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Aula 4 Durkheim

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“O suicídio: estudo de Sociologia” (1897)
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Prefácio
Durkheim começa o prefácio de sua obra afirmando que a Sociologia ainda não ultrapassou a era das construções e das sínteses filosóficas. Em vez de assumir a tarefa de lançar luz sobre uma parcela restrita do campo social, ela prefere buscar as generalidades em que todas as questões são levantadas sem que nenhuma seja expressamente tratada.
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Nesta obra serão encontrados de uma forma concreta e aplicada os principais problemas de metodologia que colocamos e que examinamos em “As regras do método sociológico”. 
Tal como o empregamos, o método sociológico baseia-se no princípio fundamental de que os fatos sociais devem ser estudados como coisas, ou seja, como realidades exteriores ao indivíduo. Não há preceito que nos tenha sido mais contestado; mas, não há outro que seja mais fundamental. Pois, para que a Sociologia seja possível, é preciso antes de mais nada que ela tenha um objeto e que esse seja só dela. É preciso que ela tenha uma realidade a conhecer, e que essa realidade não caiba a outras ciências.
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Deste estudo, pode-se extrair algumas indicações sobre as causas do mal-estar geral de que sofrem atualmente as sociedades europeias e sobre os remédios que podem atenuá-lo. Na situação em que se encontra hoje, o suicídio é justamente uma das formas pelas quais se traduz a doença coletiva de que sofremos, por isso ele nos ajudará a compreendê-la.
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Ao vermos que cada povo tem uma taxa de suicídios que lhe é pessoal, que essa taxa é mais constante do que a da moralidade geral, que, se ela evolui, é segundo um coeficiente de aceleração próprio a cada sociedade, que as variações pelas quais ela passa nos diferentes momentos reproduzem o ritmo da vida social; ao constatarmos que o casamento, o divórcio, a família, a vida religiosa, etc., a afetam segundo leis definidas, deixaremos de ver nesses estados e nessas instituições arranjos ideológicos sem virtudes e sem eficácia, e sentiremos que são forças reais, vivas e atuantes, e que, pela maneira como determinam o indivíduo, comprovam que não dependem dele, elas se impõem a ela à medida que se formam. Nessas condições compreendemos como a Sociologia pode e deve ser objetiva, uma vez que tem diante de si realidades tão definidas e resistentes quanto aquelas de que trata o psicólogo ou o biólogo.
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Introdução
Como a palavra “suicídio” ressurge constantemente no decorrer das conversas, poderíamos acreditar que todos conhecessem seu sentido e que fosse supérfluo defini-lo. Mas, na realidade, as palavras da língua usual, tal como os conceitos que elas exprimem, são sempre ambíguas, e o cientista que as empregasse tal como as recebe do uso e sem as submeter a maior elaboração estaria exposto às mais graves confusões.
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O cientista não pode tomar como objetos de suas pesquisas os grupos de fatos já constituídos aos quais correspondem as palavras da língua corrente. É obrigado a constituir os grupos que deseja estudar, a fim de lhes dar a homogeneidade e a especificidade que lhes são necessárias para poderem ser tratados cientificamente.
Nossa primeira tarefa nesta obra deve ser, portanto, determinar a ordem dos fatos que nos propomos estudar sob o nome de suicídios. 
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Entre as diversas espécies de mortes há as que apresentam a característica particular de serem feito da própria vítima, de resultarem de um ato cujo paciente é o autor. Pouco importa a natureza intrínseca dos atos que produzem esse resultado. Embora em geral o suicídio seja representado como uma ação positiva e violenta que implica certo emprego de força muscular, pode acontecer que uma atitude puramente negativa ou uma simples abstenção tenham a mesma consequência.
Isso é, a pessoa tanto se mata recusando-se a comer como destruindo-se a ferro e fogo.
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Também não é necessário que o ato emanado do paciente tenha sido o antecedente imediato da morte para que ela possa ser considerada seu efeito; a relação de causalidade pode ser indireta, mas nem por isso o fenômeno muda de natureza. Aquele que para conquistar os louros do martírio comete um crime que ele sabe que é capital e morre pelas mãos do carrasco é autor de seu próprio fim tanto quanto se ele mesmo tivesse desferido o golpe mortal. 
