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RESPOSTA ENDÓCRINA, METABÓLICA E IMUNOLÓGICA AO TRAUMA I- INTRODUÇÃO 1- CONSIDERAÇÕES GERAIS A capacidade de responder a determinadas agres- sões, sejam elas de natureza cirúrgica, traumática ou infecciosa é um componente fundamental apresen- tado pelos seres vivos. Esta é uma importante parte da reação de estresse que objetiva aumentar a pro- babilidade de um indivíduo sobreviver ao trauma. O resultado desta resposta coordenada envolve a ma- nutenção do fluxo sanguíneo e da oferta de oxigênio para tecidos e órgãos e mobilização de substratos para utilização como fonte energética, cicatrização de feridas etc. Se o processo que levou à lesão tecidual é de pe- quena intensidade, a resposta endócrina, metabóli- ca e humoral tende a ser temporária e a restauração da homeostase metabólica e imune prontamente ocorre. Por outro lado, uma lesão grave, como observada no politrauma e queimaduras, pode desencadear uma res- posta de tamanha magnitude, a ponto de ocasionar uma deterioração dos processos reguladores do hos- pedeiro e impedir a recuperação das funções celulares e de órgãos, fenômenos estes que levam, na ausência de intervenção terapêutica adequada, ao óbito. Embora a resposta biológica ao trauma tenha como princípio básico preservar o organismo, concluí-se que, dependendo da intensidade da agressão sofri- da, a resposta endócrina metabólica e imunológica pode ser tanto benéfica na recuperação dos indiví- duos afetados, como maléfica, como em casos de traumatismos extensos. O termo "Resposta Endócrino e Metabólica ao Trau- ma", utilizado com frequência na literatura médica, consistia na elevação esperada de determinados hormônios e diminuição de outros em resposta à uma lesão. Com o avanço das pesquisas no campo das ciências básicas e no estudo do paciente crítico, observou-se que indivíduos em estado grave apre- sentavam também uma resposta imune, que englo- bava um aumento da síntese e liberação de mediado- res humorais e da inflamação. Atualmente esses me- diadores possuem importância fundamental em ci- rurgia e determinam em pacientes críticos ou em pós- operatórios, sinais clínicos que anteriormente eram difíceis de ser entendidos. Dentre estes mediadores citamos: as citocinas (fator de necrose tumoral, interleucinas etc), os radicais livres de oxigênio, os opióides endógenos, o ácido araquidônico e os pro- dutos de seu metabolismo (prostaglandinas e tromboxanes) e o complemento Ativado. 2- COMPOSIÇÃO CORPORAL E SUA RESPOSTA AO ESTRESSE CIRÚRGICO A compreensão da fisiologia da resposta ao trauma envolve o entendimento sobre a composição do organismo. O corpo humano é constituído de uma fase não aquosa, composta de tecido adiposo, os- sos, tendões, fáscias e colágeno, e uma fase aquo- sa, representada pelo volume sanguíneo circulante (volume intravascular), pelo volume de líquido que banha os tecidos (extracelular) e pela porção líqui- da no interior das células (musculares e de tecidos viscerais); esta última compõe a maior parte dos líquidos corpóreos. O que é a massa corporal celular e a massa cor- poral magra? A massa corporal celular compreende as proteínas e a água intracelular, sendo um parâmetro pouco usa- do para a avaliação do estado nutricional. A massa corporal magra corresponde à massa heterogênea de células do organismo (incluindo as proteínas) e o meio ambiente aquoso sobre o qual elas repousam (FIGURA 1). Este parâmetro é empregado com fre- quência em uma avaliação nutricional. A massa corporal representa a parte funcional do organismo, exemplificada por proteínas estruturais (músculo), proteínas sob a forma de enzimas (rea- ções metabólicas fundamentais) e proteínas viscerais. Fig. 1 - Composição do peso corporal. A massa corpo- ral celular, não representada, corresponde à massa corporal magra menos a água extracelular. A água cor- poral total corresponde à água intracelular e â água extracelular. Em determinadas condições, como o jejum, a agres- são cirúrgica e os acidentes, uma alteração importan- te no ambiente hormonal se faz presente. Essas mo- dificações têm como um de seus objetivos, a mobili- zação de substratos, a partir de proteínas e gordura, para utilização como fonte de energia por diversas células. O tecido adiposo (fase não aquosa) nos fornece uma reserva enérgica considerável, uma vez que cada gra- ma gera em torno de 9 Kcal. Os ácidos graxos livres constituem a principal fonte de energia utilizada pelo organismo durante o trauma. As proteínas além da função estrutural, geram algu- ma energia quando requeridas, porém em menor in- tensidade quando comparada aos lipídeos. Cada gra- ma fornece cerca de 4 Kcal. Entretanto, o tecido mus- cular, de onde a maior parte da proteína é mobilizada, 9 é hidratado (compartimento intracelular de líquidos é o maior do organismo). O músculo é composto de três partes de água para uma parte de proteína, ge- rando apenas 1 Kcal por grama como valor calórico real. Apesar do baixo valor calórico das proteínas, duran- te o estresse provocado pelo trauma (cirurgias eleti- vas, politraumatismos, sepse, queimaduras eto.) e sob influência hormonal, as proteínas musculares sofrem um processo de lise e geram aminoácidos para a gli- coneogênese, consistindo em uma etapa fundamen- tal na resposta ao trauma. Em traumatismos extensos associados à estresse catabólico importante, grandes quantidades de pro- teína são perdidas por este mecanismo e, se nenhu- ma intervenção nutricional for empreendida, o paci- ente pode vir a falecer, por perda de proteínas viscerais e estruturais. Nestes casos, a perda de proteínas nos primeiros cinco dias pode exceder a 2 kg. II- RESPOSTA ENDÓCRINA E METABÓLICA O organismo frente ao trauma de qualquer origem, se mobiliza totalmente para a produção de glicose, no intuito de ofertá-la para tecidos que a utilizem prefe- rencialmente como energia. A ferida operatória ou traumática, as hemácias, os leucócitos recrutados para os sítios de lesão tecidual e o sistema nervoso central são tecidos e células que utilizam a glicose como fonte energética primordial. Entretanto, a glicose tem como fonte de armazena- mento principal o glicogênio hepático, que é rapida- mente consumido. É nesse momento que entra em cena a gliconeogênese, que é a produção de glicose a partir de substratos não glicídicos, como os amino- ácidos musculares (alanina e glutamina), o glicerol (proveniente do tecido adiposo) e o lactato. Desta forma, a resposta hormonal tem como objetivo um estímulo a gliconeogênese e, como veremos mais adiante, também à lipólise. 