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UNOESC – UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA ACADÊMICAS: Maria Carolina Schmitz Rambo; Valquiria Jung Rosa; COMPONENTE CURRICULAR: Psicopatologia II PROFESSORA: Franciele Amador Malta Ribeiro ANÁLISE PSICOPATOLÓGICA DO FILME “PRECISAMOS FALAR SOBRE KEVIN” O filme “Precisamos falar sobre Kevin”, lançado em 2012 e dirigido por Lynne Ramsay, retrata a história fictícia de um menino que nasceu de uma gravidez indesejada, gerando com isso uma relação caótica com a mãe. Em decorrência dessa relação, Kevin cresce e carrega consigo esses problemas resultantes de sua criação, chegando a matar seu pai, irmã, e colegas na escola, o que pode ser considerado um massacre. Com o embasamento teórico nos conceitos da psicopatologia, o presente trabalho irá analisar o filme, discutindo alguns possíveis porquês do comportamento de Kevin, além de conceitos que podem ser explicados por meio do mesmo. A análise será estruturada através da compreensão psicodinâmica, mecanismos de defesa, exame do estado mental e hipótese diagnóstica. Desde o início do filme observam-se fatos que comprometeram o crescimento de uma personalidade saudável em Kevin, como a inexistência de uma unidade entre o bebê que acabara de nascer e o objeto primário (mãe). Eva, a mãe, não dava segurança, amor e carinho ao bebê, fato observado em várias cenas do filme, como quando Eva não aguentava mais o choro de Kevin e o leva para perto de uma construção para não ouvi-lo mais. Várias outras cenas que demonstram a mãe negligenciadora e frustrante que Eva era podem ser identificadas, como com agressividade. Quando o bebê pinta as paredes, estragando a obra que a mãe havia recém feito, ela joga seu brinquedo no chão, quebrand-o. Fica claro o ódio sentido por ela, e a não comunicação com o Kevin, demonstrando sua insatisfação com o filho. Toda essa falta de acolhimento presente no filme leva Kevin ao estado esquizoparanóide, termo descrito por Melanie Klein. É explicada por ela como a frustração que o bebê tem com a mãe. Ela gera muito mais frustrações do que gratificações para com o filho. Em razão das frustrações, o seio (objeto) é visto como mau – não deu carinho, atenção e acolhimento ao bebê. O ego se fragmenta, tentando encontrar ao menos uma gratificação em um de seus pedaços, não encontrando, gera ansiedade em achar algo que seja bom (Klein apud. Segal, 2012). Não encontrando algo que seja bom, e percebendo que tudo que é dado a ele é mau, criam-se fantasias de agressões, como por exemplo, arranhões e mordidas ao seio – objeto – mau. Neste caso é possível que esteja presente o mecanismo de defesa “projeção”, visto que o bebê, percebendo que o seio é mau, projeta nele as suas angústias. Este aspecto é melhor explicado no trecho de Melanie Klein apud Hanna Segal (2012): Quando confrontado com a ansiedade produzida pela pulsão de morte, o ego deflete, parte em projeção, e outra em agressividade. O bebê projeta a parte que contém angústia vinda da vivencia do instinto de morte para fora, para o seio, que é sentido como mau, ameaçador para o ego, dando origem ao sentimento de perseguição. Além da relação de Kevin com sua mãe, também há um pai que influenciou na formação de sua personalidade. Um pai ausente, tentando suprir isso com presentes e falta de limites. Também não auxiliava a mãe quando a mesma demonstrava necessitar de ajuda, dizendo coisas como “procure um médico e converse com ele”, se isentando da obrigação de ajudá-la. Em vários momentos ele “fecha” os olhos e não é capaz de observar as atitudes preocupantes de seu filho. Kevin cresce nesse contexto e passa a ter comportamentos agressivos e antissociais. Demonstra ser uma criança desprovida de empatia e carisma, fato que ocorre devido a sua criação e relação com o objeto primário. Tinha prazer em ver a dor alheia, ou seja, sadomasoquista, e em desrespeitar regras criadas pela mãe, como fazer suas necessidades no vaso. Mesmo que ele soubesse usar o vaso, continuava a fazer na fralda só para irritar a mãe. Quando a mãe conta a história do Robin Hood ao Kevin, ele