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Veterinaria.com.pt 2009; Vol. 1 Nº 1: e10 (publicação inicial em Março de 2008) Disponível em http://www.veterinaria.com.pt/media//DIR_27001/VCP1-1-e10.pdf VERSÃO ONLINE 2008 (Baseada em Série didáctica – Ciências aplicadas. SDE-UTAD, Vila Real, 2004) www.veterinaria.com.pt DIAGNÓSTICO DE GESTAÇÃO E DE PATOLOGIAS UTERINAS POR ECOGRAFIA EM RUMINANTES, EQUINOS E SUÍNOS Fundamentos teórico-práticos JOÃO SIMÕES PAULO FONTES JOSÉ CARLOS ALMEIDA Veterinaria.com.pt 2009; Vol. 1 Nº 1: e10 I ÍNDICE NOTA PRÉVIA (primeira versão)…………………………...…….………………… III NOTA PRÉVIA (versão online)…...…………………………………….…………… IV 1. INTRODUÇÃO …………………………………………………………………... 1 2. ECOGRAFIA: FUNDAMENTOS, OBTENÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE SONOGRAMAS ………………………………………………………………… 3 2.1. Princípios básicos da ecografia ………………………………………………….. 3 2.2. Manuseamento do ecógrafo e dos animais ……………………………………… 5 2.3. Planos seccionais e acessibilidade fetal ………………………………………… 9 2.4. Terminologia utilizada em ultra-sonografia e interpretação da imagem ………... 12 3. BOVINOS ………………………………………………………………………… 17 3.1. Diagnóstico de gestação precoce ………………………………………………... 17 3.2. Anexos placentários ……………………………………………………………... 21 3.3. Cabeça …………………………………………………………………………… 22 3.4. Coluna vertebral …………………………………………………………………. 24 3.5. Pescoço …………………………………………………………………………... 24 3.6. Tórax e órgãos internos da caixa torácica ……………………………………….. 24 3.7. Abdómen e órgãos abdominais internos ………………………………………… 26 3.8. Membros anteriores, cintura pélvica e membros posteriores ……………………. 28 3.9. Escroto e glândulas mamárias …………………………………………………… 29 3.10. Exactidão da técnica ……………………………………………………………. 30 4. OVINOS E CAPRINOS ………………………………………………….……… 33 4.1. Diagnóstico de gestação precoce ………………………………………………... 33 4.2. Fetometria ……………………………………………………………………….. 35 4.3. Exactidão da técnica ……………………………………………………………... 38 5. EQUINOS ………………………………………………………………………… 41 5.1 Diagnóstico e monitorização da gestação entre o 10º e o 60º dia de gestação …... 41 6. SUÍNOS …………………………………………………………………………… 45 6.1. Diagnóstico de gestação precoce ………………………………………………... 45 6.2. Exactidão da técnica ……………………………………………………………... 47 7. PATOLOGIAS UTERINAS …………………………………………………….. 49 7.1. Endometrite ……………………………………………………………………… 49 II 7.2. Piómetra …………………………………………………………………………. 50 7.3. Morte embrionária tardia ou fetal precoce ………………………………………. 51 7.3.1. Considerações gerais …………………………………………………………... 51 7.3.2. Caracterização ecográfica ……………………………………………………... 53 7.4. Mucómetra ………………………………………………………………………. 54 7.5. Hidrómetra ou pseudogestação ………………………………………………….. 54 7.6. Outras patologias ………………………………………………………………… 55 7.6.1. Maceração fetal ………………………………………………………………... 55 7.6.2. Mumificação fetal ……………………………………………………………... 55 8. ECOTEXTURA DO ÚTERO EM PERÍODO DE ESTRO …………………… 57 8.1. Período de estro ………………………………………………………………….. 57 9. BIBLIOGRAFIA ……………………………..…………………………………... 59 III NOTA PRÉVIA (primeira versão) Esta publicação representa a compilação de quase uma década de trabalhos de índole diversa, por nós efectuados, e dedicados à questão do maneio reprodutivo nas principais espécies animais explorados na região de Trás-os-Montes e nos quais o diagnóstico de gestação precoce assumiu uma das intervenções essenciais. A inclusão, pelo primeiro autor, do capítulo de diagnósticos ecográficos de patologias uterinas complementa e é indissociável dessas intervenções. Optámos por dividir este tema em dois volumes; o primeiro respeitante aos fundamentos teórico-práticos e um segundo onde se apresentam as imagens ecográficas que entretanto fomos arquivando. De facto, o suporte digital deste último permite, além de uma perda mínima de qualidade das imagens e um baixo custo de apresentação, a utilização de vídeo essencial à avaliação ultra-sonográfica de alguns parâmetros (ex.: batimentos cardíacos) e a uma melhor identificação topográfica das estruturas. A escolha do formato super vídeo CD (SVCD) deveu-se aos factos de o armazenamento original destes vídeos, ao longo destes anos, ter sido o sistema VHS e da duração total dos vídeos ser de aproximadamente 23 minutos. Com o primeiro volume, mais do que comentar os sonogramas, pretendemos fundamentar o atlas com os conceitos teórico-práticos que permitam uma boa interpretação. Por esse motivo, existe um paralelismo na estruturação dos dois volumes. Ao primeiro, ainda adicionámos um capítulo sobre os princípios básicos da ecografia, da obtenção e da interpretação geral das imagens. Não podemos deixar de salientar o impacto que a ecografia teve na nossa formação e nos nossos trabalhos nesta área específica. Assim cumpra, esta publicação, o seu principal objectivo de contribuir para a formação de quem se pretenda inserir neste tema. Deve, no entanto, ser acompanhada por muitas horas de experimentação, até porque a experiência do operador é um dos principais factores de variação da correcta obtenção e interpretação dos sonogramas. IV NOTA PRÉVIA (versão online) Após 4 anos da sua primeira edição, durante os quais esta série pedagógica (volumes I e II- Série didáctica – Ciências aplicadas. SDE-UTAD, Vila Real, nº 258, ISBN:972-669-614- 8) foi reimpressa e serviu de bibliografia base em dois workshops sobre diagnóstico de gestação, temos a sensação do dever cumprido. Por este motivo, e considerando a evolução célere das novas tecnologias com acesso a cada vez mais banda larga, é lançada em 2008, uma versão online (volume I) em acesso livre, de modo a que todos lhe possam aceder. Na continuação deste espírito de partilha de informação, é permitida a reprodução total ou parcial desde que mencionado o endereço www.veterinaria.com.pt. Também neste endereço, é possível encontrar algumas imagens (sonogramas) e vídeos que completam os fundamentos teórico-práticos descritos neste trabalho. Diagnóstico de gestação e de patologias uterinas por ecografia em ruminantes, equinos e suínos 1 1. INTRODUÇÃO O diagnóstico de gestação precoce é um instrumento fundamental a nível da gestão técnico-económica nos diversos tipos de explorações animais, quer de espécies com activi- dade reprodutiva contínua (bovinos, suínos) quer daquelas que se apresentam com índole sazonal (ovinos, caprinos e equinos). Os principais métodos de diagnóstico, para além da ultra-sonografia em tempo real (UTR), são (Arthur et al., 1996; El Amiri et al., 2003a,b): (1) doseamento de progesterona no leite ou no plasma; (2) Pesquisa da proteína B especifica da gestação ou de proteínas associadas à gestação; (3) doseamento do sulfato de oestrona no sangue ou leite e; (4) palpação transrectal do útero e do conteúdo uterino (bovinos e equinos). Esta última técnica é, actualmente bastante usada, principalmente em efectivos leiteiros. Embora seja um método de carácter subjectivo e traumático, apresenta como principais vantagens o seu baixo custo, a sua elevada fiabilidade (dependente da experiência) e os resultados imediatos. De salientar, ainda, a possibilidade de realizar, em pequenos ruminantes, palpações recto-abdominais (El Amiri et al., 2003a). A UTR foi introduzida em reprodução animal para efectuar diagnósticos de gestação em equinos e felinos, tendo-se expandido rapidamente aoutras espécies de mamíferos domésticos (Kähn, 1992) das quais destacamos os bovinos, ovinos, suínos e canídeos. A esta expansão, não foram alheias as principais vantagens desta técnica: não é invasiva e os seus resultados são obtidos em tempo real, é de fácil utilização, possiblita outros diagnósticos, tem baixos custos de manutenção e é um método de elevada fiabilidade. De facto, a partir dos últimos anos da década de 70 (Peter et al., 1992) foi desenvolvida a aplicação da UTR ao tracto reprodutivo feminino dos bovinos quer no controlo de fertilidade dos efectivos quer na sua vertente clínica, tornando-se comum a sua utilização em efectivos leiteiros (Hill et al., 1998). No campo da reprodução, uma das suas principais utilizações é o diagnóstico de gestação através da observação do útero gestante, o qual inclui o embrião ou feto assim como os seus anexos. São exequíveis as avaliações ultra-sonográficas da viabilidade e desenvolvi- mento normal intra-uterino durante a fase embrionária, a partir do momento da detecção eco- gráfica do embrião e dos seus batimentos cardíacos, assim como durante a fase fetal. Outras vantagens atribuídas à UTR, são a detecção de gestações gemelares, permitindo desta forma adequar o maneio nutricional aos animais gestantes, a estimativa da determinação da idade fetal, calculada a partir da distância crânio-caudal (Hughes and Davies, 1989) e ainda o Versão online 2 diagnóstico diferencial de patologias uterinas caracterizadas pela acumulação de fluidos no lúmen uterino. No entanto, a monitorização