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LITERATURA BRASILEIRA I ALGEMIRA DE MACEDO MENDES TERESINA/PIAUÍ 2009 LITERATURA BRASILEIRA I FASCÍCULO I TERESINA/PIAUI 2009 LITERATURA BRASILEIRA I ALGEMIRA DE MACEDO MENDES TERESINA 2009 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO..................................................................................................... UNIDADE I................................................................................................................ A Literatura como sistema literário............................................................................ Definição de sistema literário................................................................................... Quadro evolutivo da poesia brasileira....................................................................... UNIDADE II............................................................................................................... As Primeiras Manifestações da literatura brasileira.................................................. Estudo de autores representativos do Barroco brasileiro......................................... Bento Teixeira........................................................................................................... Manuel Botelho de Oliveira....................................................................................... Gregório de Matos Guerra........................................................................................ Pe. Antônio Viera...................................................................................................... UNIDADE III.............................................................................................................. O Arcadismo............................................................................................................. Estudo sobre o Arcadismo brasileiro........................................................................ Características e temas do Arcadismo..................................................................... Autores representativos da poesia Lírica Árcade..................................................... Tomás Antônio Gonzaga.......................................................................................... Cláudio Manuel da Costa.......................................................................................... Silva Alvarenga......................................................................................................... Alvarenga Peixoto..................................................................................................... Autores representativos da poesia épica Árcade...................................................... Santo Rita Durão....................................................................................................... Basílio da Gama........................................................................................................ UNIDADE IV............................................................................................................. O Romantismo brasileiro........................................................................................... Estudo das características e temas.......................................................................... Autores representativos da poesia romântica........................................................... Gonçalves Magalhães............................................................................................... Gonçalves Dias......................................................................................................... Álvaro de Azevedo.................................................................................................... Castro Alves.............................................................................................................. Sousândrade............................................................................................................. PLANO DE DISCIPLINA EMENTA Estudo da poesia brasileira: das origens até o Romantismo. Características fundamentais Contexto sócio-político e cultural da poesia romântica. Estudo dos principais Autores, obras e tendências. OBJETIVOS: Caracterizar a poesia brasileira a partir de suas origens até o Romantismo. Ler textos poéticos representativos de autores brasileiros das origens ao Romantismo. Identificar tendências estéticas e ideológicas dos poetas que integram o sistema literário nos três primeiros séculos. Identificar caracteres no contexto literário que indicam ação criativa e invenções estéticas da obra de arte Analisar o processo evolutivo da poesia brasileira, os elementos socioculturais e as características estéticas que particularizam cada período literário que fazem da Literatura um sistema. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO: UNIDADE I A Literatura como sistema literário Definição de sistema literário Quadro evolutivo da poesia brasileira UNIDADE II Primeiras Manifestações sobre a literatura brasileira Estudo de autores representativos do Barroco brasileiro Bento Teixeira Manuel Botelho de oliveira Gregório de Matos Guerra Pe. Antônio Vieira UNIDADE III O Arcadismo Estudo sobre o Arcadismo brasileiro Características e temas do Arcadismo Autores representativos da poesia Lírica Árcade Tomás Antônio Gonzaga Cláudio Manuel da Costa Silva Alvarenga Alvarenga Peixoto Autores representativos da poesia épica Árcade Santo Rita Durão Basílio da Gama UNIDADE IV O Romantismo brasileiro Estudo das características e temas Autores representativos da poesia romântica Gonçalves Magalhães Gonçalves Dias Álvaro de Azevedo Castro Alves PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E AVALIAÇÃO Os procedimentos e metodologias a serem adotados nos encaminhamentos dos conteúdos e na avaliação de rendimentos do aluno deverão obedecer a orientação da Universidade Estadual do Piauí- UESPI, através do núcleo de educação a distância- NEAD. As dúvidas e dificuldades no decorrer do processo de interação tutor-aluno, serão mediadas pelos meios de comunicação disponíveis para tal finalidade. APRESENTAÇÃO O Presente fascículo integra o material de apoio pedagógico desenvolvido pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI, correspondente à disciplina Literatura Brasileira I, que compõe a estrutura curricular do Curso de Licenciatura plena em Língua Espanhola, na modalidade de educação a distância. Este fascículo foi organizado e sistematizado com o objetivo de contribuir com os seus estudos e suas reflexões acerca da compreensão dos objetivos e da importância dos fatos literários no tocante à Literatura brasileira, englobando os conteúdos correspondentes a poesia dentre diferentes estilos de épocas, a saber: Barroco, Arcadismo e Romantismo. Para melhor operacionalização dos conteúdos programáticos e eficácia nos estudos, este fascículo foi estruturado a partir de pressupostos teóricos e formadores da história da literatura brasileira que discutem os elementos constituidores dos fatos literários. Os conteúdos estão distribuídos em quatro unidades, a saber: a primeira unidade denominada: a Literatura como sistema literário, definição de sistema literário e um quadro evolutivo da poesia brasileira; a segunda, discuteas primeiras manifestações da literatura brasileira, o estudo de autores representativos do Barroco brasileiro como: Bento Teixeira Manuel Botelho de Oliveira, Gregório de Matos Guerra e Pe.. Antônio Viera. Já a terceira, contempla o Arcadismo e um estudo sobre seus temas, características e autores representativos da poesia lírica como: Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa, Silva Alvarenga, Alvarenga Peixoto e os autores representativos da poesia épica, Santo Rita Durão e Basílio da Gama. Na quarta e última unidade o Romantismo brasileiro com suas características, temas e autores representativos da poesia romântica englobando todas as fases. Desde a primeira como Gonçalves Magalhães, Gonçalves Dias, Álvaro de Azevedo, a última composta principalmente por Castro Alves e Sousândrade. Visando a colaborar com a metodologia de estudo, sugerem-se alguns passos tais como observar os objetivos de cada unidade e fazer as atividades sugeridas no final de cada texto, ações que ajudarão o aluno a aprofundar o assunto; o aluno deve valorizar e empenhar-se nos trabalhos de grupo tanto quanto nas reflexões individuais; compartilhar ideias; atentar para as referências bibliográficas e, se necessitar, recorrer a elas para aprofundar-se nos conteúdos abordados nas disciplinas de seu curso. Finalmente, deve-se ler, refletir, analisar criticamente cada ideia e/ou teoria aqui apresentada. Suas dúvidas poderão ser colocadas junto ao seu tutor. Aproveite! Boa leitura. Bons estudos! UNIDADE I A Literatura como sistema literário OBJETIVOS Apresentar uma definição da literatura brasileira como sistema, bem como os elementos básicos que estão inseridos nesse processo. Identificar as origens e a evolução literária de forma sistêmica. 1. A Literatura como sistema literário Ao longo do século XIX, desde o rompimento do estatuto colonial e do início da construção do Estado nacional no Brasil, após a independência política colocou-se a necessidade da elaboração de uma historiografia literária, capaz não só de justificar a existência de uma literatura brasileira, como de pensar e apontar seus caracteres e especificidades. De Ferdinand Denis a Ferdinand Wolf, de Gonçalves Magalhães a Joaquim Norberto, passando por Santiago Nunes Ribeiro e Francisco Adolfo de Varnhagen dentre outros, concebeu-se uma tradição histórico-literária com importante papel ideológico na construção nacional. Esse acervo crítico foi reelaborado, nas últimas décadas do século XIX e início do século XX, por vários outros intelectuais em seus estudos sobre a história da literatura brasileira, entre eles, Sílvio Romero, Araripe Júnior e José Veríssimo. No entanto, somente nos anos cinquenta do século XX é que esses referenciais foram reelaborados e superados por Antonio Candido, no livro Formação da Literatura brasileira, (momentos decisivos), de 1959. Nesse estudo, o autor — partindo da herança histórico-crítica precedente e incorporando muitos de seus elementos — repensa os marcos cronológicos e culturais do surgimento da literatura no Brasil, ou seja, seus