1- RESPOSTA ENDÓCRINA E METABÓLICA À CIRURGIA ELETIVA Muitos pacientes submetidos a procedimentos cirúr- gicos eletivos se encontram em bom estado nutricio- nal. É prescrita geralmente dieta zero em um mínimo de 6 horas antes da intervenção e a hidratação veno- sa com soro glicosado a 5% é iniciada. Os estímulos provenientes da ferida operatória, já no momento da incisão, são os deflagradores iniciais da resposta endócrina. Eles caminham por fibras aferentes e alcançam o hipotálamo, que através do hormônio liberador da corticotrofina (CRF) estimula a síntese e secreção de hormônio adrenocorticotró- fico (ACTH). A corticotrofina atua no nível da su- pra-renal estimulando a produção de cortisol, hor- mônio fundamental no trauma. Este glicocorticóide é responsável pelas seguintes alterações: (1) Promoção de um efeito generalizado sobre o catabolismo tecidual, mobilizando aminoácidos (AA) da musculatura esquelética. Os AA servirão de com- bustível para a síntese hepática de nova glicose (gli- coneogênese), funcionarão como substratos para a cicatrização de feridas e como precursores para a sín- tese hepática de proteínas de fase aguda (fibrinogê- nio, ceruloplasmina, PTN C reativa etc). (2) Estímulo à lipólise. Na verdade o cortisol facilita a ação das catecolaminasna mobilização de gorduras do tecido adiposo. Haverá liberação a partir da gor- dura de glicerol, que servirá de substrato para a gli- coneogênese, e de ácidos graxos livres, que serão utilizados como fonte energética direta por alguns tecidos. Os níveis de cortisol permanecem elevados de duas a cinco vezes o normal por no mínimo 24h em cirurgi- as de grande porte, porém não complicadas. O desajuste na circulação, mesmo que transitório, somado a estímulos provenientes da ferida fazem com que o sistema nervoso simpático fique hiperativo, ocorrendo estimulação da medula adrenal, com libe- ração de epinefrina. Este neurohormônio tem a fun- ção de preservar a perfusão sanguínea através do compartimento intravascular, procurando salvaguar- dar o organismo das perdas volêmicas. A epinefrina também possui ações outras além da simples vasoconstrição. Este hormônio estimula a glicogenólise (degradação do glicogênio hepático), a gliconeogênese e a lipólise. A epinefrina juntamen- te com os opióides endógenos, é responsável pela atonia intestinal pós-operatória, além de piloereção, broncodilatação, aumento da frequência cardíaca e relaxamento esfincteriano. Um conceito importante: para uma ação adequada das catecolaminas é neces- sária a presença de glicocorticóides. Na presença de insuficiência supra-renal subclínica, a intercorrência cirúrgica pode levar muitas vezes à hipotensão refratária e choque, isto é, as catecolami- nas agem de forma ineficiente na manutenção do tônus vascular. Esta situação é comum em indivídu- os que fazem uso crônico de glicocorticóides e acham- se impossibilitados de fornecer informações (trauma- tismo craniano, intoxicação exógena etc.) e apresen- tam uma emergência cirúrgica. As catecolaminas urinárias permanecem elevadas por 48 a 72 horas após cirurgias eletivas não complicadas. O hormônio antídiurético (arginina vasopressina ou ADH) tem sua secreção também aumentada. Ele é produzido pelo núcleo supra-óptico do hipotálamo e armazenado pela neurohipófise. As alterações da osmolaridade plasmática, da volemia (perdas de 10% ou mais), o ato anestésico, ação da angiotensina II e estímulos provenientes da ferida cirúrgica, encon- tram-se entre as causas principais envolvidas em sua liberação. A vasopressina promove uma reabsorção de água dos túbulos distais e ductos coletores. Des- ta forma, sobrevém uma retenção hídrica natural no pós-operatório, determinando uma oligúria funcional (menor que 30 mL/h) e edema, sobretudo na ferida operatória. Em dois a quatro dias de pós-operatório, a diurese normal é reiniciada. Na periferia, o ADH determina vasoconstrição esplânenica. Este efeito é mais significativo na lesão acidental e está relacionado a eventos de isquemia (constrição da vasculatura intestinal somada a hipovolemia) seguida de reperfusão (quando a volemia é restaurada). Este fenômeno - isquemia-re- perfusão - induz a produção de radicais livres deri- vados do oxigênio, que alteram a integridade da bar- reira mucosa do tubo digestivo, fenômeno que favo- rece a translocação bacteriana. O ADH estimula tam- bém a glicogenólise e a gliconeogênese. Esse hor- mônio permanece elevado por cerca de uma semana após o ato operatório. A Aldosterona, um mineralocorticóide sintetizado na zona glomerulosa da supra-renal, é liberada pela ação da angiotensina II (ativação do sistema renina-angi- otensina-aldosterona pela hipovolemia), pelo aumen- to do potássio no soro (lesões teciduais) e principal- mente pela ação do ACTH. Este hormônio tem como função a manutenção do volume intravascular, conservando o sódio e elimi- nando hidrogênio e potássio. Uma discreta alcalose metabólica observada no período pós-operatório pode ser justificada pela ação da aldosterona. O uso de dre- nagem nasogástrica, que acentua esta alteração meta- bólica, somada a hiperventilação anestésica e ao au- mento da frequência respiratória produzida pela dor, promovem uma alcalose mista, alteração comumente encontrada na prática cirúrgica em pacientes que se submetem à procedimentos de grande porte. Observamos também alterações no pâncreas