fetal está limitada quer pelo pequeno campo de exploração dos feixes de ultra-sons, tanto em largura como em profundidade, quer pela diminuição da acessibilidade fetal, principalmente a partir dos 4 meses de gestação. Esta técnica imagiológica não invasiva não tem efeitos biológicos adversos conheci- dos tanto para o animal como para o operador (Rajamahendran et al., 1994). De facto, Baxter e Ward (1997) não encontraram diferenças estatisticamente significativas relativamente às diferenças de perdas fetais normais em explorações de bovinos leiteiros (grupo testemunha) e nas que utilizaram a UTR como método de diagnóstico de gestação, independentemente da idade da fêmea e do tempo de gestação. A ecografia, efectuada por via transrectal ou transabdominal, tanto pode substituir com vantagem outras técnicas directas ou indirectas de diagnóstico de gestação como comple- mentá-las quando a utilização destas últimas não permita a emissão de diagnósticos definitivos ou quando a gestação não evolui de forma normal. O diagnóstico de gestação positivo, por UTR, baseia-se na identificação do embrião/feto e respectivos anexos, localizados no lúmen uterino. Por vezes, quando os batimentos cardíacos do embrião ou os movimentos fetais não são detectados, pode o conteúdo uterino ser confundido com patologias caracterizadas pela presença significativa de fluido intrauterino. O diagnóstico negativo é obtido pela ausência de qualquer destes sinais, após locali- zação do útero sem conteúdo evidente de fluidos no seu lúmen. De realçar, no caso de diagnóstico de não gestação, 2 aspectos importantes: (a) este diagnóstico fundamenta-se na não detecção de qualquer estrutura embrionária ou fetal e é confirmado pela visualização do útero não gestante que (b) nem sempre possui contornos facilmente identificáveis, principalmente quando a abordagem é efectuada por via transabdominal. Diagnóstico de gestação e de patologias uterinas por ecografia em ruminantes, equinos e suínos 3 2. ECOGRAFIA: FUNDAMENTOS, OBTENÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE SONOGRAMAS 2.1. Princípios básicos da ecografia A ecografia ou ultra-sonografia em modo B (brilho) é uma técnica que se baseia na emissão de impulsos sonoros de alta-frequência que após interagirem com tecidos ou órgãos são reflectidos (ecos) para poderem ser processados num conjunto de pontos de brilho de diferentes intensidades formando uma imagem bidimensional ou sonograma. Esta imagem ecográfica representa um plano tomográfico da morfologia e anatomia dos tecidos ou órgãos explorados. Actualmente os transdutores emitem feixes sequenciais ou segmentares de ultra- sons obtendo-se no mesmo instante a imagem correspondente aos seus ecos. Nestas condições denomina-se modo B em tempo real. De referir a existência de outros modos de imagem ou sistemas de ultra-sons: modo A ou modo de amplitude e Modo M (movimento) também denominado modo TM “tempo – movimento” e mais recentemente o modo V (volume) com imagem tridimensional. A ultra- sonografia por efeito doppler foi (em alguns locais, ainda é) bastante utilizada, principalmente em suínos mas também em pequenos ruminantes. Baseia-se na detecção dos movimentos cardíacos fetais, movimento dos fetos ou ainda nos fluxos sanguíneos das artérias placentárias (El Amiri et al., 2003a). Em medicina veterinária, para efeitos de diagnóstico da conformação e das alterações dos órgãos e tecidos moles internos, utilizam-se transdutores com frequências entre 1 e 10 MHz (Cartee et al., 1993; Nyland et al., 1995). No entanto, para a generalidade dos exames de rotina do foro reprodutivo, as frequências entre os 3,5 e os 7,5 MHz são as mais adequadas. O transdutor (sonda ecográfica) é constituído por cristais que, por deformação, podem receber as ondas reflectidas e transformá-las em energia eléctrica. Esta capacidade de trans- formação de energia eléctrica em energia radiante mecânica e vice-versa denomina-se efeito piezoeléctrico. É emitido um conjunto de 3 a 6 ciclos de ultra-sons em menos de 1 milésimo de segundo, sendo os ecos recebidos antes de uma nova emissão (figura 1) (Goddard, 1995). Estes impulsos direccionados são designados por feixes de ultra-sons (Rantanen and Ewing, 1981). Geralmente, os cristais emitem ultra-sons em 1/1000 do tempo do seu funcionamento e recebem os ecos durante 999/1000 do tempo restante (Feeney et al., 1991; Herring and Versão online 4 Bjornton, 1989). Nos tecidos orgânicos a velocidade média de propagação dos ultra-sons é aproximadamente de 1540 m/s (Goddard, 1995, Herring and Bjornton, 1989). Os ultra-sons são recebidos pelos mesmos cristais que os emitiram. Após detecção, os impulsos são transformados em corrente eléctrica proporcional à sua intensidade. Estes sinais eléctricos são amplificados e processados para posterior visualização (Stroud, 1994). Legenda: No momento 0 é emitida uma onda de US, por vibração dos cristais, após estimulação eléctrica. No momento 1 é recebido o eco. Ambos os tempos controlados pelo temporizador permitem juntamente com a velocidade pré-determinada calcular a distância. Este sinal eléctrico é posteriormente amplificado e processado. O corpo do ecógrafo e a sonda (transdutor onde estão dispostos os cristais com efeito piezoeléctrico) constituem a unidade funcional que permite a exploração ultra-sonográfica. Figura 1. Emissão e recepção dos ultra-sons (adaptado de Pierson et al., 1988). Quanto maior for a frequência (a resolução acústica aumenta com o aumento da frequência), menor será a sua capacidade de penetração nos meios de propagação. Por este motivo utilizam-se frequências iguais ou menores que 5 MHz para efectuar diagnósticos ecográficos em tecidos ou órgãos localizados maisprofundamente em relação à superfície do animal (Fish, 1990). A atenuação é pois a principal limitação do uso da ecografia em tecidos ou órgãos profundos. Os tecidos orgânicos oferecem resistência à propagação dos ultra-sons. Essa resistên- cia é denominada impedância acústica e é proporcional à velocidade de propagação e à den- Diagnóstico de gestação e de patologias uterinas por ecografia em ruminantes, equinos e suínos 5 sidade desses tecidos (Rantanen and Ewing, 1981). Uma vez que a velocidade de propagação nos tecidos moles sofre variações pouco significativas, a impedância acústica depende princi- palmente da densidade dos tecidos. São as diferenças de impedância acústica entre dois meios adjacentes que determinam os graus de intensidade da transmissão e da reflexão dos ultra- sons (Cartee, 1995). Quanto maior for esta diferença, maior será a intensidade das ondas reflectidas, diminuindo a possibilidade de propagação dos ultra-sons aos tecidos situados dis- talmente em relação à interface. Nos tecidos moles, a interface têm pequenas diferenças acústicas, o que permite o retorno de ecos de intensidade variável, constituindo estas interfaces boas fontes de informação (Nyland et al., 1995). As interfaces em que um dos meios tem elevada impedância acústica (por exemplo as constituídas entre tecidos moles e tecido ósseo ou mineralizado) ou baixa impedância acústica (geralmente entre tecidos moles e gases), apresentam uma intensidade de reflexão extrema- mente elevada bloqueando a progressão dos ultra-sons aos tecidos situados distalmente em relação a estas estruturas (Feeney et al., 1991). Estas interfaces constituem uma importante limitação à exploração ultra-sonográfica desses tecidos. 2.2. Manuseamento do ecógrafo e dos animais Nos bovinos, a totalidade do útero das fêmeas gestantes encontra-se, geralmente, posicionado na cavidade pélvica durante os primeiros 4 meses de gestação. Neste período, tanto o corpo como os cornos uterinos estão posicionados imediatamente abaixo da ampola rectal. Esta relação topográfica, aliada à pequena espessura da ampola rectal, torna esta via como a mais adequada para a colocação do transdutor durante a exploração ecográfica (Chevalier, 1988). O ecógrafo deve ser acomodado numa zona protegida e com baixa luminosidade ambiente, permitindo, deste modo, um maior contraste na visualização da imagem no moni- tor. Os animais a serem observados devem estar devidamente contidos em posição de estação. A sonda deve ser protegida por uma luva adequada para o efeito, prevenindo-se assim o seu contacto directo com as fezes dos animais em observação. A aplicação de gel acústico, entre o transdutor e a luva permite um bom contacto com esta, sendo um óptimo meio de propagação de ultra-sons e não provocando interferências significativas. Versão online 6 As fezes devem ser removidas da ampola rectal, permitindo assim um melhor contacto entre o transdutor e a mucosa rectal dos animais. A prévia prospecção manual por palpação transrectal do aparelho reprodutivo permite a avaliação do tamanho e conformação do útero. Após