? Perguntei a ele. - É porque, se ela não se converter irá querer transar comigo, e de agora em diante não transarei mais com ela. Aquele jovem havia compreendido claramente as implicações de render-se inteiramente ao governo de Jesus. Ele sabiaque ago- ra, no Reino de Jesus namorar era diferente da maneira como na- morava antes no reino das trevas. No reino das trevas o namoro era pela via da intimidade sexual, mas agora, no Reino de Deus, não. Agora, namoro era pela vida da santidade. Depois de alguns meses sua namorada também se rendeu a Je- sus e passaram a ter um namoro lindo, segundo os padrões do Rei- no de Deus. Depois de três anos de um abençoado namoro tive o privilégio de celebrar o casamento deles com uma alegria muito grande, pois sabia que ali estava um casal firmando os alicerces da sua vida conjugal sobre os valores do Reino de Deus. Este era o evangelho que Jesus pregava: "Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e hu- milde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve".34 O que é jugo? É o mesmo que "canga", aquela pesada peça de madeira que se coloca numa parelha de bois para arar a terra. Nós somos livres para escolher um jugo, ou uma canga. Nascemos a- qui, debaixo do jugo do tirano Satanás e somos convidados a tro- car de jugo; "Vinde a mim... Tomai... o meu jugo... Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve". O jugo de Jesus é suave por- que o Seu pescoço é que está colocado nessa parelha conosco. Portanto, aceitar o Evangelho do Reino é receber o jugo de Jesus, é submeter-se incondicionalmente, ao Seu governo, em todas as áreas da vida, é "negar-se a si mesmo", é "tomar a cruz" cada dia, é "segui-Lo". Não existe a possibilidade de aceitá-lo apenas como Salvador dos seus pecados e não como senhor de sua vida. Alma Nua 40 41 Capítulo 2 UM OUTRO EVANGELHO Foi Juan Carlos Ortiz, na década de 80, através do seu livro O Discípulo que alertou-nos para um outro evangelho que vem sendo espalhado à larga e que tem dominado a maneira de pensar de muitas igrejas evangélicas. Ortiz o chama de "evangelho das ofer- tas" ou "evangelho segundo os santos evangélicos", que nada mais é do que o alardeado e aparentemente combatido "evangelho da prosperidade". Evangelho este praticado por vários e importantes segmentos do meio evangélico, que faz do homem o centro de tu- do, por isso designado também de "evangelho antropocêntrico". Tal evangelho faz de Deus um servo do homem. É como se Deus existisse em função de fazer-nos felizes. Eis algumas falas bem ca- racterísticas daqueles que esposam este "outro evangelho": • "Entregue sua vida a Jesus e a prosperidade baterá a sua porta"; • "Enfermidades não mais poderão vir sobre você, pois Je- sus levou sobre Si todas as enfermidades"; • "Aquele que crê, de fato, em Jesus não mais tem de an- dar de carro velho, pois como filho do Rei, passa a ter direito a um zero quilômetro"; • "Deus não quer que nenhum de seus filhos seja pobre, Alma Nua 42 por isso reivindique d'Ele os seus direitos de filho. Pobreza mate- rial é sinal de pobreza espiritual"; • "Qualquer enfermidade na vida de um crente é evidência de pecado, pois aquele que realmente anda em obediência a Deus nenhum mal chegará a sua tenda"; • "Pense e fale positivamente, pois há poder em suas pala- vras. Aquilo que você fala lhe acontecerá'". Repudiamos essas propostas sedutoras, e, aparentemente bíbli- cas, mas são muitos os que têm embarcado nessa pregação que a- trai as multidões. Basta, a qualquer pregador que quiser hoje ser popular e ver sua igreja crescer, entrar para essa corrente do pensamento positi- vo. Num momento de crise econômica, com taxas elevadíssimas de desemprego, tal pregação soa como bálsamo para muitos, e as multidões são atraídas pelos "pães e peixes". No entanto percebe- mos ser tal pregação um outro