momentos decisivos — século XVIII (Arcadismo) e XIX (Romantismo) — conjuntamente com o estabelecimento de um sistema literário. Nela o autor diz que para compreender em que sentido é tomada a palavra formação, e porque se qualificam de decisivos os momentos estudados, convém principiar distinguindo manifestações literárias, de literatura propriamente dita, considerada aqui um sistema de obras ligadas por denominadores comuns, que permitem reconhecer as notas dominantes duma fase. Estes denominadores são, além das características internas, (língua, temas, imagens), certos elementos de natureza social e psíquica, embora literariamente organizados, que se manifestam historicamente e fazem da literatura aspecto orgânico da civilização. Entre eles se distinguem: a existência de um conjunto de produtores literários, mais ou menos conscientes do seu papel; um conjunto de receptores, formando os diferentes tipos de público, sem os quais a obra não vive; um mecanismo transmissor, (de modo geral, uma linguagem, traduzida em estilos), que liga uns a outros. O conjunto dos três elementos dá lugar a um tipo de comunicação inter-humana, a literatura, que aparece sob este ângulo como sistema simbólico, por meio do qual as veleidades mais profundas do indivíduo se transformam em elementos de contacto entre os homens, e de interpretação das diferentes esferas da realidade. Quando a atividade dos escritores de um dado período se integra em tal sistema, ocorre outro elemento decisivo: a formação da continuidade literária, - espécie de transmissão da tocha entre corredores, que assegura no tempo o movimento conjunto, definindo os lineamentos de um todo. É uma tradição, no sentido completo do termo, isto é, transmissão de algo entre os homens, e o conjunto de elementos transmitidos, formando padrões que se impõem ao pensamento ou ao comportamento, e aos quais somos obrigados a nos referir, para aceitar ou rejeitar. Sem esta tradição não há literatura, como fenômeno de civilização. Ele acresce que no arsenal da história literária, dispomos, para o nosso caso, de conceitos como: período, fase, momento; geração, grupo, corrente; escola, teoria, tema; fonte, influência. Embora o autor reconheça a importância da noção de período, ele utiliza a incidentemente e atendendo à evidência estética e histórica, sem preocupar-se com distinções rigorosas. Isso, porque o intuito foi sugerir, tanto quanto possível, a ideia de movimento, passagem, comunicação, - entre fases, grupos e obras; sugeriu uma certa habilidade que permitisse ao leitor sentir, por exemplo, que a separação evidente, do ponto de vista estético, entre as fases neoclássicas e romântica, é contrabalançada, do ponto de vista histórico, pela sua unidade profunda. À diferença entre estas fases, o autor procurou somar a ideia de sua continuidade, no sentido da tomada de consciência literária e da tentativa de construir uma literatura. Do mesmo modo, embora os escritores se disponham quase naturalmente por gerações, não interessou a ele utilizar o conceito com rigor nem exclusividade. Apesar de fecundo, pode facilmente levar a uma visão mecânica, impondo cortes transversais numa realidade que se quer apreender em sentido longitudinal, sobretudo. Por isso, sobrepôs ao conceito de geração o de tema, procurando apontar não apenas a sua ocorrência, num dado momento, mas a sua retomada pelas gerações sucessivas através do tempo. Para Cândido, isso conduz ao problema das influências, que vinculam os escritores uns aos outros, contribuindo para formar a continuidade no tempo e definir a fisionomia própria de cada momento. Embora a tenha utilizado largamente e sem dogmatismo, como técnica auxiliar, é preciso reconhecer que talvez seja o instrumento mais delicado, falível e perigoso de toda a crítica, pela dificuldade em distinguir coincidência, influência e plágio, bem como a impossibilidade de averiguar a parte da deliberação e do inconsciente. Além disso, nunca se sabe se as influências apontadas são significativas ou principais, pois há sempre as que não se manifestam visivelmente, sem contar as possíveis fontes ignoradas (autores desconhecidos, sugestões fugazes), que por vezes sobrelevam as mais evidentes. 2. Definição de sistema literário Antonio Candido, ao analisar a formação da literatura brasileira, procura demarcar seus momentos decisivos (Arcadismo eRomantismo), “[...] como síntese de tendências universalistas e particularistas [...]” (CANDIDO, 2001, vol. 1, p. 23). Entre o primeiro momento (mais cosmopolita) e o segundo (que busca peculiaridades locais), haveria um movimento dialético de continuidade e ruptura, mas com o mesmo solidário objetivo: a “missão” de criar uma literatura brasileira e de construir uma nação. Ao delimitar e qualificar os momentos decisivos, o crítico procura distinguir como já se mencionou, manifestações literárias, de literatura propriamente dita, considerada aqui como um sistema de obras ligadas por denominadores comuns conforme Candido destaca: [...] são, além das características internas (língua, temas, imagens), certos elementos de natureza social e psíquica, embora literariamente organizados, que se manifestam historicamente e fazem da literatura