passa a se interessar por arco e flecha, e inclusive ganha um de seu pai. No futuro, foi com o arco e flecha que ele matou seu pai, irmã e alunos da escola. Neste caso, antes das mortes ocorrerem, pode-se identificar o mecanismo de defesa de sublimação: matar alguém é inaceitável para a sociedade, então ele atira flechas com o arco, socializando a sua raiva e agressão. Outro mecanismo de defesa presente é a clivagem do ego, no qual uma parte é negada e outra parte é realidade, o ego fica fragmentado nessa dualidade. Pode-se observar isto quando ele se aconchega perto da mãe ao ouvir a história do Robin Hood, visto por ela como ato de carinho e amor, quando na verdade ele estava apenas interessado na história. Ou então quando nega que deixou o produto da cozinha ao alcance de sua irmã, fazendo-a ficar quase cega, porém, em algumas falas deixa exposta sua participação. No exame de estado mental é possível perceber uma alteração na linguagem de Kevin, o que pode ser visto claramente na cena em que Eva, ao brincar com Kevin com uma bola, tenta ensiná-lo a dizer a palavra “bola”, entre outras palavras, mas ele não apresenta nenhuma reação, portanto há um atraso no desenvolvimento da linguagem. A alteração da afetividade é outra característica que se observa em todo filme. Kevin evita sua mãe o tempo todo, não interage e se torna uma criança sádica e irritante, e há uma demonstração de violência recíproca e falta de sentimentos positivos. Esta alteração não aconteceu somente com Kevin, mas primeiramente com Eva que não aceitou sua gravidez, mostrando o parto como um momento difícil e sofrido, e também não soube acolher seu filho em nenhum momento. Ou seja, Kevin sentia um vazio afetivo de sua mãe desde o início. Kevin possuía uma alteração no humor: quando estava com sua mãe era mau humorado, “briguento” e quando estava com seu pai melhorava seu humor. As alterações patológicas de humor mais frequentes de Kevin são a distimia (alteração de humor) e disforia (mau humor). Em vários momentos respondia em tom agressivo. Tanto Eva quanto Kevin apresentavam alterações das emoções e sentimentos. Eva demostrava muita angústia em estar vivendo tudo aquilo, enquanto Kevin se mostrava apático, possuía uma indiferença afetiva, ou seja, era vazio de afeto e não era empático com ninguém. Outra alteração no exame de estado mental de Kevin é em relação com a conduta, que se refere ao padrão comportamental em determinados contextos. Era incapaz de seguir regras e obedecer a comportamentos expostos pela mãe e sociedade. Via-se nele um prazer por ter esse mau comportamento. Após a compreensão psicodinâmica e o exame do e estado mental, pode-se ter a hipótese diagnóstica de psicopatia agressiva, visto que as principais características para tal hipótese estão presentes no personagem Kevin: Mundo afetivo pobre; Fixação na fase anal sádica – destruição do objeto (posição esquizoparanóide de Melanie Klein, no qual Kevin apenas teve frustrações e quis destruir o seio mau); Deslocou o ódio ao objeto primário (Eva) para comportamentos externos agressivos; Houve a perda do objeto primário quando ainda era uma unidade com o mesmo; Superego está comprometido com a desonestidade e despreocupação em todas as trocas humanas; é frio e insensível. Não demonstra sentimento de culpa (quando causou o acidente de sua irmã, que quase ficou cega, por exemplo).REFERÊNCIAS BRONISLAWSKI, Thais et al., SIM, É PRECISO FALAR SOBRE KEVIN: diálogo entre Psicanálise e cinema. ISSN - II Congresso Internacional de Saúde Mental, v.2, n.1, 2013. Disponível em: < http://anais.unicentro.br/cis/pdf/iiv2n1/333.pdf>. Acesso em: 16 maio 2017. RAMSAY, Lynne; SHRIVER, Lionel. Precisamos falar sobre o Kevin, Revista de Estudos Psicanalíticos, v. 30 n. 1. p. 131-134, 2012. Disponível em: <http://www.spbsb.org.br/site/images/Novo_Alter/2012_1/09ResenhaKevin.pdf>. Acesso em: 16 maio 2017. SEGAL, Hanna. Introdução a obra de Melanie Klein, 2012. Disponível em: <https://kratspsique.files.wordpress.com/2012/06/resumo-melanie-klein.pdf>. Acesso em: 16 maio 2017.
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