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Notas de Aula de Geologia Geral ZONA DE TRANSIÇÃO E MANTO INFERIOR Zona de Transição Estudos sísmicos na região do manto entre 400 e 1.050 km de profundidade mostraram que as velocidades das ondas sísmicas do tipo P sofrem três saltos significativos nas profundidades de 400, 600 e 1.050 km, sendo estes saltos relacionados com aumentos nos valores de densidade em função da profundidade. Um aumento de 3,5 para 4,6 g/cm 3 ocorre ao longo desta zona. A primeira explicação para este fato foi dada por Birch e Bernal (década de 30), que sugeriram que a zona de transição representaria uma região onde ocorreriam essencialmente transformações de alta pressão para os minerais silicáticos. Neste caso, os minerais que possuem estruturas cristalinas apropriadas para as condições de temperatura e pressão existentes no manto inferior seriam mais densos, devido ao maior empacotamento cristalino. Mais recentemente, resultados experimentais levando em conta as velocidades das ondas sísmicas e as mudanças de densidade, indicaram que estas mudanças envolveriam a estrutura cristalina e conseqüentemente a densidade, mas não envolveriam mudanças na composição química (como, por exemplo, grafite-diamante). Evidências para as Transformações de Fase Até o início da década de 60 as principais dificuldades residiam na determinação de mudanças de fase nas pressões existentes na zona de transição, pois não era possível simular as pressões e temperaturas existentes no manto sob profundidade de acima de 200 km. Entretanto, os pesquisadores trabalharam com dados experimentais obtidos em sistemas de germanatos que possuem estruturas minerais idênticas às dos silicatos, mas que sofrem transformações de fase em pressões muito mais baixas. Minerais compostos por germanatos são análogos aos silicatos, pois eles são constituídos por tetraedros do tipo GeO4. Utilizando-se esta analogia, verificou-se que germanatos de magnésio (Mg2GeO4) se transformam de uma estrutura relativamente aberta ortorrômbica para um empacotamento cúbico semelhante à estrutura do espinélio, sugerindo que a olivina (Mg2SiO4) pode sofrer uma transformação semelhante no manto. No final da década de 60, equipamentos de alta pressão começaram a ser desenvolvidos, permitindo atingir pressões de até 200 kbar, equivalentes a profundidades superiores a 600 km. Os estudos efetuados nos germanatos mostraram-se válidos para a analogia com silicatos, sendo que para profundidades acima de 600 km as estimativas são baseadas em germanatos e em ondas de choque. Atualmente são utilizadas prensas de diamante, acopladas a raios laser que simulam as condições de P e T existentes no núcleo. As reações mais importantes de mudança de fase no manto são transformações reconstrutivas, nas quais os polimorfos de alta e baixa pressão são estruturalmente muito diferentes, podendo-se citar como exemplo grafite-diamante, ou transformações envolvendo SiO2. Um polimorfo de SiO2 de alta pressão conhecido como stishovita, encontrado em crateras produzidas pelo impacto de meteoritos, foi sintetizado em pressões de 100 kbar. A stishovita (coordenação octaédrica) possui densidade de 4,3 g/cm 3 , enquanto o quartzo de baixa pressão (coordenação tetraédrica) possui uma densidade de 2,65 g/cm 3 . Devido ao aumento da pressão ocorre um aumento do número de coordenação dos íons de oxigênio ao redor dos cátions, sendo que mudanças dessa natureza envolvendo olivina e piroxênio devem ocorrer na zona de transição. Transformações da olivina Sob condições de alta pressão a olivina natural ou α-olivina (série Fe2SiO4-Mg2SiO4) se transforma em uma estrutura mais empacotada, denominada de β-fase ou β-espinélio (Wadsleyta), a qual é igual àquela do mineral espinélio (figura 2). Deve-se ressaltar que a composição do espinélio, MgAl2O4 ou MgCr2O4, é completamente diferente da olivina, portanto é incorreto afirmar que a olivina transforma-se em espinélio! A densidade da β-fase é cerca de 7,5% maior do que a da α-fase. A olivina presente nas rochas do manto superior é fortemente magnesiana (80-100% de Mg2SiO4), para esta composição a correspondente mudança de fase ocorre em pressões de 110-130 kbar, ou em torno de 400 km de profundidade. Desta forma, a descontinuidade dos 400 km, ou dos 20º, deve estar fortemente relacionada com esta transformação. Figura 2: Diagrama de fase mostrando os campos de estabilidade de um sistema contendo olivina (Mg, Fe) SiO4. Outras reações que ocorrem na zona de transição são mais complexas, pois envolvem estruturas cristalinas diferentes. Embora a unidade Mg2SiO4 é mais compacta na estrutura β-fase do que na da α- olivina, é possível ainda um maior empacotamento através do aumento do número de coordenação dos cátions. Cabe ressaltar que tanto na α-olivina como na β-fase a coordenação do Mg é octaédrica (6 O) e do Si é tetraédrica (4 O), entretanto, as distâncias entre cátios e ânions são menores na β-fase (figura 3). Figura 3: Empacotamento cristalino dos tetraedros de SiO4 com o aumento da pressão. O empacotamento da