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NEAD Núcleo de Educação a Distância Disciplina de Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional NEAD Núcleo de Educação a Distância 2 Sumário (Unidade 5) EXPOSIÇÃO SINTÉTICA DA UNIDADE• PARADIGMAS PARA UMA NOVA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL• Preâmbulo1. Novo Constitucionalismo2. Jurisdição Constitucional3. 3.1. Súmulas Vinculantes 3.2. Repercussão Geral Características do Método da Nova Hermenêutica Constitucional4. 4.1. Diferença entre Princípio e Regra 4.2. Princípios e Proporcionalidade 4.3. Princípios de Interpretação Especificamente Constitucional Fundamentos da Unidade Axiológica da Constituição5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS• NEAD Núcleo de Educação a Distância 3 Exposição sintética da unidade Olá! Começaremos agora a nossa quinta e última unidade da disciplina de Hermenêutica Jurídica. Nesta unidade, iremos abordar os paradigmas para uma nova hermenêutica constitu- cional, explicando qual sua metodologia e os seus princípios. Para isso, conheça o objetivo desta unidade para saber como ocorrerá o nosso estudo: Objetivo Explicitar a metodologia e os princípios da nova herme-• nêutica constitucional. NEAD Núcleo de Educação a Distância 4 Unidade 5 TEMA: PARADIGMAS PARA UMA NOVA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL 1 PREÂMBULO Todo o estudo da hermenêutica que fizemos até aqui, pri- meiramente associando-a à vida cotidiana e, em seguida, relacionando-a com o contexto social e com o universo ju- rídico, teve como finalidade última construir fundamentos que nos possibilitem a mais legítima interpretação consti- tucional. Pela sua natureza de lei das leis, a interpretação da Constituição assume uma dimensão bem mais ampla e profunda do que a interpretação da legislação em geral, porque a Constituição é (ou deve ser) a imagem do todo social do povo que ela representa. Assim, na Constituição se estampam as diversas tendências e diretivas que se agi- tam no interior das forças sociais em ação, cujo resultado se reflete na esfera da juridicidade. Fundamentado neste ponto de vista, dizemos que a Cons- tituição é o ponto onde se encontram o social e o jurídico, a sociedade e o direito, o cidadão e o jurista, daí porque a in- terpretação constitucional deve sempre equilibrar essas duas dimensões que a compõem. A Constituição Brasileira de 1988, lavrada segundo os ditames do Estado Democrático de Di- reito, seguindo os modelos das mais avançadas experiências políticas dos países do primeiro mundo, trouxe para o profis- sional do Direito a exigência de uma nova postura teórica e ideológica frente do seu texto, que é vazado em um conjunto de princípios e regras, os quais, por vezes, entram em rota de colisão e entre eles não existe hierarquia. Daí que, para a in- terpretação desse novo modelo de Constituição, os elementos interpretativos tradicionais herdados da hermenêutica jurídica clássica não são mais suficientes, devendo o seu intérprete buscar auxílio nas novas teorias e nas novas alternativas que são oferecidas pelas ciências filosóficas e sociais. NEAD Núcleo de Educação a Distância 5 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional Neste particular, os pensadores alemães contemporâneos Hans Georg Gadamer e Robert Alexy, juntamente com o jusfiló- sofo norte-americano Ronald Dworkin, vêm oferecendo impor- tantes subsídios para o desenvolvimento de uma hermenêutica jurídica voltada para a interpretação das constituições de cunho social, partindo da ideia de que o processo interpretativo não busca a descoberta de um sentido “exato” da norma, mas atua na busca da melhor compreensão possível e da mais adequada solução para os problemas jurídico-sociais, dentro das condições concretas em que se coloca a sociedade no momento em que eles ocorrem. Destarte, a interpretação constitucional não envol- ve simplesmente uma questão metodológica, mas uma questão relativa a uma realidade existencial dentro da qual se encontram a sociedade e o intérprete. Ocorre, assim, um dinamismo per- manente entre o social e o jurídico, entre o intérprete e o texto constitucional, entre a formação do profissional do Direito e as necessidades sociais que ele tenta alcançar. Exsurge aqui o conceito da circularidade da interpretação, considerando que nos comandos constitucionais estão conver- gindo o social e o jurídico, portanto, há um movimento de com- plementaridade necessária entre a constituição e a legislação or- dinária. Nesse processo circular, a interpretação das leis requer uma interpretação indireta da Constituição, enquanto a interpre- tação da Constituição levará necessariamente à interpretação da legislação que a complementa. Pela interpretação da Constitui- ção, as leis são melhor compreendidas; pela interpretação das leis se compreende melhor a Constituição. Dentro desta com- preensão do fenômeno interpretativo, toda interpretação legis- lativa é também, ainda que indiretamente, uma interpretação da Constituição e assim a interpretação constitucional passa a ser o ponto último de referência da hermenêutica jurídica, o ponto para onde todo o estudo da hermenêutica se direciona e o alvo a ser constantemente perseguido pelo intérprete do Direito. Portanto, há uma interligação profunda, uma espécie de trípli- ce fronteira entre a hermenêutica jurídica, a sociologia jurídica e o direito constitucional, na medida em que o instrumental a ser utilizado para a interpretação da Constituição deve ser buscado nas teorias constitucionais e nos princípios que estão inseridos na NEAD Núcleo de Educação a Distância 6 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional Constituição, ainda que não estejam diretamente expressos nela. Por outro lado, os conteúdos da interpretação constitucional são retirados do contexto histórico-social em que ocorrem os fatos, cuja compreensão prévia é necessária, a fim de que se obtenha o melhor resultado na aplicação das regras jurídicas corresponden- tes. Nesse sentido, a Constituição não pode ser vista como uma norma isolada, ainda que seja uma norma fundamental, mas deve ser sempre considerada no conjunto das diversas normas sociais e jurídicas, dentro das quais ela se destaca. Daí porque os consti- tucionalistas, ao invés de se referirem à Constituição apenas, pre- ferem alargar o seu conceito para um sistema constitucional, de acordo com a visão do novo constitucionalismo, desenvolvido na Europa a partir da segunda metade do século XX. 2 NOVO CONSTITUCIONALISMO Após a Segunda Guerra Mundial, os países europeus, em espe- cial a Alemanha e a Itália, passaram a reformular o direito consti- tucional kelseniano e a concepção do Estado de Direito pautado na supremacia da lei, superando os limites estreitos do princípio da legalidade restrita e propondo o novo constitucionalismo, pelo qual se busca uma maior aproximação entre o Estado e a Democra- cia. Em consequência disso, na Alemanha, foi promulgada a cha- mada Lei Fundamental de Bonn (1949) – constituição alemã – e criado o Tribunal Constitucional Alemão (1951), e na Itália, ocorreu a promulgação da sua Constituição, em 1947, e a instituição do seu Tribunal Constitucional, em 1956. Estes fatos deram início a uma grande produção doutrinária sobre o novo Direito Constitucional, que teve grande repercussão em todos os países onde predomina o modelo jurídico romano-germânico, como é o caso do Brasil. Este novo Direito Constitucional, de acordo com Paulo Bonavides (1998), trouxe uma nova visão da Constituição não apenas como uma Lei Fundamental, conforme propusera Kelsen, mas como um sistema constitucional. De acordo com o famoso jurista cearense, hoje em dia, falar em Constituição apenas não basta para exprimir toda a rea- lidade pertinenteà organização e às estruturas básicas da sociedade política. O conceito mais adequado é o de sistema constitucional, uma expressão mais elástica e flexível que nos permite perceber o sentido tomado pela Constituição em face da ambiência social que ela reflete NEAD Núcleo de Educação a Distância 7 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional e a cujos influxos está sujeita. A Constituição está, assim, inserida num sistema constitucional integrado por ela própria, pelas leis com- plementares e ordinárias, normativos diversos, sentenças judiciais, organizações sociais, partidos políticos, movimentos sindicais, enfim, todas as forças sociais politicamente organizadas, atuando em con- junto e de modo harmônico, em busca do mesmo fim, que é a prote- ção das liberdades e a garantia dos direitos individuais e sociais. Estas novas ideias repercutiram no Brasil com os movimen- tos surgidos em meados da década de 1980, clamando pela redemocratização do país, seguindo-se as discussões, a con- vocação, a elaboração e a promulgação da Constituição de 1988, que redefiniu a organização sociopolítica brasileira de acordo com o novo modelo do Estado Democrático de Direito, consagrando-o nos seus arts. 1º e 3º. Estado Democrático de Direito é, pois, à luz da Constituição de 1988, um Estado baseado no princípio da legalidade (art. 5, II) porém, não na legalidade formal e sim material, na medida em que está voltado para a realização de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I); garantindo o desenvolvimento nacional (art. 3, II); erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as de- sigualdades sociais e regionais (art. 3º, III) e promovendo o bem de todos, sem preconceitos de raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV), constituindo-se, en- fim, em democrático quando preceitua no parágrafo único do art. 1º que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de re- presentantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição”. Este novo constitucionalismo trouxe consigo a progressiva in- tervenção do Estado em todos os setores da vida da sociedade, sempre visando por em prática de forma cada vez mais efetiva o texto constitucional, dentro da concepção da Constituição como um sistema jurídico-político interno que se fundamenta em princípios estruturantes fundamentais, os quais, por sua vez, se fundamen- tam em princípios gerais e regras específicas, surgindo daí a dis- cussão teórica sobre a distinção entre princípios e regras, assunto que será retomado adiante, nestas notas. NEAD Núcleo de Educação a Distância 8 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional De acordo com esse entendimento, a interpretação constitucio- nal é regida pelo critério valorativo extraído da natureza mesma do sistema constitucional e pode variar tanto conforme a modalidade da Constituição quanto para atender a modificações impostas pela força normativa do fato social ou da realidade política. A atividade interpretativa da Constituição não pode olvidar o critério evolutivo, através do qual se explicam as transformações que ocorrem no sis- tema e as variações de sentido que se aplicam ao texto normativo. O critério evolutivo acompanha a evolução que, no seio do sistema constitucional, ocorre com a norma codificada na Constituição e com a realidade que lhe imprime eficácia, vida e conteúdo. Conforme já foi abordado anteriormente na unidade III, na metodologia tradicional, os critérios e princípios her- menêuticos sempre suscitaram a questão central de saber se a interpretação de uma lei deveria levar em conta a vontade do legislador (corrente subjetivista) ou a von- tade da lei (corrente objetivista), sendo predominante esta última. O constitucionalismo clássico também sem- pre optou pela corrente objetivista, por ser a que melhor se ajustava aos princípios políticos do liberalismo e à con- cepção formalista do Estado de Direito. No entanto, atualmente, desenvolve-se uma nova forma da hermenêutica constitucional, levando-se em conta a ativi- dade do órgão que determina, em última instância, o seu conteúdo e o sentido de suas normas: o Judiciário. A dou- trina criou, então, o conceito de jurisdição constitucio- nal e elaborou uma teoria material da Constituição e dos direitos fundamentais, associados à consciência de ser a democracia o princípio estruturador da ordem político-ad- ministrativa materializada na Constituição. Jurisdição cons- titucional é todo procedimento jurisdicional destinado, de forma imediata, a garantir a observância da constituição. NEAD Núcleo de Educação a Distância 9 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional Esta nova concepção traz como consequência a flexibiliza- ção do clássico princípio da separação dos poderes, legitimando a possibilidade de pontos de interseção entre a atuação dos poderes do Estado, sem que isso venha a se configurar uma invasão de competência. Eventualmente e em situações espe- cíficas, o Poder Judiciário pode atuar produzindo interpretações da Constituição com caráter de quase lei, porque a hermenêu- tica constitucional e a jurisdição constitucional são conceitos de mútua implicação, envolvendo uma atividade de determinação do conteúdo e do sentido das normas constitucionais, realizada por meio de um procedimento específico. Curiosidade O art. 52 da Constituição Federal - CF dá ao Senado Federal poderes jurisdicionais; os art. 102 e 103 da CF dão ao Supre- mo Tribunal Federal atribuições de caráter legislativo. A jurisdição constitucional dos diferentes países é caracte- rizada por modelos híbridos, constituídos de forma criativa de acordo com a heterogeneidade cultural que caracteriza a popu- lação. O modelo brasileiro de jurisdição constitucional é exem- plo dessa heterogeneidade e da contínua evolução por que têm passado os diferentes sistemas de jurisdição constitucional pelo mundo. Na Constituição de 1988, esses procedimentos fo- ram regulamentados através da Emenda Constitucional - EC 45/2004, que alterou os artigos 102 e 103, com a introdução das figuras jurídicas da Súmula Vinculante e da Repercussão Geral, que vieram a se reunir com os demais dispositivos espe- cíficos de controle da constitucionalidade das normas: as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), as ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) e as arguições de descumpri- mento de preceito fundamental (ADPFs). NEAD Núcleo de Educação a Distância 10 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional 3 JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL 3.1 SÚMULAS VINCULANTES A Emenda Constitucional n.º 45/2004, também conhecida como reforma do Judiciário, entrou em vigor em 30.12.2004, introdu- zindo o art. 103-A, que assim determinou: O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provo- cação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre a matéria, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efei- to vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judici- ário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. Em consequência, foi aprovada a Lei n.º 11.417, de 19.12.2006, que disciplina a edição, a revisão e o cancelamento do enunciado de súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal - STF. Historicamente, o instituto jurídico da súmula é originário do Direito Romano, embora os romanos não tenham utilizado esta palavra. Na verdade, os pareceres dos jurisprudentes romanos foram, com o passar do tempo, transformando-se em pequenos enunciados que funcionavam comosíntese do entendimento so- bre um determinado assunto. Eram uma espécie de “chavões ju- rídicos”, que sintetizavam em poucas palavras grandes lições de Direito. Estes enunciados foram coletados, na idade média, por um abade de nome Buckard, vindo daí o que hoje conhecemos com o nome de brocardos jurídicos. Na prática, os brocardos representavam um conjunto de pre- cedentes judiciários utilizados na solução das lides romanas, servindo como parâmetro para julgamentos futuros de matéria similar. No direito contemporâneo, o conceito e a utilização das súmulas são características dos países que seguem o regime da “commom law”, com a predominância do direito consuetudiná- rio e com o maciço aproveitamento dos precedentes julgados pelos tribunais, especialmente a Suprema Corte, para balizar os julgamentos nas inferiores instâncias. Súmula provém do latim “summula”, diminutivo de “sum- ma”. Esta significa soma, conjunto, to- talidade, contendo a ideia de uma obra que abrange todo um conjunto de conhe- cimentos sobre um determinado assun- to. Assim, a Summa Theologica, de S. To- más de Aquino, con- tém todas as maté- rias teológicas numa só obra. “Summula” equivale a uma pe- quena “summa”, isto é, a uma reduzida síntese, a um resu- mo de um conjunto de conhecimentos sobre um assunto determinado. NEAD Núcleo de Educação a Distância 11 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional Conforme o Dicionário do Código de Processo Civil Brasileiro (1999), súmula é o resultado do julgamento tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, condensado em enunciado que constituirá precedente na uniformização da juris- prudência do próprio órgão. Na sua forma clássica, a súmula não é de observância obrigatória pelas instâncias jurídicas inferiores, embora os magistrados de primeiro grau reconheçam nela um valor quase normativo, adotando comumente a atitude de seguir o mesmo enten- dimento. O magistrado de primeira instância, mesmo tendo consci- ência de que o entendimento manifestado na súmula do tribunal não é de seguimento obrigatório, por uma razão de praticidade, para não ver a sua decisão reformada na instância superior e, dessarte, não se ver praticando atos inúteis, termina por utilizar a súmula nos seus julgamentos, mesmo com a ressalva de seu convencimento pessoal. Já segundo Muscari (1999) o que ocorre é que: Nos dias que correm, poderíamos dizer que a súmula tem natureza ‘quase normativa’: serve de paradigma aos opera- dores do Direito e, se acaso ignorada, conta com uma série de salvaguardas tendentes à sua observância. De toda sor- te, nada há que obrigue os membros do Poder Judiciário à sua aplicação (MUSCARI, 1999, p. 36). Esta tem sido a concepção da súmula nos direitos dos países que adotam o sistema legalista, como é o caso do Brasil, pois, conforme já mencionamos acima, nos países que adotam o sistema da “com- mom law”, o caráter vinculativo das