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1.5 Passagem de Inverno (conto)

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1 
 
 
 
 
2 
Passagem para a 
Corte Winter 
 
The Iron Fey 
Julie Kagawa 
 
 
 
Meghan Chase costumava ser uma garota normal... até descobrir que 
é realmente uma princesa fey. Depois de escapar das garras do mortal Iron 
Fey, Meghan precisa cumprir sua promessa de retornar a igualmente 
perigosa Corte Winter com o seu amor proibido, o Príncipe Ash. Mas, 
primeiro, Meghan tem um pedido: que eles visitem Puck — o melhor 
amigo de Meghan e servo de seu pai, o Rei Oberon, — que estava 
gravemente ferido após defendê-la do Iron Fey. 
 
No entanto, o desvio de Meghan e Ash não passa desapercebido. 
Eles chamaram a atenção de um antigo e poderoso caçador, um inimigo 
que até Ash pode não ser capaz de derrotar ... 
 
Uma história exclusiva da Série Iron Fey de Julie Kagawa. 
 
 
 
 
3 
Capítulo Um 
Mantendo Promessas 
 
 
Nas sombras da caverna, eu assisti a aproximação do Caçador. Uma 
silhueta negra contra a neve, mais de perto, olhos como uma chama 
amarela nas sombras, sua respiração envolvendo-o como fantasmas. Luz 
azul-gelo brilhava dos dentes molhados, a pele grossa mais escura que a 
meia-noite. Ash ficara entre o caçador e eu com sua espada desembainhada, 
seus olhos nunca deixando a enorme criatura que tinha nos seguido por 
dias, e agora, finalmente se aproximou. 
 
 — Meghan Chase. — Sua voz era um rugido, mais alto do que um 
trovão e mais primitivo que a floresta selvagem. Os antigos olhos dourados 
fixaram-se apenas em mim. — Eu finalmente te encontrei. 
 
Meu nome é Meghan Chase. 
 
Se há três coisas que eu aprendi no meu tempo entre os fey,
1
 elas são: 
não coma nada que é oferecido em Faeryland,
2
 não nade em lagoas 
silenciosas, e nunca, jamais, faça uma barganha com qualquer um deles. 
 
Ok, às vezes, você não tem escolha. Às vezes, você é encurralada 
num canto e tem que fazer um acordo. Como quando o seu irmãozinho é 
 
1
 Fey, também conhecido por faery, faerie, fay, fae, é um ser imaginário ou criatura lendária; pode 
significar tanto fada, quanto o lugar onde elas vivem (reino das fadas, terra das fadas). 
2
 Faeryland, terra das fadas. 
 
 
 
4 
raptado, e você tem que convencer um príncipe da Corte Unseelie, para 
ajudá-la a resgatá-lo em vez de arrastá-la de volta à sua rainha. Ou, você 
está perdida, e tem que subornar uma boca inteligente dizendo-se ser um 
gato, para guiá-la através da floresta. Ou, você precisa passar por uma 
determinada porta, mas o porteiro não vai deixá-la passar sem pagar um 
preço. Os fey amam suas barganhas, e você tem que ouvir as palavras com 
muito cuidado, ou você vai se ferrar. Se você acabar em um contrato com 
um faery, lembre-se: não há como voltar atrás, não sem consequências 
desastrosas. E os faeries sempre vêem para cobrar. 
 
Foi assim que eu me vi caminhando na área em frente à minha casa 
no meio da noite 48 horas atrás, minha casa ficando cada vez menor e 
menor no fundo. Eu não olhei para trás. Se eu olhasse para trás, poderia 
perder minha calma. Na borda da floresta, um príncipe negro e um par de 
cavalos com olhos azuis brilhantes esperavam por mim. 
 
Príncipe Ash, o terceiro filho da rainha da Corte Winter,
3
 me olhava 
seriamente quando me aproximei, os olhos prateados refletiam a luz do 
luar. Alto e pálido, com cabelos negros e a inatingível elegância dos fey, 
ele parecia ao mesmo tempo lindo e perigoso, e meu coração bateu mais 
rápido, em expectativa ou medo, eu não poderia dizer. Quando entrei nas 
sombras das árvores, Ash estendeu uma pálida mão com dedos longos, e 
coloquei a minha mão na sua. 
 
Seus dedos se enroscaram nos meus, e ele me puxou para perto, as 
mãos apoiadas levemente sobre minha cintura. Eu coloquei minha cabeça 
em seu peito e fechei os olhos, ouvindo seu coração bater, e respirando o 
cheiro glacial dele. 
 
 
3
 Winter, inverno. 
 
 
 
5 
 — Você tem que fazer isso, não é?— Eu sussurrei, meus dedos se 
agarrando no tecido de sua camisa branca. Ash fez um suave barulho que 
podia ter sido um suspiro. 
 
 — Sim. — Sua voz era baixa e profunda, pouco mais que um 
murmúrio. Eu me afastei para olhá-lo, vendo-me refletida naqueles olhos 
prateados. Quando eu o conheci, aqueles olhos estavam vazios e frios, 
como o rosto em um espelho. Ash tinha sido o inimigo, uma vez. Ele era o 
filho mais novo de Mab, a rainha da Corte Winter e antiga rival do meu pai, 
Oberon, o rei da Corte Summer.
4
 Isso mesmo. Eu sou meio-fey, aliás, uma 
princesa faery, e eu nem sabia disso até recentemente, quando meu irmão 
humano foi sequestrado por faeries e levado para Nevernever.
5
 Quando 
descobri, eu convenci o meu melhor amigo, Robbie Goodfell, que acabou 
se revelando ser um servo de Oberon, Puck, para me levar por Faeryland 
para trazê-lo de volta. Mas, ser uma princesa faery em Nevernever provou 
ser extremamente perigoso. Por exemplo, a Rainha da Corte Winter enviou 
Ash para me capturar, e me usar como um trunfo contra Oberon. 
 
Foi quando eu fiz um acordo com o príncipe da Corte Winter que 
mudaria minha vida: “ajude-me a resgatar Ethan, e eu irei com você para a 
Corte Winter”. 
 
Então, lá estava eu. Ethan estava em casa, seguro. Ash tinha mantido 
a sua palavra no acordo. Era a minha vez de cumprir a minha, viajar com 
ele para a corte de antigos inimigos do meu pai. Havia apenas um 
problema. 
 
As Cortes Summer e Winter
6
 não deveriam se apaixonar. 
 
4
 Summer, verão. 
5
 Nevernever, lugar mítico remoto. 
6
 No folclore de muitas sociedades celtas, a Corte Unseelie, também conhecida por Corte Winter 
consiste em fadas malévolas, demônios e monstros. Ao contrário da Corte Seelie também conhecida por 
 
 
 
6 
 
Mordi meus lábios e segurei seu olhar, observando sua expressão. 
Embora eu já tenha visto ele tão solidamente congelado, seu 
comportamento tinha descongelado um pouco durante nosso tempo em 
Nevernever. Agora, olhando para ele, eu imaginava um lago vítreo: parado 
e calmo, mas só na superfície. 
 
 — Quanto tempo eu tenho que ficar lá?—Eu perguntei. 
 
Ele balançou a cabeça lentamente, e eu podia sentir a sua relutância. 
— Eu não sei, Meghan. A rainha não revela seus planos para mim. Não 
ousei perguntar por que ela queria você. — Ele estendeu a mão e pegou 
uma mecha do meu cabelo louro, correndo por entre os dedos. — Eu 
supostamente só deveria levá-la de volta. — Ele murmurou, e sua voz caiu 
ainda mais. — Eu jurei que ia levar você de volta. 
 
Eu concordei. Uma vez que um faery promete algo, ele é obrigado a 
continuar com a promessa até cumpri-la, por isso que fazer um acordo é tão 
complicado. Ash não poderia quebrar sua promessa, mesmo que ele 
quisesse. 
 
Eu entendi isso, mas... — Eu quero fazer algo antes de irmos. — Eu 
disse, observando sua reação. Ash levantou uma sobrancelha, mas de 
qualquer maneira sua expressão permaneceu a mesma. Eu tomei uma 
profunda respiração. — Eu quero ver Puck. 
 
O príncipe da Corte Winter suspirou. — Eu imaginei que você iria 
querer. — Ele murmurou, libertando-me e dando um passo para trás com 
sua expressão pensativa. — E, verdade seja dita, estou curioso. Eu não 
 
Corte Summer, que se constitui por fadas do bem. A Unseelie e a Seelie são Cortes que comandam 
Faeryland. 
 
 
 
7 
gostaria que Goodfellow morresse antes que nós resolvêssemosnosso 
duelo. Isso seria lastimável. 
 
Eu estremeci. Puck e Ash eram antigos inimigos, e já tinham 
envolvido um ao outro em vários duelos selvagens, com risco de morte 
antes mesmo que eu estivesse no cenário. Ash tinha jurado matar Puck, e 
Puck sentia grande prazer em incitar o perigoso príncipe do gelo quando 
tinha chance. Foi só porque eu insisti para que eles cooperassem, que 
ambos tinham concordado com uma trégua extremamente instável. Uma 
que não iria durar muito, não importa o quanto eu interviesse. 
 
Um dos cavalos bufou e bateu a pata no chão, Ash virou-se para 
colocar a mão em seu pescoço. — Tudo bem, vamos ver como ele está. — 
Ele disse sem se virar. — Mas, depois eu tenho que levá-la para Tir Na 
Nog. Sem mais atrasos, entendeu? A rainha não vai ficar feliz comigo por 
demorar tanto tempo. 
 
 Eu assenti. — Sim. Obrigad... eu quero dizer... eu aprecio isso, Ash. 
 
Ele sorriu levemente e estendeu a mão novamente, dessa vez para 
ajudar-me na sela. Eu delicadamente peguei as rédeas e invejei Ash, que 
balançou facilmente a bordo do segundo cavalo, como se tivesse feito isso 
milhares de vezes. — Tudo bem. — Ele disse em uma voz fraca e 
resignada, olhando para a lua. — Prioridades primeiro. Temos de encontrar 
um Trodpara Nova Orleans. 
 
Trods são caminhos faery entre o mundo real e Nevernever, portões 
diretos para Faeryland. Eles podem estar em qualquer lugar, em qualquer 
porta: uma antiga cabine de banheiro, o portão de um cemitério, a porta do 
armário de uma criança. Você pode ir a qualquer lugar do mundo se você 
souber o Trod certo, mas passar por eles é outra questão, porque às vezes 
 
 
 
8 
eles estão guardados por criaturas nojentas, que os fey deixam para trás 
para evitar hóspedes indesejados. 
 