fase β para estrutura γ deve ocorrer sob profundidades de aproximadamente 500 km, mas não é observada nas velocidades das ondas sísmicas (figuras 2 e 5; tabela 1). A mudança da estrutura de γ-fase para uma estrutura mais empacotada, semelhante àquela do mineral perovskita (CaTiO3), envolve a reação: (Mg,Fe)2SiO4 (γ-fase) → (Mg,Fe)SiO3 (estrutura de perovskita) + (Mg,Fe)O (magnésio-wustita), a qual deve ocorrer sob profundidades de 650 km, resultando em um aumento de 8% na densidade. O mineral (Mg,Fe)SiO3 com estrutura de perovskita, foi batizado de Ringwoodita. (Figura 5). Tabela 1: Mineralogia do Manto. Uma outra possibilidade de empacotamento pode ocorrer com os óxidos simples nas transformações quartzo → stishovita (polimorfo de quartzo de alta pressão) e óxido de magnésio → periclásio. Entretanto, estas reações provavelmente ocorrem em condições de maior pressão e talvez sejam as responsáveis pelo terceiro salto nos valores de densidade (1.050 km de profundidade). Transformações dos piroxênios Embora só tenham sido consideradas as transformações da olivina, pois este é o mineral mais abundante do manto superior, outras transformações significativas podem ocorrer com granadas e piroxênios, normalmente presentes em peridotitos. No caso dos piroxênios ((Mg,Fe)SiO3) a transformação para a estrutura da granada é muito importante, mesmo em casos onde o alumínio não esteja presente, ocorrendo a transformação: ortopiroxênio (2(Mg,Fe)Si2O6) → granada (Mg,Fe)2[(Mg,Fe)Si]Si3O12), sendo que o grupo [(Mg,Fe)Si] ocupa as posições do alumínio na estrutura da granada. O ortopiroxênio com estrutura de granada é denominado de majorita (figura 4; tabela 1). Se o piroxênio contiver alumínio (como ocorre em alguns peridotitos), então poderá haver formação de granada diretamente, de acordo com a reação: piroxênio aluminoso → granada + stishovita, sendo que nesta transformação ocorre um aumento de 10% na densidade. Estas reações ocorrem simultaneamente com a mudança de α-olivina para a β-fase e ambas são responsáveis pela descontinuidade dos 400 km. Granadas são fases estáveis nesta descontinuidade (400 km) sendo mais abundantes (pela transformação do piroxênio) entre 400 e 650 km de profundidade (figura 3; tabela 1). Mas em pressões acima de 200 kbar a granada e a majorita tornam-se instáveis, adquirindo a estrutura da perovskita. O cálcio, um elemento menor no manto que entra no piroxênio (CaSiO3) e na granada, mas não na olivina, forma também estruturas do tipo perovskita. Figura 4: Diagrama de fase do piroxêniopuro (MgSiO3). Se todas essas mudanças ocorressem na zona de transição, elas deveriam originar um valor de densidade de 4,27 g/cm 3 no topo do manto inferior, que corrigido para as condições de pressão e temperatura existentes nessa região, resultaria em um valor de 4,82 g/cm 3 , o qual é um pouco maior do que o valor determinado (4,6 g/cm 3 ) por meio de ondas sísmicas. Esta diferença demonstra que ainda existem incertezas no estado e composição dos materiais sob estas pressões. A variação da composição mineralógica do manto em função da profundidade pode ser observada na figura 5. Figura 5: Mineralogia do manto. O Manto Inferior O manto inferior estende-se de 1.050 km até 2.900 km de profundidade, sendo que nesta região a densidade aumenta suavemente de 4,6 g/cm 3 a 5,5 g/cm 3 . Aparentemente nenhuma mudança de fase importante ocorre no manto inferior, apesar de ocorrerem pequenos gradientes de velocidade em 1.230 e 1.540 km. Desta forma, acredita-se que o aumento na velocidade deve ocorrer principalmente como resultado da compactação de um material de composição uniforme. Os estudos realizados indicam que os minerais que constituem o manto inferior são provavelmente: (Mg,Fe)SiO3 na estrutura da perovskita e (Mg,Fe)O na estrutura do NaCl, como os dois mais abundantes, além de stishovita, Al2O3 na forma de corundum e outros minerais contendo CaO e Al2O3 com a mesma estrutura da perovskita. Na base do manto, entre 2600 e 2900 km de profundidade, há uma camada com espessura irregular denominada de camada D”, na qual deve ocorrer empacotamento cristalino com a tranformação de estruturas de perovskita para a de pós-perovskita e também reações entre o Fe fundido do núcleo externo com os silicatos presentes do manto, conforme demonstrado por experimentos realizados com prensas de diamante. De acordo com trabalhos bem recentes (e.g. Hirose, 2010) a camada D” só se formou quando a temperatura no interior da Terra diminuiu e quando isso ocorreu o movimento de convecção do manto ficou mais vigoroso o que pode ter causado um aumento na taxa de acresção crustal, como o ocorrido há cerca de 2,5-3,0 Ga. Bibliografia BROWN, G.C. & MUSSET, A.E. (1981). The inaccessible Earth. BROWN, G.C., HAWKESWORTH, C.J., WILSON, R.C.L. (1992). Undestanding the Earth: a new syntesis. CONDIE, K.C. (1982). Plate tectonics & crustal evolution. FOWLER, C.M.R. (1992). The solid earth. HIROSE, K. (2010). The Earth’s missing ingredient. Scientific American, June, 76-83.
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