endó- crino após cirurgias. Os níveis de glucagon encon- tram-se elevados e os de insulina, baixos. O estímulo proveniente da epinefrina circulante pode ser o res- ponsável. O glucagon elevado e a queda nas con- centrações de insulina constituem-se em um potente sinal para início e manutenção da gliconeogênese. Embora o glucagon seja o hormônio responsável pela gliconeogênese, o cortisol parece ter um efeito per- missivo para esta ação. O Hormônio do Crescimento (GH) eleva-se também durante procedimentos cirúrgicos, anestesia e trau- ma. Este peptídeo tem ação conjunta com o neuro- hormônio adrenérgico em mobilizar gorduras do te- cido adiposo, isto é, promover lipólise. O GH estimu- la a síntese hepática do fator de crescimento insuli- na-símile 1 (IGF-1) que é a substância pela qual ele exerce a maioria de suas funções, principalmente as anabólicas, como a síntese de proteínas. Embora o GH seja conhecido por seus efeitos anabólicos, ele não exerce estas funções nas fases iniciais após o trauma, o que seria um contrasenso. CIRURGIA VOLUME 2/2004-RESPOSTA ENDÓCRINA, METABÓLICA E IMUNOLÓGICA AO TRAUMA 11 Tabela 1 - Alterações clínicas e laboratoriais observadas em pós-operatórios e sua associação com hormônios e mediadores humorais. Atonia intestinal Oligúria funcional/ edema de ferida operatória Alcalose mista Hiperglicemia Elevação discreta na temperatura (37,8°C) Anorexia Catecolaminas e Opióides endógenos Hormônio antidiurético (ADH) Aldosterona, drenagem nasogástrica, hiperventilação anestésica e hiperventilação associada à dor no pós- operatório. Elevação do Glucagon, Cortisol, Catecolaminas e GH. IL-1 Citocinas Acredita-se que os baixos níveis de IGF-1 sejam os responsáveis por este fenômeno. Na resposta ao trauma, os níveis do hormônio estimu- lante da tireóide (TSH) encontram-se normais ou dis- cretamente reduzidos. Os níveis de T4 e T3 estão di- minuídos e os de T3 reverso (rT3), aumentados, con- figurando a síndrome do eutireoideo doente. Maiores detalhes desta síndrome serão conhecidos na aposti- la de Endocrinologia a ser editada em breve. A resposta a cirurgia eletiva determina, portanto, al- gumas alterações clínicas e em exames laboratoriais: oligúria funcional, íleo adinâmico, taquicardia, alcalose mista (hiperventilação + ação da aldostero- na), hipertermia discreta, por ação da interleucina 1 (aceita até 37,8°C), hiperglicemia (gliconeogênese, diminuição da insulina e aumento de hormônios contrainsulínicos), anorexia (Interleucinas e TNF- alfa) e perda ponderai (TNF-alfa). ATabela 1 descre- ve as principais alterações encontradas. O que é um Balanço Nitrogenado Negativo? Na presença de jejum prolongado, lesões acidentais, sepse e cirurgias de grande porte, existe todo um ambiente hormonal direcionado à produção de glicose. Os aminoácidos musculares (alanina e glutamina) são substratos essenciais para a glicone- ogênese. Na sua utilização pelo fígado, os aminoáci- dos são desaminados, o que leva a um aumento na excreção urinária de amônia. Dizemos então que o balanço nitrogenado é negativo, isto é, mais proteí- nas estão sendo consumidas do que sintetizadas. Concluímos que o período inicial (fase adrenérgica- corticóide) após procedimentos cirúrgicos eletivos é caracterizado por catabolismo protéico e lipídico, que é menos intenso do que aquele encontrado em gran- des traumas com múltiplas fraturas, queimaduras, sepse etc. Independente da origem do estímulo, a pro- teólise e o reaproveitamento de aminoácidos determi- narão nesta fase um balanço nitrogenado negativo. antiproteases (a exemplo da alfa 1 antitripsina e da alfa 2 -macroglobulina) previnem a ampliação do dano causado pela liberação de enzimas provenientes dos tecidos lesados ou dascélulas fagocitárias. A ceruloplasmina tem ação antioxidante expressiva (ina- tiva radicais livres derivados do oxigênio). O fibrino- gênio e a proteína C reativa auxiliam no reparo das lesões teciduais. Algumas proteínas plasmáticas de fase aguda têm meia vida biológica fugaz e servem tão somente como indicadoras do trauma. É possível modificar as Respostas Pós-Operató- rías ? Sim, é possível. As cirurgias sem incisão aberta em cavidades (as laparoscópicas), produzem uma res- posta endócrina de menor intensidade. Entretanto, é a resposta imunológica que menos se fará marcante, com níveis de citocinas (IL-1) praticamente normais. Este fenômeno é decorrente de uma quantidade re- duzida de leucócitos presentes na ferida cirúrgica (uma vez que esta é de pequena dimensão) e, portan- to, uma menor produção de mediadores humorais por estas células. Outro dado interessante consiste no bloqueio eficaz das vias aferentes com a anestesia epidural. Nestes pacientes, os valores de cortisol, ácidos graxos livres (reflexo da lipólise) e aldosterona acham-se pratica- mente normais quando comparados aos valores en- contrados em indivíduos submetidos à anestesia geral. Acredita-se que estas vias bloqueadas impe- çam a propagação adequada de estímulos aferentes para o sistema nervoso central, o que leva à uma di- minuição da síntese e secreção de ACTH e, indireta- mente, de cortisol. O emprego de hormônio do crescimento exógeno tem demonstrado, provavelmente através da IGF-1, uma redução da intensidade da fase catabólica, evidenci- ada por uma menor perda da massa corporal magra. Infelizmente, este efeito demonstrou ser benéfico apenas em crianças grande queimadas. FASES DE RECUPERAÇÃO CIRÚRGICA O conhecimento das alterações sequenciais do me- tabolismo de pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos é de importância fundamental. Com estas informações bem sedimentadas, o cirurgião é capaz de entender as modificações clínicas e laboratoriais decorrentes da resposta ao trauma. No entanto, em alguns casos, estas alterações meta- bólicas podem ser prejudiciais à uma boa evolução, sobretudo na presença de complicações cirúrgicas. Como exemplo citamos o catabolismo prolongado observado em pacientes com cirurgias complicadas