Nada protegia o celeiro enorme e apodrecido que se localizava no 
meio de um pântano, tão coberto de musgo que parecia que um tapete 
verde felpudo estava caído sobre seu telhado. Cogumelos cresciam nas 
paredes como coisas manchadas imensas com aglomerados bulbosos, que 
se você olhasse perto o bastante, abrigavam várias figuras aladas pequenas 
abaixo deles. Elas piscaram para nós enquanto passávamos, enormes olhos 
multifacetados, grunhindo, espiando sob os „chapéus dos cogumelos, 
7
deixando o ar em um turbilhão de asas iridescentes. Eu pulei, mas Ash e os 
cavalos as ignoraram quando pisamos no flácido cenário, e tudo ficou 
branco. 
 
Eu pisquei e olhei ao redor enquanto o mundo entrava em foco 
novamente. 
 
Uma misteriosa floresta cinza nos cercava, névoa rastejando sobre a 
terra como uma coisa viva, envolvendo as patas dos cavalos. As árvores 
eram enormes, subindo à alturas incompreensíveis, ramos entrelaçados que 
bloqueavam o céu. Tudo estava escuro e desbotado, como se todas as cores 
tivessem sido lavadas, uma floresta presa em um crepúsculo perpétuo. 
 
 — Wyldwood.8— Eu murmurei, e virei-me para Ash. — Por que 
estamos aqui? Pensei que estávamos indo para Nova Orleans. 
 
 — Estamos. — Ash virou-se com seu cavalo para olhar para mim. 
— O Trod que queremos é mais ou menos um dia para o norte. É um 
 
7
 Conhecido cientificamente como “Corpo de Frutificação”do fungo. 
8
 Wyldwood, nome de uma cidade em Faeryland. 
 
 
 
9 
caminho mais rápido para Nova Orleans a partir daqui. — Ele piscou e me 
deu um quase sorriso. — Ou você estava planejando viajar de carona? 
 
Antes que eu pudesse responder, o meu cavalo de repente deu um 
relincho aterrorizante e empinou, cortando o ar com suas patas dianteiras. 
Eu agarrei a crina, mas ela deslizou pelos meus dedos, então, caí para trás 
batendo no chão atrás do cavalo, e levando arbustos para baixo. Bufando 
em terror, o cavalo fey disparou em direção às árvores, pulando um galho 
caído e desaparecendo no nevoeiro. 
 
 Gemendo, me sentei, testando meu corpo para a dor. Meu ombro 
latejava onde eu o toquei, eu estava tremendo, mas nada parecia quebrado. 
 
A montaria de Ash também estava tendo um ataque, relinchando e 
refugando, mas o príncipe da Corte Winter foi capaz de manter-se em seu 
assento e retomar o controle do animal. Pulando para fora da sela, amarrou 
as rédeas do cavalo em um ramo acima da sua cabeça, e se ajoelhou ao meu 
lado. 
 
 — Você está bem?— Seus dedos sondaram o meu braço, 
surpreendentemente suave. — Alguma coisa quebrada? 
 
 — Eu acho que não. — Eu murmurei, esfregando meu ombro 
machucado. — Um adorável pedaço de amora amorteceu minha queda. — 
Agora que a adrenalina tinha ido embora, dezenas de arranhões ardiam, se 
fazendo conhecidos. Carrancuda, olhei na direção em que minha montaria 
tinha desaparecido. — Você sabe, essa é a segunda vez que sou lançada de 
um cavalo faery. E na outra vez, ele tentou me morder. Eu acho que 
cavalos não gostam muito de mim. 
 
 
 
 
10 
 — Não. — De repente, Ash se levantou sério, oferecendo a mão 
para me puxar para eu ficar em pé. — Não foi você. Algo os assustou. — 
Ele olhou ao redor lentamente, a mão indo para a espada em sua cintura. 
Em torno de nós, a wyldwood ainda estava escura, como se os moradores 
estivessem com medo de se mover. 
 
Olhei para trás de nós, onde os troncos de duas árvores tinham 
crescido entre si, formando um arco entre os dois. O espaço entre os 
troncos, onde o Trod estava, era envolto em sombras, e pareceu-me que as 
sombras estavam cada vez mais perto. Um vento frio assobiou através dos 
troncos, chacoalhando galhos e jogando folhas, eu tremi. 
 
Com um som apressado e desesperado, um bando de minúsculos fey 
alados surgiu do Trod, girando em pânico em torno de nós, e movendo-se 
em espiral para o nevoeiro. Eu gritei e protegi meu rosto, o cavalo de Ash 
relinchou mais uma vez, o som perfurando o silêncio sinistro. Ash pegou 
minha mão e me puxou para fora do Trod, correndo de volta para sua 
montaria. Ele levantou-me para eu sentar atrás da sela, agarrou as rédeas, e 
subiu. 
 
 — Segure-se firme. — Ele avisou, e uma emoção disparou em mim 
enquanto eu colocava meus braços em volta de sua cintura, sentindo os 
músculos rígidos através de sua camisa. Ash cravou seus calcanhares no 
cavalo como uma mensagem, e ele disparou para frente, jogando minha 
cabeça para trás. Apertei bem Ash, e enterrei meu rosto em suas costas 
enquanto o cavalo faery disparava através do wyldwood, deixando o Trod 
para trás. 
 
Parávamos com frequência, e quando isso acontecia era só para que 
eu e o cavalo descansássemos por alguns minutos. Ao cair da tarde, Ash 
 
 
 
11 
puxou diversos itens alimentares do alforje
9
 e me deu: pão, carne seca, e 
queijo, comida humana comum. Aparentemente, ele se lembrou da minha 
última experiência com comida faery que não me caiu tão bem. Eu 
mordisquei o pão seco, fazendo-o bem lentamente, esperando que ele não 
fosse falar do incidente em Summerpod e o constrangimento que se seguiu. 
 
Ash não comeu nada. Ele permaneceu atento e desconfiado, e nunca 
totalmente relaxado por todo o percurso. O cavalo também estava agitado e 
inquieto, ele entrava em pânico a cada sombra, cada ruído, ou queda de 
folhas. Algo estava nos seguindo, eu sentia uma escura e sombria presença 
toda vez que nós parávamos, cada vez mais perto. 
 
Enquanto seguíamos no meio da noite, o eterno crepúsculo da 
wyldwood finalmente se esmaecia e uma pálida lua amarela surgia no céu. 
Ash e o cavalo fey tinham resistência aparentemente ilimitada, mais do que 
eu, de qualquer maneira. Andar à cavalo por horas e horas não é fácil, e o 
estresse por ser perseguido por um inimigo desconhecido estavacobrando 
seu preço. Lutei para ficar acordada, cochilando contra as costas do 
príncipe, e inclinando-me perigosamente para os lados até que uma 
chacoalhada ou uma palavra afiada de Ash colocava-me na posição 
vertical. 
 
Eu estava cochilando mais uma vez, lutando para manter os olhos 
abertos, quando Ash, de repente, puxou as rédeas do cavalo e desmontou. 
Piscando, olhei ao redor confusa, não vendo nada além de árvores e 
sombras. — Ainda não estamos lá? 
 
— Não. — Ash olhou irritado para mim. — Mas você continua 
ameaçando cair do cavalo, e eu não posso ficar olhando pra trás para me 
 
9
 Alforje, tipo de bolsa usualmente preso a uma sela que é usada para transportar objetos em animais, tais 
como cavalo ou asno. Veja imagem em: 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Satteltasche_am_Westernsattel.jpg 
 
 
 
12 
certificar de que você ainda está aí. — Ele apontou para a frente da sela. — 
Nós estamos trocando de lugar. Passe para frente. 
 
Eu facilmente deslizei na sela e Ash montou atrás de mim, 
envolvendo um braço firmemente ao redor da minha cintura, fazendo com 
que meu coração pulsasse mais rápido de emoção. 
 
 — Segure-se. — Ele murmurou quando o cavalo começou a avançar 
novamente. — Estamos quase no Trod. Uma vez que estivermos no reino 
mortal, você poderá descansar. Deveremos estar seguros lá. 
 
 — O que está nos seguindo?— Sussurrei, fazendo com que as 
orelhas do cavalo se movimentassem para trás. Ash não respondeu por 
vários minutos. 
 
 — Eu não sei. — Ele murmurou, parecendo relutante em admitir 
isso. — Seja o que for, ele é persistente. Temos mantido um ritmo bastante 
estável e não o perdemos ainda. 
 
 — Por que está nos seguindo? O que ele quer? 
 
 — Não importa. — Ash segurou minha cintura firmemente. — Se 
isso quiser você, ele terá que passar por mim primeiro. 
 
Meu estômago se embrulhou, e meu coração fez um estranho e 
pequeno batimento. Nesse momento, senti-me segura. Meu príncipe não 
deixaria que nada acontecesse comigo. Encostando-me contra ele, fechei os 
olhos, e permiti-me flutuar. 
 
 
 
 
13 
Devo ter cochilado, porque a próxima coisa que eu soube, foi que 
Ash estava me sacudindo delicadamente. — Meghan, acorde. — Ele 
murmurou, seu hálito fresco espalhando-se em meu pescoço. — Nós 
chegamos. 
 
Bocejando, eu olhei para a pequena clareira diante de nós. Sem a 
copa das árvores, eu podia ver o céu pontilhado de estrelas. A clareira era 
clara, exceto por um enorme carvalho retorcido no centro. Parte das plantas 
serpenteavam ao longo do chão, coisas enormes e espessas que impediam 
que algo maior que uma samambaia florescesse. O tronco era largo e 
retorcido, como se três ou quatro árvores tivessem sido esmagadas juntas 
formando uma só. Mas, mesmo com o tamanho e a presença dominante do 
carvalho, eu podia ver que ele estava morrendo. Seus ramos caídos, ou 
arrancados, estavam espalhados sobre a base da árvore. A maioria deles 
eram amplos, as folhas com nervuras mortas e frágeis, o resto era um 
amarelo-marrom doente. A clareira também parecia murcha e doente, como 
se a árvore estivesse drenando a vida da floresta ao seu redor. 
 
 — Não era assim antes. — Ash murmurou atrás de mim. Eu olhei 
para a árvore morrendo e senti uma tristeza incompreensível, como se eu 
estivesse vendo um velho amigo prestes a morrer. Livrando-me desse 
sentimento, olhei ao redor procurando por uma porta ou portão, mas a 
árvore era a única coisa aqui. 
 
 — Será que ainda funciona?— Eu quis saber enquanto Ash levava-
nos com o cavalo até a clareira, em direção à antiga árvore. — O Trod, eu 
quero dizer. Será que vai abrir? 
 
 — Veremos. — Ash desmontou e puxou o cavalo até o tronco. 
Quando ele parou, deslizei para fora da sela e me juntei a ele. 
 