decisões da Suprema Corte já tem seu reconhecimento consolidado pela tradição jurídica, até por não ser necessária uma norma positivada com esta finalidade. A instituição do poder vinculante das súmulas específicas do STF é uma novidade jurídica que o Brasil, país do sistema da “civil law”, está absorvendo do sistema jurídico da “common law”, na tentativa de introduzir um remédio processual eficiente capaz de solucionar o grave problema do crescente acúmulo de feitos nos tribunais su- periores. Por se tratar de um procedimento novo, é óbvio que en- frenta situações totalmente antagônicas de entusiástica adesão por parte de alguns, a par de tinhosa rejeição por parte de outros. Por este motivo, o STF tem sido bastante cauteloso e moderado no uso desta prerrogativa que lhe é dada pelo art. 103-A da Constituição. NEAD Núcleo de Educação a Distância 12 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional Antes da aprovação da figura da súmula vinculante pela EC 45/2004, houvera outras tentativas de implantação deste instituto no direito brasileiro, as quais não obtiveram sucesso. Na primeira constituição republicana, Rui Barbosa, que era entusiasta do direito norte americano, tentou mesclar o sistema “common law” com o padrão romanista brasileiro, mas não obteve apoio. Outra vez, foi em 1961, com um anteprojeto de lei elaborado por Haroldo Vala- dão, e depois em 1964, com o anteprojeto do Código de Processo Civil, da autoria de Alfredo Buzaid. Também essas tentativas não obtiveram apoio. No entanto, sem o efeito vinculante, a figura da súmula foi introduzida no Brasil nesta mesma época, em 1963, por iniciativa do próprio Supremo Tribunal Federal, por sugestão do Presidente da Comissão de Jurisprudência, Ministro Victor Nunes Leal, que tinha como componentes os Ministros Gonçalves de Oli- veira e Pedro Chaves. Nesse sentido, Muscari (1999) ressalta que: Preocupado com o elevado número de processos distribuí- dos à Corte [que proferia cerca de 7.000 decisões por ano], muitos dos quais versando tema já apreciados e pacificados, o ilustre Magistrado idealizou aquilo a que chamaria um ‘mé- todo de trabalho’, com os seguintes objetivos: introduzir um sistema oficial de referência dos precedentes judiciais, me- diante a simples citação de um número convencional; dis- tinguir a jurisprudência firme da que se achasse em vias de fixação; atribuir à jurisprudência firme consequências pro- cessuais específicas para abreviar o julgamento dos casos que se repetissem e exterminar as protelações deliberadas (MUSCARI, 1999, p. 37). A mudança do Regimento Interno do STF, com a inclusão da sú- mula, foi aprovada na sessão de 13.12.1963, e as primeiras súmu- las foram editadas em 1964. A partir de então, os outros tribunais também passaram a emitir as suas respectivas súmulas. Embora possuindo caráter meramente ilustrativo do entendimento do STF e não constituindo efeito vinculante, a edição de súmulas passou a orientar as decisões dos magistrados das diversas instâncias, além de significar “[...] uma revolução no pensamento jurídico do país, importando na melhoria da técnica hermenêutica com os prece- dentes firmados.” (DAIDONE, 2006, p. 43) NEAD Núcleo de Educação a Distância 13 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional Como se pode verificar, a discussão jurídica acerca da adoção do instituto da súmula vinculante no direito brasileiro vem desde meados da década de 1960. Porém, a decisão legislativa da sua inserção só veio a ocorrer após mais de quarenta anos de deba- tes, porque há alguns argumentos contrários muito consisten- tes, que obviaram a protelação da sua aprovação. Os principais argumentos dos opositores são: violação do princípio da separação dos poderes, porque o • Judiciário estaria invadindo a esfera de competência do Le- gislativo ao editar normas com força de lei; o risco de estagnação ou engessamento do direito, com o • impedimento de que determinadas questões venham a ser apreciadas pelas instâncias judiciárias superiores. Efetivamente, tais riscos existem e devem ser considerados. Por isso mesmo, o STF vem sendo muito cauteloso na edição de súmulas, para aprová-las apenas em matérias que estão bastante pacificadas, de modo a não causar polêmica ou surpresa aos ope- radores do Direito. Foi também para minimizar este risco potencial que a mesma regra constitucional criadora da súmula previu tam- bém a possibilidade de sua revisão ou cancelamento. A esse pen- samento, Daidone (2006) considera que: Importante ser dito que a aplicação obrigatória da súmula não impedirá que o magistrado faça constar em sua fun- damentação entendimento contrário, expondo as razões do seu convencimento, que poderá servir de base para novos argumentosa serem encaminhados aos Tribunais Superio- res, para que, se for o caso, promova a alteração ou rever- são do precedente vinculante (DAIDONE, 2006, p. 79). Importante Outro argumento também muitas vezes levantados pelos opositores da súmula vinculante é que ela retira a indepen- dência e o livre convencimento do juiz, fazendo com que as suas decisões sejam previsíveis demais. Em tese, toda ... NEAD Núcleo de Educação a Distância 14 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional ... questão em que uma das partes fundamentar seu pedido no precedente da súmula vinculante, o juiz não poderia decidir de outro modo, mesmo que entenda diversamente, porque ficaria jungido à decisão do STF. No entanto, tal argumento não é convincente, uma vez que o juiz não fica adstrito ao que é invocado pelas partes para firmar seu convencimen- to, mas ele deverá apreciar toda a prova e cotejá-la com a legislação, com a jurisprudência e com todas as formas de expressão do Direito. E se entender que a súmula invocada não se coaduna com o caso em análise, poderá fundamenta- damente deixar de segui-la, tal como faz com o dispositivo de lei, nas mesmas condições, em que o juiz pode decidir pela declaração de sua inconstitucionalidade “incidenter tantum” (controle indireto de constitucionalidade das leis). A bem da verdade, o grande argumento a favor da súmula vin- culante não é de natureza jurídica substantiva, mas de ordem pro- cessual. A descomunal avalanche de recursos que chegam todos os dias para apreciação nos tribunais superiores, muitas vezes sobre matérias já sobejamente julgadas e, portanto, com intuito mera- mente protelatório, estava a exigir dos Poderes Judiciário e Legis- lativo a adoção de uma medida realmente efetiva, sob pena de não poderem os Tribunais Superiores, especialmente o Supremo, se debruçar sobre as questões verdadeiramente relevantes, enquanto ficavam sufocados com os recursos repetitivos. Curiosidade Levantamentos estatísticos recentes revelaram que, dos pro- cessos que chegam ao STF, oitenta por cento tratam de ma- térias fartamente julgadas pelo Tribunal e em entendimento uniforme, o que não justificaria a sua admissão. E o dado curioso deste levantamento é que tais recursos, em sua maioria, são demandas de procuradores de órgãos públicos, ou seja, o recorrente é o próprio governo. NEAD Núcleo de Educação a Distância 15 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional Em relação à alegada invasão de competência do Judiciário sobre o Legislativo, com a edição da súmula vinculante, é escla- recedor o fato de que, em legislações expedidas recentemente, o próprio Legislativo já tem transferido para o STF poderes mais amplos de administração do processo, superando a análise es- pecífica da questão e reconhecendo, na prática, o efeito vincu- lante das súmulas deste Tribunal. É o caso do art. 38 da Lei n.º 8.038/90, que assim estabelece: O Relator, no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tri- bunal de Justiça, decidirá o pedido ou recurso que tenha perdido seu objeto, bem como negará seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou im- procedente, ou ainda que contrariar, nas questões predomi- nantemente de direito, súmula do respectivo Tribunal. Neste mesmo sentido, também dispõe o art. 557 do CPC, com a alteração introduzida pela Lei n.