a sua introdução na ampola rectal, o transdutor deve ser correc- tamente justaposto à mucosa (figura 2), formando uma intimidade de contacto suficiente para evitar a reflexão de ultra-sons devido à pre- sença de bolsas de ar. A sonda deve ser posicionada sobre o corno ute- rino gestante sem provocar sobre este compressão excessiva. A exploração ecográfica deve ser efectuada de forma a visualizar vários planos ultra-sonográficos com o objectivo de obter imagens mais represen- tativas das estruturas embrionárias ou fetais (figura 3). Figura 3. Esquema da relação entre a colocação intrarectal do transdutor e o corno uterino gestante com um feto bovino de 48 dias de idade. Adaptado de Pierson et al. (1988). Figura 2. Esquematização do posicionamento do trans- dutor na ampola rectal de bovinos (Kähn 1994). Diagnóstico de gestação e de patologias uterinas por ecografia em ruminantes, equinos e suínos 7 Nos pequenos ruminantes, embora se possa usar a via transrectal, o diagnóstico de gestação é mais frequentemente efectuado por via transabdominal (figura 4), com a utilização de sondas com 5 ou 3,5 MHz de frequência. Figura 4. Exploração ecográfica por via transabdominal em pequenos ruminantes (adaptado de González de Bulnes et al., 1999). Tanto na cabra como na ovelha, os exames são efectuados com os animais contidos em posição de estação. O local de colocação da sonda é a região inguinal do lado direito, uma vez que o rúmen ocupa grande parte do lado esquerdo. Dependendo da raça, os animais devem ou não ser parcialmente depilados (tricotomia) na região inguinal. O gel acústico deve ser sempre utilizado para uma boa transmissão dos ultra-sons entre o transdutor e a pele. Eventualmente os animais podem ser submetidos a um prévio jejum de 24 horas de forma a evitar um excesso de conteúdo ruminal e intestinal (Gonzalez de Bulnes et al., 1999). A sonda (e, consequentemente os feixes de ultra-sons) deve ser orientada para a região pélvica (junto ao úbere), realizando-se em seguida o varrimento tanto caudal e superior como craneal e inferior (Gonzalez de Bulnes et al., 1999). Os exames podem ser efectuados, por via transrectal, até cerca dos 90 dias de gestação após os quais o útero se torna menos acessível por essa via. As fezes devem ser removidas da ampola rectal de modo a ser permitido o seu contacto íntimo com a sonda. No entanto, é possível (e mais prático) inserir a sonda na ampola rectal com o transdutor virado para cima. Após inserir a sonda cerca de 15 cm, esta é rodada 180º emitindo os feixes para baixo Versão online 8 (Simões et al., 2004). Desta forma, a bexiga urinária e o útero são facilmente localizados sem a necessidade de remover as fezes da ampola rectal. Embora se possam estabelecer similaridades entre a técnica ecográfica de obtenção de imagens com os bovinos, incluindo a exploração por via transrectal (figura 5), existem algu- mas particularidades a respeitar nos equinos. Anatomicamente é necessário referir que ao contrário dos bovinos, os ovários dos equinos encontram-se suspensos (dorsalmente) e não se observa, também, a forma espiralada dos cornos uterinos. Na figura 6 encontra-se descrita a metodologia para a exploração ecográfica das diferentes partes do útero. O exame metódico de todo o útero dos equinos durante a primeira quinzena de gestação tem especial importância devido à fase de mobilidade do embrião conforme o referenciado no respectivo capítulo. Convém relembrar que, nos equinos, a palpação transrectal deve ser efectuada com especial cuidado de modo a evitar desgarros da parede da ampola rectal. Legenda: L- Corno uterino esquerdo; R - Corno uterino direito; B – Corpo do útero; A – Parte anterior; M – Parte medial; P – Parte poste- rior. A direcção das setas indica o trajecto efectuado pela sonda durante os exames ecográficos. Ginther (1986) cit. por Berfelt et al. (1998). Figura 5. Representação esquemática do procedi- mento para a obtenção de sonogramas do útero e do seu conteúdo em equinos (Pipers et al., 1984). Figura 6. Representação esquemática davista dorsal do útero de equino e método de exploração eco- gráfica. Diagnóstico de gestação e de patologias uterinas por ecografia em ruminantes, equinos e suínos 9 Nos suínos, para efectuar os exames ecográficos por via transabdominal, após a colocação de gel acústico, a sonda deve ser colocada num plano paralelo à 1ª, 2ª ou mesmo 3ª glândula mamária (figura 7), entre as coxas, e o mais alto possível (Martinat-Botte et al., 1988). Seguidamente, a sonda é deslocada cranialmente. Figura 7. Representação esquemática da exploração ecográfica do útero por via transabdomi- nal em suínos (Botero et al., 1984). 2.3. Planos seccionais e acessibilidade fetal Devido ao diâmetro relativamente pequeno da ampola rectal e ao facto de se usar um transdutor linear posicionado ao longo do eixo longitudinal da ampola, a deslocação do transdutor fica limitada a rotações e pequenos movimentos. Por outro lado, os diversos planos ecográficos que se podem obter dependem também da acessibilidade do feto (ou do conteúdo uterino). A nomenclatura utilizada para descrever os diferentes planos ultra-sonográficos, é baseada num modelo fetal de apresentação normal (o eixo longitudinal da coluna vertebral do feto é paralelo ao eixo longitudinal da mãe) dentro do útero (Kähn, 1994). Esta nomenclatura deve ser utilizada, da mesma forma, para caracterizar outras estruturas uterinas. São definidos os seguintes planos (figura 8): 1 - Planos longitudinais ou sagitais; Versão online 10 1.1 - Plano mediano: plano ultra-sonográfico posicionado exactamente entre a linha branca e a espinhal medula; 1.2 - Plano paramediano: secções paralelas ao plano anterior; 2 - Plano horizontal: secção latero-lateral do feto. 3 - Plano transversal: secção perpendicular ao plano mediano (vertical ao eixo do corpo); Figura 8. Planos seccionais. Adaptado de Kähn (1994). A acessibilidade dos vários órgãos e partes do corpo fetal depende do tempo de gesta- ção, da orientação do feto relativamente ao transdutor e da espécie animal em questão (animais de grande porte versus animais de pequeno tamanho). Entre o 2º e 4º mês, em bovinos, a totalidade do feto está ao alcance do campo ultra- sonográfico, sendo geralmente visualizadas todas as suas regiões. Entre o 5º e 7º mês, a acessibilidade do tórax, abdómen e região pélvica diminui acentuadamente, sendo o feto difi- cilmente visualizado após esta data (figura 9-A). A) Plano longitudinal B) Plano horizontal C) Plano transversal Diagnóstico de gestação e de patologias uterinas por ecografia em ruminantes, equinos e suínos 11 A diminuição da acessibilidade é justificada pelo aumento do volume e peso do feto e dos anexos placentários provocando, a partir do 4º mês, a descida do útero para a cavidade abdominal, o que impede a sua visualização ecográfica por via transrectal. Embora se possa efectuar a abordagem por via transabdominal, na região ventral entre a glândula mamária e o apêndice xifóide, a qualidade de imagem é inferior à obtida por via transrectal e é necessário proceder à tricotomia da zona de contacto entre a pele e o transdutor. As apresentações fetais clas- sificam-se em anteriores, posteriores e transversais. Nas duas primeiras, o eixo longitudinal da coluna vertebral do feto é paralelo ao da mãe sendo denominada de anterior ou posterior consoante respectivamente a extre- midade anterior ou posterior do corpo fetal estejam direccionados para a cavidade pélvica da mãe. A apresentação transversal é definida quando o eixo da coluna vertebral do feto está em posição transversal relativamente ao da mãe. Estas apresentações são importantes para a acessibilidade dos diversos órgãos fetais, uma vez que o transdutor só pode ser colocado na parte inicial dos cornos uterinos. As Meses de gestação Legenda: A) Frequências relativas das várias partes do corpo fetal que são acessíveis ao exame ultra-sonográfico por via transrectal em relação ao mês de gestação (485 exames em 19 fetos entre o 2º e 10º mês). B) Frequências relativas das apresentações fetais intra-uterinas durante os diferentes meses de gestação. C) Frequência das alterações de apresentações durante 2 exames ecográficos consecutivos com um intervalo de um ou mais dias. Figura 9. Acessibilidade fetal. Adaptado de Kähn (1989). C) A) B) Versão online 12 alterações das apresentações fetais durante a gestação são maiores nos primeiros meses, decrescendo à medida que o feto aumenta de volume (figuras 9-B e 9-C). 