 
 
 
14 
 — Então, como funciona o Trod?— Eu perguntei, vasculhando o 
tronco para encontrar uma porta, ou qualquer outra coisa do tipo. Portas em 
árvores não eram incomuns em Nevernever. De fato, durante minha 
primeira vez em Faeryland, eu passei a noite em uma árvore na floresta, de 
algum modo 
encolhida até o tamanho de um inseto para me ajustar ao espaço de 
sua entrada. — Eu não vejo um portão. Como você vai conseguir abrir? 
 
 — Fácil.—Ash respondeu. — Nós simplesmente vamos pedir. 
 
Ignorando a minha cara feia, ele encarou o tronco e colocou a mão 
sobre a casca áspera. — Sou Ash,... — Ele disse claramente. — ...terceiro 
filho da rainha da Corte Unseelie, pedindo passagem para o reino mortal e 
a compreensão da Anciã. 
 
 — Por favor. — Eu acrescentei. 
 
Por um momento, nada aconteceu. Então, com um ranger e um 
gemido alto, uma das enormes raízes serpenteou fora do chão, derramando 
terra e pequenos galhos. Levantando para o ar, ela formou um arco entre si 
e o solo, e o espaço brilhou por conta da magia. 
 
 — Aí está seu Trod. — Ash murmurou, enquanto meu coração batia 
mais rápido no meu peito. Puck estava do outro lado desse portal. Se ele 
ainda estivesse vivo. 
 
Segurando a mão de Ash, quase puxei-o adiante com minha 
impaciência, e mergulhei dentro do arco. 
 
 
 
 
15 
Eu tropecei em uma raiz do outro lado, e fui para frente, quase não 
me mantendo de pé. Endireitando-me, olhei ao redor do bosque enluarado 
do Parque da cidade de Nova Orleans, reconhecendo o enorme e musgoso 
carvalho da nossa última visita. O ar era úmido, quente, e tranquilo. Grilos 
cantavam, folhas sussurravam, e o luar brilhava próximo ao lago. Nada 
havia mudado. Este mesmo tempo pacífico estava assim da última vez em 
que estivemos aqui, embora meu mundo estivesse desmoronando. 
 
Ash tocou em meu braço, e balançou a cabeça para uma árvore, onde 
uma menina willowy
10
 com a pele verde-musgo nos observava, a partir da 
sombra de um carvalho, com seus olhos escuros arregalados e assustados. 
 
 — Meghan Chase? — A dríade11 aproximou-se lentamente em 
nossa direção, movendo-se como um ramo ao vento. — O que você está 
fazendo aqui? — Pisquei ante o medo na voz dela. — Você não deve ficar 
aqui!— Ela sussurrou enquanto se aproximava. — Não é seguro. Há algo 
perigoso te seguindo. 
 
 — Nós sabemos. — Ash disse ao meu lado, calmo e imperturbado 
como sempre. A dríade piscou e mudou seu olhar para ele. — Entretanto, 
nós viemos através da passagem da Anciã, por isso espero que ela não 
deixe o que quer que esteja nos caçando passar para este mundo. 
 
Passagem da Anciã? Olhei atrás de mim, e meu estômago revirou tão 
duramente, que senti náuseas. 
 
Era a árvore da Dríade Anciã, o grande carvalho que uma vez fora 
alto e maravilhoso, sobressaindo-se sobre os outros. Agora, igual ao seu 
 
10
 Willowy, parecida com um salgueiro. 
11
 Dríade, ninfa da floresta na mitologia grega. 
 
 
 
16 
semelhante na clareira, ele estava morrendo. Seus ramos estavam nus de 
folhas, o musgo que o cobria estava marrom e morto. 
 
Um nó surgiu em minha garganta. Lembrei-me da Dríade Anciã da 
nossa primeira visita aqui: uma velha avó fey com uma voz suave, e olhos 
do tipo de quem tinha dado o coração de sua árvore para ter certeza de que 
eu poderia salvar meu irmão, e matar o fey que o tinha sequestrado. A 
anciã sabia que ela iria morrer se me ajudasse. Mas, ela nos deu a arma que 
precisávamos para derrubar o inimigo fey, e trazer Ethan de volta. 
 
A menina dríade parou ao meu lado, olhando a morte do carvalho. — 
Ela ainda vive. — Ela murmurou, sua voz como o sussurro das folhas. — 
Morrendo, sim.Fraca demais para deixar sua árvore, agora ela dorme, 
sonhando com sua juventude. Mas não foi embora, ainda não. Vai demorar 
um tempo para que ela desapareça completamente. 
 
 — Sinto muito. — Eu sussurrei. 
 
 — Não, Meghan Chase. — A dríade balançou a cabeça com um leve 
e fraco som, e um besouro brilhante rastejou em seu rosto, e se infiltrou em 
seu cabelo. — Ela sabia. Ela sempre soube o que iria acontecer. O vento 
nos diz estas coisas. Assim como ele nos diz que você está em um perigo 
terrível agora. — De repente, ela me encarou com penetrantes olhos pretos. 
— Você não deveria estar aqui. — Ela disse com firmeza. — Está muito 
perto. Por que você veio? 
 
Minha pele arrepiou, mas me livrei do sentimento de apreensão e 
prendi seu olhar. — Estou aqui por Puck. Preciso vê-lo. 
 
A expressão da dríade suavizou. — Ah, sim, é claro. Vou levá-la até 
ele, mas eu temo que você ficará desapontada. 
 
 
 
17 
 
 — Isso não importa. — Senti frio, mesmo na noite quente de verão. 
— Eu só quero vê-lo. — A dríade assentiu com a cabeça, e se afastou para 
trás balançando na brisa. — Por aqui. 
 
 
 
Capítulo Dois 
O Coração do Carvalho 
 
Puck, ou o famoso Robin Goodfellow, como ele era conhecido em 
“A Midsummer Night's Dream”,12 tinha outro nome, no entanto. Um nome 
humano, pertencente a um menino magro e ruivo que tinha sido vizinho de 
uma menina tímida de fazenda, nos pântanos de Louisiana. Robbie 
Goodfell, como ele se chamava naquela época, tinha sido meu colega, 
confidente, e meu melhor amigo. Sempre cuidadoso comigo, como um 
irmão mais velho. Desmiolado, sarcástico, e um tanto superprotetor, 
Robbie era... diferente. Quando ele não estava por perto, as pessoas mal se 
lembravam dele, quem ele era, como ele se parecia. Era como se ele 
simplesmente desaparecesse de suas memórias, apesar do fato de que 
sempre que algo dava errado num dia de escola, como ratos em mesas, cola 
em cadeiras, um jacaré no banheiro, Robbie estava de alguma forma 
envolvido. Ninguém suspeitava dele, mas eu sempre sabia. 
 
Ainda assim, isso veio como um choque quando eu descobri quem 
ele realmente era: um servo do rei Oberon, e encarregado de manter um 
olho em mim no mundo mortal para me manter à salvo daqueles que 
 
12
 A Midsummer Night's Dream, ou Sonho de Uma noite de Verão, é uma comédia de William 
Shakespeare escrita entre 1594 e 1596. 
 
 
 
18 
prejudicariam uma filha meio-humana de Oberon. Além de manter-me 
cega para o mundo dos Faery, ignorante e inconsciente da minha 
verdadeira natureza, e todo o perigo que vinha com ela. 
 
Quando Ethan foi sequestrado e levado para Nevernever, os planos 
de Robbie para manter-me cega e ignorante foram revelados. Desafiando 
ordens diretas de Oberon, ele concordou em me ajudar a salvar o meu 
irmão, mas sua lealdade veio com um custo enorme. Durante uma batalha 
com um Iron faery, uma nova espécie de fey nascida da tecnologia e do 
progresso, ele foi baleado e quase foi morto. Ash e eu o trouxemos aqui, 
para o Parque da Cidade, e as dríades o levaram para uma de suas árvores 
para ele dormir, e curar suas feridas. Em latência, as dríades o mantinham 
vivo, mas elas não sabiam quando ele acordaria. Ou se ele acordaria, em 
todo o caso. Tivemos que deixá-lo para trás quando partimos para resgatar 
Ethan, e desde então, a culpa da decisão me assombrava. 
 
Eu pressionei a minha palma contra o tronco coberto de musgo, 
querendo saber se eu podia sentir o pulsar de seu coração dentro da árvore, 
uma vibração, um suspiro. Alguma coisa, qualquer coisa que me dissesse 
que ele ainda estava lá. Mas eu não senti nada, exceto a seiva, o musgo, e 
as arestas da casca. Puck, se ele ainda vivia, estava longe do meu alcance. 
 
 — Tem certeza de que ele está aí? — Eu perguntei à dríade, não 
tirando os olhos do tronco. Eu não sabia o que esperar: talvez que sua 
cabeça saísse da madeira e sorrisse para mim? Mas eu senti que se eu 
tirasse meus olhos por um segundo, iria perder algo. 
 
A menina dríade assentiu. — Sim. Ele ainda vive. Nada mudou. 
Robin Goodfellow dorme seu sono sem sonhos, esperando o dia em que ele 
voltará a participar do mundo. 
 
 
 
 
19 
 — Quando será isso? — Eu perguntei, correndo os dedos para baixo 
do tronco. 
 
 — Nós não sabemos. Talvez dias. Talvez séculos. Talvez ele não 
queira acordar. — A Dríade colocou a mão no tronco e fechou os olhos. — 
Ele está descansando confortavelmente, sem nenhuma dor. Não há nada 
que você possa fazer por ele, contudo, espere e seja paciente. 
 
Insatisfeita com a resposta, eu pressionei minha mão contra a árvore 
e fechei os olhos. Um pouco de glamour
13
 Summer agitou em torno de 
mim, a magia do meu pai Oberon e da Corte Summer, o glamour do calor, 
da terra, e dos seres vivos. Eu gentilmente pesquisei a árvore, sentindo o 
sol, as folhas aquecidas, e a vida correndo por seus vasos cor de esmeralda. 
Senti milhares de insetos minúsculos pululando e escavando o tronco, o 
batimento cardíaco das aves dormindo nos galhos. 
 
Eu fui mais a fundo, além da superfície, além da madeira que ainda 
crescia silenciosa e frágil, no ponto mais profundo no coração da árvore. 
 
E lá estava ele. Eu não podia vê-lo fisicamente, é claro, mas eu podia 
senti-lo, sentir sua presença em minha frente, um ponto brilhante de vida 
contra o cerne.
14
 Eu senti a madeira embalando seu corpo pequeno e magro, 
protegendo-o, e ouvi um tum-tum mais fraco, o seu coração palpitando. 
Puck pairava fracamente, com o queixo no peito e seus olhos fechados. Ele 
parecia frágil, fantasmagórico, e mais baixo dormindo, como se um sopro 
pudesse levá-lo embora. 
 