por infecção e sepse. Nestes indivíduos, um planeja- mento nutricional antecipado diminui de forma signi- ficativa a sua morbidade. Abaixo encontram-se des- critas as diferentes fases do metabolismo encontra- das no pós-operatório e após traumatismos graves. Fase Adrenérgica-Corticóide É o período que se segue a cirurgias eletivas ou o período que sobrevém, após uma curta fase de hipo- metabolismo, à lesão acidental. Nesta fase, as alterações promovidas pela epinefrina e os glicocorticóides se fazem mais intensas. A detecção de mediadores pró-inflamatórios é máxima. A taxa de gliconeogênese, síntese de proteínas de fase aguda, a atividade imune das células de defesa e o balanço negativo de nitrogênio também atingem ní- veis insuperáveis. A lipólise com liberação de ácidos graxos e sua oxidação pelos tecidos se faz presente. Esta fase dura cerca de 6 a 8 dias em cirurgias eleti- vas não complicadas. Na presença de complicações como infecção, sepse ou em casos de lesões aciden- tais, como politrauma, queimaduras etc, o período catabólico pode durar semanas. É nesse momento que a terapia intensiva e um suporte nutricional bem con- duzido podem fazer a diferença entre recuperação clínica ou óbito. Alguns estudos demonstram que a administração de calorias na forma não protéica somada à amino- ácidos, pode reduzir um pouco esse catabolismo exacerbado. Fase Anabólica Precoce Também chamada de fase de "retirada do corticóide", a fase anabólica precoce tem como característica um declínio na excreção de nitrogênio, tendendo a um balanço em equilíbrio. Existe também uma restaura- ção do balanço de potássio, uma vez que este era inicialmente positivo (destruição tecidual), e depois tendia a negatividade no decorrer de horas a dias (efeito da aldosterona). Para que servem as Proteínas de Fase Aguda? As proteínas conhecidas como de fase aguda são sintetizadas na vigência de lesões teciduais, sejam estas provocadas por traumatismos extensos ou ci- rurgias; têm função protetora junto ao organismo. As Tabela 2 - Associação de determinados procedimentos com atenuação da resposta endócrina e imunológica Cirurgia Laparoscópica Diminuição da produção de Citocinas Cirurgia sob anestesia peridural Atenuação da resposta endócrina Utilização de GH exógeno Redução do catabolismo (crianças grande-queimadas) Os níveis de IGF-1 começam a subir. A diminuição dos teores de ADH promove diurese de água retida. O paciente manifesta desejo de se alimentar, fenômeno que reflete uma redução do TNF-alfa. Após um período variável, os pacientes entram em um balanço nitrogenado positivo, representado por síntese protéica e ganho de massa corporal magra (até lOOg/dia) e peso. Alguns consideram esta fase de balanço nitrogenado positivo (que pode durar de semanas a meses) como fazendo parte da fase anabólica precoce, outros autores discordam. Fase Anabólica Tardia Esse período é caracterizado por um ganho de peso mais lento, principalmente a custa de tecido adiposo, o que chamamos de balanço positivo de carbono. A duração desta fase é de meses a anos. 2- RESPOSTA ENDÓCRINO E METABÓLICA À LESÃO ACIDENTAL Quando falamos em 'lesão acidental', além de politrauma e queimaduras, também é importante con- siderarmos qualquer evento que ponha em risco a vida de pacientes, como sepse, hemorragias, pancreatite necrosante etc. Areação do organismo a esta agressão será mais significativa quanto mais grave for a intensidade da lesão. Com isto, a resposta endócrina, metabólica e infla- matória observada terá correlação direta com a exten- são da lesão tecidual. Em casos graves, as modifica- ções hormonais e humorais descritas no item referen- te à 'cirurgia eletiva', amplificam-se e tendem a se perpetuar. É nesse momento que a resposta ao estresse acabará sendo deletéria para o hospedeiro, caso um suporte cirúrgico e de terapia intensiva se- jam inadequados. Quais os efeitos deletérios desta resposta "be- néfica" exacerbada? Em pacientes vítimas de lesões acidentais graves, o desgaste da proteína muscular é mais acelerado quan- do comparado à cirurgias eletivas não complicadas. Sendo assim, em estados catabólicos muito intensos observa-se um comprometimento da musculatura diafragmática (utilização contínua de aminoácidos para a gliconeogênese), com incapacidade para uma boa dinâmica respiratória, uma cicatrização de feridas ineficiente e um prejuízo da resposta imunológica (mediada por citocinas). Por outro lado, a persistência da lipólise pode deter- minar a formação de microêmbolos gordurosos, agra- vada pelo decúbito dorsal e imobilidade do paciente. A acidose metabólica pode advir, após um período inicial de alcalose mista. A vasoconstrição microcirculatória mantida (aumen- to persistente do tônus adrenérgico) pode ocasio- nar uma hipóxia plégica com abertura de shunts e má perfusão celular. O empilhamento de hemácias, os fenômenos trombóticos e distúrbios da coagulação sanguínea podem se instalar, A insuficiência renal e a síndrome da angústia respiratória aguda são com- plicações desta cascata de eventos. A disfunção de múltiplos órgãos aparece então como circunstância final de uma evolução prolongada de processos trau- máticos graves e persistentes. Fase de Baixo Fluxo seguida de Refluxo (Ebb and Flow Phases) Na fase inicial do trauma, conhecida como fase de baixo fluxo ou simplesmente 'fluxo', o débito cardía- co diminui, a resistência vascular aumenta e o volu- me circulatório encontra-se reduzido. Toma-se óbvio que estas alterações são determinadas em grande parte por perda de volume do compartimento intra- vascular.Observa-se também uma queda na tempe- ratura central e hipometabolismo, apesar dos níveis de hormônios do estresse estarem elevados. Com a restauração do fluxo sanguíneo (quando rea- lizada a tempo) por meio de infusão de cristalóides (ringer lactato) e/ou hemoderivados, inaugura-se um novo período na resposta ao trauma, conhecido como 'Refluxo'. Este é caracterizado por um intenso hiper- metabolismo, o