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Chegamos, portanto, a uma primeira formulação: chama-se de suicídio toda morte que resulta mediata ou imediatamente de um ato positivo ou negativo, realizado pela própria vítima.
Mas essa definição é incompleta, já que não faz distinção entre duas espécies de mortes muito diferentes. Não podemos incluir numa mesma classe e tratar da mesma maneira a morte do alucinado que se joga de uma janela por acreditar que ela se encontra no mesmo nível do chão e a do homem são, que se atinge sabendo o que está fazendo.
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O que há de comum a todas as formas possíveis dessa renúncia é o ato que a consagra ser realizado com conhecimento de causa; é a vítima, no momento de agir, saber o que deve resultar de sua conduta, seja qual for a razão que a tenha levado a se conduzir assim. Dizemos, então, definitivamente: Chama-se suicídio todo caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato, positivo ou negativo, realizado pela própria vítima e que ela sabia que produziria esse resultado. 
Já a tentativa é o ato assim definido mas interrompido antes que dele resulte a morte. 
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Há aquilo que poderíamos dizer que não é suicídio, mas seu parente próximo, já que entre eles existem apenas diferenças de grau. Por exemplo: um homem que se expõe cientemente pelo outro mas sem que um desfecho mortal seja certo não é um suicida, mesmo que venha a morrer. Essas diferentes maneiras de agir advêm de estados de espíritos semelhantes, pois acarretam riscos mortais que não são ignorados pelo agente, e a perspectiva desses riscos não o detém; a única diferença é que as possibilidades de mortes são menores. Todos esses fatos constituem uma espécie de suicídios embrionários, e, se não é bom confundi-los com o suicídio completo, também não podemos perder de vista as relações de parentesco que eles mantêm com este último.
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Em vez de enxergarmos os suicídios apenas como acontecimentos particulares, isolados uns dos outros e cada um exigindo um exame à parte, consideramos o conjunto dos suicídios cometidos numa determinada sociedade durante uma determinada unidade de tempo, constataremos que o total assim obtido não é uma simples soma de unidades independentes, mas que constitui por si mesmo um fato novo e sui generis, que tem sua unidade e sua individualidade, sua natureza própria, natureza essa eminentemente social. 
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Com efeito, para uma mesma sociedade, desde que a observação não abranja um período por demais extenso, esse número é quase invariável. Isso porque, de um ano para o seguinte, as circunstâncias em que se desenvolve a vida dos povos permanecem sensivelmente as mesmas. Às vezes acontecem variações importantes, mas são excepcionais. Pode-se observar que são sempre contemporâneas de alguma crise que afeta temporariamente a situação social.
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Se considerarmos um período de tempo mais longo, veremos mudanças mais drásticas. Dessa forma, a evolução do suicídio se compõe de ondas de movimento, distintas e sucessivas, que ocorrem por ímpetos, desenvolvendo-se durante um tempo, depois se detendo, para em seguida recomeçar.
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Cada sociedade tem em cada momento de sua história uma disposição definida para o suicídio. Mede-se a intensidade relativa dessa disposição tomando a razão entre o número total global de mortes voluntárias e a população de todas as idades e de todos os sexos. Chamaremos esse dado numérico de taxa de mortalidade-suicídio própria à sociedade considerada. Essa taxa é constante durante longos períodos de tempo e sua invariabilidade é até maior do que a dos principais fenômenos demográficos. 
A mortalidade geral varia muito mais frequentemente de um ano para outro do
que a taxa de mortalidade-suicídio. 
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Nossa intenção não é fazer um inventário de todas as condições que possam entrar na origem dos suicídios particulares. As condições individuais podem fazer com que este ou aquele indivíduo isolado se mate, mas não que a sociedade in globo tenha uma propensão maior ou menor ao suicídio. Por isso essas condições interessam ao psicólogo, e não ao sociólogo.
O que o sociólogo busca são as causas por cujo intermédio é possível agir, não sobre os indivíduos isoladamente, mas sobre o grupo. Assim, entre os fatores dos suicídios os únicos que lhe interessam são os que fazem sentir sua ação sobre o conjunto da sociedade. A taxa de suicídios é o produto desses fatores, e por isso devemos nos deter nela. 
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Capítulo 10: Suicídio egoísta
O autor começa estabelecendo algumas proposições: 1) o suicídio varia na razão inversa do grau de integração da sociedade religiosa; 2) o suicídio varia na razão inversa do grau de integração da sociedade doméstica; 3) o suicídio varia na razão inversa do grau de integração da sociedade política.