evangelho. Paulo disse aos Galatas: "Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo, para outro evangelho; o qual não é outro, senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o evange- lho de Cristo. Mas, ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema. Assim como já dissemos, e agora repito, se alguém vos pre- ga evangelho que vá além daquele que recebestes, seja anátema" (Gl 1.6-9). Esse "outro evangelho" denunciado por Paulo, e que estava ca- tivando o coração dos crentes da Galácia era o "evangelho da jus- tificação pela guarda da lei", incluindo a necessidade da circunci- são dos gentios, tornando-os assim parte do povo de Israel. Não é exatamente o que hoje estão pregando os adeptos da "teologia da prosperidade", mas Paulo deixou em aberto que qualquer "outro evangelho" que fosse pregado deveria ser anatematizado. Qual foi o evangelho que Paulo apresentou aos Gálatas? Segu- Um Outro Evangelho 43 ramente o "Evangelho do Reino"', ou seja, do governo de Jesus sobre todas as áreas da vida. Na pregação do Evangelho do Reino fica evidente o "negar-se a si mesmo", o "tomar a cruz", o "buscar em primeiro lugar o Reino de Deus", o "abrir mão dos seus direi- tos", o "servir ao invés de ser servido". Nesse "outro evangelho" o que se percebe claramente é a busca dos seus interesses egoístas, a defesa e reivindicação dos seus direitos, a cura e a prosperidade material como direitos adquiridos dos filhos do Rei, ou seja, as benesses do Reino já. Daí a fala estranha: "Eu exijo", "Eu reivin- dico", "Eu ordeno", etc. Agora, é muito importante perceber que fomos nós mesmo os pregadores do evangelho, que criamos tal excrescência, pois fo- mos nós que geramos esse "falso evangelho". Como foi que ele nasceu? Certamente como resultado das nossas famosas "séries de conferências evangelísticas". A maior parte das igrejas evangélicas desenvolveu, durante muito tempo, como sua principal estratégia evangelística, eventos em que os crentes esforçavam-se para trazer convidados a fim de ouvirem o evangelho através de um renomado pregador. Durante muitos anos de minha vida participei de conferências deste tipo. Numa conferência evangelística o pregador será avaliado pela quanti- dade de pessoas que conseguir trazer à frente no apelo. Daí é que começou a surgir o barateamento do evangelho. O apelo virou apelação. Quanta apelação temos presenciado. Já ouvi apelações incríveis. Lembro-me até de um pregador famoso do passado, já promovido à glória, que fez um apelo evangelístico nos seguintes termos: - Quem quer ir para o céu levante a mão. Diante das mãos levantadas, continuou apelando: - Agora, todos os que levantaram suas mãos, venham para frente, pois quero orar por vocês. Todos os que vieram à frente foram computados como conver- tidos, ou decididos. Isto para mim é pura manipulação. Isto não é pregar o evangelho. Outros, diante da falta de decisões, começam a baratear o custo: - Não estou convidando ninguém a fazer qualquer compromisso. Alma Nua 44 (Isto é falso, pois a conversão a Cristo é um tremendo compromis- so com Ele e com seu povo.) - Agora abaixem suas cabeças, fechem os olhos, ninguém está olhando, enquanto ouvimos os instrumentos tocando, você pode tomar a sua decisão. Outros mandam os crentes falarem com as pessoas não conver- tidas, convidando-as a vir à frente. Daí foi mudando-se para os mais diferentes tipos de apelo: - Aqueles que estão com problemas no relacionamento conju- gal venham à frente, pois vamos orar para Deus curar o seu ca- samento. - Aqueles que estão enfermos venham à frente. "Os que estão desempregados", "os deprimidos", "os solitá- rios", "os gordos". E assim vai se ampliando o leque para se ter pessoas na frente. Não vejo nenhum problema de orarmos pelos enfermos, aliás, devemos fazê-lo regularmente, mas não como proposta