qual suplanta, e muito, àquele obser- vado em operações eletivas. É nesta fase que a febre pós-traumática revela-se, sendo causada pela intensa produção de citocinas (principalmente interleucina 1), atingindo níveis de 38,5°C. O metabolismo protéico altera-se, e a mobilização de aminoácidos à partir do músculo esquelético e teci- dos periféricos se faz de modo intenso quando com- parada à resposta a cirurgia eletiva - proteólise ace- lerada. Os aminoácidos utilizados são a alanina e a glutamina. A glutamina é utilizada como combustível para os enterócitos, onde é metabolizada à amônia e alanina. A alanina serve como substrato para gliconeogêne- se hepática e a amônia é convertida em uréia, sendo eliminada. A glutamina também é captada pelos rins, onde contribui com o grupamento amônia (NH3), fa- vorecendo a excreção ácida (NH3 + H+ = NH4). A amónia por ser um tampão ácido na urina, facilita à excreção do cátion hidrogênio para o lúmen tubular. Este fenômeno é extremamente benéfico, uma vez hipoperfusão tecidual difusa (acidose láctica) decor- rente de hipovolemia, pode ocorrer em pacientes ví- timas de lesões graves. A alanina, proveniente do músculo, é derivada do piruvato, que por sua vez, é oriundo da glicose mus- cular. Durante a resposta ao trauma ou a cirurgias eletivas, a proteólise faz com que a alanina seja libe- rada do músculo, ganhe a circulação e seja "trans- formada" no fígado em glicose - o ciclo de Felig. Os níveis elevados de glicose estão frequentemente presentes no trauma. A gliconeogênese acelerada tende a relacionar-se com a extensão da lesão. Como descrito antes, a glicose é preferencialmente utiliza- da pelo sistema nervoso central, rins e por células especializadas (leucócitos, macrófagos e fibroblas- tos) localizadas na região do trauma. Neste último local, a glicose é consumida através de um metabo- lismo anaeróbico, dando origem ao lactato. Este retorna ao fígado sendo utilizado para gliconeogê- nese - o ciclo de Cori. Na lesão acidental, sabemos que a principal fonte energética continua sendo os lipídeos. Os ácidos graxos livres e o glicerol, oriundos da lipólise, partici- pam ativamente desta nova fisiologia imposta pelo trauma. Os primeiros têm sua utilização acelerada como fonte de energia em tecidos como o músculo esquelético e o músculo cardíaco, enquanto o glicerol é utilizado como substrato para a formação de nova glicose no fígado. Com o tempo, caso o paciente per- maneça em jejum ou com os suprimentos calóricos abaixo de suas necessidades diárias, sobrevêm a cetose; os corpos cetônicos são utilizados pelos rins, músculo esquelético e cardíaco como fonte energética. 3- RESPOSTA ENDÓCRINA E METABÓLICA AO JEJUM É importante o conhecimento das alterações que ocorrem em indivíduos que entram em jejum, uma vez que alguns pacientes em pós-operatórios mal con- duzidos acabam realmente em dieta zero por manejo clínico inadequado. Um adulto saudável, de 70 kg, consome aproximada- mente 1700 a 1800 Kcal/dia, derivada do metabolis- mo de lipídeos, carboidratos e proteínas. Como visto antes, existem tecidos que utilizam a glicose como fonte principal de energia, sendo também conheci- dos como glicolíticos - os neurônios, as hemácias e os leucócitos. O glicogênio (fonte de armazenamento de glicose) é consumido em média, nas primeiras 12 a 24 horas, atra- vés da glicogenólise. A glicemia inicialmente cai, as- sim como os níveis de insulina. Em resposta a esta al- teração, elevam-se hormônios como o glucagon e o GH (de forma transitória) e, em menor intensidade, a epinefrina, ADH e angiotensina II. O cortisol e o glucagon promovem a gliconeogênese e a epinefrina, o glucagon, a angiotensina II e o ADH, a glicogenólise. A gliconeogênese tem como substratos a alanina e a glutamina (derivadas do músculo), o glicerol (do te- cido adiposo) e o lactato. No jejum, o lactato é pro- duzido em pequenas quantidades no músculo esquelético, hemácias e leucócitos. Esta sustância é convertida em glicose pelo fígado (ciclo de Cori). Os ácidos graxos livres que não servem com fonte para gliconeogênese, são oxidados diretamente por tecidos como o músculo esquelético, coração e rim A proteólise, bem menos intensa do que a observa- da no trauma, promove uma excreção de nitrogênio que varia de 8 a 11 gramas nos primeiros cinco dias. Após este período, a eliminação urinária de nitrogê- nio diminu, e se estabiliza em 2 a 5 g/dia, refletindo um alentecimento da proteólise. É nessa fase que os corpos cetônicos (embora produzidos já nas primei- ras 24 a 48 h de jejum) passam a ser utilizados como fonte preferencial de energia pelo sistema nervoso central e outros tecidos que antes só oxidavam a glicose para esse fim. Esta adaptação metabólica é uma das mais importantes no jejum, pois permite um alentecimento da proteólise. Existe uma tendência no jejum, aliás muito "inteli- gente", de poupar ao máximo proteínas, diminuin- do a taxa de sua degradação (para fornecimento de aminoácidos). A administração 100 g de glicose ou 400Kcal a cada 24 horas (2000ml de soro glicosado 5%), para um paciente submetido a um trauma e em jejum ou inani- ção, é capaz de sustar a cetose e equilibrar as perdas nitrogenadas, pois reduz a gliconeogênese hepática a partir de aminoácidos. UI- RESPOSTA IMUNE A resposta endócrina e metabólica é assunto exten- samente estudado e revisado por médicos e pesqui- sadores que atuam em áreas relacionadas a pacien- tes críticos. A partir da década de 80, vários traba- lhos têm demonstrado a importância da participação de mediadores humorais na gênese do trauma e de processos inflamatórios. Observou-se que, mesmo após a atenuação da res- posta endócrina, com diminuição dos níveis de hormônios associados, a resposta inflamatória per- sistia e, dependendo de sua intensidade, levava à alteração da função de vários órgãos e a falência de múltiplos sistemas, com elevada mortalidade. Mais uma vez uma resposta inicialmente benéfica, quando de grande intensidade, poderia trazer prejuízos impor- tantes ao organismo. Quando empregamos o termo 'benéfica', estamos nos referindo a atuação, sobre- tudo das citocinas, contra microorganismos invaso- res e na cicatrização de feridas. Temos conhecimento que estas substâncias ou me- diadores se encontram intimamente relacionadas com a resposta hormonal, além de explicarem, como des- crito no início do texto, algumas manifestações clíni- cas apresentadas por pacientes cirúrgicos. 