aspecto orgânico da civilização. Entre eles se distinguem: a existência de um conjunto de produtores literários, mais ou menos conscientes do seu papel; um conjunto de receptores, fornecendo os diferentes tipos de público, sem os quais a obra não vive; um mecanismo transmissor (de modo geral, uma linguagem, traduzida em estilos) que liga uns a outros. O conjunto dos três elementos dá lugar a um tipo de comunicação inter- humana, a literatura, que aparece, sob este ângulo como sistema simbólico [...] (CANDIDO, 2001, vol. 1, p. 23). Essa caracterização da literatura como sistema levaria, por sua vez, à fixação de uma tradição, como processo acumulativo, de seguimento de autores e obras, possibilitando “a formação da continuidade literária” (CANDIDO, 2001, vol. 1, p. 24). Nesse sentido, a noção de sistema permitiria repensar a periodização histórica da literatura brasileira. Do século XVI a meados do XVIII, teria havido manifestações literárias esparsas, rarefeitas, isoladas e sem continuidade e organicidade, de repercussão local, sem conseguir formar tradição. É somente na segunda metade do século XVIII, com as academias, que começa a se configurar uma literatura brasileira, “[...] encorpando o processo formativo, que vinha de antes e continuou depois [...]” (CANDIDO, 2001, vol. 1, p. 16). O Arcadismo teria tido mesmo papel importante, “[...] porque plantou de vez a literatura do Ocidente no Brasil [...]” (CANDIDO, 2001, vol. 1, p. 17). Sem desconhecer grupos ou linhas temáticas anteriores, nem influências como as de Rocha Pita e Itaparica, é com os chamados árcades mineiros, as últimas academias e certos intelectuais ilustrados, que surgem homens de letras formando conjuntos orgânicos e manifestando em graus variáveis a vontade de fazer literatura brasileira. Tais homens foram considerados fundadores pelos que os sucederam, estabelecendo-se deste modo uma tradição contínua de estilos, temas, formas e preocupações (CANDIDO, 1971, p. 25). O processo formativo ganhou novo impulso nas primeiras décadas do século XIX, quando são criadas algumas premissas básicas para a construção da nação propiciadas pelo deslocamento do Estado português para a colônia e, posteriormente, para a quebra do estatuto colonial. Imprensa, periódicos, escolas superiores, debate intelectual, grandes obras públicas, contato livre com o mundo [...] Foi a Época das Luzes, acarretando algumas consequencias importantes para o desenvolvimento da cultura intelectual e artística, da literatura em particular. Posta a cavaleiro entre um passado tateante e o século novo, que se abriria triunfal com a Independência, viu o aparecimento dos primeiros públicos consumidores regulares de arte e literatura; a definição social do intelectual; a aquisição, por parte dele, de hábitos e características mentais que o marcariam até quase os nossos dias (CANDIDO, 2001, vol. 1, p. 227). É, no entanto, entre os anos trinta e setenta daquele século que o “sistema literário” se consolida. E se consubstancia através do movimento romântico, desencadeado em Paris por um grupo liderado por Gonçalves de Magalhães por meio da revista Niterói em 1836. Seu referencial são as teses elaboradas por Ferdinand Denis em Resumo da história literária do Brasil, de 1826, “[...] fundando a teoria de nossa literatura segundo os moldes românticos, num sentido que a orientaria por meio século e iria repercutir quase até nossos dias” (CANDIDO, 2001, v. 2, p. 323). Inspirado em Schlegel, Madame de Staël e Chateaubriand, Denis define o caráter que a literatura deveria assumir na América: teria que se diferenciar pela temática local e pela natureza. “Os sentimentos dominantes na literatura serão, portanto, o nacionalismo, o indianismo e o cristianismo, pois este foi o ideal que dirigiu nossa colonização” (CANDIDO, 2001, v. 2, p. 322). Seus princípios fundamentais poderiam, para Antonio Candido, ser sistematizados como segue: 1) O Brasil precisa ter uma literatura independente; 2) esta literatura recebe suas características do meio, das raças e dos costumes próprios do país; 3) os índios são os brasileiros mais lídimos, devendo-se investigar as suas características poéticas e tomá-las como tema; 4) além do índio, são critérios de identificação nacional a descrição da natureza e dos costumes; 5) a religião não é característica nacional, mas é elemento indispensável da nossa literatura; 6) é preciso reconhecer a existência de uma literatura brasileira no passado e determinar quais os escritores que anunciaram as correntes atuais (CANDIDO, 2001, v. 2, p. 329-330). Tributários do nacionalismo, os intelectuais românticos criaram as bases do que seria uma literatura brasileira. Empenhados na “construção da nação”, assumiram mesmo um “sentimento de missão” que os levava a “[...] considerar a atividade literária como parte do esforço de construção do país livre” (CANDIDO, 2001, v. 1, p. 26). Aliás, o próprio autor, Antonio Candido, esclarece que se colocou de maneira deliberada do ponto de vista [...] dos nossos primeiros românticos e dos críticos estrangeiros, que antes deles, localizaram na fase arcádica o início de nossa verdadeira literatura, graças à manifestação de temas, notadamente o Indianismo, que