evangelís-tica, pois nem Jesus nem os apóstolos agiram assim. Na proclama- ção do Evangelho do Reino o que devemos colocar é a renúncia de tudo e a rendição ao governo de Jesus. É o arrependimento e o rompimento com o reino das trevas. A salvação, a paz, a alegria, são conseqüência da rendição total ao governo de Jesus. Cura e prosperidade podem ser ou não bênçãos decorrentes de uma real entrega. No entanto, não se pode colocá-las como atrativos para as pessoas virem a Jesus, pois tal tipo de proposta torna-se manipula- ção grosseira e não paixão pelas almas perdidas. Se a motivação fosse a paixão pelas almas, mesmo assim não deveríamos tolerar tais práticas; mas, a bem da verdade, muitas vezes, o que está em jogo é a reputação do pregador que tem de apresentar resultados. Tais práticas acabaram gerando esse evangelho adocicado a gos- to do freguês, cheio de promessas mirabolantes. Tal evangelho aca- ba reduzindo Jesus ao "meigo nazareno" que está do lado de fora do seu coração, ansioso para ter um lugarzinho em sua vida. "Dê uma chance a Jesus!" Quase que completamos automaticamente: - Coitadinho, não o deixe do lado de fora, sentindo frio e fome. Abra-lhe agora mesmo o coração, pois Ele o ama tanto! Um Outro Evangelho 45 Quase que se diz: - Faca este favor a Jesus, pois ele precisa tanto de você! Jesus acabou tornando-se um produto a ser vendido: - Use Jesus e sua pele terá a beleza da noiva do Cordeiro. - Jesus é a resposta para a sua insônia. - Com Jesus em sua vida você consegue até emagrecer. Percebo que muitos se convertem "ao céu^', "à paz", "à prospe- ridade", mas não ao governo de Jesus. Tem sido também muito comum a idéia de que é possível aceitar a Jesus apenas como Sal- vador e não como Senhor. É como se estivéssemos dizendo que a graça elimina o padrão de excelência. Confunde-se assim a graça preciosa, tornando-a no que denunciou Dietrich Bonhoffer em "graça barata"1. Seria, mais ou menos, semelhante a um casamento onde a noiva depois da cerimônia se dirigisse ao noivo nos seguin- tes termos: - Meu amor, eu estou tão feliz de estar agora casada com você, mas você precisa entender que eu gosto ainda de outros rapazes e quero continuar namorando-os também. Mas, você não deve ficar triste, pois você é o principal! Muita gente pensa que Jesus é tão bom que Ele aceita o peca- dor de qualquer jeito, até mesmo com esse tipo de proposta inde- cente: - Jesus! Eu o aceitei como meu Salvador. Eu estou muito feliz por ter certeza de um dia ir morar contigo no céu, mas agora Je- sus, enquanto ainda estamos por aqui na terra, eu quero que sai- ba que tenho outros interesses importantes. Espero que me enten- da que não posso ser exclusivo do Senhor. Mas não fique triste, pois o Senhor é o principal! É a isto que chamamos de "graça barata". É à luz de tal barate- amento do evangelho que precisamos, mais do que nunca, procla- mar o evangelho que Jesus e os apóstolos proclamaram: o Evange- lho do Reino. Somente a proclamação do "Evangelho do Reino" é que gera discípulos e não meros convertidos. Alma Nua 46 47 Capítulo 3 O VOTO DA SIMPLICIDADE Não haveria uma promessa clara de prosperidade aos que se colocam debaixo do Senhorio de Cristo? Será que o combate à pregação da prosperidade não pode levar-nos para o desequilíbrio da pregação do "evangelho da miséria" como sendo o Evangelho do Reino? Estaria a palavra de Deus condenando a prosperidade e valorizando a pobreza? Será que inconscientemente não estamos defendendo o voto de pobreza? Haveria uma virtude intrínseca em ser pobre de recursos materiais? Na parábola dos talentos Jesus não está ensinando a virtude do progresso? Quando Paulo exorta os crentes de Corinto1 a semear muito para colher muito ele não está falando em termos materiais? À luz destas questões quero propor-lhes um paradoxo. Parado- xo, segundo os