1- RESPOSTA MEDIADA PELAS CITOCINAS Durante a fase aguda do trauma um grande número de monócitos e neutrófilos deixa a corrente sanguínea e migram em direção aos locais onde há lesão tecidu- al. Neste contexto, sobressaem as interleucinas (IL) produzidas pelos macrófagos, linfócitos e leucócitos aderidos ao endotélio, e o fator de necrose tumoral (FNT), sintetizado preferencialmente por macrófagos ativados. Aexemplo de outros mediadores humorais, além de agir na própria célula que as sintetiza (autócrina), e nas vizinhas (parácrina), induzindo a Tabela 3 - Efeitos observados das citocinas na resposta ao trauma. Efeitos Benéficos Participação no processo de cicatrização de feridas Resposta contra microorganismos invasores Aumento da síntese de proteínas de fase aguda (IL-1 e IL-6) Estimulo à resposta Imune Modulação da Resposta Imune (IL-10) Ação antinflamatória (IL-4) Diferenciação de linfócitosT e produção de IFN-y(lL-12) Efeitos Deletérios Febre pós-operatória(IL-1) - Efeito deletério? Anorexia (IL-1) Caquexia e proteólise (TNF-alfa) Falência orgânica Múltipla (IL-6 e IL-1) Diminuição da resposta a microorganismos invasores (IL-10) reparação da lesão e a proliferação celular local, as citocinas podem ser consideradas "hormônios", com ações (endócrinas) à distância. Estes agentes pró-inflamatórios levam as seguintes alterações: maior aderência leucocitária ao endotélio vascular, ativação de macrófagos e linfócitos, aumen- to da capacidade do neutrófilo em gerar radicais li- vres de oxigênio, elevação dos níveis de prostaglan- dinas (PGE2 e PGI2), aumento da síntese de proteínas da fase aguda, aumento da degradação protéica mus- cular e da lipólise sistêmica, estímulo a proliferação de células hematopoiéticas e incremento na produ- ção de fibroblastos e colágeno. Estes efeitos, portanto, compreendem a retroalimen- tação do processo inflamatório e podem se correlaci- onar à complicações evolutivas, como a formação de fibrose pulmonar na SARA. Observam-se ainda ou- tras ações sistêmicas. A febre é produzida por estimulação hipotalâmica associada à interação en- tre a IL-1 (conhecida outrora como pirogênio endó- geno ou fator ativador de leucócitos) e a PGE2; a anorexia, o hipermetabolismo, com degradação protéica e lipólise, o emagrecimento e a caquexia, podem ser atribuídos a IL-1 e ao FNT. O fator de necrose tumoral alfa (FNT-alfa) é também conhecido como caquetina, ou caquexina. Produzi- do principalmente pelos macrófagos e monócitos, causa choque, falência de múltiplos órgãos, isque- mias viscerais, trombose venosa, insuficiência res- piratória, hipotensão arterial, anúria e acidose. Os recursos terapêuticos mais utilizados para bloque- ar a ação das interleucinas e do fator de necrose tumoral, com resultados variáveis, consistem no uso de anticorpos monoclonais, antiinflamatórios não esteróides e glicocorticóides. Entretanto, nada su- planta a correção cirúrgica do problema que desen- cadeou a liberação destes mediadores. Quais as interações entre Hormônios e Citocinas? Os glicocorticóides geralmente aumentam a síntese e a liberação de IL-10, uma citocina que regula e dimi- nui a intensidade da resposta inflamatória. Este hor- mônio pode também induzir a apoptose (ver adiante) de linfócitos T. As interleucinas 1 e 6 e o TNF-alfa ativam o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, aumentando a liberação deACTHecortisol. As catecolaminas diminuem a produção de TNF-alfa pelos macrófagos, um efeito pouco observado em condições de agressão importante ao hospedeiro. Interferência na Morte Celular Programada (Apoptose) A morte celular programada ou apoptose, é um me- canismo que as células senescentes (envelhecidas) deflagram para "morrer", sendo um fenômeno fisio- lógico. Sabemos que a morte das células se inicia quando substâncias provenientes do meio extracelular se ligam a receptores específicos nas membranas ce- lulares. Nos estados inflamatórios encontrados na resposta ao trauma e na sepse, por exemplo, mediadores como as interleucinas (IL-1, IL-3, IL-6), o interferon gama (INF-y), o fator estimulante de colônias de granulócitos e macrófagos (GM-CSF) e o FNT, agem diminuindo a expressão de receptores associados à apoptose nas membranas dos imunócitos. Como consequência deste fenômeno, a sobrevida de uma grande quantidade de células da inflamação é pro- longada, o que pode aumentar a intensidade e per- petuar a resposta imunológica. Os principais receptores descritos acima são para o FNT. Eles constituem uma superfamflia de cerca de 15 proteínas transmembrana e encontram-se presen- tes em todas as células e também nos imunócitos (PMN, macrófagos). Dentre estes receptores desta- cam-se o Fas/CD95, a linfotoxina beta, os receptores para fatores de crescimento de células nervosas, DR- 4, entre outros. 