º 9.139/95: O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior. Portanto, antes mesmo de ser inserido na Constituição Fe- deral o dispositivo que permite ao STF a edição de enunciados com efeito vinculante, a legislação ordinária já vinha anteci- pando tal posicionamento, através de dispositivos constantes em leis específicas. Era o claro sinal de que o amadurecimento da ideia estava chegando ao ponto de possibilitar a inclusão do dispositivo na nossa Lei Maior. Convém esclarecer ainda que a inclusão do dispositivo da súmula vinculante no ordenamento pátrio não tem o mesmo alcance e significado das decisões da Suprema Corte dos países da “common law”, pela seguinte particularidade. Naqueles países, os precedentes dos Tribunais Superiores prevalecem sobre o direito legislativo, diferentemente da súmula vinculante do nosso direito, que não tem supremacia diante da lei. Na verdade, as súmulas são verdadeiras interpretações ... NEAD Núcleo de Educação a Distância 16 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional ... da lei no caso concreto e não podem prevalecer diante de dispositivo legal explícito. Em qualquer caso, se uma parte se considerar prejudicada por um julgamento baseada em súmula vinculante erroneamente aplicada, contrariando dispositivo legal, poderá dirigir reclamação ao STF, como ocorre nos demais casos em que a decisão judicial vai de encontro a uma norma legal específica. Não obstante ainda existirem ilustres juristas com opiniões divergentes, a postura serena e equilibrada do STF na aprova- ção das súmulas vinculantes tem deixado a comunidade jurídica bastante confiante de que os eventuais males que tal instituto poderia trazer estão sendo sabiamente e adequadamente ad- ministrados pelo Supremo, de modo que a sua aplicação venha a contribuir para um maior aperfeiçoamento do nosso sistema jurídico. Prova disso é que, inicialmente, foram levantadas no STF sete questões largamente repetitivas, as quais poderiam re- sultar em súmulas vinculantes, e destas, foram aprovadas, num primeiro momento, apenas três, reservando-se o Tribunal para um mais aprofundado estudo das demais. Apresentando de uma forma sistemática, os principais argu- mentos que embasam as opiniões dos juristas favoráveis à sú- mula vinculante são os seguintes: dinamização da celeridade dos atos processuais e da instru-1 - mentalidade do processo; uniformização mais efetiva da jurisprudência;2 - ampliação da segurança jurídica;3 - pacificação dos conflitos existentes na sociedade sobre a 4 - matéria constitucional, evitando decisões judiciais antagô- nicas sobre a validade de determinadas normas; não violação da função legislativa, pelo fato do próprio Po-5 - der Legislativo por força da entrada em vigor da Emenda Constitucional n° 45, ter conferido tais poderes. NEAD Núcleo de Educação a Distância 17 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional Por outro lado, os argumentos que fundamentam as opiniões dos juristas contrários à súmula vinculante são os seguintes: “Engessamento” do Judiciário, evitando, desse modo, a 1 - adequação das decisões dos juízes aos fenômenos sociais; violação à liberdade de criação e independência dos juízes, 2 - ficando este obrigado a aplicar o direito conforme entendi- mento consolidado por súmula; prejuízo ao princípio do duplo grau de jurisdição;3 - violação das funções estatais, ou seja, da divisão dos “Po-4 - deres”, na medida em que o Supremo Tribunal Federal es- taria criando uma nova lei e assim trazendo para si uma função incumbida ao Poder Legislativo. Conforme explicado, os possíveis efeitos negativos da ado- ção da súmula vinculante podem ser perfeitamente contor- nados com a prudência e a serenidade que tem sempre mar- cado as decisões da nossa Suprema Corte, de modo que os eventuais malefícios são amplamente superados pelas evi- dentes vantagens imediatas de saneamento e revitalização para os Tribunais Superiores. Vejamos como se dá a proposição de uma súmula vinculante: De acordo com a Lei n.º 11.417/2006, a proposta pode ser feita diretamente pelo STF ou pelas autoridades e entidades listadas no seu art.3º, dentre estas, o Presidente da República, as Mesas do Congresso, o Conselho Federal da OAB, o Defensor Público Geral da União, as Assembleias Legislativas e os Tribunais Superiores. Tanto a edição, quanto a revisão e o cancelamento dependem da aprovação por dois terços ... NEAD Núcleo de Educação a Distância 18 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional ... dos membros do STF, em sessão plenária. O efeito também poderá ser imediato ou ter a sua eficácia a partir de outro momento, condição que será decidida novamente por dois terços dos membros do STF. Se uma decisão judicial ou ato administrativo contrariar uma súmula vinculante, o interessado poderá reclamar diretamente ao STF, independente dos recursos ordinários cabíveis. Importa destacar que as súmulas vinculantes iniciaram uma nova numeração, diferente das súmulas anteriores que não se tornaram vinculantes, mas continuam como a mesma nature- za jurídica de antes. E caso alguma das súmulas já aprovadas anteriormente venha a obter o status de vinculante, deverá assumir nova numeração. Portanto, o STF deverá continuar editando súmulas gerais, como vem fazendo desde 1963, sem efeito vinculante e, quando for o caso, atribuirá efeito vincu- lante aos enunciados interpretativos de normas acerca das quais haja grave controvérsia entre os órgãos judiciários ou entre estes e a administração pública, de modo a acarretar grave ameaça à segurança jurídica ou significativa multiplica- ção de processos sobre a mesma questão. É assim que está disciplinado no art. 1.º da Lei n.º 11.417/2006. 3.2 REPERCUSSÃO GERAL Na mesma linha de raciocínio que justifica a instituição da súmula com efeito vinculante, dentro do que ficou conhe- cido como “reforma do judiciário”, foi também criada a figu- ra jurídica processual chamada de repercussão geral, para reduzir o grande volume de processos em grau de recurso no STF. Neste sentido, foi aprovada a Lei n.º 11.418/2006, publicada no mesmo dia da lei que criou a súmula vinculan- te, fazendo parte de um conjunto de medidas destinadas a aliviar a carga de processos em tramitação na nossa mais elevada Corte e possibilitando uma mais acurada análise das questões reconhecidamente relevantes. NEAD Núcleo de Educação a Distância 19 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional Importante Repercussão Geral, portanto, é o “nomen juris” que se atri- bui ao procedimento pelo qual a condição de admissibilidade de um recurso extraordinário interposto perante o Supremo Tribunal Federal, aborde questões adjetivadas como relevan- tes para toda a sociedade, ultrapassando os interesses sub- jetivos das partes da causa, e calcados em assuntos eco- nômico, político, social ou jurídico, permitindo ao Supremo Tribunal Federal - STF, em decisão irrecorrível, deixar de ad- mitir recurso interposto quando a questão constitucional nele versada não oferecer esta repercussão social geral As regras de declaração da existência ou não da repercussão geral estão definidas na lei citada acima. De acordo com o seu art. 2.º, o recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Fede- ral, a existência da repercussão geral, ou seja, que se trata de questão econômica, social, política ou jurídica de elevada im- portância, a tal ponto que a decisão do STF irá beneficiar não apenas os autores do recurso, mas de modo geral, será bené- fica para toda a sociedade. Caso o STF aceite os argumentos e reconheça a repercussão geral do recurso, este será admitido para exame do mérito. Caso contrário, a decisão será irrecor- rível e valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo se for o caso de revisão de tese, nos termos do Regimento Interno do STF. Por sua vez, os Tribunais Regionais e Estaduais farão uma triagem dos recursos idênticos, selecionando um ou mais representativos da controvérsia e os encaminharão ao STF, ficando os demais sobres- tados até que o Supremo analise e decida a questão. A decisão que for dada nos casos tomados como exemplo serão aplicadas aos que ficaram sobrestados, sem necessidade de apreciação unitária deles pelo STF, cabendo ao próprio Tribunal de origem aplicar a decisão. NEAD Núcleo de Educação a Distância 20 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional Tanto quanto a súmula vinculante, também o instituto da repercussão geral divide as opiniões dos magistrados e doutrinadores, alguns mani- festando animado apoio, outros revelando insatisfação e preocupação. Os principais argumentos contrários são assemelhados aos dos opositores da súmula vinculante, sobretudo a arguição de ser um instituto jurídico próprio do sistema “common law” e incompatível com o sistema brasileiro romanista da “civil law”. Outro argumento contrário é a restrição ao en- tendimento subjetivo dos Ministros do STF, que não precisam motivar a decisão, sendo esta irrecorrível. Tal situação é vista com preocupação, pois o sistema jurídico fica submetido ao arbítrio do entendimento do STF. No entanto, há que se considerar os dados estatísticos do STF, que demonstram a absurda repetição de recursos idênticos sobre matérias já julgadas, inviabilizando o trâmite processual normal dos processos que tratam de causas não repetidas. Além do mais, os mesmos dados esta- tísticos comprovam que a grande maioria destes recursos extraordinários repetidos são originados dos próprios órgãos públicos, cujos procurado- res são “obrigados” a recorrerem por dever de ofício, porque não lhes é dada a discricionariedade para decidir quando devem ou não recorrer. Por receio de sofrerem punições decorrentes de eventuais acusações de conivência ou desídia, eles terminam impetrando todos os recursos possíveis, salvando-se assim de um eventual crime de responsabilidade, mas na prática, causando grande avalanche de recursos idênticos. Reflexão Há de se atentar ainda para o fato de que uma determinada ques- tão não ser apreciada pelo STF, ou seja, se algumas questões não forem consideradas relevantes no STF, nem por isso significaria haver denegação de justiça ou impedimento de acesso ao ju- diciário, pois as causas respectivas já foram antes julgadas por outras Cortes, prevalecendo as decisões sem comprometimento da opinião do STF, mas antes aumentando a responsabilidade e o prestígio de outros tribunais. Isto porque o STF não é Corte de Justiça Ordinária, Corte de Cassação ou Tribunal de terceira ins- tância, bastando, para a tutela dos direitos subjetivos, a garantia do duplo grau de jurisdição, com os recursos ordinários e espe- ciais (que já são muitos) a ele inerentes e com a possibilidade, para casos excepcionais, de utilização da ação rescisória. NEAD Núcleo de Educação a Distância 21 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional Após a aprovação da Lei n.