dicionários, é uma afirmação, na mesma frase, de um conceito, mediante contradições aparentes ou termos incompa- tíveis. Como a definição já diz, o paradoxo é apenas uma afirmação, aparentemente contraditória, pois depois de esclarecida deve trazer grandes ensinamentos. Eis o paradoxo: "Contentai-vos com o que tendes e progredi o máximo que puderdes". Vamos analisar este paradoxo refletindo sobre três importantes conceitos. Alma Nua 48 O primeiro é o conceito de CONTENTAMENTO. "Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as cousas que tendes; porque ele tem dito: De maneira alguma te deixarei nunca ja- mais te abandonarei. Assim, afirmemos confiantemente: O Senhor é o meu auxílio, não temerei; que me poderá fazer o homem?" (Hb 13.5). O autor de Hebreus está simplesmente dizendo que devemos deixar que o senhor seja, de fato, o nosso Deus. Não coloquemos nossa confiança no dinheiro, pois avareza é adoração a Mamom. O deus-dinheiro é muito atraente por dar-nos, aparentemente, a sen- sação de segurança quanto ao futuro. O que a Palavra de Deus está nos exortando a fazer é colocar nossa confiança total no Senhor e não nas posses materiais. Tudo o que vier a se constituir em nossa fonte de segurança, de significado, ou de contentamento, torna-se o nosso deus. A Pala- vra, em Hb 13.5, está nos ordenando a deixar que Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, seja, de fato, o nosso Deus. Através do profeta Jeremias, Ele fala a seu povo Israel: "Espantai-vos disto, ó céus, e horrorizai-vos! Ficai estupefatos, diz o Senhor. Porque dois males cometeu o meu povo: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas"2. Se Deus não for nossa fonte de contentamento, segurança e significado, estaremos sempre "cavando cisternas rotas" que não conseguem reter as águas, ou seja, estaremos sempre em busca de algo que preencha em nós essas necessidades básicas, e assim aca- bamos curvados em atração diante de outros altares. Faça uma verificação em seu coração indagando com honesti- dade: "Quem é, de fato, o meu Deus? Em que altar tenho me cur- vado em real adoração? Em quê coloco a minha total confiança? Onde está a minha fonte de genuíno contentamento? O que é que me dá significado para viver cada dia? Se eu tirasse Deus da mi- nha vida o que mudaria?" O Voto da Simplicidade 49 O segundo conceito é o de PROGRESSO. Vamos analisar, cuidadosamente, a famosa parábola dos talentos: "Pois será como um homem que, ausentando-se do país, chamou os seus servos e lhes confiou os seus bens. A um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada um segundo a sua própria capacidade; e então partiu. O que recebera cinco talentos saiu imediatamente a negociar com eles e ganhou outros cinco. Do mesmo modo o que re- cebera dois, ganhou outros dois. Mas o que recebera um, saindo, a- briu uma cova e escondeu o dinheiro do seu senhor. Depois de muito tempo, voltou o senhor daqueles servos e ajustou contas com eles. Então, aproximando-se o que recebera cinco talentos, entregou outros cinco, dizendo: Senhor, confiaste-me cinco talentos; eis aqui outros cinco talentos que ganhei. Disse-lhe o senhor: Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre muito te colocarei: entra no gozo do teu senhor. E, aproximando-se também o que recebera dois talentos, disse: Senhor, dois talentos me confiaste; aqui tens outros dois que ganhei. Disse-lhe o senhor: Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei: entra no gozo do teu senhor. Che- gando, por fim, o que recebera um talento, disse: Senhor, sabendo que és homem severo, que ceifas onde não semeaste, e ajuntas onde não espalhaste, receoso, escondi na terra o teu tesouro; aqui tens o que é teu. Respondeu-lhe, porém, o senhor: Servo mau e negligente, sabias que ceifo onde não semeeie ajunto onde não espalhei? Cum- pria, portanto, que