2.4. Terminologia utilizada em ultra-sonografia e interpretação da imagem Os tecidos ou órgãos são constituídos por múltiplas interfaces acústicas. A capacidade de reflectirem em maior ou menor grau os ultra-sons denomina-se de ecogenicidade. Um meio onde se propagam os ultra-sons sem haver reflexão, como ocorre com os fluidos, designa-se por anecogénico sendo os pontos apresentados a preto. A designação da ecogenicidade dos tecidos ou órgãos é relativa às diferenças de inten- sidade dos meios adjacentes (Cartee et al., 1993). Assim estes tecidos ou órgãos podem ser designados por: 1) Hipoecogénicos – quando a intensidade dos ecos é menor que a dos tecidos adja- centes; 2) Hiperecogénicos – quando a intensidade dos ecos é maior que a dos tecidos adjacentes; 3) Isoecogénicos – quando a intensidade dos ecos é igual à dos tecidos adjacentes. As interfaces acústicas constituídas por um dos meios mais denso, tais como o tecido ósseo, tecido mineralizado ou gases, apresentam-se hiperecogénicos, logo com maior brilho (a branco). São os ecos das interfaces acústicas com uma diferença de intensidade baixa, de 1% ou menos, aqueles que maior informação fornecem (Bru, 1994). Os ecógrafos actuais possuem a capacidade de controlo da variação de intensidade dos ultra-sons reflectidos. Esta característica, denominada ganho geral (gain), permite diminuir ou aumentar a intensidade geral dos ecos visualizados, optimizando o contraste entre os diversos pontos. Estes aparelhos apresentam ainda a possibilidade de controlar a variação de intensidade proximal ou distal denominando-se ganho proximal (near gain) ou ganho distal (far gain) respectivamente. Esta compensação é particularmente útil para corrigir as diferenças de intensidade de estruturas isoecogénicas situadas a diferentes profundidades pois, normalmente, os ecos provenientes de estruturas mais profundas são de menor intensidade devido ao efeito de atenuação da maior distância do meio percorrido (Rantanen and Ewing, Diagnóstico de gestação e de patologias uterinas por ecografia em ruminantes, equinos e suínos 13 1981). O controlo dos ganhos torna-se importante na minimização da confusão entre as estruturas reais e os artefactos. Uma vez que os pontos de brilho representam a ecogenicidade e o posicionamento relativo das interfaces acústicas torna-se possível a avaliação das seguintes características dos tecidos e órgãos explorados (figura 10): o tamanho, a conformação, a posição e a arquitectura ou textura ecogénica (Burk and Ackerman, 1996). Enquanto as três primeiraspodem ser avaliadas através da mensuração e da observação do contorno dos limites dos tecidos ou órgãos, a avaliação da ecotextura é de natureza subjectiva. A arquitectura ecogénica é constituída pelos ecos provenientes de reflexões especulares (o ângulo de reflexão é igual ao ângulo de incidência) e não especulares (restantes reflexões) embora não se conheça bem o processo da sua formação (Nyland et al., 1995). A sua avaliação depende da apreciação da homogeneidade, granulação ou irregularidade das interfaces acústicas (Burk and Ackerman, 1996), ou seja, do tamanho, espaçamento e regularidade dos pontos. Um exemplo da importância da ecotextura é o caso dos tumores ováricos em bovinos onde existe um aumento de granulação (Kähn, 1994). Legenda: A figura 10-A) representa um plano ultra-sonográfico de um ovário obtido por aplicação de uma sonda com transdutor linear. A escala lateral está dividida por traços. Cada traço corresponde a 10 mm. A parte superior corresponde à localização do transdutor e a direcção da seta no canto superior esquerdo à parte distal do transdutor. A frequência utilizada e a intensidade dos ganhos (geral, proximal e distal) estão definidos na parte inferior. Neste corte ecográfico não é possível visualizar os pequenos folículos que surgem no ovário (figura 10-B). Figura 10. Representação e interpretação de uma imagem ultra-sonográfica em modo B (Simões, 1998). Folicu lo O vário Estrom a ovárico Pequenos fo lícu los B) 10 mm Escala de níveis de cinzentos 5.0 M : Mhz da sonda G69 : Ganho Geral 17 N : Ganho proximal Osso Púbico Líquido folicular Artefacto : Reverberação Estroma ovárico A) F 1.9 : Ganho distal Versão online 14 A medição das estruturas exploradas é efectuada pelo “software” incorporado no aparelho. O tamanho assim como a conformação dos órgãos podem surgir distorcidos na imagem ecográfica. Estas distorções são geralmente devidas à obtenção de planos ultra- sonográficos inadequados (órgãos demasiado grandes para a área de exploração do transdutor) ou, ainda, causadas por demasiada pressão deste sobre as estruturas exploradas (Burk and Ackerman, 1996). Outro ponto importante na interpretação da imagem ecográfica é a avaliação dos denominados artefactos acústicos. Podemos definir por artefacto acústico qualquer alteração da imagem ecográfica que não corresponde a uma verdadeira representação da estrutura examinada (Carniel, 1987). A sua ocorrência é devida à visualização de ecos que retornam ao transdutor de forma errónea ou, simplesmente, à ausência do seu retorno (Wrigley, 1998). Embora a maioria dos artefactos possam ser devidos à interacção física dos ultra-sons com os tecidos, nem todos possuem aqui a sua origem. Algumas interferências na imagem resultam de radiações electromagnéticas provenientes de aparelhos eléctricos situados na proximidade. Outros artefactos são induzidos pelo próprio utilizador: o mau contacto do transdutor com a superfície do animal provoca bloqueio dos ultra-sons; o uso de baixas frequências em tecidos proximais diminui a resolução; a compensação incorrecta dos ganhos (intensidades) provoca alterações de imagens (Kirberger, 1995). Esta última adquire um relevo importante podendo passar imperceptível ao utilizador durante todo o exame ecográfico. Os ganhos proximais excessivos podem mascarar estruturas hipoecogénicas superficiais, enquanto baixos ganhos podem originar áreas anecogénicas ou hipoecogénicas adventícias. Durante os exames ecográficos os artefactos são constantemente visualizados dificultando, muitas vezes, a distinção das estruturas e, consequentemente, o diagnóstico ecográfico. Bru (1994) estima que os artefactos podem representar 30 a 90 % dos ecos observados. No entanto, alguns deles (reverberação, sombras acústicas e reforço posterior), são fonte de informações de valor diagnóstico (Herring and Bjornton, 1989; Cartee, 1995; Wrigley, 1998). Por ambos os motivos é necessário proceder ao seu reconhecimento, determinar se possuem algum valor diagnóstico e, quando possível, minimizá-los. A minimização dos artefactos pode-se conseguir através do reajustamento dos controlos do aparelho ou do direccionamento dos feixes de ultra-sons. Entre os mais importantes e frequentemente observados em reprodução, podem ser referidos: Diagnóstico de gestação e de patologias uterinas por ecografia em ruminantes, equinos e suínos 15 Reverberação acústica Denomina-se por reverberação acústica a produção de falsos ecos devido à presença de duas ou mais superfícies reflectoras no trajecto de propagação dos ultra-sons (Penninck, 1995). Ocorre quando os ecos de alta intensidade, ao retornarem ao transdutor ou a uma superfície reflectora mais proximal, são reflectidos por estes, voltando a propagar-se aos tecidos e sendo finalmente reflectidos em direcção ao transdutor (figura 11). O sinal eléctrico é processado como tendo feito um único percurso, apresentando o dobro da distância relativamente à das interfaces originais (Kirberger, 1995). TRANSDUTOR TRANSDUTOR 1ª interface Pele (Pele/transdutor) 1ª interface 2ª interface 2ª interface A) Reverberações externas B) Reverberações internas Figura 11. Representação esquemática de reverberações acústicas. Sombra acústica A sombra acústica é originada pela redução (Herring and Bjornton, 1989) ou bloqueio completo da transmissão de feixes acústicos, para além das interfaces acústicas altamente reflectoras ou estruturas atenuantes (figura 12) (Park et al., 1981). Os ossos e outras estruturas mineralizadas, formam uma sombra acústica devido à reflexão de 20 a 30% dos ultra-sons, absorvendo a maioria dos restantes. Este facto resulta numa sombra bem definida, totalmente anecogénica, atrás da superfície hiperecogénica (Kirberger, 1995). Sombra acústica Interface TRANSDUTOR Figura 12. Representação esque- mática da sombra acústica. Versão online 16 A interface constituída pelos tecidos moles / gás reflecte 99 % dos ultra-sons. Esta interface é, geralmente, acompanhada por reverberações ou por ecos difusos indistintos formando uma sombra acústica não homogénea: “dirty shadowing”. Sombra lateral Pode ocorrer uma sombra acústica distalmente, nas margens de estruturas redondas ou ovais cheias de líquidos, sendo designada por sombra lateral (Kirberger, 1995). Este artefacto resulta da interacção dos ultra-sons com as interfaces curvas dessas estruturas: uma parte destes é reflectida para os tecidos adjacentes e a restante sofre refracção (Nyland et al., 1995) impedindo, desta forma, que regressem ao transdutor. Reforço posterior O reforço posterior surge distalmente a uma estrutura