Eu divaguei mais, chegando a tocá-lo, roçando os dedos 
insubstanciais em seu rosto, empurrando para trás a franja indisciplinada e 
 
13
 Glamour, magia, encanto. 
14
 Cerne, parte interior e mais rígida do tronco de uma árvore. 
 
 
 
20 
vermelha. Ele não se mexeu. Se eu não ouvisse o pulsar do coração, 
vibrando fracamente através da árvore, eu pensaria que ele já estava morto. 
 
 — Eu sinto muito, Puck. — Sussurrei, ou talvez eu apenas pensei 
dentro de um carvalho gigante. — Eu queria que você estivesse aqui 
comigo agora. 
Estou com medo, e não sei o que vai acontecer. Eu realmente preciso 
que você volte. 
 
Se ele me ouviu, não demonstrou. Não houve nem um piscar de 
pálpebras, nem uma contração muscular de seu rosto em resposta a minha 
voz. Puck ficou mole e imóvel, seu batimento cardíaco calmo e estável 
ecoavam através da madeira. Meu melhor amigo estava muito longe de 
mim, fora do meu alcance, e eu não podia trazê-lo de volta. 
 
Deprimida, sentindo-me estranhamente doente, me puxei para fora 
da árvore, voltando para meu próprio corpo. Quando os sons do mundo 
voltou, eu estava lutando contra as lágrimas. Tão perto. Tão perto de Puck, 
e ao mesmo tempo tão distante. A expressão de Ash estava séria quando 
encontrei seus olhos, ele sabia o que eu tinha feito, e podia adivinhar o 
desfecho. 
 
 — Ele ainda está vivo. — Ele me disse. — Isso é tudo que você 
pode esperar. — Funguei afastando-me, Ash suspirou. — Não se preocupe 
muito com ele, Meghan. Robin Goodfellow sempre foi extraordinariamente 
difícil de matar. — Sua voz soava entre irritação e diversão, como se ele 
falasse por experiência própria. — Eu quase posso garantir que Goodfellow 
irá aparecer um dia, quando você menos esperar, apenas seja paciente. 
 
 — Paciente. — Disse uma voz divertida em algum lugar sobrea 
minha cabeça. — Nunca foi o ponto forte da garota. 
 
 
 
21 
 
Assustada, olhei para cima, para os ramos do carvalho. Um par de 
familiares olhos dourados olhou para baixo, para mim, ligado a nada, e meu 
coração pulou. 
— Grimalkin? 
 
Os olhos piscaram lentamente, e o corpo de um grande gato cinza 
apareceu, agachado em um dos galhos baixos. Era Grimalkin, o gato faery 
que eu conheci na minha última viagem em Faery. Grim me ajudou 
algumas vezes no passado... mas a sua ajuda sempre vem com um preço. O 
gato amava colecionar favores, e não fazia nada de graça, mas eu ainda 
estava feliz por vê-lo, mesmo que eu ainda lhe devesse uma dívida, ou 
duas, da nossa última aventura. 
 
 — O que você está fazendo aqui, Grim?— Eu perguntei quando o 
felino bocejou e esticou-se, arqueando a cauda fofa em sua volta. Fiel à 
postura, Grimalkin acabou de se alongar, sentou-se e deu várias lambidas 
em seu pêlo antes de se dignar a me responder. 
 
 — Eu tinha negócios com a Dríade Anciã. — Ele respondeu com 
uma voz entediada. — Eu precisava saber se ela não tinha ouvido nada 
sobre o paradeiro de um determinado indivíduo. — Grim coçou atrás da 
orelha, examinou os dedos da pata traseira, e deu uma lambida. — Bem, eu 
ouvi que você estava a caminho daqui, então pensei em esperar para ver se 
era verdade. Você sempre foi mais divertida. 
 
 — Mas... a Dríade Anciã está dormindo. — Eu disse, franzindo a 
testa. — Disseram-me que ela está muito fraca até mesmo para sair de sua 
árvore. 
 
 — Qual é o seu propósito, humana? 
 
 
 
22 
 
 — Não se preocupe. — Sacudi minha cabeça. Grimalkin era 
irritante e secreto, e aprendi há muito tempo que ele não compartilha nada 
até que esteja pronto. — Mesmo assim, é bom vê-lo, Grim. Gostaria de 
poder ficar e conversar um pouco, mas estamos com um pouco de pressa 
agora. 
 
 — Mmm, sim. Seu negócio mal resolvido com o príncipe da Corte 
Winter. — Os olhos de Grimalkin se viraram para Ash e voltaram-se para 
mim, piscando lentamente. — Apressada e irresponsável, como um ser 
humano. — Ele torceu o focinho, olhando diretamente para Ash, agora. — 
Mas... eu pensei que te conhecia melhor, príncipe. 
 
Antes que eu pudesse perguntar o que ele quis dizer com isso,senti 
uma mão no meu braço, e me virei para encontrar o olhar sério de Ash. — 
Nós devemos ir. — Ele murmurou, e embora sua voz fosse firme, sua 
expressão era defensora. — Se alguma coisa está atrás de nós, devemos ir 
para Tir Na Nog, o mais rápido possível. Assim, ele não será capaz de nos 
acompanhar. E eu posso protegê-la melhor em meu próprio território do 
que em wyldwood, ou no reino dos mortais. 
 
 — Um momento. — Grimalkin bocejou e se esgueirou para baixo 
da árvore, pousando silenciosamente sobre as raízes. — Se você está indo 
agora, creio que irei com você, pelo menos em uma parte do caminho. 
 
 — Sério?— Olhei para ele, surpresa. — Você está indo para Tir Na 
Nog? Por quê? 
 
 — Eu lhe disse antes. Estou procurando por alguém. 
 
 
 
 
23 
 — Quem? 
 
 — Você faz muitas perguntas cansativas, humana. — Grimalkin 
pulou das raízes e afastou-se, o rabo em pé. Após vários metros de 
distância, ele olhou por cima do ombro, contraindo uma orelha. — Bem, 
você vem ou não? Se você diz que há algo atrás de você, não faz sentido 
estar aqui quando ele chegar, não é? 
 
 Ash e eu trocamos um olhar confuso, e nos arrastamos atrás dele. 
 
O Trod da anciã apareceu diante de nós, alto e imponente, embora a 
árvore estivesse morrendo. Na medida em que nos aproximávamos, o 
tronco inteiro de repente se deslocava com um gemido. Um rosto empurrou 
para fora de seu caminho a parte velha e enrugada da casca da árvore, e 
veio à vida. A Dríade Anciã abriu os olhos, apertando-os como se fosse 
difícil focar, e seu olhar fixou-se em mim. 
 
 — Nãoooooooo. — Ela respirou, quase um sussurro na escuridão. 
— Você não deve voltar por esse caminho. Ele espera por você do outro 
lado. Ele vai... — A voz dela sumiu, e seu rosto afundou na madeira, 
desaparecendo de vista. — ...Corra!— Foi a última coisa que ouvi. 
 
Eu me tremi toda até os pés. Ash logo pegou minha mão e me levou 
para longe, caminhando na direção oposta, seu corpo tenso como um fio de 
aço. Grimalkin veio depois de nós, um fantasma cinza nas sombras, o pêlo 
do rabo eriçado na extremidade. Teria sido engraçado se eu não sentisse 
olhos selvagens, velhos, e pacientes na minha nuca, observando-nos fugir 
para a noite. 
 
Ash parou embaixo de outro tronco de carvalho, colocou os dedos 
nos lábios, e soltou um assobio cortante. Momentos depois, o cavalo fey 
 
 
 
24 
trotou para fora das sombras, bufando, jogando sua cabeça, e derrapando 
até parar diante de nós. 
 
 — Aonde vamos agora? — Eu perguntei, enquanto Ash me ajudava 
a subir na sela. 
 
 — Nós não podemos usar a Passagem da Anciã para voltar. — 
Respondeu o príncipe, balançando-se atrás de mim. — Nós vamos ter que 
encontrar outro caminho para Nevernever. E, rapidamente agarrou as 
rédeas, e colocou um braço em volta da minha cintura. — Eu conheço um 
outro trod que nos levará para perto de Tir Na Nog, mas é numa parte da 
cidade que é... perigosa para um fey da Corte Summer. 
 
 — Você está falando do Calabouço, não é? — Grimalkin disse, 
aparecendo de repente no meu colo, enrolado como uma bola. Eu pisquei, 
surpresa. — Tem certeza que quer levar a menina lá? 
 
 — Não tenho muita escolha agora. — Aumentando seu aperto em 
minha cintura, Ash chutou o cavalo para a frente, e nós galopamos para as 
ruas de Nova Orleans. 
 
Eu tinha me esquecido como era ser uma meio-faery no mundo real, 
ou pelo menos como estar na companhia de um poderoso e totalmente fey. 
O cavalo trotou pelas ruas brilhantemente iluminadas, ziguezagueando 
através dos carros, becos, e pessoas, e ninguém nos viu. Ninguém sequer 
olhou para o nosso caminho. Seres humanos normais não podiam ver o 
mundo faery, embora ele estivesse em torno deles. Como dois goblins
15
 
vasculhando uma lixeira derrubada em um beco, roendo ossos, e outras 
coisas que eu não queria identificar. Ou, o silfo
16
 que voou como uma 
 
15
 Goblin, duende. 
16
 Silfo, ou Sílfide, fada dos ventos. 
 
 
 
25 
libélula, e empoleirou no topo de um poste de telefone, olhando as ruas 
com a intensidade de uma águia observando seu território. Nós quase 
atropelamos um grupo de dwarves
17
 que deixava um dos muitos pubs na 
Rua Bourbon. Os homens pequenos e barbudos gritaram, bêbados, 
maldições quando o cavalo desviou deles,e saiu galopando pela calçada. 
Estávamos no French Quarter
18
 quando Ash parou em frente a um muro de 
pedra, janelas e portas pretas antigas se alinhavam na calçada. Um letreiro 
balançando acima de uma porta negra dizia: “Ye Olde Original 
Dungeon”,19 havia uma mancha vermelha na placa, suponho que seja 
sangue, imaginei. De qualquer modo, eu esperava que fosse tinta. Ash abriu 
a porta, revelando um longo e estreito corredor, e se virou para mim. 
 
 — Este é um território da Corte Unseelie. — Ele murmurou perto do 
meu ouvido. — Há uma multidão que frequenta este lugar. Não fale com 
ninguém, e fique perto de mim. 
 
Eu balancei a cabeça e olhei o ambiente fechado, que era largo o 
suficiente para andarmos. — E o cavalo? 
 
Ash retirou o alforje e puxou as rédeas, enviando o cavalo para as 
sombras. — Ele vai encontrar seu próprio caminho para casa. — Ash 
murmurou, balançando o alforje sobre um ombro. — Vamos. 
 