entregasses o meu dinheiro aos banqueiros, e eu, ao voltar, receberia com juros o que é meu. Tirai-lhe, pois, o talento, e dai-o ao que tem dez. Porque a todo o que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. E o servo inútil lançai-o para fora, nas trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes." (Mt 25.14-30). Percebemos claramente nesta parábola o conceito de progresso. O Rei exige lucro. Ele deu potencialidade a todos e exige progres- so de todos. Esta é a lei que rege a vida. Planta-se um grão espe- rando uma centena. Jesus está ensinando-nos aqui que vida gera vida. O grande pecado denunciado nesta parábola é o pecado da Alma Nua 50 anti-vida. Voltar-se para dentro com medo e não crescer evidencia morte espiritual. Esse medo paralisante tem destruído muitas vidas e recebe hoje o nome de baixa auto-estima. O que Deus pune é a negação da vida, das potencialidades que Ele colocou em todos nós, diferentes sim, um recebeu cinco, outro dois e outro um, mas capazes de produzir a trinta, sessenta e a cem por um, conforme a parábola do semeador3. Enterrar o talento significa dizer para Deus: "Eu tenho medo do Senhor, pois és muito exigente. Eu não dou conta de agradar-te, por isso eu não me atiro à tarefa de gran- jear outros talentos pois tenho medo de fracassar e ser rejeitado por ti. Assim sendo eu fico na minha; não faço nada para o pro- gresso do teu Reino, mas, pelo menos, não dou maiores proble- mas. Está aqui o que é teu.". São estes que passam pela vida mas não vivem. "Se o grão de trigo, caindo em terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, pro- duz muito fruto"4. Para frutificar é preciso morrer. A casca da se- mente precisa ser rompida para que a vida, que está nela, aflore. Este é o progresso que Deus espera de cada um de nós. O terceiro conceito é o de ADMINISTRAÇÃO. Somente enten- dendo este conceito é que penetraremos no ensino do paradoxo proposto. Quem é o dono do ouro e da prata? O Salmista afirma: "Ao Senhor pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam"5. Portanto a nós foi entregue a tarefa de administrar os bens do Senhor. Um dos textos que mais tive dificuldade de compreender em toda a Bíblia, e que, durante muitos anos, ficou na prateleira a- guardando iluminação do Senhor foi Lucas 16.9, onde Jesus, con- cluindo a parábola do administrador infiel, afirma: "E eu vos re- comendo: das riquezas de origem iníqua fazei amigos; para que, quando aquelas vos faltarem, esses amigos vos recebam nos taber- náculos eternos". Na primeira vez que li este texto fiquei com um verdadeiro nó na cabeça, que levou muitos anos para ser desatado. Lendo o pe- queno e excelente livro Não Ameis o Mundo, de Watchman Nee, Deus trouxe luz sobre esse texto e o nó foi desfeito. Anos depois, O Voto da Simplicidade 51 em Dinheiro, Sexo e Poder de Richard Foster, encontrei a mesma interpretação dada por Nee, que veio solidificar o entendimento da parábola. Na parábola, Jesus mostra um administrador que, tomando ci- ência de que seria despedido, agiu com astúcia com os devedores do seu patrão, favorecendo-os com descontos especiais em suas dívidas para que tais credores viessem a favorecê-lo no futuro. Numa parábola não se deve buscar significado em todos os deta- lhes, mas num ponto focal. Qual o ponto focal dessa parábola? Je- sus estava enfatizando a astúcia do administrador infiel, ensinan- do-nos a ser astutos com a riqueza de origem iníqua que cair em nossas mãos, para granjearmos com elas, amigos nos tabernáculos eternos, ou seja, entesourar nos Céus investindo em vidas que le- varemos para lá, onde nem traça, nem ferrugem corroem. Porém, o nó não está aí, mas em Jesus chamar os bens a serem administrados de riquezas de "origem iníqua". Logo pensamos em dinheiro sujo, adquirido em trabalhos indignos ou de forma