com fraca atenuação (líquido), aparecendoum aumento distal de intensidade (figura 19) (Peter et al., 1992). Esta hiperecogenicidade é devida aos ultra-sons de maior intensidade que atingem as zonas distais, após se terem propagado por meios de menor atenuação do que os ultra-sons propagados nos tecidos adjacentes situados à mesma profundidade, os quais se tornam menos intensos. Este artefacto é especialmente comum em imagens de folículos e vesículas embrionárias (Pierson et al., 1988) e contribui para a diferenciação de estruturas quísticas de massas sólidas hipoecogénicas tais como corpos lúteos e estruturas foliculares (Penninck, 1995) apresentando, por isso, valor diagnóstico. Artefacto das “seis e doze horas” Alguns feixes de ultra-sons ao incidirem perpendicularmente nas superfícies proximal e distal de estruturas esféricas com conteúdo líquido podem produzir reflexões especulares. Estes ecos hiperecogénicos estão situados em ambas as superfícies às 6 e 12 horas, daí a sua denominação. Em algumas situações este artefacto tem utilidade na elaboração de diagnósticos podendo citar-se, como exemplo, a identificação precoce das vesículas embrionárias (3 a 6 mm) em equinos (Peter et al., 1992). Diagnóstico de gestação e de patologias uterinas por ecografia em ruminantes, equinos e suínos 17 3. BOVINOS 3.1. Diagnóstico de gestação precoce O diagnóstico de gestação através de ulta-sonografia baseia-se, durante os estádios iniciais, na detecção da vesícula embrionária, por visualização do fluido alantóide e, ocasionalmente do embrião (Badtram et al., 1991) no lúmen do corno uterino ipsilateral (Boyd et al., 1988) ao ovário que possui o corpo lúteo de gestação (Boyd, 1995). Considerando o dia 0 como o dia da ovulação, a vesícula embrionária pode ser inicialmente detectada, no corno uterino ipsilateral com uma sonda de 5 MHz de frequência, a partir do 10º dia. Nesse momento, apresenta uma conformação esférica com um diâmetro de 2,8 ± 0.2 mm (figura 13) ou alongada com uma altura entre 2,0 ± 0,0 e 4,5 ± 1.0 mm (Curran et al., 1986a). Esta detecção fundamenta-se na visualização de uma área anecogénica (Kastelic et al., 1988) que representa o fluido da vesícula. Boyd et al., (1988 e 1990) utilizando uma sonda de maior resolução (7,5 MHz de frequência) visualizaram no 9º dia após a ovulação a vesícula embrionária no corno uterino ipsilateral com uma altura de 1,75 mm. A altura da vesícula não manifesta crescimento significativo até cerca do dia 18, ocupando a totalidade do lúmen do corno uterino ipsilateral no dia 16,9 ± 0,6 e do contralateral no dia 19,6 ± 0,9 (Curran et al., 1986a). Figura 13. Altura média da vesícula embrionária na zona do embrião entre o 20º e o 60º dia de gestação (ovulação = dia 0; n=15). Adaptado de Curran et al. (1986b). Versão online 18 A partir do 19º dia de gestação observa-se um aumento acentuado do diâmetro da vesícula (Kastelic et al., 1988), indicando a formação da membrana amniótica, que, no entanto, só é visualizada a partir do 28º dia (Boyd et al., 1988), atingindo cerca de 60 mm de altura por volta do 60º dia. O embrião pode ser visualizado pela 1ª vez entre o 19º e 24º dia e com o tamanho inicial de, aproximadamente, 3,5 mm tendo a forma de uma pequena linha hiperecogénica, ligeiramente protuberante na parede da vesícula (Curran et al., 1986b). Kastelic et al. (1991b) detectaram-no pela 1ª vez ao 22º dia (n=104). A sua taxa de crescimento é exponencial, observando-se um incremento a partir do 50º dia (figura 14) e atingindo cerca de 66 mm de comprimento ao 60º dia de gestação (Curran et al., 1986b; Kastelic et al., 1988). Figura 14. Curva de evolução do comprimento do embrião e idade média à 1ª detecção de algumas das suas características identificáveis por ultra-sonografia em novilhas (ovulação = dia 0). Adaptado de Kastelic et al. (1988). Os batimentos cardíacos do embrião podem ser detectados, em alguns casos, no mesmo dia ou um a dois dias após a detecção do embrião vivo. A frequência cardíaca é de cerca de 170 batimentos por minuto no 20º dia, decrescendo para cerca de 150 ao 26º dia, continuando a manter esta frequência até ao 60º dia. Estes movimentos auxiliam o operador Diagnóstico de gestação e de patologias uterinas por ecografia em ruminantes, equinos e suínos 19 na identificação do embrião. Ocasionalmente, a frequência pode apresentar-se irregular sendo, eventualmente, um artefacto causado pela dificuldade de manter os feixes de ultra-sons num plano capaz de envolver o coração do embrião (Curran et al., 1986b). Entre o 22º e o 30º dia o embrião adquire uma conformação predominantemente em C. Esta forma é resultante das curvaturas cefálica e caudal e da curvatura dorsal geral. Entre o 29º e o 39º dia o pescoço endireita-se e a cabeça eleva-se dando ao embrião uma forma em L. Os botões dos membros anteriores tornam-se visíveis, ao nível do coração, entre o 28º e 31º dia surgindo os membros posteriores dois dias depois. Com o aumento do comprimento do feto, a partir do 60º dia, torna-se difícil a sua visualização como um todo (Curran et al., 1986b; Kastelic et al., 1988). A partir da altura em que se começa a observar a diferenciação do embrião é possível proceder à mensuração de diversas partes e, consequentemente, estimar o tempo de gestação. O comprimento e diâmetro do feto podem ser mensurados por ultra-sonografia desde a sua detecção até cerca dos 3 a 6 meses (figura 15). A partir destas datas o tamanho do feto torna- se demasiadamente grande para o campo de exploração dos feixes de ultra-sons. Legenda: C-r – Comprimento crânio-caudal; hl – Comprimento da cabeça (focinho-occipital); n – Comprimento do focinho; C – Diâmetro torácico, hd – Diâmetro da cabeça (diâmetro biparietal); cd – Diâmetro torácico. Figura 15. Principais mensurações que podem ser realizadas em fetos (Bingham et al., 1990). A taxa média de crescimento diário do comprimento do feto sofre um incremento de 1,4 mm a 2,2 mm durante o 2º mês de gestação e, entre 2,5 e 3mm no 3º mês. Por volta dos 90 dias, a distância entre a cabeça e a 1ª vértebra coccígea ultrapassa os 12 cm (figura 16). O Versão online 20 diâmetro médio do tronco fetal é de 20 a 30 mm entre o 60º e o 70º dia, aumentando 0,9 mm por dia até atingir 10 cm ao 150º dia e ultrapassar os 12 cm ao 6º mês. De todas as estruturas fetais, o comprimento do feto é o parâmetro que sofre menos variações (com melhor estimativa) e que tem uma correlação mais elevada com a idade fetal (Kähn, 1989). Legenda: A) Relação entre a distância crânio-caudal e o tempo de gestação dos fetos bovinos (●). A curva de regressão (—) está indicada. B) Relação entre o diâmetro maior do tronco fetal e o tempo de gestação dos fetos bovinos (plano transversal). São indicadas as médias da curva de regressão (▬ ) do desvio padrão (----) e de 2x o desvio padrão (—). Figura 16. Relações entre o comprimento ou o diâmetro fetal e o tempo de gestação. Adaptado de Kähn (1989). Actualmente, estas mensurações são utilizadas para caracterizar os fetos originados por transferência embrionária ou produção de embriões in vitro (Bertolini et al., 2002; Breukelman et al., 2004). De facto, a produção in vitro de embriõesbovinos (e ovinos) levou Diagnóstico de gestação e de patologias uterinas por ecografia em ruminantes, equinos e suínos 21 ao aparecimento de uma nova síndrome designada na literatura por “ large calf síndrome” (Bertolini et al., 2002) ou „large Offspring Syndrome‟ (Breukelman et al., 2004). Esta síndrome é caracterizada, quando comparada com fetos produzidos através de cobrição, inseminação artificial ou consequentes a tratamentos de superovulação seguidos de transferência embrionária, por um maior peso à nascença acompanhado de um conjunto de anomalias que interferem com o desenvolvimento do embrião, do feto e da placenta, não estando ainda clarificados os factores que causam esta síndrome (van Wagtendonk-de Leeuw et al., 2000; Bertolini et al., 2002; Breukelman et al., 2004). 