º 11.418/2006, o Superior Tribu- nal de Justiça encaminhou ao Congresso um projeto de lei com idêntica natureza, a fim de que seja aplicada a mesma disciplina aos recursos especiais, que são também repetitivos em elevada proporção. Mesmo considerando que a composição do STJ, com 33 ministros, representa o triplo da força de trabalho em relação ao STF, contudo também naquele Tribunal o acúmulo de recur- sos especiais de teor idêntico causa admiração. A proposta foi aprovada, transformando-se na Lei n.º 11.672/2008, conhecida como Lei dos Recursos Repetitivos. A súmula vinculante e a repercussão geral, assim como a lei dos recursos repetitivos, são institutos jurídicos que têm como escopo responder a uma das maiores críticas que a sociedade faz ao Poder Judiciário, que é a sua morosidade. O fator preponderantedesta morosidade se encontra sobretudo em duas causas: os prazos que devem ser cumpridos, sobretudo em pro-1 - cessos com muitas partes, além dos privilégios da Fa- zenda Pública, que sempre tem prazo quádruplo para contestar e duplo para recorrer; o excessivo número de recursos possíveis, nas diversas 2 - instâncias. É óbvio que os recursos existem para salvaguardar a segurança jurídica e a isonomia entre as partes, no entanto, estes recursos são artificiosamente manobrados por advogados habilidosos com o intuito de protelarem ao máximo a decisão final de um processo, o que se torna um procedimento odioso. Com estes novos instrumen- tos, espera-se conseguir um descongestionamento da pauta de jul- gamento dos processos no STF, abrindo espaço para a apreciação de causas onde exista realmente o interesse público relevante. Com isso, encerramos assim, o estudo da jurisdição cons- titucional. Retornemos, agora, ao tema da hermenêutica constitucional. Acompanhe! NEAD Núcleo de Educação a Distância 22 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional 4 CARACTERÍSTICAS DO MÉTODO DA NOVA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL A principal consequência prática das recentes concepções doutrinárias abrigadas sob o título de novo constitucionalismo foi a necessidade de se desenvolver um novo método de inter- pretação da constituição. Os métodos tradicionais, constituídos dentro da ótica do estado liberal burguês, que teve na Revo- lução Francesa sua máxima expressão, com a prevalência da estrita legalidade, resultaram insuficientes para a nova feição do Estado Democrático de Direito, fundado nos princípios dos do novo constitucionalismo. Esta mudança metodológica foi sendo reelaborada pelas mais recentes teorias da hermenêutica jurídica do pós-positi- vismo, que destacam uma compreensão do Direito orientada para os valores sociais, sobretudo a Tópica Jurídica e a Juris- prudência das Valorações. Isso ganhou forma na substituição da clássica maneira de aplicação do Direito entendida numa abordagem silogística (lógica formal) para uma abordagem valorativa (lógica teleológica e axiológica). Segundo Ma- galhães (2004, p.64) “A aplicação do Direito não consiste em mera subsunção do fato à norma, mas, antes, de coordenação valorativa do fato à norma.” Conforme ensina Luís Roberto Barroso (2010), a grande re- viravolta da interpretação constitucional contemporânea se deu a partir de que os doutrinadores se convenceram de uma situação que sempre ocorrera, mas nunca fora suficiente- mente reconhecida: o fato de que as normas jurídicas, tan- to as legislativas quanto as constitucionais, não carregam apenas um único sentido, o qual seria válido objetivamente para todas as situações em que incidem, podendo ser com- preendidas sob diversas perspectivas. Segundo o referido doutrinador, isso fez modificar a compreensão do que seja norma, problema e intérprete, configurando uma postu- ra hermenêutica que se denomina de pós-positivista. NEAD Núcleo de Educação a Distância 23 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional Em relação à norma, na teoria tradicional (liberal-po- sitivista), acreditava-se na objetividade da interpretação e na neutralidade do intérprete, isolando-se quaisquer in- serção de cunho subjetivo. Na concepção atual (pós-posi- tivista), esta visão simplista foi transformada para duas posturas muito mais dinâmicas. Primeiro, entende-se que a norma, em geral, não traz pronta a solução do problema, mas aponta para um início de solução e mesmo assim, não contém todos os elementos necessários para a determina- ção do seu sentido, havendo a necessidade da colaboração pessoal do intérprete. Em segundo lugar, percebe-se que existe uma diferença entre a norma-comando e a norma- enunciado, ou seja, a norma não se esgota no texto do seu dispositivo, devendo adquirir contornos mais apropriados no confronto com os fatos. Em relação ao problema, este deixa de ser um simples contexto fático sobre o qual a norma será objetivamente aplicada, passando a ser compreendido como um co- fornecedor de elementos, que irão se materializar no Direito aplicado, passando o raciocínio jurídico a ser estruturado prioritariamente a partir dos fatos (indutivo) e não a partir da norma (dedutivo). Recorde-se aqui a concepção egológica do Direito, de Carlos Cóssio, estudada antes, na unidade III, e ainda a concepção problemática do Direito, trazida pela escola da Tópica Jurídica, estudada na unidade IV. Em relação ao intérprete, a sua função deixou de ser considerada como meramente técnica (como era na teo- ria positivista), para tornar-se um participante ativo no processo de criação do Direito, completando o trabalho do constituinte ou do legislador, no ato de fazer valorações de sentido, contribuindo com seu ponto de vista, sua visão cultural, sua formação profissional e até com seus elemen- tos inconscientes, os quais irão influenciar na sua maneira personalizada de analisar a realidade social e apreender os valores nela contidos. NEAD Núcleo de Educação a Distância 24 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional Importante Essas mudanças de concepção metodológica colocaram em pauta tanto uma antiga polêmica que sempre movimentou os juristas, acerca da força vinculante dos princípios, em relação às regras, como também trouxe novas termino- logias de caráter aberto, como por exemplo, os conceitos jurídicos indeterminados, as colisões das normas constitu- cionais, a ponderação e a argumentação, como novos ele- mentos norteadores da interpretação constitucional. Con- ceitos jurídicos indeterminados são, por exemplo, interesse público, desenvolvimento nacional, relevância e urgência, pluralismo político, os quais exigem boa dose de contribui- ção do intérprete na sua definição, no momento em que se deparam com casos concretos. Em relação à força normativa dos princípios e sua distinção em relação às regras, este tem sido um dos pontos característicos do pós-positivismo. De acordo com a doutrina clássica, os princípios se constituíam-se “conselhos” ao legislador, no sentido de orientar a elaboração das leis, mas não teriam a mesma eficácia da legislação, esta sim portadora da força coercitiva necessária para torná-la imperativa diante de todos. Os princípios teriam, desse modo, um caráter meramente político, sem força normativa. A concepção tradicional da hermenêutica jurídica, até o início do século XX, prendia-se apenas à interpretação e à aplicação das regras. A partir das primeiras décadas do século XX, em diversos países da Europa, essa compreensão foi sendo reformulada, sobretudo a partir da Constituição de Weimar (1919), na Alemanha, disseminando-se cada vez mais a aceitação da força vinculante dos princípios. Conforme ensina Luís Roberto Barroso (2010), atualmente prevalece o entendimento de que o sistema jurídico ideal deve fundar-se numa distribuição equilibrada de princípios e regras, no qual as regras fundamentam o aspecto da segurança jurídica, enquanto os princípios fundamentam a efetivação da justiça no caso concreto. NEAD Núcleo de Educação a Distância 25 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional No Brasil, esta nova concepção doutrinária foi incorporada na Constituição de 1988, de modo que atualmente não se pode mais deixar de reconhecer a força normativa dos princípios, diante do que consta no art. 5.º, LXXVII, § 1.