indig- na. Mas daí surge uma outra dificuldade intransponível, pois Jesus jamais apoiaria certas atividades lucrativas que ferem os valores do Reino. Tanto Watchman Nee como Richard Foster chamam de "riquezas de origem iníqua" todo o dinheiro circulante, ou todo o sistema monetário vigente neste mundo. Por isso é que Jesus cha- ma o dinheiro de Mamom, o deus-dinheiro. Compreendendo então que todo dinheiro circulante é iníquo por fazer parte de um sistema iníquo, percebemos que o ensino de Jesus é no sentido de sermos verdadeiros administradores dos bens que vierem para nossas mãos, transformando o dinheiro iníquo em dinheiro abençoado. Richard Foster diz que ao cristão é dada a e- levada vocação de usar Mamom sem servir a ele. Quando é que estaremos usando Mamom sem servi-lo? Quando permitirmos que Deus determine nossas decisões eco- nômicas. Estaremos servindo a Mamom quando permitirmos que o dinheiro determine nossas decisões econômicas. Compramos uma casa, um carro, ou qualquer outro bem com base numa ori- entação clara de Deus ou por termos o dinheiro para fazê-lo? Se o dinheiro determinar o que fazemos ou deixamos de fazer, então Alma Nua 52 é ele quem nos governa, mas se for Deus quem determina o que fazemos ou deixamos de fazer então é Ele quem nos governa. Simplesmente precisamos decidir quem vai tomar nossas deci- sões. Pode ser que o dinheiro me diga: "Você tem o suficiente para comprar isso". Mas Deus pode estar objetando: "Eu não quero que você compre isso". A quem vamos obedecer? Se minha esposa me diz: "Meu bem, vamos comprar isto, pois o preço está excelente". E eu lhe responder: "Não podemos, pois não temos dinheiro". O dinheiro decidiu. Mas se eu disser: "Bem, querida, vamos orar para saber se Deus quer que façamos essa compra. Se Ele quiser, certamente nos proverá os recursos!" Nesse caso seria Deus o Senhor, mas no outro Mamom. Esta é uma área onde temos errado muito como pais, pois dei- xamos de ensinar aos nossos filhos a vida dependente. Se um filho chega pedindo-nos alguma coisa e vamos logo respondendo que não podemos porque não temos dinheiro, comunicamos claramen- te que quem decide é o dinheiro. No entanto muitos erram pelo ou- tro lado, principalmente aqueles pais que tiveram uma infância pobre e agora são bem sucedidos financeiramente. Muitos desses pais atendem aos mais absurdos desejos dos filhos por acharem que não devem privá-los de nada. É novamente Mamon decidindo. Quão valioso é para a vida espiritual dos filhos, se desde pequenos aprendem com os pais a vida dependente. Talvez seja mais difícil para quem tem muito dinheiro sob sua guarda do que para quem tem pouco. Ou, provavelmente, ambos tenham dificuldades pró- prias. Richard Foster advoga que, assim como os monastérios com o seu voto de pobreza e os puritanos com o seu voto de diligência foram uma reação ao deus-dinheiro, nós precisamos também hoje de um voto que responda criativa e corajosamente à questão do di- nheiro6. Precisa ser um voto, diz ele, que rejeite a mania moderna de granjear riquezas, sem pender para um ascetismo mórbido. De- ve ser um voto que nos conclame a usar o dinheiro sem servi-lo, e, que, submeta o dinheiro, totalmente, à vontade e aos caminhos de O Voto da Simplicidade 53 Deus. Portanto, nós, que seguimos a Jesus Cristo, somos chamados a um VOTO DE SIMPLICIDADE. Esse voto não é para um punha- do de gente dedicada, mas para todos. Não é uma opção, à qual podemos aceitar ou rejeitar, dependendo de nossa preferência pes- soal. Todos os que se intitulam discípulos de Jesus têm a obriga- ção de seguir o que Ele diz, e o apelo de Jesus, na questão do di- nheiro, pode ser reduzido a uma só palavra - SIMPLICIDADE. Irei apresentar aqui os nove significados de simplicidade dados por Richard Foster no seu livro acima citado: 1. Simplicidade significa
Compartilhar