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Essa relação demonstra que essas diferentes sociedades têm sobre o suicídio uma influência moderadora em função de uma causa que é comum a todas, qual seja, todos esse grupos sociais são fortemente integrados.
 Chegamos, então, a esta conclusão geral: o suicídio varia na razão inversa do grau de integração dos grupos sociais de que o indivíduo faz parte. 
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A sociedade não pode ser desintegrar sem que o indivíduo seja desengajado da vida social, sem que seus próprios fins se tornem preponderantes sobre os fins comuns, sem que sua personalidade tenda a se colocar acima da personalidade coletiva. Quanto mais enfraquecidos foram os grupos sociais a que o indivíduo pertence, menos ele depende deles e mais ele depende apenas de si próprio por não reconhecer outras regras de conduta a não ser aquelas estabelecidas por seu interesse privado. Como chamamos de “egoísmo” este estado onde o ego individual se afirma muito sobre o ego social, nós poderemos dar o nome de egoísta para o tipo particular de suicídio que resulta de uma individualização exacerbada.
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Quando a sociedade adoece, como os indivíduos participam dela estreitamente, eles também acabam sendo atingidos. O sofrimento da sociedade torna-se o sofrimento do indivíduo. Assim, ela não pode se desintegrar sem deixar de afetar e perturbar as condições regulares da vida geral. 
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Com isso, se formam correntes de depressão e de desencanto que não emanam de qualquer indivíduo particular, mas que na verdade são a expressão do estado de desagregação em que se encontra a sociedade. O que elas traduzem é o relaxamento dos laços sociais, uma espécie de doença coletiva. Neste contexto formam-se novas morais que recomendam o suicídio. 
No momento em que elas se produzem, parece que foram inventadas por seus autores, mas, na realidade, elas simbolizam a miséria fisiológica do corpo social. E como essas correntes são coletivas, ela têm uma autoridade que faz com que elas se imponham ao indivíduo. 
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Em resumo: o egoísmo é a causa geradora deste tipo de suicídio. Se nesse caso se afrouxa o laço que liga o homem à vida, é porque o laço que o liga à sociedade relaxou.
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Capítulo 11: Suicídio altruísta
O suicídio egoísta não é frequente nas sociedades inferiores, mas, em compensação, o suicídio altruísta se encontra em estado endêmico nas mesmas. O suicídio é muito frequente entre os povos primitivos, mas aí ele apresenta algumas características particulares.
Se o homem se mata, não é porque se arroga o direito de fazê-lo, mas sim porque ele se sente no dever de fazê-lo. Se ele faltar a essa obrigação, ele é punido pela desonra e por castigos religiosos. A sociedade o impele a se destruir, ela o prescreve e o obriga a abandoná-la.
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É em vista de fins sociais que a sociedade impõe esse sacrifício. Se o fiel não deve sobreviver ao seu chefe é porque a constituição da sociedade implica uma dependência tão estreita que exclui toda ideia de separação. É preciso que o destino de ambos sejam iguais.
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Esse tipo de suicídio (altruísta) se distingue do anterior (o egoísta) por características marcantes. Um decorre do fato de que a sociedade desagregada deixa o indivíduo lhe escapar; o outro decorre do fato de que ela o tem muito estreitamente sob sua dependência. 
O termo altruísmo exprime o contrário do egoísmo, exprime o estado em que o ego não se pertence e que se confunde com outra coisa, em que o polo de sua conduta se situa fora de si mesmo, em um dos grupos a que ele pertence. É por isso que chamaremos de suicídio altruísta aquele que resulta de um intenso altruísmo
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Mas, se as sociedades inferiores são o local por excelência do suicídio altruísta, ele também pode ser encontrado entre as civilizações modernas. Contudo, como nas sociedades contemporâneas a personalidade individual vem a se libertar cada vez mais da personalidade coletiva, esses suicídios não são muito frequentes. 
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Capítulo 12: Suicídio anômico
Quando a sociedade se vê perturbada, seja por uma crise ou por súbitas transformações, ela se vê provisoriamente incapaz de exercer sua ação sobre os indivíduos, e é daí onde resultam as ascensões bruscas da curva dos suicídios.