Entramos num corredorestreito, Ash na frente e Grim se arrastando 
atrás. O beco terminou em um pequeno pátio, onde uma cachoeira suja 
escorria em um fosso na frente do edifício. Atravessamos a ponte, passando 
por um humano entediado e bêbado que não nos deu nenhuma atenção, e 
entrou em um pequena sala vermelha e escura. 
 
17
 Dwarves, anões com poderes mágicos. 
18
 French Quarter, ou Vieux Carré, bairro mais antigo e conhecido de Nova Orleans. 
19
 Ye Olde Original Dungeon, O Calabouço Original e Antigo. 
 
 
 
26 
 
Das sombras, ao longo da parede rosa, algo enorme, verde, com 
olhos vermelhos brilhantes, furiosos, e monstruosos, cheio de dentes 
revelou-se ser um troll
20
 feminino. Eu gritei e dei um passo para trás. 
 
 — Sinto o cheiro de um filhote da Corte Summer. — Ela 
resmungou, bloqueando nosso caminho. De perto, ela tinha cerca de oito 
pés, com pele verde-pântano e longos dedos com garras. Olhos vermelhos 
redondos me observaram de sua impressionante altura. — Ou você é muito 
corajosa, ou muito estúpida, filhotinha. Perdeu uma aposta com um 
phouka
21
 ou algo assim? Não é permitido a presença de nenhum fey da 
Corte Summer aqui, portanto vá embora. 
 
 — Ela está comigo. — Ash disse, acelerando para bloquear a linha 
de visão do troll. — E você vai se afastar agora. Precisamos usar o Trod 
secreto. 
 
 — Príncipe Ash. — A troll deu um passo para trás, mas não se 
colocou de lado completamente. Encarando o príncipe da Corte Unseelie, 
ela se virou quase choramingando. — Sua Alteza, é claro que eu iria deixá-
lo entrar, mas... — Ela olhou por cima do ombro de Ash para mim. — O 
patrão diz que é absolutamente proibido sangue da Corte Summer aqui, a 
menos que iremos bebê-lo. 
 
 — Estamos só de passagem. — Ash respondeu, ainda com a mesma 
calma e voz fria. — Nós teremos ido embora antes que alguém nos 
perceba. — 
 
20
 Troll, criatura nórdica lendária que vive em cavernas. 
21
 Phouka, ou púca, criatura travessa da mitologia e folclores galês que se diverte em atrapalhar e até 
causar a morte de viajantes. 
 
 
 
27 
 — Sua Alteza, eu não posso. — Protestou a troll, parecendo cada 
vez mais insegura. Ela olhou por cima do ombro, baixando a voz. — Eu 
posso perder meu emprego se eu deixá-la passar. 
 
Muito casualmente, Ash desceu a mão no punho da espada. 
 
 — Você pode perder a cabeça se não deixar. 
 
A narina da troll alargou-se. Ela olhou para mim novamente, depois 
para o príncipe da Corte Winter, movimentando as garras ao seu lado. Ash 
não se mexeu, embora o ar ao seu redor ficou mais frio, até a respiração da 
troll pairava no ar diante de seu rosto. 
 
Percebendo sua terrível situação, a enorme faery finalmente recuou. 
— Claro, Sua Alteza. — Ela murmurou, e apontou para mim com uma 
garra preta curva. — Mas se ela for enfiada em uma garrafa e servida como 
a próxima bebida especial, não diga que eu não avisei. 
 
 — Eu me lembrarei disso. — Ash disse, e me levou até o 
Calabouço. 
 
O Calabouço, de todas as possíveis decorações sinistras, acabou 
sendo nada mais do que um bar e boate, embora certamente servia para 
uma multidão um tanto macabra. As paredes eram de tijolos, as luzes 
escuras vermelhas deixavamtudo em carmesim, e havia uma cabeça de um 
monstro rosnando pendurado na parede acima do bar. Música tocava do 
teto de uma sala acima, a banda de rock AC/DC gritava a música Back in 
Black. 
 
 
 
 
28 
Havia humanos no bar, sentados por toda a sala com bebidas na mão, 
mas eu via apenas os inumanos. Goblins, sátiros,
22
 phouka, redcaps,
23
 um 
ogro
24
 solitário no canto bebendo um jarro inteiro de um líquido roxo 
escuro. Invisíveis e secretos, os fey da Corte Unseelie cruzavam através da 
multidão de seres humanos, cuspindo em suas bebidas, fazendo os bêbados 
tropeçar, e roubando itens de bolsas e carteiras. 
 
Eu tremi e recuei, mas Ash pegou minha mão com firmeza. 
 
 — Fique perto. — Ele murmurou novamente. — Isso não é tão ruim 
quanto lá em cima, mas nós ainda temos que ser cuidadosos. 
 
— O que está lá em cima? 
 
 — Cabeças, gaiolas e pista de dança. Não é algo que você queira 
ver, confie em mim. 
 
Ash manteve o aperto firme em minha mão, enquanto navegávamos 
em torno de mesas e bares, nos deslocando em direção ao fundo da sala. 
Grimalkin tinha desaparecido, normal vindo dele, então era só a gente para 
receber os olhares frios e famintos de todos os cantos da sala. Um redcap 
(um pequeno e malvado faery, com dentes de tubarão e um chapéu 
mergulhado no sangue de sua vítima) me alcançou quando passamos por 
 
22
 Sátiros, personificam a essência da sensualidade. Hedonistas e desavergonhados, eles vivem em função 
dos prazeres carnais e gratificação física. Todavia seus sábios conselhos e talentos musicais são sempre 
apreciados. 
23
 Redcaps, criaturas de maneira e aparência hediondas. Seu comportamento sanguinário está associado a 
sua fantástica capacidade de ingerir praticamente tudo que possa caber em suas bocas enormes, o que 
angaria-lhes poucos amigos. 
24
 Ogro, monstro que habita florestas isoladas e lúgubres. Possuem um cérebro reduzido, o que justifica 
seus atos de insanidade, falta de competência, e sua capacidade mental limitada. 
 
 
 
29 
sua mesa, agarrando minha camisa. Eu tentei evitar, mas o espaço era 
apertado e estreito, e os dedos com garras prenderam minha manga. 
 
Ash se virou. Houve um flash de luz azul, e um segundo depois o 
redcapgelou com uma espada azul brilhante em sua garganta. 
 
 — Não. Tente. Nada. — A Voz de Ash era mais fria do que o frio 
que vinha de sua lâmina. O pomo de Adão do redcap surgiu, e ele 
lentamente puxou suas garras para trás. O resto dos fey da Corte Unseelie 
tinha gelado também, e estava olhando para nós com olhos hostis e 
brilhantes. 
 
 — Meghan, vá. — Ash manteve seu olhar ameaçador para o resto da 
multidão, ninguém se atreveu a levantar. Ninguém se mexeu. Eu 
escorreguei entre ele e o redcap, que se manteve muito quieto em seu lugar, 
e movi-me para o fundo da sala. 
 
 — Por aqui, humana. — Grimalkin apareceu na beira de um 
corredor, os olhos aparecendo antes do resto do seu corpo. Atrás dele, o 
estreito corredor era apertado, escuro e cheio de fumaça. Estranhamente, 
estantes cobriam as paredes do chão ao teto, do tipo que você encontraria 
em uma biblioteca ou mansão antiga, não em um bar sombrio no French 
Quarter. 
 
 — Ok, por que há uma biblioteca na parte de trás de um bar 
gótico?— Eu perguntei, olhando em volta, para os livros. — Livros de 
magia para as artes sombrias? Receitas para hors d'oeuvres
25
 humanos? 
 
Grimalkin bufou. 
 
25
 Hors d'oeuvres, aperitivos em francês 
 
 
 
30 
 
— Veja e aprenda, humana. 
 
Naquele momento, a estante no fim do corredor se abriu, e duas 
meninas com idade universitária saíram, rindo e zombando. Eu pisquei e 
mudei de lado, quando elas passaram com cheiro de cigarro e álcool, e 
cambaleando para trás em direção ao bar principal. Olhando para trás, tive 
um vislumbre da sala por trás do painel, uma vez que se fechou, um 
banheiro, uma pia e um espelho, olhei com os olhos arregalados para 
Grimalkin. 
 
— Um banheiro? 
 
Grimalkin bocejou. — O que humanos não fazem para se entreterem. 
— Ele meditou com os olhos semi-cerrados. — É ainda mais divertido 
quando eles estão bêbados e não conseguem encontrar a porta.Mas eu 
sugiro que se mexa. Aquele redcap mostrou-se estar completamente 
interessado em você. 
 
Olhei para trás para ver que o redcap tinha se juntado a três dos seus 
amigos, e todos os quatro faeries estavam olhando para nós e murmurando 
entre si. Ash se juntou a nós na sala, sua lâmina fria ainda estava 
desembainhada, gavinhas de névoa contorcendo-se fora dela e se 
misturando com a fumaça. 
 
 — Depressa. — Ele rosnou para nós, me empurrando para o fim do 
corredor. — Eu não gosto da atenção que estamos chamando. Gato, você já 
abriu o trod? 
 
 
 
 
31 
 — Dê-me um minuto, príncipe. — Grimalkin suspirou, e passeou 
em direção ao painel que tinha sido aberto tão recentemente. 
 
 — Espere, você não é o príncipe deles?— Eu perguntei. — Eles são 
da Corte Unseelie também, certo? Você não pode só ordená-los para nos 
deixar em paz? 
 
Ash deu uma risada baixa, sem humor. — Eu sou um príncipe. — 
Ele respondeu, ainda mantendo um olho nos redcaps, que por sua vez, 
estavam de olho em nós. — Mas eu não sou o único. Meus irmãos estão te 
procurando também. Rowan tem olhos e ouvidos em todos os lugares, 
tenho certeza. Ele é muito mais cruel do que eu. Aqueles redcaps poderiam 
trabalhar para ele, ou eles poderiam ser espiões de Mab. De qualquer 
forma, eles vão informar a alguém de nossa passagem no momento em que 
deixarmos este lugar. Eu posso te garantir isso. 
— Soa como uma grande família. — Eu murmurei. 
 
 Ash bufou. — Você não tem ideia. 
 
— Aberto. — Disse Grimalkin a partir do final do corredor. — 
Devemos ir. 
 
 — Depois de você. — Ash disse, apontando para eu ir em frente. — 
Eu vou me assegurar que nada nos siga. 
 
Passei pela estante aberta, meio que esperando para ver o pequeno 
banheiro com pia, vaso sanitário, e paredes rabiscadas. Em vez disso, uma 
brisa fria soprou para o corredor com cheiro de geada, casca, e folhas 
esmagadas, então, a cinza e enevoada floresta de Nevernever estendeu-se 
através da porta. 
 