3.2. Anexos placentários Nos bovinos, a implantação da vesícula embrionária ocorre, por norma, no corno uterino ipsilateral ao ovário que ovulou. Ainda durante a fase inicial do seu desenvolvimento (por volta do 20º dia de gestação) as membranas e fluido vesiculares acabam por ocupar também a totalidade do corno uterino contralateral (Curran et al., 1986a). Devido à sua acumulação progressiva durante a gestação, os fluidos fetais atingem em média 5 litros ao 5º mês e 20 litros no seu termo (Arthur et al., 1996). Durante a exploração ecográfica os ultra- sons têm de se propagar através destes fluidos e das membranas placentárias até poderem alcançar o feto (figura 17). A membrana amniótica e o fluido alantóide podem ser observados a partir do 30º dia, enquanto que os placentomas só são visualizados, um pouco mais tarde, a partir do 35º dia. Os placentomas, que se encontram adjacentes à parede uterina, são representados por áreas ecogénicas de conformação circular ou oval. Embora a membrana alantóide possa ser detectada por volta do 27º dia torna-se, rapidamente, indistinta. A membrana amniótica, representada por uma linha hiperecogénica flutuante, delimita a sua cavidade com um fluido inicialmente anecogénico que por volta do final do 2º mês apresenta reflexões ecogénicas que se tornam proeminentes no final do 3º mês. Estas reflexões são originadas pelo incremento do conteúdo celular no líquido amniótico. Podem também ser detectadas no fluido alantóide a partir do 6º mês, permanecendo este fluido hipoecogénico até então (Kähn, 1990). O cordão umbilical pode ser precocemente visualizado durante o 2º mês de gestação, numa posição dorsal ao embrião, dirigindo-se para a parede uterina. Ao 3º mês tem um diâmetro médio entre os 5 e 10 mm. É constituído por dois pares de artérias, onde pode ser Versão online 22 detectada a sua pulsação, e veias dispostos em posição quadrilateral quando visualizados em planos ultra-sonográficos transversais. Em planos longitudinais só é possível visualizar simultaneamente 2 vasos. Ao 7º mês atinge cerca de 50 mm de diâmetro deixando de ser detectável a partir desta data (Kähn, 1989). Figura 17. Esquema dos anexos fetais na vaca. Adaptado de Barone (1990). 3.3. Cabeça Os globos oculares são os órgãos mais facilmente visualizados durante a gestação. Por volta do 40º dia é possível identificar a cavidade orbitária e o seu conteúdo anecogénico. Num plano transversal o globo ocular surge perfeitamente esférico, alterando-se a sua conformação para oval quando o corte é paramediano. O seu diâmetro maior aumenta dos cerca de 4 mm ao 60º dia para 10 mm ao 90º dia, e para mais de 30 mm no final da gestação, decrescendo a sua taxa de crescimento à medida que o tempo de gestação aumenta (Kähn, 1989). O corpo vítreo permanece hipoecogénico durante toda a gestação. Por volta do 70º dia surgem as superfícies anterior e posterior da lente, representadas por reflexões ténues em forma de linhas curvas. O pestanejar das pálpebras é observável a partir do 6º mês (Kähn, 1994). Diagnóstico de gestação e de patologias uterinas por ecografia em ruminantes, equinos e suínos 23 No final do 2º mês surgem áreas hiperecogénicas representando os centros de ossificação localizados entre os ossos do crânio. No entanto, as primeiras estruturas compridas, fortemente ecogénicas (maxilares superior e inferior) aparecem adjacentes à cavidade bucal sendo reconhecidos através da sua conformação. Os ossos da caixa craniana têm uma conformação oval hiperecogénica sendo visualizados a partir do 50º a 60º dia. O seu interior é hipoecogénico sendo identificáveis algumas linhas ecogénicas internas que representam os ventrículos, o “Falx cerebri” (dividindo o cérebro em 2 hemisférios; figura 18) e o plexo coróideu (Kähn, 1990). No final do 3º mês, os ossos da cabeça podem ser identificados. Nesta altura é possível visualizar, em planos transversais, a cavidade bucal, as narinas, o palato duro e os dentes em desenvolvimento nas maxilas. Nas regiões caudais a estas estruturas, mas craniais aos globos oculares, situam-se os cornetos nasais, sendo distinguíveis a sua região dorso-nasal e as maxilas. Além do pestanejar é possível, por esta altura, observar os movimentos da língua e do focinho em planos paramedianos. Em planos sagitais e transversais, surge a cavidade oval da caixa craniana com um curto eixo dorso-basicraneal e um diâmetro mais comprido fronto- occipital ou parieto-parietal, respectivamente (Kähn, 1990). No plano sagital, o diâmetro interno maior (distância delimitada pelo bordo do cérebro e o bordo interno dos ossos cranianos) e o diâmetro externo maior (distância delimitada pela superfície externa dos ossos) medem, respectivamente, cerca de 10 e 17 mm ao 60º dia, apresentando um crescimento linear médio que oscila entre 63 e 76 mm e os 80 e 96 mm, respectivamente, entre o 180º e o 210º dia (Kähn, 1989). Nos últimos 2 meses de gestação não é possível visualizar a totalidade da caixa craniana devido à atenuação da intensidade dos ultra-sons pelos ossos e ao facto do seu tamanho ultrapassar o campo de exploração. 3.4. Coluna vertebral Legenda: Corte horizontal da cabeça de um feto (77 dias). 1- Falx cerebri; 2- Ossos do crânio; 3- Focinho; 4- Líquido amniótico; 5- Linha perpendicular ao Falx cerebri (medição do diâmetro biparietal). Figura 18. Caixa craniana e diâmetro biparietal. Adaptado de Breukelman et al. (2004). Versão online 24 A coluna vertebral é visualizada a partir, aproximadamente, do 35º dia sendo representada por uma linha ecogénica ao longo da região dorsal do feto. Por volta do 56º dia surgem três centros de ossificação em cada vértebra, um no seu corpo e dois no arco. Em planos transversais, podem ser visualizados os três centros simultaneamente, enquanto que, em planos medianos só é possível observar um centro de ossificação e em planos paramedianos dois centros estando um dos quais no corpo e outro no arco. Nos planos horizontais surgem também dois centros, mas neste caso ambos pertencem ao arco. Nestes últimos planos e nas vértebras lombares, por vezes, é possível visualizar áreas hiperecogénicas em forma de bandas curvas, que representam os processos transversos. À medida que a ossificação prossegue, o fenómeno de sombra acústica localizado atrás de cada vértebra tende a tornar-se mais intenso (Kähn, 1990). O comprimento de cada vértebra cervicale do espaço intervertebral tem em média 2 a 4 mm no 3º mês e aumenta até aos 25 mm no 8º mês (Kähn, 1989). Embora as outras vértebras e costelas possam ser visualizadas precocemente, é difícil a sua mensuração devido ao surgimento de numerosas superfícies reflectoras. 3.5. Pescoço Além das vértebras, a traqueia é a estrutura mais proeminente na imagem ecográfica da região cervical. Num plano longitudinal a traqueia é representada por duas fileiras de áreas ecogénicas que constituem a parte superior e inferior de um conjunto de anéis adjacentes formando um tubo curvo com um lúmen anecogénico. O seu diâmetro varia consideravelmente embora seja mais largo que os vasos sanguíneos situados na vizinhança. O seu diâmetro interno aumenta dos cerca de 4 mm ao 100º dia para os 10 mm por volta do 180º dia (Kähn, 1989). 3.6. Tórax e órgãos internos da caixa torácica As vértebras cervicais, costelas e esternebras são caracterizadas por áreas hiperecogénicas. Em planos horizontais, o tórax é visualizado com uma conformação de duas fileiras hiperecogénicas em forma de cone estriado, representando cortes das costelas, com o Diagnóstico de gestação e de patologias uterinas por ecografia em ruminantes, equinos e suínos 25 seu vértice dirigido para a região cervical. Enquanto que a ossificação das costelas começa entre o 55º e o 60º dia, a das esternebras ocorre por volta do 66º ao 70º dia (Kähn, 1990). Em cortes longitudinais, a caixa torácica encontra-se obscurecida por fileiras paralelas de ecos de intensidade ténue. Com o avanço da gestação, os ultra-sons são absorvidos em maior quantidade pelas costelas dificultando a visualização dos órgãos internos situados dentro da caixa torácica, o que torna necessário projectar os ultra-sons entre os espaços intercostais. O coração está situado na porção cranial (ápice) da caixa torácica, sendo facilmente identificável através das suas pronunciadas pulsações e caracteres anatómicos que se diferenciam entre a 4ª e a 7ª semana. Os movimentos cardíacos são visualizados pela 1ª vez por volta do 20º dia, com uma frequência entre os 170 e 200 batimentos por minuto (Curran et al., 1986b), decrescendo para cerca de 150 no 25º dia, mantendo-se relativamente constantes até ao 60º dia (figura 19). A partir desta data e até ao final da gestação registam-se entre 130 a 140 batimentos por minuto (figura 20) (Kähn, 1989). A observação da frequência cardíaca do feto é essencial para a avaliação da sua viabilidade. Batimentos / minuto Legenda: Frequência cardíaca média de embriões (n=50) em diferentes dias de gestação. A frequência cardíaca tende a diferir (P<0,1) entre os 2 operadores no 20º e 21º dia e é diferente (P<0,05) entre o 44º ao 52º e o 54º ao 60º dia. Figura 19. Frequência cardíaca entre o 20º e 60º dia de gestação. Adaptado de Curran et al. (1986b). Versão online 26 Legenda: Relação entre a frequência cardíaca e o tempo de gestação de fetos bovinos (). A curva de regressão (—) está indicada. Figura 20. Relação entre a frequência cardíaca e o tempo de gestação entre os 60 dias e o final da gestação. Adaptado de Kähn (1989). Os músculos ecogénicos (miocárdio) rodeiam o seu lúmen subdividido por linhas ecogénicas visualizando-se o septo e as válvulas em acção. O coração é melhor visualizado quando o feto está numa posição tal que permita ao transdutor emitir feixes perto dos membros anteriores sendo os mesmos projectados entre as costelas. Em condições óptimas é possível obter imagens seccionais das 4 câmaras simultaneamente. Os pulmões aparecem com uma matriz ecogénica granular, semelhante à do fígado que lhes está caudalmente adjacente, embora este último tenha uma ecotextura mais densa. O diafragma, apesar de não ser ecogénico, identifica-se devido à presença de um bordo regular entre o pulmão e o fígado (Kähn, 1990). 