dominarão a produção oitocentista. Esses críticos conceberam a literatura do Brasil como expressão da realidade local e, ao mesmo tempo, elemento positivo na construção nacional (CANDIDO, 2001, v. 1, p. 25). Nos anos setenta do século XIX, o sistema literário estaria plenamente configurado, a formação da literatura brasileira concluída e seu ponto de chegada seria Machado de Assis, que segundo Candido se embebeu meticulosamente da obra dos predecessores. A sua linha evolutiva mostra o escritor altamente consciente, que compreendeu o que havia de certo, de definitivo, na orientação de Macedo para a descrição dos costumes, no realismo sadio e colorido de Manuel Antônio, na vocação analítica de José de Alencar. Ele pressupõe a existência de predecessores, e esta é uma das razões de sua grandeza [...] aplicou o seu gênio em assimilar, aprofundar, fecundar o legado positivo das experiências anteriores [...] Assim, se Swift, Pascal, Schopenhauer, Sterne, a Bíblia ou outras fontes que sejam, podem esclarecer sua visão do homem e a sua técnica, só a consciência de sua integração na continuidade da ficção romântica esclarece a natureza do seu romance. (CANDIDO, 2001, v. 2, p. 117-118). 3. Quadro evolutivo da poesia brasileira: das origens ao Romantismo Apresenta-se numa visão historiográfica um quadro sucinto da poesia brasileira das origens ao Romantismo incluindo os autores principais e suas respectivas obras. QUADRO EVOLUTIVO DA POESIA BRASILEIRA-DAS ORIGENS AO ROMANTISMO ESTILO DE ÉPOCA PRINCIPAIS POETAS PRINCIPAIS OBRAS Bento Teixeira Prosopopéia Gregório de Matos PoesiaSacra Poesia Lírica Poesia Satírica Manuel Botelho de Oliveira Musica do parnaso BARROCO Padre Antônio viera Os sermões Claudio Manuel da Costa Obras poéticas Vila rica Tomás Antônio Gonzaga Marília de Dirceu Silvia Alvarenga Glaura Basílio da Gama O Uruguai ARCADISMO Santa Rita durão Caramuru Gonçalves de Magalhães Suspiros Poéticos e Saudades Gonçalves Dias Primeiros cantos Álvaro de Azevedo Liras dos vinte anos Casimiro de Abreu Primaveras Fagundes Varela Noturna Castro Alves Os escravos ROMANTISMO-Poesia (1ª, 2ª e 3ª geração) Sousândrade Guesa errante ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM 1. Baseado no nos estudos sobre a formação e conceito do sistema literário brasileiro, aponte os elementos mais importantes que serviram como modelo para os estudiosos da Literatura formular suas definições. ATIVIDADES COMPLEMENTARES Você poderá aprofundar seus estudos sobre o início e formação do sistema literário brasileiro pesquisando na bibliografia indicada no final desta unidade e ainda em outras fontes como: História da literatura brasileira - Romero, Sílvio. História da literatura brasileira. 3. ed: Imago. Rio de Janeiro, 2001. v. 5 O berço do cânone Zilberman, Regina. O berço do cânone. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1998. 351 p. www.biblio.com.br/ www.dominiopublico.gov.br/pesquisa GLOSSÁRIO SISTEMA vem do grego σύστημα significa - conjunto de elementos interconectados, de modo a formar um todo organizado, Vindo do grego, o termo "sistema" significa "combinar", "ajustar", "formar um conjunto. Podem existir vários tipos, desde sistemas de informação e ciência da computação, Sistemas em pesquisa operacional e ciência do gerenciamento sistemas de referências, Ligações externas, sistemas literários, dentre outros. UNIDADE II AS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES DA LITERATURA BRASILEIRA OBJETIVOS: Caracterizar o contexto sócio-político e cultural da poesia Barroca brasileira. Identificar tendências estéticas e ideológicas dos poetas que integram o Barroco brasileiro. Ler e analisar textos poéticos representativos de autores brasileiros do Barroco. 1. Primeiras manifestações da literatura brasileira O estudo sobre as origens da literatura brasileira deve ser feito levando-se em conta duas vertentes: a histórica e a estética. O ponto de vista histórico orienta no sentido de que a literatura brasileira é uma expressão de cultura gerada no seio da literatura portuguesa. Como até bem pouco tempo eram muito pequenas as diferenças entre a literatura dos dois países, os historiadores acabaram enaltecendo o processo da formação literária brasileira, a partir de uma multiplicidade de coincidências formais e temáticas. A outra vertente (aquela que salienta a estética como pressuposto para a análise literária brasileira) ressalta as divergências que desde o primeiro instante se acumularam no comportamento (como nativo e colonizado) do homem americano, influindo na composição da obra literária. Em outras palavras, considerando que a situação do colono tinha de resultar numa nova concepção da vida e das relações humanas, com uma visão própria da realidade, a corrente estética valoriza o esforço pelo desenvolvimento das formas literárias no Brasil, em busca de uma expressão própria, tanto quanto possível original. 