º: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.” O Direito Brasileiro integrou-se, portanto, nessa recente e inovadora compreensão doutrinária própria do Estado Demo- crático de Direito, sendo claro exemplo disso as figuras domandado de injunção e da ação de inconstitucionalidade por omissão, quando há omissão do legislador no cumprimento das suas obrigações constitucionais. Com essa nova visão doutrinária e metodológica, a clássica definição dos princípios gerais do Direito, reconhecidos como mera indicação ou orientação, já não mais se coaduna com a natureza dos princípios constitucionais. De acordo com o Pro- fessor Glauco Magalhães (2004): […] nas chamadas ‘normas constitucionais programáticas’, não temos meros conselhos ao legislador ou simples consagração de objetivos políticos, mas a interferência do jurídico sobre o político, enquanto em outras normas constitucionais temos apenas um reflexo da realidade material, ou seja, o político determinando o jurídico (MAGALHÃES, 2004, p. 83). Isso demonstra que há uma unidade normativa na Consti- tuição, surgindo a necessidade de um esclarecimento concei- tual sobre a especificidade das normas jurídicas, através da distinção entre princípios e regras. NEAD Núcleo de Educação a Distância 26 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional 4.1 DIFERENÇA ENTRE PRINCÍPIO E REGRA Importante Antes de iniciarmos propriamente esse estudo metodológico, faremos uma breve análise etimológica dos termos. Princípio deriva do latim “principium”, que por sua vez é formado pela junção das palavras primum+capio (= o que pega primeiro, o que vem em primeiro lugar). Princípio, no Direito, remonta à origem, àquele dispositivo fundamental que vem em primeiro lugar e a partir do qual diversos outros se irradiam. Regra provém também do latim “régula”, que por sua vez deriva do verbo “regere” (= reger, governar), estando assim ligada à figura do rei. No Direito, regra é um dispositivo que contém um comando determinado, um mandamento específico Princípio remonta à origem do latim: principium primum + capio = o que pega primeiro, o que vem em primeiro lugar no Direito: Regra é um mandamento específico do latim: régula verbo regere = reger, governar no Direito: Desse modo, numa primeira visão distintiva, verifica-se que o princípio atende a um comando genérico, enquanto a regra corres- ponde a uma determinação mais precisa. Contudo, esta distinção vaga e simplista está longe de delinear a complexa problemática NEAD Núcleo de Educação a Distância 27 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional que se esconde por trás da discussão sobre o que seria um princí- pio ou uma regra, seja na Constituição, seja no Direito em geral. A discussão deste assunto sempre foi tema de interesse para os ju- ristas, tendo-se destacado, nos últimos tempos, dois juristas de re- nome, Ronald Dworkin, norte-americano, e Robert Alexy, alemão. Na doutrina jurídica contemporânea, prevalece o entendi- mento de que a expressão “normas” forma o gênero, da qual são espécies os princípios e as regras. Assim, tanto as normas jurídicas em geral, quanto as normas constitu- cionais em particular, podem ser classificadas em duas ca- tegorias distintas: normas-princípios e normas-disposição. As normas-princípios, ou simplesmente princípios, são aquelas de conteúdo mais abstrato e de maior abrangên- cia no sistema; as normas-disposição, ou simplesmente regras, são aquelas de conteúdo mais prático e se aplicam a situações mais específicas. (BARROSO, 1998) Exemplo O professor George Marmelstein, Juiz Federal, em seu blog, numa perspectiva bem informal, faz uma explanação didática para uma melhor distinção entre regra e princípio, a partir de duas situações exemplares: exemplo de regra - “A aula começa às 7:30 da ma-a) nhã. O aluno que chegar à sala depois desse horá- rio não terá direito à presença”; exemplo de princípio - “A aula começará bem cedo. b) O aluno deve chegar o mais cedo possível.” Vê-se que, no caso “a” existe uma situação bem definida que não permite tergiversações. Já o caso “b”, tem-se uma situa- ção flexível, na qual diversos fatores podem ser considerados. NEAD Núcleo de Educação a Distância 28 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional Para acessar o blog “Direitos Fundamentais“, do Professor e Juiz Federal George Marmelstein, consulte na internet: http://direitosfundamentais.net Numa perspectiva mais acadêmica, vejamos a lição de Norber- to Bobbio (1999), expondo também de modo bastante didático, a referida diferença conceitual. Diz ele: Os princípios gerais são apenas, a meu ver, normas fun- damentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim, não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. […] Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aque- las das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles. […] Em segundo lugar, a função para a qual são extraídos e em- pregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comporta- mento não regulamentado; mas então servem ao mesmo escopo a que servem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas? (BOBBIO, 1999, p. 158-159). Um outro autor que faz ilustrativa explanação sobre a diferença entre princípio e regra é J. J. Canotilho (2000), elencando um con- junto de critérios de distinção: pelo grau de abstração – princípios são genéricos, regras são a) específicas; pelo grau de determinação – princípios são vagos e indeter-b) minados; regras são dirigidas a casos concretos; pelo grau de fundamentação – princípios situam-se no nível dos c) fundamentos, regras situam-se no nível da aplicação imediata; NEAD Núcleo de Educação a Distância 29 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional pelo grau da proximidade – princípios situam-se em posi-d) ção mais próxima dos ideais de direito e de justiça, regras situam-se no nível mais próximo dos fatos; pelo grau normogenético – princípios constituem as bases e) das regras jurídicas. Luís Roberto Barroso oferece também uma interessante con- tribuição para o esclarecimento desses conceitos, tomando como referência três critérios: a) quanto ao conteúdo – regras são relatos objetivos descri- tivos de condutas a serem seguidas; princípios expressam valores e fins a serem alcançados; b) quando à estrutura normativa – regras se estruturam, normalmente, no modelo tradicional das normas de condu- ta: previsão de um fato – atribuição de um efeito jurídico; princípios indicam estados ideais e comportam realização por meio de variadas condutas; c) quanto ao modo de aplicação – regras operam por via do enquadramento do fato no relato normativo, com enuncia- ção da consequência jurídica daí resultante, isto é, aplicam- se mediante subsunção; princípios podem entrar em rota de colisão com outros princípios ou encontrar resistência por parte da realidade fática, hipóteses em que serão aplicados mediante ponderação (BARROSO, 2010, p.174). Exemplo A título de ilustração prática, faremos uma breve enumeração de princípios e regras, tomando como referência os temas mais conhecidos e estudados. Acompanhe: Na área dos princípios: princípios jurídicos – razoabilidade, publicidade, impessoalidade, • legalidade, livre acesso à justiça, duração razoável do processo; princípios políticos – formas de estado e de governo, ordem econô-• mica, ordem social, direitos fundamentais; princípios de garantia – juízonatural, direito adquirido, reserva legal.• ... NEAD Núcleo de Educação a Distância 30 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional ... Na área das regras: regras de organização estatal;• regras de competência;• regras procedimentais (processos judicial, legislativo);• regras de proteção da família, do casamento, da maternidade.• Esta forma de apresentação dos princípios, evidentemen- te, não é única nem exaustiva. Luís Roberto Barroso (2010), por exemplo, divide os princípios em fundamentais, gerais e setoriais, do seguinte modo: fundamentais – princípio republicano, princípio da separação • dos poderes, princípio da dignidade da pessoa humana; gerais – princípio da isonomia, princípio da segurança jurídica, • princípio do devido processo legal; setoriais ou especiais – variam de acordo com o tema: • tributário (anterioridade da lei que institui ou aumenta tributo), administração pública (moralidade, impessoalidade), ordem econômica (livre concorrência), ordem social (autonomia universitária), dentre muitos outros. Além desses, há um princípio não expresso, denominado na doutrina como princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, que é usado comumente na jurisprudência como parâmetro da verdadeira justiça, o qual será abordado no próximo tópico. Após essas análises, concluímos com a lúcida explanação de George Marmelstein (ON-LINE): NEAD Núcleo de Educação a Distância 31 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional a) as regras descrevem uma situação jurídica, ou melhor, vinculam fatos hipotéticos específicos, que, preenchidos os pressupostos por ela descrito, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos (direito definitivo), sem qualquer exceção. P. ex. “aquele que detiver a coisa em nome alheio, sendo-lhe demandada em nome próprio, deverá nomear à autoria o proprietário ou o possuidor” (art. 62 do CPC); b) os princípios, por sua vez, expressam um valor ou uma diretriz, sem descrever uma situação jurídica, nem se re- portar a um fato particular, exigindo, porém, a realização de algo, da melhor maneira possível, observadas as possi- bilidades fáticas e jurídicas (reserva do possível). Possuem um maior grau de abstração e, portanto, irradiam-se por diferentes partes do sistemas, informando a compreensão das regras, dando unidade e harmonia ao sistema normati- vo. P. ex., “todos são iguais perante a lei”, onde a igualdade surge como a instância valorativa adotada pela Carta Magna (MARMELSTEIN, ON-LINE). 