2- MEDIADORES DAS CÉLULAS ENDOTELIAIS Além de participar da coagulação e regular o tônus vasomotor, as células endoteliais, sob estímulo de diversas citocinas, são capazes de sintetizar e liberar 14 mediadores humorais, como o fator de ativação pla- quetária (PAF), a IL-1, as prostaglandinas (PGI2 e PGE2), o GM-CSF, o óxido nítrico e pequenas quanti- dades de tromboxane A2. O endotélio, quando ativado, sintetiza colagenase, que é capaz de digerir a sua própria membrana basal. Este fenômeno permite um remodelamento de peque- nos vasos e neovascularização, o que facilita o trân- sito de imunócitos e a difusão de oxigênio para sítios de lesão tecidual. O FNT- alfa e a IL-1 fazem com que as células endoteliais expressem um receptor em sua membra- na, conhecido como E-Selectína; este permite a ade- são de leucócitos polimorfonucleares. Os neutrófi- los, então aderidos, tem importância fundamental, pois aumentam a permeabilidade capilar e favorecem a sua passagem e a de outros leucócitos para o teci- do lesado. Este fenômeno, apesar de trazer benefíci- os ao hospedeiro pode, em determinadas situações, encontrar-se exacerbado, ocasionando a síndrome da angústia respiratória, além de facilitar o apareci- mento de lesões decorrentes do processo de isque- mia-reperfusão (geração por parte dos neutrófilos de quantidades excessivas de espécies reativas de oxigênio). O óxido nítrico e a prostaciclina (PGI2) possuem ação vasodilatadora e diminuem a função plaquetária, es- tando ambas as substâncias aumentadas no trauma e no choque séptico. Os níveis de endotelinas (ET), um potente vasocons- trictor produzido pelo endotélio, encontram-se ele- vados no choque e no trauma. Seus valores possu- em correlação direta com a magnitude da lesão. A ET apresenta um efeito constrictor sobre a vasculatura, cerca de dez vezes superior à da angiotensina II. Exis- tem normalmente três receptores para este mediador: ETA, ETB e ETC. De forma até certo ponto paradoxal, o receptor ETB, quando ativado, produz prostaciclina e óxido nítrico, substâncias vasodilatadoras. Outra substância sintetizada e liberada pela célula endotelial é o fator de ativação plaquetária (FAP). Este fosfolipídio estimula a produção de TXA2, subs- tância responsável por um aumento na agregação plaquetária e vasoconstrição. Além disso, o próprio FAP é capaz de elevar de forma significativa a perme- abilidade capilar e induzir hipertensão pulmonar, broncoconstrição, ativação e marginação de PMN, quimiotaxia e degranulação de eosinófilos e trombo- citopenia. 3- MEDIADORES INTRACELULARES Radicais Livres Derivados do Oxigênio Por definição, os radicais livres derivados do oxigê- nio, denominados também de oxirradicais, ou radi- cais de oxigênio livres, são moléculas que contém elétrons não emparelhados em seu orbital externo. Apresentam vida média de milissegundos, entretan- to, sua produção fugaz não os impede de exercer uma ação oxidativa citotóxica inclusive sobre microorganismos agressores. Promovem alterações metabólicas das proteínas, dos hidratos de carbono, dos lipídios, do ácido nucléico, da morfologia celular por ação sobre os microfila- mentos citoplasmáticos (citoesqueletólise), além de interferir com o influxo de cálcio e com a bomba de transporte iônico transmembrana. Nos lipídios celulares ocorre a peroxidação de to- das as membranas, inclusive das organelas celula- res. Nas estruturas orgânicas protéicas há inativa- ção enzimática. Nos compostos de carbohidratos verifica-se a despolimerização dos polissacaríde- os. No ácido nucléico instala-se a oxidação de ba- ses nitrogenadas, o que fragiliza as cadeias do DNA e confere um potencial de carcinogênese, através da ativação de oncogênes, ou até mesmo da muta- ção de um gene supressor para determinados tipos de tumores. Os oxirradicais são gerados pela cadeia respiratória de transporte de elétrons, onde em condições fisio- lógicas somente 2% do oxigênio molecular captado na mitocôndria formam espécies ativas de oxigênio. Entretanto, os processosde isquemia seguidos pela reperfusão visceral (choque, transplantes, revascularizações) e os estados inflamatórios sistêmicos, nos quais sobressaem os polimorfonu- cleares com ação de síntese, também encontram-se envolvidos na produção de Radicais Livres. Na hipoperfusão tecidual, estabelece-se, em nível celular, bloqueio da enzima citocromo-oxidase da cadeia respiratória de transporte de elétrons. Para- lelamente, advém a anaerobiose e a degradação das bases purínicas. Instala-se a acidose intracelular. Quando há o restabelecimento das condições homeostáticas, a exemplo da reperfusão visceral, a xantina oxidase. a hipoxantina (um dos produtos da degradação do ATP) catalisam, junto com o oxigê- nio que chega ao tecido, uma reação capaz de in- corporar elétrons. Disto resulta a síntese do radi- cal superóxido (O2) que através de sucessivas re- duções monovalentes e mais a captação de novos elétrons (fornecidos pelos equivalentes reduzidos) e de hidrogênio, formam outros radicais livres a exemplo do peróxido de hidrogênio (H202) e o mais deletério deles, o anionte hidroxila (OH), que re- quer a presença do ferro como catalisador na rea- ção que o produz. A liberação de Ferro é comum após agressão tecidual, seja ela de origem traumáti- ca ou infecciosa. Outros mediadores liberados na gênese dos radicais livres são as cloraminas, o ácido hipocloroso e o oxigênio singleto. Este último é produzido pelos leu- cócitos ativados e age como se fosse um radical li- vre, apesar de ter todos os elétrons emparelhados, pois estes estão em órbitas distantes do núcleo do átomo de oxigênio ocasionando um estado químico altamente reativo. Existem mecanismos de defesa intracelular, capa- zes de inativar estes radicais (a exemplo do superóxido dismutase, da catalase e do sistema glutatião), porém estas reservas biológicas natu- rais esgotam-se quando da manutenção prolon- gada do agente agressor. O superóxido dismutase é encontrada na matriz mitocondrial e no espaço citosólico de todas as células. Paradoxalmente, o superóxido dismutase catalisa a formação do peróxido de hidrogênio, elemento este inativado pela catalase. Esta enzima é encontrada no citosol e peroxissomas de quase todas as células. O peróxido de hidrogénio é também transformado em água por intermédio de inativadores tais como o glutatião e o glutatião peroxidase. A ação agressi- va do anionte hidroxila advém da incapacidade orgânica de inativá-lo, em face da ausência de varredor específico. No meio extracelular, os inati- vadores do metabolismo oxidativo são as hemácias e a ceruloplasmina. Os inativadores, ou bloqueadores, ou varredores, ditos naturais hidrófobos, situam-se nas