1.1 O Barroco Igreja de São Francisco em Salvador-BA. O período Barroco sucedeu o Renascimento, do final do século XVI ao final do século XVII, estendendo-se a todas as manifestações culturais e artísticas européias e latino-americanas. Iniciado pelo maneirismo e extinto no rococó, considerado um barroco exagerado e exuberante, e para alguns, a decadência do movimento. Em sua estética, o barroco revela a busca da novidade e da surpresa; o gosto pela dificuldade, pregando a ideia de que se nada é estável tudo deve ser decifrado; a tendência ao artifício e ao engenho; a noção de que no inacabado reside o ideal supremo de uma obra artística. A literatura barroca se caracteriza pelo uso da linguagem dramática expressa no exagero de figuras de linguagem, de hipérboles, metáforas, anacolutos e antíteses. O barroco é conhecido como "a arte do conflito", pois (por causa do Renascimento) o homem estava dividido entre dois valores diferentes (teocentrismo x antropocentrismo). Em vista disso, o barroco se divide em duas correntes (uma otimista e uma pessimista). Por causa dessa mudança na mentalidade, o homem entra numa grande depressão, pois ele não pode mais recorrer a Deus. Esse conflito vai se refletir nas artes da época: relevo na arquitetura, movimento na escultura, luz e sombra na pintura, contraponto na música e antíteses e paradoxos na literatura. O Barroco segundo Afrânio Coutinho (2000) é caracterizado principalmente pelo culto exagerado da obra, sobrecarregando a poesia de figuras de linguagem; o dualismo: conflito entre o bem e o mal, o Céu e a Terra, Deus e o Diabo, o material e o espiritual, o pecado e o perdão; culto do Contraste, onde o poeta se sente dividido e confuso por causa do dualismo de ideias; o pessimismo, que era acarretado pela confusão causada pelo dualismo. Em outras palavras, o Barroco revela a busca da novidade e da surpresa, o gosto da dificuldade, sintetizando o pensamento da escola literária em estudo, pode-se dizer que dois modelos teóricos os influenciaram: O cultismo - descrição simples de objetos usando uma linguagem rebuscada, culta e extravagante, jogo de palavras, com uma influência visível do poeta espanhol Luís de Gongora (daí o estilo ser chamado também de Gongorismo). Caracterizado também pelo abuso no emprego de figuras de linguagem como metáforas, antíteses, hipérboles, anáforas etc. E o conceptismo - marcado pelo jogo de ideias, de conceitos, seguindo um raciocínio lógico, racionalista e que utiliza uma retórica aprimorada. Os conceptistas pesquisavam a essência íntima dos objetos, buscando saber o que são, assim, a inteligência, lógica e raciocínio ocupam o lugar dos sentidos. Assim, é muito comum a presença de elementos da lógica formal como o silogismo e o sofismo. O Barroco no Brasil tem seu marco inicial em 1601, com a publicação do poema épico "Prosopopéia", de Bento Teixeira, que introduz definitivamente o modelo da poesia camoniana em nossa literatura. Estende-se por todo o século XVII e início do XVIII, tendo sido fundada neste período as Academias . Antes do texto de Bento Teixeira, os sinais mais evidentes da influência da poesia barroca no Brasil surgiram a partir de 1580 e começaram a crescer nos anos seguintes ao domínio espanhol na Península Ibérica, já que é a Espanha a responsável pela unificação dos reinos da região, o principal foco irradiador do novo estilo poético. O quadro brasileiro se completa no século XVII, com a presença cada vez mais forte dos comerciantes, com as transformações ocorridas no Nordeste em consequencia das invasões holandesas e, finalmente, com o apogeu e a decadência da cana-de-açúcar 1.2. Autores e obras representativas do barroco brasileiro Estatua de Bento Teixeira Bento Teixeira, como já foi dito, é responsável pela introdução do Barroco no Brasil com a obra Prosopopéia. Filho de cristãos-novos, veio com a família para o Brasil por volta de 1567, com destino à capitania do Espírito Santo, frequentando o colégio dos Jesuítas.Em 1576 foi para o Rio de Janeiro e em 1579, para a Bahia. Em 1583 vai para Ilhéus onde se casa com Felipa Raposa, cristã-velha, tendo posteriormente assassinado- a por ela ter cometido adultério. Sem possibilidade de melhoria financeira, parte em 1584 para Olinda, abrindo aí a escola. Em 1588 vai para Igaraçu, dedicando-se ao magistério, à advocacia e ao comércio. Blasfemou, sendo, em consequencia, levado a auto-de-fé em 31 de julho de 1589, mas conseguindo a absolvição do ouvidor da Vara Eclesiástica. Continuando sob a mira da Inquisição por judaísmo, foi preso em Olinda em 20 de agosto de 1595 sendo embarcado para Lisboa, aí chegando em janeiro de 1596. Recolhido aos cárceres, negou a crença e práticas judaicas, vindo a confessá-las depois. Levado a auto-de-fé em 31 de janeiro de 1599, abjurou o judaísmo, recebeu doutrinação católica e obteve liberdade condicional em 30 de outubro. Doente, faleceu na cadeia de Lisboa, em fins de julho de 1600. A obra Prosopopéia, de Bento Teixeira é um poemeto épico, com 94 estâncias em oitava rima e decassílabos heróicos, conforme ensinava Camões nos Lusíadas, gira em torno de Jorge de Albuquerque Coelho, donatário da Capitânia de Pernambuco, e de sue irmão, Duarte. O intuito do poeta, declarado logo nos primeiros versos, era enaltecer os feitos guerreiros dos heróis, em terras brasílicas e africanas. O narrador do poema é prometeu. Sua estrutura é composta de um prólogo, narração e epílogo. Seguem alguns trechos do poema: PRÓLOGO Dirigido a Jorge d’Albuquerque