Enquanto as forças sociais que estão desajustadas não recobrem o equilíbrio, seu valor fica indeterminado, e, por consequência, toda regulamentação permanece defeituosa durante algum tempo. Não se sabe mais o que é possível e o que não é, o que é justo e injusto, quais são as aspirações legítimas, quais as que passam da medida, etc. E esse abalo atinge a todos na sociedade. 
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A anomia é nas sociedades modernas um fator regular e específico de suicídios. Esse novo tipo de suicídio deve ser distinguido dos outros. O suicídio egoísta resulta de que os homens não veem mais razão de ser na vida; o suicídio altruísta de que esta razão lhes parece estar fora da própria vida; o terceiro tipo de suicídio, o anômico, decorre do fato de estar desregrada a atividade dos homens, e é disto que eles sofrem.
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O suicídio anômico e o egoísta estão de certa forma relacionados. Ambos decorrem do fato de que a sociedade não está suficientemente presente nos indivíduos.
Mas, apesar de suas relações, esses dois tipos continuam independentes um do outro. Também não é nos mesmos meios sociais que esses dois tipos de suicídios recrutam sua principal clientela: um elege as carreiras intelectuais, o mundo onde se pensa, enquanto o outro o mundo industrial ou comercial. 
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Capítulo 13: Relações entre o suicídio e outros fenômenos sociais
O autor vai passar a relacionar o suicídio à algumas variáveis.
O homicídio e o suicídio não derivam de um mesmo estado psicológico. Mas, em muitos casos, os dois fenômenos, em vez de se afastarem e de se excluírem se desenvolvem paralelamente.
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Contudo, a despeito dessa concordância parcial entre os dois fenômenos, há momentos em que eles estão manifestamente em antagonismo. Isso é, se em certas fases do século as duas curvas tomadas em conjunto progridem no mesmo sentido, quando as seguimos por um período bastante longo veremos que elas se contrastam nitidamente.
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Se existem países que acumulam suicídio e homicídio, isto sempre ocorre em proporções desiguais. Jamais as duas manifestações atingiram o ponto máximo de intensidade num mesmo ponto. Existe até uma regra geral de que onde o homicídio é muito desenvolvido, confere uma espécie de imunidade contra o suicídio.
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Em resumo: o suicídio tanto coexiste com o homicídio como eles se excluem mutuamente; mas os casos de antagonismo são mais numerosos. 
Assim, a única maneira de conciliá-los é admitir que existem diferentes espécies de suicídios, dentre os quais uns têm certo parentesco com o homicídio enquanto outros se excluem.
Agora que sabemos os diferentes tipos de suicídios
podemos perceber quais são aqueles que são incompatíveis com o homicídio e os que, ao contrário, dependem em parte das mesmas causas.
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O suicídio egoísta e o homicídio resultam de causas antagônicas e, portanto, é impossível que um possa se desenvolver facilmente onde o outro é florescente.
Ao contrário, o suicídio altruísta e o homicídio podem muito bem caminhar paralelamente porque dependem de condições que só diferem em grau. Quando se é levado a desprezar a própria existência não se pode estimar muito e de outro.
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O suicídio anômico também se combina com o homicídio. Isso porque a anomia provoca um estado de exasperação que pode voltar-se contra o próprio sujeito ou contra outro. No primeiro caso ocorre o suicídio e no segundo o homicídio. Eis porque hoje em dia se encontra um certo paralelismo entre o desenvolvimento do suicídio e do homicídio, sobretudo nos grandes centros. É que a anomia atinge aí um estado agudo.
Como a anomia produz tanto o homicídio como o suicídio, tudo que possa refreá-la reprime também um e outro. 
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Chegamos, portanto, a seguinte conclusão: se o suicídio e o homicídio variam frequentemente na razão inversa um do outro, não é porque sejam duas faces diferentes de um mesmo fenômeno, mas sim porque eles constituem, de certa maneira, duas correntes sociais contrárias. Eles se excluem. Se, não obstante, essa oposição não impede a harmonia, é porque certos tipos de suicídios, ao invés de dependerem de causas antagônicas àquelas de onde derivam os homicídios, exprimem, ao contrário, o mesmo estado social e se desenvolvem no mesmo meio moral. Da mesma forma que o suicídio, o homicídio não é uma entidade una e indivisível, mas deve compreender uma pluralidade de tipos muito diferentes uns dos outros.

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