4.2 PRINCÍPIOS E PROPORCIONALIDADE A partir dos conceitos desenvolvidos no item anterior, cons- tatamos que as regras sempre nos dão um comando preciso e específico, não deixando margem para o arbítrio de quem as executa. Por outro lado, os princípios fornecem diretrizes mais amplas e apontam para caminhos diversos na sua exe- cução. Conforme foi estudado antes, na Unidade III, quando duas leis dispõem de modo diverso sobre um mesmo assunto, somente uma delas poderá ser seguida, e para determinar qual a norma válida, utilizam-se os conhecidos critérios cro- nológico, hierárquico e especialidade. Ou seja, o sistema não tolera duas ou mais normas legais incompatíveis entre si, devendo sempre o legislador ter o cuidado de não as permitir e o magistrado o dever de eliminá-las. Já em relação aos princípios, dada a sua maior amplitude, não apenas é bastante frequente que eles se justaponham e até se opo- nham, como este fato não compromete a integridade e a harmonia do sistema. Isso ocorre porque, com os princípios, é possível fazer pon- derações, e desse modo, uma colisão de princípios não implicará em destruição de um ou outro, como acontece com as normas legais. NEAD Núcleo de Educação a Distância 32 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional Por exemplo, o princípio da segurança colide com o princípio da liberdade individual; o direito de informação colide com o direito de proteção à privacidade; a promoção do desenvol- vimento colide com a proteção ambiental; a livre iniciativa colide com a proteção ao consumidor. Sempre que se dá mais espaço para um deles, finda por restringir o outro, ou seja, quanto maior a liberdade, menor a segurança, e vice-versa. Assim é que o jurista deverá sempre encontrar o modo mais equilibrado de prestigiar um sem desatender ao outro. Entre as várias soluções possíveis, deverá sempre ser mais prestigiada aquela que melhor realize o princípio federativo, ou a que melhor promova a igualdade ou a que melhor proteja a liberdade de expressão, ou seja, diante do caso concreto, o intérprete aplicará o conjunto de suas potências intelectuais, de modo a viabilizar a solução jurídica que mais efetive a jus- tiça no caso concreto. A isso dá-se o nome de ponderação ou princípio da proporcionalidade. A ideia da justa medida, da moderação, do prudente arbítrio não é tão recente. Ela surge nos tempos modernos com a filosofia iluminista, no século XVIII, que foi a base do movimento revolucio- nário francês de 1789. Montesquieu consagrou a moderação como uma virtude para a proteção da liberdade política e defendeu a jus- ta medida, a proporcionalidade entre a definição e a gravidade dos delitos e as penalidades que eles acarretavam. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada durante a Revolução Francesa, prescrevia que a lei não deve estabelecer outras penas que não as estritas e evidentemente necessárias. Mas foram os juristas alemães que introduziram o princípio da proporcionalidade aplicado às matérias constitucionais, já em me- ados do século XX, doutrina assim sintetizada por Paulo Bonavi- des: quanto mais a intervenção estatal afeta formas de expressão elementar da liberdade da ação do homem, tanto mais cuidado- samente devem ser ponderados os fundamentos justificativos de NEAD Núcleo de Educação a Distância 33 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional uma ação cometida contra as exigências fundamentais da liberda- de do cidadão. Este se tornou um dos princípios básicos do Direito Constitucional, principalmente no que concerne à matéria de direi- tos fundamentais e suas limitações para a ação do Estado. Na Alemanha, na Suíça, na Áustria, na França, o princípio da proporcionalidade se tornou no instrumento mais eficaz para defender a dependência do indivíduo em relação ao Estado, em- bora não tenha sido incluído formalmente nas respectivas cons- tituições. Assim também ocorreu mais recentemente na Itália, na Espanha e em Portugal, sobretudo neste último país, onde o princípio aparece claramente nos dispositivos da sua Consti- tuição de 1976. No Brasil, na Constituição de 1988, a previsão deste princípio fica implícita em diversos artigos, sendo sua uti- lização frequente na jurisprudência. O Supremo Tribunal Federal o tem consagrado em reiterados julgamentos. Nesse sentido, na lição de Luís Roberto Barroso (2010), o que ocorre é que: […] o princípio da razoabilidade faz parte do processo inte- lectual lógico de aplicação de outras normas, ou seja, de ou- tros princípios e regras. Por exemplo, ao aplicar uma regra que sanciona determinada conduta com uma penalidade ad- ministrativa, o intérprete deverá agir com proporcionalidade, levando em conta a natureza e a gravidade da falta. O que se estará aplicando é a norma sancionadora, sendo o princípio da razoabilidade um instrumento de medida. Ao admitir o estabe- lecimento de uma idade máxima ou de uma estatura mínima para alguém prestar concurso para determinado cargo público, o que o Judiciário faz é interpretar o princípio da isonomia, de acordo com a razoabilidade. Nestes casos, como se percebe intuitivamente, a razoabilidadeé o meio de aferição do cumpri- mento ou não de outras normas (BARROSO, 2010, p. 186). O fundamento do princípio da proporcionalidade encontra-se centrado no Estado de Direito, caracterizado pelo princípio da supremacia da Constituição, o qual, além de tutelar a dignidade dos cidadãos, assume o compromisso de corresponder à realida- de social mediante a concretização dos objetivos plasmados no Texto Fundamental. NEAD Núcleo de Educação a Distância 34 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional 4.3 PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO ESPECIFICAMENTE CONSTITUCIONAL A hermenêutica constitucional assume, em linhas gerais, a mesma forma geral da práxis romanística: o intérprete como um terceiro imparcial que decide uma questão entre partes antagô- nicas. A diferença, porém, está em que, no caso da interpretação da constituição, a atividade não se destina à solução de um caso concreto, mas à elaboração de normas que servirão de fundamen- to para a interpretação das demais normas jurídicas (estas, sim, tratarão dos casos concretos). A interpretação constitucional será, portanto, uma meta interpretação. Os critérios e princípios da hermenêutica constitucional devem ser elaborados, portanto, a partir da própria constituição, mas não devem estar contidos nela própria, e sim numa teoria da constituição. O sentido normativo da constituição é co-deter- minado pela compreensão constitucional do intérprete. Devido ao fato de que o resultado de sua interpretação irá repercutir na realidade social, política e econômica, o que pressupõe uma avaliação de suas consequências, isso faz com que o intérprete constitucional deva mover-se constantemente entre a norma e o contexto social, entre o jurídico e o sociológico. Embora seja inegável a relevância do componente político da hermenêutica constitucional, ele não é o único nem o mais impor- tante, pois os outros componentes de caráter jurídico e de igual magnitude, como o conteúdo semântico de suas normas e o proble- ma de sua aplicabilidade, também devem influir nesse processo. Várias são as posições teóricas sobre o tema, porém os princípios fundamentais que orientam a interpretação constitucional são: o 1 - princípio da unidade da Constituição - não se deve considerar uma norma constitucional isoladamente, mas sempre na totalidade do seu contexto, evitando conclusões contraditórias ao seu todo; NEAD Núcleo de Educação a Distância 35 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional o 2 - princípio da concordância prática - os bens ju- rídicos constitucionalmente protegidos devem ser co- ordenados de modo que cada um deles alcance a sua realidade, sendo fundamental aqui o princípio da pro- porcionalidade (os bens devem ser estabelecidos em limites recíprocos e necessários para que todos possam vir a ter a maior efetividade possível); o 3 - critério da correção funcional - quando a Constituição regula de uma determinada maneira as tarefas dos titulares de funções estatais, o intérprete deve se ater ao âmbito das funções que lhe são destinadas; o 4 - critério da eficácia interpretadora - a solução dos prin- cípios constitucionais deve privilegiar os pontos de vista por meio dos quais se preserve a unidade da Constituição; o 5 - critério da força normativa da Constituição - mais importante do que meramente cumprir a Constituição é extrair dela