membra- nas celulares (superóxido dismutase, catalase, alfatocoferol, beta-caroteno). Já os hidrófilos, são aqueles situados no meio aquoso celular (sistema glutatião, selênio, ácido ascórbico, metionina). É possível suprir o organismo de substâncias inativadoras farmacológicas, visando proteção aos mecanismos agressores; contudo, lembramos que estas somente terão ação efetiva apenas se estive- rem presentes na circulação sanguínea e em níveis adequados, no momento da reperfusão: — O alopurinol compõe-se de estrutura química se- melhante à do superóxido dismutase. — A acetil-cisteína catalisa a transformação do peróxido de hidrogénio em água. — A vitamina A controla a formação de hidro- peróxidos lipídicos e derivados do ácido araquidôni- co, principalmente os leucotrienos. — A vitamina C (ácido ascórbico seria um inibidor da peroxidação lipídica). — A deferoxamina e o EDTA são quelantes dos me- tais pesados e portanto impedem que o ferro partici- pe da síntese da hidroxila. Ambos são inativadores farmacológicos da hidroxila, assim como o manitol com mecanismo de ação distinto. A vitamina E (alfatocoferol) fornece átomos de hi- drogênio para as membranas celulares e impede a reação em cadeia que se propaga na membrana lipídica. Inativa também, o oxigênio singleto. Proteínas de Choque Térmico - Heat-Schock Proteins - HSP As HSP são proteínas produzidas no interior das células que tem como objetivo a proteção de estru- turas celulares dos danos causados pela lesão teci- dual. Dentre os estímulos para sua síntese incluem o calor, as hemorragias, a hipóxia e o trauma. Seu papel na resposta sistêmica ao trauma ainda não se encon- tra bem definido. 4- DERIVADOS DO ÁCIDO ARAQUIDÔNICO OU ElCOSANÓIDES Os mediadores lipídicos são liberados durante pro- cessos de isquemia/reperfusão ou em estados infla- matórios, por ação dos radicais livres. Uma vez ativada, a fosfolipase A2 degrada o ácido araquidônico (principal ácido graxo poliinsaturado nas membranas celulares) por duas vias enzimáticas principais: a cicloxigenase e a lipoxigenase. A via da ciclooxigenase induz a síntese de prostaglandi- nas e tromboxane, enquanto que a ação da lipooxi- genase promove o surgimento de mediadores como os leucotrienos e os ácidos hidroxieicosatetranói- cos(5-HETE). Como descrito antes, a PGI, é sintetizada pelo endotélio, enquanto as demais prostaglandinas são produzidas por todas as células nucleadas, com ex- ceção dos linfócitos. O TXA2 é sintetizado pelas plaquetas. Existem inúmeras prostaglandinas conhecidas. Em 95% dos casos, estas substâncias são inativadas nos pulmões. As PGE2 e PGI2 parecem exercer uma função inibitória da quimiotaxia, da adesão dos leu- cócitos e da geração de radicais livres, apresentan- do, portanto, ações antinflamatórias. Além de exer- cer estas funções, a PGE2 inibe a gliconeogênese e a lipólise. Em nosso organismo existe um equilíbrio homeostá- tico entre a prostaciclina-PGI2 (efeito vasodilatador e de antiagregação plaquetária), e o TAX2 (vasocons- trição e agregação plaquetária). A lesão endotelial pelo processo inflamatório e/ou traumático, reduz a presença de prostaglandina sintetase, o que faz pre- dominar as ações do TXAj. A ruptura deste meca- nismo pode causar ações nocivas às vísceras e ao endotélio. No entanto, estudos adicionais precisam ser empreendidos, visando esclarecer o mecanismo exato e o momento em que agem estes mediadores. Os leucotrienos são potentes quimiotáxicos para os neutrófilos ativados, além de induzirem o aumento da permeabilidade vascular, promovem contração da musculatura lisa do trato gastrointestinal, diminui- ção do débito cardíaco, broncoconstrição e vaso- constrição pulmonar. Dentre os leucotrienos, o LTB4 tem sido o mais pesquisado, entretanto, os sulfido- leucotrienos (LTC4, LTD4, LTE4) parecem também exer- cer atividades importantes na resposta inflamatória. Conclui-se que o organismo, em face de uma agres- são, é submetido a constantes estímulos inflamatóri- os e à ações reguladoras antiinflamatórias, conjunto este cuidadosamente balanceado de forma a promo- ver uma defesa adequada do hospedeiro, sem que haja destruição da barreira mucosa intestinal e ou de suas células. Existem antagonistas farmacológicos destes pro- dutos da degradação do ácido araquidônico. A as- pirina e os demais antinflamatórios não esteróides (indometacina, fenilbutazona, piroxican, diclofena- co etc.) inibem a via da cicloxigenase. Com relação aos esteróides, a outrora tão decantada proprie- dade antinflamatória inespecífica parece estar cor- relacionada à inibição tanto da ativação macrofá- gica quanto da quimiotaxia e marginação dos poli- morfonucleares; entretanto, não podemos menos- prezar o seu efeito estabilizador das membranas plasmáticas, fenômeno que impede a ativação da fosfolipase A • 5- SISTEMA DA CALICREÍNA - CININAS A calicreína é uma serina protease (enzima) que se encontra inativa no interior das células. Sob estímu- los variados, como a presença do fator XII da coagu- lação, tripsina e lesão tecidual, esta enzima age so- bre o cininogênio, produzindo bradicinina. A bradicinina aumentada é observada nas queima- duras, naendotoxemia, nas hemorragias, na sepse e no trauma. Esta substância aumenta a permeabilida- de capilar e o edema tecidual e promove dor e broncoconstrição. Essas observações possuem cor- relação clínica direta com a magnitude da lesão teci- dual e com a mortalidade. 6- OPIÓIDES ENDÓGENOS Estas substâncias são neuropeptídios (endorfínas e encefalinas) liberados pela hipófise anterior em consequência à hipovolemia, hipóxia, infecção e à estímulos provenientes da região do trauma. Agem nos mesmos receptores cerebrais e medulares da morfina. Os efeitos dos opióides endógenos incluem depres- são miocárdica, vasoconstrição e aumento da resis- tência periférica, além de inibição da bomba de sódio/ potássio. O naloxone é um bloqueador específico de receptores opióides.
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