Coelho, Capitão e Governador da Capitania de Pernambuco, das partes do Brasil da Nova Lusitânia etc. Se é verdade o que diz Horácio que Poetas e Pintores estão no mesmo predicamento, e estes, para pintarem perfeitamente uma imagem, primeiro na lisa tábua fazem rascunho, para depois irem pintando os membros dela extensamente, até realçarem as tintas, e ela ficar na fineza de sua perfeição; assim eu, querendo debuxar com obstardo pincel de meu engenho a viva imagem da vida e feitos memoráveis de vossa mercê, quis primeiro fazer este rascunho, para depois, sendo-me concedido por vossa mercê, ir mui particularmente pintando os membros desta imagem, se não me faltar a tinta do favor de vossa mercê, a quem peço, humildemente, receba minhas rimas, por serem as primícias com que tento servi-lo. E porque entendo que as aceitará com aquela benevolência e brandura natural, que costuma, respeitando mais a pureza do ânimo que a vileza do presente, não me fica mais que desejar, se não ver a vida de vossa mercê aumentada e estado prosperado, como todos os seus súditos desejamos. Beija as mãos de vossa mercê: (Bento Teixeira) seu vassalo. I Cantem poetas o poder romano, Sobmetendo nações ao jugo duro; O Mantuano pinte o Rei Troiano, Descendo à confusão do Reino escuro; Que eu canto um Albuquerque soberano, Da fé, da cara Pátria firme muro, Cujo valor, e ser, que o céu lhe inspira, Pode estancar a lácia e grega lira. II As Délficas irmãs chamar não quero, que tal invocação é vão estudo; Aquele chamo só, de quem espero A vida que se espera em fim de tudo. Ele fará meu verso tão sincero, Quanto fora sem ele tosco, e rudo, Que per razão negar não deve o menos Quem deu o mais a míseros terrenos. III E vós, sublime Jorge, em quem se esmalta A Estirpe d'Albuquerques excelente, E cujo eco da fama corre e salta Do carro glacial à zona ardente, Suspendei por agora a mente alta, Dos casos vários da olindesa gente, E vereis vosso irmão e vós supremo No valor, abater Quirino e Remo. IV Vereis um senil ânimo arriscado A trances e conflitos temerosos, E seu raro valor executado Em corpos luteranos vigorosas. Vereis seu Estandarte derribado Aos Católicos pés vitoriosos, Vereis em fim o garbo, e alto brio, Do famoso Albuquerque vosso Tio. V Mas em quanto Tália no se atreve, No Mar do valor vosso, abrir entrada, Aspirai com favor a Barca leve De minha Musa inculta e mal limada. Invocar vossa graça, mais se deve, Que toda a dos antigos celebrada, Porque ela me fará que participe Doutro licor melhor que o de Aganipe. ........................................................................... NARRAÇÃO VII A Lâmpada do Sol tinha encoberto, Ao mundo, sua luz serena e pura, E a irmã dos três nomes descoberto A sua tersa e circular figura. Lá do portal de Dite, sempre aberto, Tinha chegado, com a noite escura, Morfeu, que com sutis e lentos passos Atar vem dos mortais os membros lassos. ........................................................................ MANUEL BOTELHO DE OLIVEIRA O escritor barroco Manuel Botelho de Oliveira nasceu em Salvador - BA, em1636 e faleceu em 1711. Contemporâneo de Gregório de Matos, cursou Direito na Universidade de Coimbra - Portugal. De volta ao Brasil, passou a exercer a advocacia; também foi vereador da Câmara de Salvador - Em 1705 publica em Portugal sua obra, Música do Parnaso. Conviveu com Gregório de Matos e versou sobre os temas correntes da poesia de seu tempo. A obra, Música do parnaso é dividida em quatro coros de rimas portuguesas, castelhanas, italianas e latinas, com seu decante cômico reduzido em duas comédias. Das rimas portuguesas que englobam 42 sonetos, 23 madrigais, 12 décimas, 3 redondilhas , 14 romances, 1 panegírico, 1 poema em oitavas, 6 canções e uma silva. Para melhor exemplificarmos, seguem trechos da obra. ( MOISÉS, 2006, p. 52-56,). MÚSICA DO PARNASO Monte Parnaso na Grécia SONETO VII Vendo a Anarda depõe o sentimento A serpe, que adornando várias cores, Com passos mais oblíquos, que serenos, Entre belos jardins, prados amenos, É maio errante de torcidas flores; Se quer matar da sede os desfavores, Os cristais bebe com a peçonha menos, Por que não morra com os mortais venenos, Se acaso gosta dos vitais licores. Assim também meu coração queixoso, Na sede ardente do feliz cuidado Bebe cos olhos teu cristal formoso; Pois para não morrer no gosto amado, Depõe logo o tormento venenoso, Se acaso gosta o cristalino agrado. SONETO X Ponderação do rosto e olhos de anarda Quando vejo de Anarda o rosto amado, Vejo ao céu e ao jardim ser parecido; Porque no assombro do primor luzido Tem o sol em seus olhos duplicado. Nas faces considero equivocado De açucenas e rosas o vestido; Porque se vê nas faces reduzido Todo o império de Flora venerado. Nos olhos e nas faces mais galharda Ao céu prefere quando inflama os raios, E prefere ao jardim, se as flores guarda: Enfim dando ao jardim e ao céu desmaios, O céu ostenta um sol, dous sóis Anarda, Um maio o jardim logra; ela dous maios. Gregório de matos Gregório de Matos, poeta significativo do Barroco brasileiro, nasceu em Salvador - BA, em 20/12/1623 e morreu em Recife – PE, em 1696. Foi contemporâneo do Pe. Antônio Vieira. Amado e odiado, é conhecido