a máxima eficácia possível em cada problema concreto a solucionar, é ter presente o seu significado na experiência vital da comunidade. Importante A hermenêutica constitucional se realiza, portanto, em toda a sua plenitude, no âmbito da jurisdição constitucional, já ex- planada acima, observando-se que, como lei fundamental do Estado e da sociedade, a Constituição contém, além de sua essencial dimensão jurídica, duas outras dimensões: uma di- mensão política (ideológica) e outra axiológica (cultural). A hermenêutica constitucional é, por isso, um tema que deve ser sempre abordado com muita ponderação e cautela, porque põe em confronto dois representantes do poder do Estado (o juiz constitucional e o legislador democrático). Assim, o juiz cons- titucional, ao obter critérios hermenêuticos no exercício de sua função, deve sempre cuidar que suas escolhas não se distan- ciem das escolhas que o povo, soberanamente, positivou na Constituição, princípio e fim de toda atividade do intérprete. NEAD Núcleo de Educação a Distância 36 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional Como objeto da interpretação, a Constituição tem uma objetivi- dade diante do intérprete que não tolera a captação de outros sig- nificados para além daqueles que ela transmite por meio do diálogo hermenêutico. Por outro lado, não pode o intérprete assumir uma posição de passividade, mas deve tomar parte na produção desse diálogo. Nesse momento, nem o intérprete pode agir arbitraria- mente, pois tem na Constituição mesma o limite de sua atividade, nem se pode admitir que a Constituição tenha um certo sentido predeterminado, que não possa ser confrontado com a posição do intérprete. Trata-se, portanto, de uma relação dinâmica entre o in- térprete e o texto constitucional, iluminado pelo seu conhecimento jurídico e pela sua formação axiológica. 5 FUNDAMENTOS DA UNIDADE AXIOLÓGICA DA CONSTITUIÇÃO A nova hermenêutica constitucional se caracteriza pela sua abordagem axiológica, o que é decorrente da própria axiologia presente no texto constitucional. Na carta constitucional mate- rializa-se a integração entre os planos social, político e o jurídi- co, caracterizando isso uma unidade interna da Constituição que tanto ocorre no plano normativo, quanto no plano axiológico. Dada essa característica, o verdadeiro sentido do texto constitu- cional somente pode ser alcançado quando ele é compreendido de acordo com essa visão de unidade, na qual os elementos va- lorativos presentes na cultura se integram com os elementos po- líticos e jurídicos, devendo ser considerado o melhor método de interpretação constitucional exatamente aquele que tiver a capa- cidade de encontrar e viabilizar esses três elementos básicos. Ou seja, a interpretação constitucional terá sempre esse caráter de abertura e abrangência próprio do seu texto, onde predominam conteúdos mais dinâmicos, diferentemente da interpretação da legislação ordinária, que será sempre mais restrita e limitada. No artigo 1.º da Constituição Brasileira de 1988, encontram- se perfeitamente delineados os paradigmas da sua unidade axiológica, quando declara a opção do nosso legislador constituinte pela forma do Estado Democrático de Direito, tendo como valores fundamentais: NEAD Núcleo de Educação a Distância 37 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional a soberania;1 - a cidadania;2 - a dignidade da pessoa humana;3 - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.4 - Reflexão Se bem observarmos, desses quatro valores básicos, o valor primordial é a dignidade da pessoa humana, pois os outros três são condições para sua viabilização. A dignidade da pessoa humana constitui-se no valor central em torno do qual giram todos os demais, porque ele não decorre de uma mera decisão dos constituintes, mas de um reconhecimento de ser essa uma exigência da própria natureza humana, de modo que a razão de ser da socie- dade e do Estado se fundamenta no fato de serem eles meios para a sua realização. Os princípios estruturantes do Estado brasileiro (democrático, federativo e republi- cano) são as formas escolhidas como mais adequadas para a concretização daquele princípio básico, que é a dignidade da pessoa humana. Ao mesmo tempo que este princípio estabelece o eixo central do texto constitucional,a melhor interpretação da Constituição será aquela que mais se ajustar a essa finalidade. A esse pensamento, Magalhães (2004) considera que: Para que seja possível ao intérprete conferir unidade de sentido à Constituição, necessária se faz a adoção de um método teleológico-sistemático. O aplicador da Constituição deve compreender os valores mais especí- ficos em cotejo com os valores mais gerais, tornando-se estes últimos fins a serem alcançados pelos primeiros (MAGALHÃES, 2004, p. 91). NEAD Núcleo de Educação a Distância 38 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional Por outras palavras, a interpretação constitucional, além de viabilizar a consecução dos seus próprios fins, fornece ainda os elementos necessários para a interpretação da legislação comple- mentar e ordinária, dentro do conceito já mencionado nestas notas sobre a circularidade da compreensão. Daí poder-se afirmar que a interpretação da legislação se faz sob a luz da Constituição, deven- do qualquer outra possibilidade interpretativa, ainda que gramati- calmente encontrável, ser rejeitada pelo intérprete. Resumo Após estas considerações sobre a hermenêutica constitucional, podemos retirar algumas conclusões práticas importantes: A interpretação constitucional é o princípio e o fim a) de toda a hermenêutica jurídica, porque é através dela que se realiza a melhor aplicação prática das normas vigentes no ordenamento; A interpretação constitucional é o ponto culminante b) da atividade do intérprete do Direito, seja o(a) advogado(a), o(a) magistrado(a) ou o membro do Ministério Público, porque assim estará realizando a autêntica função social do Direito; A interpretação constitucional é o ponto de partida c) de todo o processo da interpretação integradora do Direito, nas suas diversas formas de hetero e auto- integração, na medida em que nenhuma lacuna jurídica poderá ser preenchida em desacordo com os ditamos emanados da Constituição; A interpretação constitucional é o ponto de d) interseção onde se cruzam os interesses sociais com os paradigmas jurídicos que os protegem, servindo assim como instrumento de equilíbrio da atividade jurídico-social, em obediência ao princípio da proporcionalidade. NEAD Núcleo de Educação a Distância 39 Hermenêutica Jurídica Unidade V - Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional Sendo regras de conteúdo mais amplo, as normas constitucionais podem ser mais facilmente adequadas às novas situações que surgem com o desenvolvimento da sociedade, funcionando desse modo como inspiração para manter atualizada a correlação entre a sociedade e o Direito, favorecendo com isso a tese da necessária completude do ordenamento jurídico. Portanto, nenhum profissional do Direito exercerá com fidelidade e plenitude a sua tarefa se não estiver apto a fazer, com segurança e competência, este trânsito constante entre a interpretação legislativa e a interpretação constitucional. Com essa reflexão acerca das interpretações legislativa e constitucional, encerramos nossa quinta e última unidade da nossa disciplina. Espero que nosso estudo tenha sido provei- toso, e lembrem-se de participar das nossas web-aulas e dis- cussões do fórum. Nos vemos em nossos ambientes! Até lá! NEAD Núcleo de Educação a Distância Referências bibliográficas BARROSO, Luís Roberto. Novos paradigmas e categorias da interpretação constitucional. In: FERNANDES, B. G. (Org.) Interpretação Constitucional – reflexões sobre a nova hermenêutica. Salvador: Ed. Podivm, 2010. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 1998. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1999. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Ed Malheiros, 1998. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Ed Coimbra, 2000. DAIDONE, Décio Sebastião. A súmula vinculante e impeditiva. São Paulo: Ed. Ltr, 2006. DINIZ, Márcio A. V.. Constituição e Hermenêutica Constitucional. Belo Horizonte: Ed. Mandamentos, 2002. FIGUEIREDO, Sylvia M. C. A interpretação constitucional e o princípio da proporcionalidade. 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NEAD Núcleo de Educação a Distância Créditos UNIVERSIDADE DE FORTALEZA Núcleo de Educação a Distância Coordenação Geral Carlos Alberto Batista Supervisão Administrativa Graziella Batista de Moura Supervisão de Desenvolvimento Liadina Camargo Lima Produção de Conteúdo Didático Antônio Carlos Machado Projeto Instrucional Andrea Chagas Alves de Almeida Roteiro de Áudio e Vídeo Andrea Chagas Alves de Almeida Produção de Áudio e Vídeo Régis da Silva Pereira Identidade Visual Viviane Claudia Paiva Ramos Programação Raimundo Bezerra Lima Júnior Diagramação de Material Didático Sávio Félix Mota Revisão Gramatical Elane Silva Pereira NEAD Núcleo de Educação a Distância Anotações
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