3.7. Abdómen e órgãos abdominais internos O fígado e o estômago ocupam a região dorsal da caixa torácica. O fígado é caracterizado por possuir uma ecotextura granular e cinzenta, com representações anecogénicas de um elevado número de vasos sanguíneos passando no seu centro. O Diagnóstico de gestação e de patologias uterinas por ecografia em ruminantes, equinos e suínos 27 estômago é caracterizado por uma área anecogénica que representa o conteúdo estomacal (figura 21). Por volta dos 2 meses, o seu diâmetro longitudinal mede cerca de 8 mm e aumenta linearmente com o avanço da gestação, até atingir os 10 cm por volta do 210º dia (Kähn, 1989). Legenda: 1- Cordão umbilical; 2- Reflexões especulares da parede abdominal; 3- Abomaso; 4- Intestinos e fígado; 5- Líquido amniótico; 6- Parede uterina. Figura 21. Corte tranversal do feto (90 dias) junto à inserção do cordão umbilical Adaptado de Breukelman et al. (2004). Durante as fases precoces de gestação, a área anecogénica do estômago está subdividida por bandas ecogénicas representativas dos diversos compartimentos gástricos que caracterizam os ruminantes. Nas áreas anecogénicas surgem reflexões derivadas de partículas em suspensão no conteúdo estomacal que se tornam bem evidentes por volta do 5º mês observando-se nas imagens em movimento a turbulência do líquido (Kähn, 1994). Num plano mediano, a aorta pode ser visualizada como uma banda hipoecogénica com uma parede hiperecogénica, situada imediatamente abaixo das reflexões hiperecogénicas provocadas pela coluna vertebral. A visualização dos rins, que se encontram situados entre o ílium e a última costela, torna-se possível por volta do 4º mês quando se aplica um plano horizontal. São representados por uma zona medular hipoecogénica em relação à sua região cortical, sendo possível Versão online 28 identificar os lobos renais que possuem uma ecogenicidade intermédia à das 2 zonas (Kähn, 1990). A bexiga, detectada pelo seu conteúdo líquido, é difícil de visualizar durante toda a gestação a não ser que o feto esteja numa posição favorável. Isto deve-se por um lado às significativas variações do seu diâmetro intraluminal e, por outro lado, ao facto de este não ser maior que o das artérias umbilicais adjacentes. O seu diâmetro longitudinal interno varia entre 3 e 10 mm no 3º mês e entre 20 a 30 mm no 7º mês (Kähn, 1989). O conteúdo da bexiga é esvaziado ritmicamente entre cada 1 a 3 horas. 3.8. Membros anteriores, cintura pélvica e membros posteriores Os ossos longos dos membros anteriores (úmero, rádio, cúbito e metacarpos) são identificados por volta das 10 a 12 semanas de gestação. Na figura 22 podemos observar a evolução do comprimento do úmero durante o 2º mês. Figura 22. Comprimento da diáfise umeral durante o 2º mês em fetos produzidos in vivo e in vitro. Adaptado de Bertolini et al. (2002). A ossificação avança até um grau em que se visualizam estruturas ecogénicas em forma de bastonetes ao longo da diáfise, estando completa por volta do 4º mês. A escápula Diagnóstico de gestação e de patologias uterinas por ecografia em ruminantes, equinos e suínos 29 encontra-se ossificada entre o 71º e o 80º dia, e as falanges entre o 81º eo 85º dia. As estruturas cartilaginosas (unhas, incluindo as rudimentares) podem ser visualizadas por volta do 4º mês, sendo possível a diferenciação entre a cartilagem e os ossos nos meses seguintes (Kähn, 1990). Próximo do final do 2º mês, surgem centros de ossificação na área da cintura pélvica. O ílium e o ísquium podem ser reconhecidos em planos horizontais em ambos os lados da cintura. Surgem com a conformação de 4 bastonetes hiperecogénicos em que o ísquium é mais curto que o ílium (Kähn, 1994). Os membros posteriores sofrem uma evolução e apresentação ecográfica semelhante aos anteriores. Os ossos longos de todos os membros têm comprimentos e taxas de crescimento similares. O comprimento médio de cada um destes ossos oscila entre os 12 e os 16 mm ao 90º dia, aumentando de forma exponencial até atingir os 55 a 65 mm ao 180º dia (Kähn, 1989). 3.9. Escroto e glândulas mamárias Nos machos, o escroto é representado como uma estrutura de poucos milímetros, oval e ecogénica, podendo ser observado pela 1ª vez entre o 50º e o 60º dia, embora seja a partir do 60º dia que se encontra melhor definido. A sua visualização pode ser efectuada tanto em planos medianos como em cortes transversais ou horizontais. O seu diâmetro transversal é maior que o longitudinal (crânio-caudal), medindo menos de 5 mm no 60º dia e atingindo cerca de 30 mm no 7º mês após um crescimento linear (Kähn, 1989). A descida dos testículos em direcção ao escroto inicia-se durante o 3º mês e completa- se no 5º mês de gestação. As estruturas testiculares podem ser detectadas pela visualização de áreas hipoecogénicas em relação ao escroto, que as rodeia, por volta do 4º mês. Por vezes, a visualização em cortes tangenciais das paredes dos vasos sanguíneos origina uma imagem sólida (ecogénica), que pode ser confundida com o escroto. A identificação do escroto permite a determinação do sexo masculino (Kähn, 1990). Nas fêmeas, os tetos da glândula mamária são representados por 4 pontos hiperecogénicos dispostos em posição quadrilateral, sendo melhor visualizados num plano horizontal. No entanto, a sua semelhança com outras estruturas visualizadas como, por exemplo, as partes ossificadas dos ossos pélvicos, pode dificultar a sua identificação ecográfica. Versão online 30 3.10. Exactidão da técnica Boyd et al. (1990), determinaram uma precisão de 100 % (n=22) no diagnóstico de gestação positivo quando executado no 17º dia, descendo para 25 % quando realizado entre o 11º e 16º dia. Neste trabalho, foi utilizado um transdutor de 7,5 MHz de frequência, que devido à sua maior resolução quando comparado com um de 5 MHz, torna a detecção mais fiável e precoce. Foram obtidos resultados semelhantes por Kastelic et al. (1991a) com 50 % de precisão nos diagnósticos efectuados antes do 16º dia. Kastelic et al. (1989), utilizando uma sonda de 5 MHz de frequência, referem uma precisão de 100 % tanto em animais gestantes como não gestantes, quando esta técnica de diagnóstico é executada entre o 20º e o 22º dia, embora diminua para os 50 % se efectuada antes do 18º dia. Este momento coincide com o retorno ao estro em animais não gestantes pelo que a presença dos sinais ecográficos característicos do período de estro podem contribuir para a determinação do diagnóstico (Pierson and Ginther, 1984). De facto, o corpo lúteo de animais não gestantes difere ecograficamente do dos animais gestantes a partir do 17º dia (Boyd et al., 1988) e no período de estro não existe um corpo lúteo maduro (Pierson and Ginther, 1984) podendo estes factos facilitar o diagnóstico. No entanto, é por vezes difícil distinguir entre o fluido alantóide e o fluido uterino acumulado entre o 18º e 21º dia, isto é, durante os períodos de proestro e de estro (Fissore et al., 1986; Kastelic et al., 1989). As patologias uterinas que se apresentam com acumulações de fluidos intra-luminais, sendo as mais frequentes as endometrites e piómetras, são outras ocorrências que podem ser confundidas com os fluidos da vesícula (Kastelic et al., 1988). Taverne et al. (1985) avaliaram a precisão da técnica ultra-sonográfica ao diagnóstico de gestação (n=201) entre o 21º e 70º dia utilizando uma sonda de 3 MHz de frequência, obtendo uma sensibilidade de 94,8 %, uma especificidade de 95,3%, o valor previsível positivo de 97,7 % e um valor previsível negativo de 89,8 %. Embora o período da aplicação da técnica seja alargado, os resultados demonstram uma exactidão elevada. De referir que a sensibilidade [positivos / (positivos + falsos negativos) x 100] de um método é a proporção dos resultados verdadeiros positivos que são detectados pelo método e a especificidade [negativos / (negativos + falsos positivos) x 100] é a proporção dos verdadeiros negativos. O valor previsível positivo [positivos / (positivos + falsos positivos) x 100] e o valor previsível negativo [negativos / (negativos + falsos negativos) x 100] representam a Diagnóstico de gestação e de patologias uterinas por ecografia em ruminantes, equinos e suínos 31 probabilidade dos animais positivos ou negativos, respectivamente, determinados por