 
 
32 
 
Grimalkin deslizou primeiro, ficando quase invisível no meio do 
nevoeiro. Eu o segui, atravessando a porta que se tornou um tronco de 
árvore dividindo o Outro Lado. Ash abaixou e fechou a porta firmemente 
atrás de nós, ela desapareceu no nada tão logo ele a fechou, deixando o 
mundo mortal para trás. 
 
Fazia frio nesta parte de wyldwood. O gelo revestia a terra e os 
galhos das árvores, a névoa se agarrou em minha pele como pegajosos 
dedos. Eu não poderia ver mais do que alguns metros em qualquer direção. 
Tudo estava muito quieto e tranquilo, como se a própria floresta estivesse 
segurando sua respiração. 
 
 — Tir Na Nog é fechada. — Ash disse, sua voz abafada pela névoa. 
Sua respiração não produzia fumaça ou pairava no ar como a minha fazia. 
Tremendo, eu esfregava meus braços para me aquecer. — Devemos 
nos mover rapidamente. Eu quero chegar a Corte Winter o mais rápido 
possível. 
 
Eu estava cansada. Minhas pernas estavam limitadas, tanto do cavalo 
quanto da caminhada, minha cabeça doía, e o frio estava enfraquecendo a 
minha força de vontade. E por experiência própria, eu sabia que só iria ficar 
mais frio na medida em que entrávamos em Tir Na Nog. 
 
Felizmente, Grimalkin notou a minha falta de vontade. — A humana 
está prestes a cair de cansaço. — Afirmou sem rodeios,contorcendo o rabo. 
— Ela só vai nos atrasar se a forçarmos muito. Talvez devêssemos procurar 
um lugar para ela descansar. 
 
 
 
 
33 
 — Em breve. — Ash disse, e se virou para mim. — Só mais um 
pouco, Meghan. Você pode fazer isso? Nós vamos parar assim que 
atravessarmos a fronteira para Tir Na Nog. 
 
Eu balancei a cabeça cansada. Ash pegou minha mão, e com 
Grimalkin liderando o caminho, entramos na névoa envolvente. Minutos 
depois, o uivo soou atrás de nós. 
 
 
 
 
Capítulo Três 
Vivendo no Frio 
 
Ash parou, todos os músculos de seu corpo se contraíram quando o 
eco daquele uivo assustador desapareceu na névoa. 
 
 — Impossível. — Ele murmurou, sua voz assustadoramente calma. 
— Está em nosso caminho novamente. Como? Como é que pôde nos 
encontrar tão depressa? 
 
Grimalkin de repente soltou um rugido muito baixo, que me chocou 
e causou arrepios que percorreram meus braços. O gato nunca tinha feito 
isso antes. 
 
 
 
 
34 
 — É o Caçador. — Disse Grimalkin, enquanto seu pêlo começou a 
eriçar em suas costas e ombros. 
 
 — O Caçador Mais Antigo, o Primeiro. — Ele olhou para nós, os 
dentes expostos, parecendo feroz e selvagem. 
 
 — Você tem que fugir, depressa! Se ele tiver o seu rastro, ele virá 
rapidamente. Corra, agora! 
 Nós corremos. 
 
O bosque passava como flash por nós, formas sombrias, escuras, e 
indistintas na névoa. Eu não sabia se estávamos correndo em círculos, ou 
em linha reta para a boca do Caçador. Grimalkin tinha desaparecido. Perdi 
a direção na névoa. Eu só esperava que Ash soubesse para onde ele estava 
indo enquanto fugíamos através da brancura assustadora. 
 
O uivo veio outra vez, desta vez mais perto, mais nervoso. Eu ousei 
olhar para trás, mas não consegui ver nada além de sombras e neblina 
rodopiando. Mas eu podia sentir, o que quer que fosse, se aproximando. Ele 
poderia nos ver agora, fugindo na sua frente, a minha nuca era um alvo 
tentador. Eu sufoquei meu pânico e continuei correndo, agarrando a mão de 
Ash enquanto ziguezagueávamos pela floresta. 
 
As árvores desapareceram, o nevoeiro abriu um pouco, e de repente 
um grande abismo se abriu diante de nós, amplo e aberto, como a boca de 
um monstro gigante. Ash empurrou-me para um ponto há três metros da 
margem, e uma chuva barulhenta de pedras, provenientes da encosta 
irregular, caiu, desaparecendo no rio de névoa, bem abaixo de nós. A 
fissura na terra se estendia ao longo do limite de wyldwood, tão longe 
quanto eu conseguia ver, em toda direção, separando-nos da segurança do 
outro lado. 
 
 
 
35 
 
Além do abismo, uma paisagem coberta de neve estendia-se diante 
de nós, gelada e inexplorada. Árvores foram congeladas e cobertas por 
gelo, cada galho envolvido em um cristal brilhante. O chão parecia um 
cobertor de nuvens, branco e fofo. Flocos de neve brilhavam ao sol como 
milhões de pequenos diamantes. Tir Na Nog, a terra do inverno, a casa de 
Mab e da Corte Unseelie. 
 
 — Por aqui. — Ash segurou minha mão e me puxou para longe do 
abismo, onde a névoa de wyldwood saía da ponta e das laterais do 
penhasco, como uma cachoeira em um movimento lento. — Se 
conseguirmos chegar à ponte, eu posso parar o Caçador. 
 
Ofegante, eu segui pela lateral do desfiladeiro, e engasguei em alívio. 
Há cerca de uma centena de metros, uma ponte arqueada e toda feita de 
gelo brilhava intensamente ao sol. 
 
Algo estalou no mato à nossa direita, algo muito grande e rápido. O 
Caçador ficou em silêncio agora, sem emitir uivos ou sons profundos e 
guturais, ele estava se movendo para uma caçada. 
 
Chegamos na ponte, e Ash me empurrou para frente, na superfície 
gelada. Não havia guardas ou corrimão, apenas um arco estreito sobre um 
precipício assustador. Com um aperto no estômago, eu comecei a 
atravessar, tentando não olhar para baixo. Como a ponte era de gelo, era 
perfeitamente clara, eu senti que estava andando em cima do nada, vendo a 
queda vertiginosa bem embaixo dos meus pés. 
 
Meu pé escorregou, e meu coração bateu contra minhas costelas, 
pulsando freneticamente enquanto eu me agitava. Logo atrás de mim, Ash 
segurou meu braço com força, e de alguma forma, nós conseguimos 
alcançaro outro lado. 
 
 
 
36 
 
Assim que estávamos fora da ponte, o príncipe da Corte Winter 
sacou sua espada. A luz do sol brilhou ao longo da lâmina da espada, ele a 
levantou e golpeou, penetrando-a na ponte estreita. A ponte rachou, cacos 
de gelo voaram brilhantes em um espiral no ar, e ele levantou a espada para 
outro golpe. 
 
Do outro lado do abismo, algo obscuro e monstruoso surgiu das 
árvores, a névoa girando em torno dele. Através da neblina e sombras, eu 
não podia vê-lo claramente, mas era enorme, preto, aterrorizante, e com 
ardentes olhos verde-amarelos. Quando ele viu o que Ash estava fazendo, 
ele rugiu, fazendo o ar tremer, então correu para a ponte. 
 
Ash golpeou de novo, e de novo, e com um estalo ensurdecedor, a 
ponte de gelo se quebrou. A extremidade pela qual saímos deslizou para 
longe e caiu no esquecimento, levando consigo o arco inteiro, o qual 
colidiu e chiou com a lateral do penhasco no caminho. A sombra do outro 
lado deslizou hesitante, os olhos verdes brilhando de fúria enquanto se 
movia para cima e para baixo na borda, por um momento, ofegando. Então, 
com um rosnado que mostrou um lampejo de enormes dentes brancos, 
virou-se e deslizou de volta para a neblina em wyldwood, desaparecendo 
de vista. 
 
Estremeci de alívio, e afundei ofegante na neve, sentindo como se 
meus pulmões, pernas, o corpo inteiro estivesse em chamas. Mas, quando a 
adrenalina passou, eu percebi o quanto era frio deste lado do desfiladeiro. 
O vento gelado cortava meus ossos e me esfaqueava como uma faca. 
 
Ash se ajoelhou ao meu lado e gentilmente me puxou para perto, 
envolvendo-me em seus braços. Inclinei-me para ele, sentindo seu coração 
acelerado, estremeci contra o seu peito. Ele ficou em silêncio, descansando 
sua testa contra a minha sem dizer nada. Só ali. 
 
 
 
37 
 
 — Vamos lá. — Ele murmurou depois de alguns instantes. — 
Vamos encontrar um lugar para descansar. 
 
— E o Caçador? 
 
Ele se levantou, puxando-me para ficar de pé. — O Ice Maw26 corre 
por milhas em outra direção. — Ele disse, apontando para o abismo atrás 
de nós. — 
Até que ele encontre as Montanhas Wyrmtooth ao norte, ou o Mar 
Broken Glass, ao sul. O Caçador não descobrirá um caminho por um longo 
tempo. — Além disso... — Ele acrescentou estreitando os olhos. — ...este é 
o meu reino. Duvido que ele nos ataque aqui. 
 
 — Não tenha tanta certeza disso, Príncipe. — Disse Grimalkin, 
ficando à vista no que restou da ponte quebrada. — O Caçador é mais 
velho do que você, muito mais velho. Ele não se importa em que reino está 
quando persegue a sua presa. Se ele está atrás de você, você vai vê-lo 
novamente. 
 
Eu espirrei, fazendo com que o gato ficasse com seus ouvidos em 
alerta. Ash pegou meu cotovelo e me puxou para longe do abismo, se 
posicionando de modo que ele bloqueasse o vento que assobiava da 
abertura. 
 
 — Nós nos preocuparemos com isso se ele cruzar. — Declarou 
calmamente o príncipe, assim que cruzei os braços para conservar o calor. 
— Mas a noite está chegando, assim como o frio. Temos que colocar 
Meghan para dentro. 
 
26
 Ice Maw, pode ser traduzido como “papo de gelo”. 
 
 
 
38 
 
 — Antes que ela se transforme em um picolé, eu suponho. — 
Grimalkin saiu do pilar quebrado, caindo levemente na neve. — O único 
abrigo que conheço é com a velha Liaden na floresta congelada. 
Certamente você não está levando a menina lá?— Ele piscou ante ao olhar 
firme de Ash. — Você está. Bem, isso vai ser interessante. Siga-me, então. 
— Ele se afastou trotando, fazendo marcas de patas na neve, uma 
distorcida nuvem deslizando sobre a brancura. 
 
— Quem é Liaden? — Eu perguntei a Ash. 
 
Uma tempestade de gelo uivou do abismo antes que ele pudesse 
responder, me cortando por dentro, e jogando uma corrente de neve no ar. 
 
 — Mais tarde. — Disse Ash bruscamente, me dando um leve 
empurrão. — Siga Grimalkin. Vá. 
 
Seguimos as pegadas na floresta. Gelo pendurado em árvores 
congeladas, alguns maiores do que meus braços, e afiados como uma lança. 
De vez em quando, um se rompia e despencava no chão com um tilintar de 
vidro quebrando. O frio aqui era uma coisa viva, arranhava minha pele 
exposta, esfaqueando meus pulmões quando eu respirava. Logo, eu estava 
tremendo violentamente, batendo os dentes, pensando com saudade dos 
suéteres e banhos quentes, me enterrando sob um grosso acolchoado até a 
primavera. 
O bosque crescia sombrio, as árvores eram mais próximas, e a 
temperatura caiu ainda mais. Até agora não estava sentindo os meus dedos 
das mãos e pés, o frio me deixava muito lenta. Eu senti como se mãos 
geladas agarrassem meus pés, me arrastando para baixo, incentivando-me a 
me enrolar em uma bola, e hibernar até que estivesse quente novamente. 
 
 
 
 
39 
Um flash de cor nas árvores chamou minha atenção. No ramo em 
cima de mim, um pequeno pássaro empoleirado em um galho, um 
vermelho brilhante contra a neve. Seus olhos estavam fechados, e ele se 
destacava contra o frio, parecendo uma bola de penas vermelhas. Ele estava 
completamente envolto em gelo, coberto da cabeça aos pés na água 
cristalizada, tão clara que eu pude ver cada detalhe através do escudo. 
 
A visão deveria ter me acalmado, mas eu estava com tanto frio que 
tudo o que eu sentia era a dormência se espalhando. Minhas pernas 
pertenciam a outra pessoa, e eu não conseguia nem sentir mais meus pés. 
Eu tropecei em um galho e caí, me espalhando em um montinho de neve, 
cristais de gelo picaram meus olhos. 
 
De repente, eu estava com muito sono. Minhas pálpebras estavam 
pesadas, e tudo o que eu queria fazer era abaixar minha cabeça e dormir, 
como um urso durante o inverno. Foi um pensamento interessante. Eu não 
estava mais com frio, apenas completamente paralisada, e as trevas me 
chamavam tentadoramente. 
 
 — Meghan! 
 
A voz de Ash atravessou as camadas de apatia, assim que o príncipe 
da Corte Winter se ajoelhou na neve. — Meghan, levante-se. — Ele disse 
com urgência em sua voz. — Você não pode deitar aqui. Você vai congelar 
e morrer se não se movimentar. Levante-se. 
 
Eu tentei, mas pareceu um esforço hercúleo
27
 levantar minha cabeça, 
até por que tudo que eu queria fazer, era dormir. Murmurei alguma coisa 
sobre como eu estava cansada, mas as palavras congelaram no fundo da 
minha garganta, e eu só grunhi. 
 
27
 Hercúleo, que é digno de Hércules; muito robusto. 
 
 
 
40 
 
 — O frio a tem. — A voz de Grimalkin parecia vir de muito longe. 
— Ela já está congelando. Se você não levantá-la agora, ela morrerá. 
 
Minhas pálpebras estavam quase se fechando, embora eu estivesse 
tentando mantê-las abertas. Se elas se fechassem, iriam congelar, e 
permaneceriam assim para sempre. Eu tentei usar os meus dedos para 
mantê-las abertas à força, mas agora, uma camada de gelo cobria minhas 
mãos e eu não conseguia senti-las mais. 
 
Desista, o frio sussurrou em meu ouvido. Desista, durma. Você 
nunca irá sentir dor novamente. 
 
Minhas pálpebras piscaram, e Ash fez um barulho que era quase um 
rosnado. — Droga, Meghan. — Ele rosnou, agarrando os meus braços. — 
Eu não vou perder você tão perto de casa. Levante-se! 
 
Ele se levantou, puxando-me para ficar de pé e, antes que eu pudesse 
registrar o que estava acontecendo, ele pressionou seus lábios contra os 
meus. 
 
A dormência se quebrou. Uma surpresa me inundou, enquanto meu 
coração deu um pulo, e meu estômago se torceu em um nó.Eu apertei 
meus braços em volta de seu pescoço e o beijei de volta, sentindo seus 
braços em volta de mim, esmagando-nos juntos, respirando seu cheiro 
afiado e gelado. 
 
Quando nós finalmente nos afastamos, eu estava ofegante, e seu 
coração estava disparado sob meus dedos. Eu estava tremendo de novo, e 
 
 
 
41 
desta vez dei boas vindas ao frio. Ash suspirou e tocou minha testa com a 
sua. 
 
— Vamos tirá-la do frio. 
 
Grimalkin tinha desaparecido de novo, talvez irritado com a nossa 
exibição de paixão, mas sua pata estampava delicados e claros cortes 
através da neve. Nós seguimos seus passos até que a trilha terminou 
finalmente em uma pequena cabana dilapidada debaixo de duas árvores em 
decomposição. Eu não achava que alguém morasse lá, mas aspirais de 
fumaça saiam da chaminé e uma fraca luz alaranjada brilhava através das 
janelas, assim, alguém deveria estar na casa. 
 
Eu estava ansiosa para entrar, sair do frio cortante, mas Ash pegou 
minha mão, me forçando a olhar para ele. 
 
 — Você está em território Unseelie agora, lembre-se disso. — Ele 
me alertou. — O que quer que seja que você veja naquele quarto, não 
encare, e não faça quaisquer comentários sobre o seu bebê. Entendeu? 
 
Concordei, disposta a aceitar qualquer coisa, se eu pudesse estar 
quente novamente. Ash me liberou, pisou no alpendre coberto de neve, e 
bateu com firmeza na porta. 
 
Uma mulher abriu-a, olhando com olhos cansados e vermelhos. Um 
capuz e um manto cinza como cortinas velhas cobriam seu corpo, e seu 
rosto, apesar de bastante jovem, era enrugado e fatigado. 
 
 — Príncipe Ash?— Ela disse, com uma voz sussurrada e frágil. — 
Mas que surpresa. O que posso fazer por você, Vossa Alteza? 
 
 
 
42 
 
 — Queremos passar a noite aqui. — Ash afirmou calmamente. — 
Eu e minha companheira. Nós não vamos incomodá-la, pretendemos partir 
pela manhã. Vai nos deixar entrar? 
 
A mulher piscou. — Claro. — Ela murmurou, abrindo as portas. — 
Por favor, venham para dentro. Fiquem à vontade, pobres crianças. Sou 
Dame Liaden. 
 
Foi quando eu vi o bebê, carinhosamente acomodado em seu outro 
braço, eu mordi meus lábios para abafar um suspiro. A enrugada e 
medonha criatura, enrolada em um cobertor branco manchado, era a 
criança mais hedionda que eu já vi. Sua cabeça deformada era grande 
demais para seu corpo, seus membros eram minúsculos, murchos, e mortos, 
sua pele tinha um tom azul doente, como se ela tivesse sido afogada ou 
deixada de fora no frio. A criança deu um chute fraco, e soltou um grito 
fraco sobrenatural. 
 
Era como assistir um desastre de trem. Eu não conseguia desviar 
meus olhos... até que Ash me cutucou acentuadamente nas costelas. — 
Prazer em conhecê-la. — Eu disse automaticamente, e o segui sobre a 
soleira para a sala. No interior, um fogo crepitava na lareira, o calor 
penetrou em meus membros congelados, me fazendo suspirar de alívio. 
 
Não havia berço em nenhuma parte da cabana, e a mulher não 
abaixou seu bebê nenhuma vez, ela moveu-se no quarto segurando-o, como 
se temesse que algo fosse agarrá-lo. 
 
 — A menina pode ter a cama sob a janela. — Disse Liaden, 
envolvendo o bebê dentro de um maltrapilho cobertor que uma vez já fora 
branco. — Eu temo que devo sair agora, mas sintam-se em casa. Há chá e 
 
 
 
43 
leite nos armários, e cobertores extras no roupeiro. A meia-noite se 
aproxima, e temos que partir. Adeus. 
 
Segurando seu bebê próximo ao seu peito, ela abriu a porta, deixando 
entrar uma lufada de ar dolorosamente fria, e saiu para a noite. A porta 
bateu atrás dela, e ficamos sozinhos. 
 
 — Onde ela está indo? — Eu perguntei, aproximando-se da lareira. 
Finalmente, eu estava conseguindo sentir meus dedos de volta, e todos eles 
estavam formigando agora. Ash não olhou para mim. 
— Você não quer saber. 
— Ash... 
 
Ele suspirou. — Ela está indo lavar o seu filho no sangue de um bebê 
humano para torná-lo inteiro e saudável novamente. Pelo menos por um 
tempo. 
 
Eu recuei. — Isso é horrível! 
 
— Você perguntou. 
 
Eu estremeci e esfreguei meus braços, olhando através da encardida 
janela da cabana. A luz do luar brilhava através do vidro, e as terras do 
outro lado estavam congeladas. Esse era território Unseelie, como Ash 
tinha dito. Eu estava longe de casa, da família, e da segurança de uma vida 
normal. 
 
Fechando os olhos, comecei a tremer. O que aconteceria comigo uma 
vez que eu alcançasse a Corte Winter? Será que Mab me jogaria em uma 
 
 
 
44 
masmorra, ou talvez, alimentaria seus goblins comigo? O que faria a 
centenária rainha faery com a filha de seu antigo rival? Seja o que for, eu 
não poderia imaginar que seria bom para mim. Medo torceu meu intestino. 
 
Senti Ash se movendo atrás de mim, tão perto que eu podia sentir sua 
respiração na minha nuca. Ele não me tocou, mas a sua presença discreta e 
forte, me acalmou um pouco. Embora a parte lógica da minha mente me 
disse que ele poderia ser o que eu mais deveria temer. 
 
 — Então, como vai funcionar isso? — Eu perguntei casualmente, 
tentando manter a acusação da minha voz. Mas saiu de qualquer jeito. — 
Sou uma prisioneira da Corte Winter? Uma convidada? Mab me jogará em 
uma cela, ou ela está planejando algo muito mais interessante? 
 
Ele hesitou, e eu pude ouvir a relutância em sua voz quando ele 
finalmente falou. — Eu não sei o que ela pretende fazer. — Ele disse 
baixinho. — Mab não compartilha seus planos, nem comigo, nem com 
ninguém. 
 
 — Será perigoso para mim lá, não é? Eu sou filha de Oberon. Todos 
vão me odiar. — Lembrei-me do olhar faminto do redcap e esfreguei os 
braços. — Ou, irão querer me comer. 
 