um método realmente o serem. Piertese et al. (1990), usando uma sonda de 5 MHz de frequência, procederam à determinação da exactidão da técnica em tempos diferentes: entre o 21º e o 25º dia (n=63) e o 26º e o 33º dia (n=85). Os valores encontrados para ambos os grupos foram, respectivamente, de: 1) sensibilidade: 44,8 versus 97,7; 2) especificidade: 82,3 versus 87,8; 3) valor previsível positivo: 68,4 versus 99,6; 4) valor previsível negativo: 63,6 versus 97,2. Além da elevada exactidão observada entre o 26º e 33º dia, estes valores demonstram que entre o 21º e 25º dia, surge um elevado número de falsos negativos. Em condições de campo, utilizando uma sonda de 5 MHz, o diagnóstico de gestação torna-se mais fiável a partir do 30º dia (Badtram et al., 1991). É a partir desta data que a técnica oferece maior eficiência, isto é, maior rapidez e precisão (Scenzi et al., 1995 e 1998; Boyd, 1995; Taverne et al., 1985; Fissore et al., 1986; Chaffaux et al., 1986), estando o facto relacionado com a possibilidade de identificação do embrião (Beal et al., 1992) e dos batimentos cardíacos (Kastelic et al., 1989). São estes últimos que, de facto, determinam o diagnóstico definitivo de gestação em fases precoces. A posição do útero, situado mais cranialmente na cavidade pélvica, pode aumentar significativamente a incidência de diagnósticos incorrectos nos animais não gestantes (Scenzi et al., 1995). Por este motivo, durante a exploração ecográfica do útero, deve-se proceder à sua retracção para a cavidade pélvica, quando necessário, e obter planos ultra-sonográficos sagitais, transversais e/ou oblíquos com o objectivo de explorar toda a área dos cornos uterinos (Stroud, 1994). A UTR é também um método viável para a identificação de gestações múltiplas (Isaike et al., 1991). Num estudo recente em bovinos leiteiros com gestações gemelares (n=211), foi observado que em 40,8 % dos animais os gémeos estavam localizados bilateralmente nos cornos uterinos e 59,2 % presentes unilateralmente (López-Gatius and Hunter, 2004). O melhor momento para a sua determinação é durante o 2º mês pois, por essa altura, os embriões já são claramente identificáveis, mas ainda são suficientemente pequenos para se visualizarem conjuntamente diminuindo a possibilidade de diagnosticar erroneamente partes de um único feto pertencentes a fetos diferentes(Kähn, 1994). A redução natural do número de embriões (de dois para um) parece ocorrer maioritariamente entre o 35º e o 40º dia de gestação (López-Gatius and Hunter, 2004). Versão online 32 Diagnóstico de gestação e de patologias uterinas por ecografia em ruminantes, equinos e suínos 33 4. OVINOS E CAPRINOS 4.1. Diagnóstico de gestação precoce Nos ovinos e caprinos, a gestação pode ser diagnosticada precocemente, através da presença de áreas anecogénicas (vesículas embrionárias) a partir do 20º dia ou mesmo alguns dias antes, quando utilizada a via transrectal e uma sonda de 5 MHz de frequência (Garcia et al., 1993; Gonzalez de Bulnes et al., 1998). No entanto, só a partir do 26º dia é possível detectar o embrião (Buckrell et al., 1986; Simões e Potes, 2000). Na figura 23 podemos verificar, pelos trabalhos de Martinez et al. (1998), que o tama- nho das áreas anecogénicas (vesículas embrionárias) das cabras gestantes atinge os 4 mm por volta do 19º dia de gestação, enquanto que em cabras não gestantes estas áreas (que neste caso correspondem a fluido livre no lúmen uterino) são de apenas 1,5 mm (P<0,01). Estes trabalhos indicam ser possível o diagnóstico das vesículas embrionárias a partir deste dia. Figura 23. Diâmetros médios (± erro da média) das áreas anecogénicas observadas no lúmen uterino de cabras. Adaptado de Martinez et al. (1998). Nos ovinos é possível detectar a partir do 19º dia, tanto em gestações simples como gemelares, os batimentos cardíacos dos embriões (Gonzalez de Bulnes et al., 1998). De igual modo, nos caprinos os batimentos cardíacos dos embriões são detectados pela primeira vez Versão online 34 aos 20,7 dias, com um intervalo de variação que vai desde o 19º até ao 23º dia (Martinez et al., 1998). É a partir desta detecção que se estabelece o diagnóstico definitivo de gestação e a identificação inequívoca dos embriões. Entre o 21º e o 40º dia ocorrem, em média, entre 158 e 168 batimentos cardíacos por minuto (figura 24). Figura 24. Batimentos cardíacos (média ± erro da média) de 20 embriões de cabras (Martinez et al., 1998). Desde o primeiro dia em que os embriões são detectados (com cerca de 5,3 mm de comprimento) e até ao 40º dia (34,2 mm), o comprimento crânio-caudal pode ser estimado pela idade do embrião através da seguinte equação de regressão: Y=-2,23 + 0,13X (r 2 =0,94; P<0,01; figura 25) (Martinez et al., 1998). De notar que embora a equação de regressão seja linear e que noutras espécies o crescimento do embrião é, geralmente, apresentado de forma exponencial, é necessário ter em consideração que neste caso respeita um espaço de tempo reduzido. Figura 25. Comprimento do embrião (distância crânio-caudal; r 2 =0,94) de caprinos, entre os dias 19 e 38 (Martinez et al., 1998). Diagnóstico de gestação e de patologias uterinas por ecografia em ruminantes, equinos e suínos 35 4.2. Fetometria O estudo das medidas ecográficas das diversas partes do feto de ovinos foi efectuado por Gonzalez de Bulnes et al. (1998) para os primeiros 90 dias de gestação. Nas figuras 26, 27 e 28 e na tabela 1 podemos encontrar descritas as relações entre essas medidas e a estimativa da idade do feto. De notar que o número de fetos por gestação não influenciou estes resultados. Figura 26. Curva de regressão entre o comprimento crânio-caudal e a idade fetal em ovinos (Gonzalez de Bulnes et al., 1998). Figura 27. Curva de regressão entre o diâmetro torácico e a idade fetal em ovinos (Gonzalez de Bulnes et al., 1998). Versão online 36 Figura 28. Recta de regressão entre o diâmetro biparietal e a idade fetal em ovinos (Gonzalez de Bulnes et al., 1998). Tabela 1. Correlações entre medidas ultra-sonográficas e a duração de gestação em ovinos (Gonzalez de Bulnes et al., 1998). Medida Equação Intercepção Coeficiente de regressão Coeficiente de correlação Intervalo (dias) n Vesícula embrionária Linear -3,71 0,84 0,76 12–29 17 Diâmetro biparietal Linear -12,69 0,57 0,96 32–90 85 Comprimento focinho- occipital Linear -22,16 0,98 0,95 38–91 61 Comprimento crânio- caudal Exponential 1,27 0,08 0,94 19–48 62 Vértebras cervicais Linear -7,02 0,30 0,71 50–91 26 Vértebras toracicas Linear -6,74 0,25 0,79 50–90 41 Vértebras lombares Linear -10,32 0,33 0,90 50–90 36 Vértebras coccígeas Linear -11,49 0,30 0,96 57–90 13 Diâmetro da órbita Potential 0,00 2,41 0,92 36–90 70 Comprimento do femur Exponential 3,76 0,02 0,78 61–90 26 Costelas Linear -6,37 0,26 0,77 57–90 31 Cordão umbilical Exponential 4,23 0,01 0,72 47–91 40 Rim Linear -9,92 0,34 0,82 50–90 26 Estômago Linear -25,00 0,66 0,84 50–90 35 Diâmetro torácico Linear -9,59 0,59 0,96 23–62 97 Exponential 4,89 0,02 0,96 62–90 25 Diagnóstico de gestação e de patologias uterinas por ecografia em ruminantes, equinos e suínos 37 Os placentomas dos ovinos e caprinos podem ser visualizados pela primeira vez, por via transrectal, por volta do 26º e 28º dia (Buckrell et al., 1986) ou do 30º dia (Doizé et al., 1997). O tamanho máximo dos placentomas é atingido ao 74º dia na ovelha e ao 91º dia na cabra. A partir desta altura (90 dias), a medição dos placentomas não é possível devido à variabilidade e dificuldade em obter imagens do útero distendido (Doizé et al., 1997), mesmo que os exames sejam efectuados por via transabdominal (Haibel, 1990). Os placentomas são visualizados como nódulos pequenos na superfície do endométrio, os quais aumentam de tamanho, em poucos dias, até atingirem uma conformação de semi-lua. A conformação anatómica é diferente nos ovinos e nos caprinos. Enquanto que nos primeiros se apresentam com uma conformação quase semi-esférica, nas cabras os placentomas apresentam uma forma discóide. Ao contrário dos ovinos, os placentomas dos caprinos apresentam bordos pouco espessos e uma parte central de maior espessura (Doizé et al., 1997). A mensurarão dos placentomas deve ser efectuada quando estes apresentam uma conformação circular (em planos longitudinais) ou conformação em C (em planos tranversais) (Doizé et al., 1997). Na figura 29 podemos observar a correlação entre o tamanho dos placentomas e a duração da gestação com a seguinte equação: Idade (dias) = 28,74 + 1,80 PL (mm) + e (residual) (r 2 =0,70; F=339,2; P=0,0001). Figura 29. Correlação entre o tamanho dos placentomas e a duração de gestação em 169 cabras (Doizé et al., 1997). Versão online 38 Estes mesmos investigadores observaram, noutro ensaio, que em 66 % das cabras examinadas,
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