Suas mãos levemente agarraram meus ombros, fazendo minha pele 
formigar e meu coração palpitar em meu peito. — Eu vou te proteger. — 
Ele murmurou, e sua voz era ainda mais baixa, como se estivesse falando 
para si mesmo. — De alguma forma. 
 
Grimalkin apareceu repentinamente, saltando sobre um banquinho 
junto ao fogo, fazendo-me saltar e Ash retirar suas mãos. Eu lamentei sua 
 
 
 
45 
falta de tato. — Descanse um pouco. — O príncipe disse, afastando-se. — 
Se mais nada acontecer, deveremos chegar à Corte Winter amanhã à noite. 
 
Cautelosamente, deitei-me na cama sob a janela, tentando não 
imaginar a última coisa que utilizou o colchão. Ash pegou uma cadeira 
perto do fogo e virou-a, assim, ele encarou a porta e puxou a espada para 
seu colo. 
Surpreendentemente, a cama estava quente e confortável, e eu me 
deixei levar pelo contorno do perfil de Ash mantido pelo fogo. 
 
Eu devo ter acordado em algum momento da noite, ou talvez tenha 
sonhado, eu me lembro de abrir os olhos e ver Ash e Grimalkin de pé 
diante da lareira, conversando tranquilamente. Suas vozes eram baixas 
demais para eu ouvir, mas o olhar no rosto de Ash era assustador em meio 
a sua desolação. Ele passou a mão pelo cabelo e disse algo a Grimalkin, 
que balançou a cabeça lentamente, e respondeu. Pisquei, ou talvez delirei 
de novo, porque quando eu abri meus olhos novamente Grimalkin tinha ido 
embora. Ash ficou com suas mãos apoiadas na lareira e os ombros 
curvados, olhando para as chamas, ele não se moveu por um longo tempo. 
 
Capítulo Quatro 
O Caçador 
 
 — Levante-se. 
 
A voz fria foi a primeira coisa que ouvi na manhã seguinte, 
atravessando camadas de sono e sonolência, trazendo-me totalmente 
desperta. Ash pairava sobre mim, sua postura rígida, me olhando com olhos 
vazios da cor de prata. 
 
 
 
46— Nós estamos saindo. — Disse em uma voz monótona, e jogou 
algo na cama, onde pousou em uma nuvem de poeira. Um manto cinza 
espesso com capuz e poeira, como se todas as cores tivessem sido expulsas. 
— Achei isso no armário. — Ash continuou, virando-se. — É preciso 
impedir você de congelar. Entretanto, precisamos ir agora. Quanto mais 
cedo chegarmos a Corte Winter,melhor. 
 
 — Onde está Grim?— Eu perguntei, esforçando-me para ficar de pé, 
sofrendo com a sua mudança repentina de humor. Ash abriu a porta, 
deixando entrar uma rajada de ar gelado. 
 
 — Se foi. Saiu mais cedo hoje de manhã. — Ele me esperou, ainda 
segurando a porta, enquanto eu rodopiava a capa sobre os meus ombros. 
Quando eu coloquei o capuz, o príncipe falourapidamente. — Vamos. 
 
 — Tem algo vindo?— Eu perguntei, correndo atrás dele através da 
neve, minha respiração ofegante no ar. Tudo estava coberto por uma nova 
camada de gelo. — O Caçador se aproxima de novo? 
 
 — Não. — Ele não olhou para mim. — Não diria que seja isso. 
 
 Engoli em seco. — Será que eu... fiz alguma coisa errada? 
 
Neste momento, ele hesitou, e então suspirou. — Não. — Ele disse 
em uma voz mais suave. — Você não fez nada errado. 
 
 — Então por que você está agindo assim? Ash? Hey!— Corri para 
frente e segurei a manga de sua camisa, deixando-nos em um impasse. 
 
 
 
47 
 
 — Vamos. — A voz de Ash manteve um toque sutil de aviso. 
Afastei o meu medo, e teimosamente finquei meus pés na neve. 
 
 — Ou o quê? Você vai me matar? Você já não fez essa ameaça? 
 
 — Não me tente. — Sua voz tinha perdido a sua frieza, agora ele só 
parecia cansado. Ele suspirou, passando a mão livre pelo seu cabelo. — 
Isso não é importante. Apenas... algo que Grimalkin me disse. Algo que eu 
já sabia. 
 
 — O quê? 
 
Ele se virou. — Meghan... 
 
Ao longe, um uivo ecoou sobre as árvores. 
 
Eu me encolhi, e Ash se esticou com seu olhar afiado. — O Caçador. 
— Ele murmurou. — De novo. Como pôde nos encontrar tão depressa? 
 
O uivo veio outra vez, e eu tremi, aproximando-me de Ash. — O que 
é isso? 
 
Os olhos do príncipe se estreitaram. — Eu não sei. Mas isso acaba 
agora. Vamos! 
 
 
 
 
48 
Ash manteve um aperto forte em minha mão enquanto corríamos 
pela neve. Eu pensei na ponte e no abismo impossível que o Caçador tinha, 
de alguma forma, ultrapassado, e esperei que este plano funcionasse 
melhor. Não parecia provável que nós conseguiríamos correr mais rápido 
do que uma besta incansável qualquer, que estava atrás de nós. 
 
A floresta diminuiu e penhascos irregulares se ergueram em ambos 
os nossos lados, brilhando ao sol. Enormes cristais azuis e verdes se 
projetavam para fora das laterais, enviando prismas quebrados de luz sobre 
a neve. Ash me levou através de um estreito desfiladeiro, as paredes dos 
penhascos se pressionavam em ambos os lados até que se abriram em uma 
clareira coberta de neve e cercada por montanhas. 
 
O uivo ressoou novamente, ecoando assustadoramente através do 
barranco que tínhamos acabado de passar. O que quer que fosse, estava 
chegando perto. 
 
 — Por aqui. — Ash pegou minha mão e me puxou para o lado mais 
distante da clareira. Entre dois pinheiros, uma mancha escura na superfície 
do penhasco marcava a entrada de uma caverna, estalactites em sua entrada 
se assemelhavam a dentes. 
 
 — Vá. — Ash disse, me empurrando para a frente. — Entre aí, 
depressa. 
 
Eu me arrastei pela entrada, tomando cuidado para não me apunhalar 
sobre o gelo, depois me endireitei, olhando ao redor. A caverna era enorme, 
poderosa, e coberta de gelo, a luz solar incidia em meio aos muitos 
buracos no seu teto, muito acima de nós. O teto brilhava, cada centímetro 
quadrado era coberto com nítidas e brilhantes estalactites, algumas eram 
 
 
 
49 
maiores do que eu. Uma brisa soprava através da caverna, e as estalactites 
tilintavam como mensageiros do vento,
28
 enchendo a caverna com música. 
 
 — Ash. — Eu disse assim que o príncipe da Corte Winter entrou, 
sacudindo a neve de seus cabelos. — O que... 
 
 — Shh. — Ash tocou meus lábios com o dedo, sacudindo a cabeça 
em advertência. Ele apontou para os esqueletos espalhados pela caverna, 
meio-enterrados na neve. Os ossos de um animal grande estavam 
esparramados no chão próximo, uma estalactite caída projetava-se através 
de suas costelas. Estremeci e assenti em entendimento. 
 
E então, algo preto e monstruoso explodiu através da boca da 
caverna, aparecendo bem na minha cara. 
 
Ash me empurrou para trás, sua mão serpenteando ao redor da minha 
boca para abafar o meu grito, enquanto a ruptura dos „dentes‟ ecoou há 
centímetros da minha cabeça. Se a mão de Ash não tivesse pressionada 
contra meus lábios, eu teria gritado novamente quando dois olhos verde-
amarelos ardentes me espreitaram da entrada. 
 
Era um lobo, um enorme lobo negro do tamanho de um urso pardo, 
um pouco mais longo e mais magro, mas mil vezes mais assustador. Não 
era a criatura majestosa que se via nos canais de natureza, correndo pelo 
deserto nevado com seu bando. Esta era uma besta irracional, como em 
todo filme de terror sobre os lobos: pêlo escuro, focinho babando, e olhos 
brilhantes. Sua boca estava aberta, revelando dentes brilhantes maiores do 
que a minha mão, fios de baba escorriam de suas mandíbulas, cristalizando 
 
28
 Mensageiro do vento, objeto normalmente constituído por tubos de metal ou bambu suspensos por 
fios; produz som através da ação do vento. No Feng Shui, serve para espalhar boas energias no ambiente, 
e acalmar o estado de espírito das pessoas. 
 
 
 
50 
na neve. Ele apenas ajustou sua cabeça através da entrada, e então virou o 
focinho em minha direção, eu jurei que sorriu para mim. 
 
— Meghan Chase. Finalmente te encontrei. 
 
Ash me puxou mais para trás, em direção a outra ponta da caverna, 
enquanto o lobo enorme andava e se contorcia na entrada, de alguma forma 
impossível, ele deslizou para dentro. Meu coração acelerou quando a 
criatura levantou-se e ficou de seu tamanho normal no interior da caverna. 
Ele parecia encher a câmara. Ash me empurrou para trás, apertando-me 
contra a parede debaixo de uma saliência rochosa, e desembainhou sua 
espada. O lobo riu, um som profundo fazendo minha pele arrepiar, e 
mostrou os dentes num sorriso selvagem. 
 
 — Você pensa que vai me machucar com essa coisinha?— Sua voz 
gutural ecoou pela caverna e estalactites tremeram acima dele, balançando 
perigosamente. — Você sabe quem eu sou, menino?— O lobo abaixou a 
cabeça, escancarando os lábios para trás. — Eu sou oWolf.29 Eu sou mais 
velho do que você, mais velho que Mab, mais velho do que a faery mais 
antiga que anda neste reino. Eu estava em histórias muito antes de os seres 
humanos saberem meu nome, e mesmo assim, eles me temiam. — Ele deu 
um passo à frente, afundando sua enorme pata na neve. — Eu sou o Lobo, 
a criatura que perseguiu a menina com capa vermelha
30
 e bateu na porta da 
casa da sua avó. Eu sou o lobo que vira homem, e um homem que é um 
monstro por dentro. Minhas histórias superam todos os contos já contados, 
e você não pode me matar. 
 
— Eu sei quem você é. — A voz de Ash estremeceu um pouco, o 
que me arrepiou ainda mais. O fato do destemido Ash, o inabalável Ash, 
estar com medo desta coisa, me apavorou. — Mas você está aqui pela 
 
29
 Wolf, Lobo. 
30
 Chapeuzinho Vermelho. 
 
 
 
51 
princesa da Corte Summer, e eu dei minha

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