por muitos como "Boca do Inferno", em função de suas poesias satíricas, muitas vezes trabalhando o chulo em violentos ataques pessoais. Influenciado pela estética, estilo e sintaxe de Gôngora e Quevedo, é considerado o verdadeiro iniciador da literatura brasileira. Considerado uma das principais referências do barroco brasileiro, Gregório de Matos Guerra cultivou com a mesma beleza tanto o estilo cultista quanto o conceptista. O primeiro valoriza o pormenor, enquanto o segundo segue um raciocínio lógico, racionalista A poesia de Gregório de Matos pode ser classificada como: líricareligiosa e lírica amorosa e satírica. Em todos os estilos abusa de figuras de linguagem como se demonstrou faz uso do estilo cultista e conceptista, através de jogos de palavras e raciocínios sutis. As contradições, próprias, talvez, de sua personalidade instável, são uma constante em seus poemas, oscilando entre o sagrado e o profano, o sublime e o grotesco, o amor e o pecado, a busca de Deus e os apelos terrenos. Na poesia lírica religiosa o poeta se ajoelha diante de Deus, com forte sentimento de culpar por haver pecado, e promete redimir-se. São recorrentes nestes poemas imagens: do homem ajoelhado implorando perdão por seus erros conforme demonstra a seguir: A Jesus cristo nosso senhor Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado, Da vossa alta clemência me despido; Porque quanto mais tenho delinquido, Os tenho a perdoar mais empenhado. Se basta a vos irar tanto pecado, A abrandar-vos sobeja um só gemido; Que a mesma culpa, que vos há ofendido, Vos tem para o perdão lisonjeado. Se uma ovelha perdida e já cobrada Glória tal e prazer tão repentino Vos deu, como afirmais na sacra história, Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada, Cobrai-a; e não queirais, pastor divino, Perder na vossa ovelha a vossa glória No lírico amoroso se define pelo erotismo, revelando uma sensualidade ora grosseira, ora rara fineza. Sua visão do amor está fundamentada constantemente na religiosidade da contra-reforma. Para ele o tempo elimina as alegrias corpóreas, que a vida e a beleza são breves e que se faz, portanto necessário aproveitá-las. São constantes imagens de efemeridade, ou seja, brevidade do tempo, como destaca-se no soneto que segue: Maria dos povos. Discreta e formosíssima Maria, Enquanto estamos vendo a qualquer hora, Em tuas faces a rosada Aurora, Em teus olhos e boca, o Sol e o dia: Enquanto com gentil descortesia, O Ar, que fresco Adônis te namora, Te espalha a rica trança brilhadora Quando vem passear-te pela fria. Goza, goza da flor da mocidade, Que o tempo trata, a toda a ligeireza E imprime em toda flor sua pisada. Oh não aguardes que a madura idade Te converta essa flor, essa beleza, Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada. (GONZAGA, 2001, p.19) Por último, o satírico, estilo que comumente é mais conhecido por sua sátira ferina, azeda e mordaz, usando, às vezes, palavras de baixo calão, daí seu epíteto Boca do Inferno. O autor critica todos os aspectos da sociedade baiana, ninguém escapa, os nativos, os negros e particularmente o clero e o povo português. Aos vícios Eu sou aquele, que os passados anos cantei na minha lira maldizente torpezas do Brasil, vícios e enganos. E bem que eu os descantei bastantemente, Canto segunda vez na mesma lira O mesmo assunto em plectro diferente. De que pode servir, calar, quem cala? Nunca se há de falar, o que se sente? Sempre se há de sentir, o que se fala? ! Qual homem pode haver tão paciente, Que, vendo o triste estado da Bahia, Não chore, não suspire, e não lamente? Outro autor significativo para o Barroco é o Pe. Antônio Vieira, nasceu em 6 de fevereiro de 1608, em Lisboa e faleceu em Salvador, em 1697. Foi um dos mais importantes oradores de seu século. Seu pai servira a marinha e fora, por dois anos, escrivão da Inquisição portuguesa. Seu pai se mudou em 1609 para o Brasil, onde assumiu um cargo de escrivão em Salvador; em 1614 trouxe a família para o Brasil quando Antônio tinha 6 anos de idade. Antônio estudou na única escola de Salvador da época: a dos jesuítas. Consta que não era um bom aluno no começo, mas depois se tornou brilhante. Juntou-se à Companhia de Jesus como noviço em maio de 1623. Existem muitas lendas sobre Vieira, incluindo que na juventude sua genialidade lhe fora concedida por Nossa Senhora e que uma vez um anjo lhe indicou o caminho de volta à escola quando estava perdido. Quando em 1624 os holandeses invadiram a Bahia, Vieira se refugiou no interior, onde começaram seus impulsos missionários. Um ano depois tomou os votos de castidade, pobreza e obediência, abandonando o noviciado. Não partiu para a vida missionária, no entanto. Estudou muito além da teologia: lógica, física, metafísica, matemática e economia. Em 1634, após ter sido professor de retórica em Olinda, se ordenou. Em 1638 já ensinava Teologia. Se por um lado, Gregório de Matos mexeu com as estruturas morais e a tolerância de muita gente - como o administrador português, o próprio rei, o clero e os costumes da própria sociedade baiana do século XVII - por outro, ninguém angariou tantas críticas e inimizades quanto o "impiedoso" Padre Antônio Vieira, detentor de um invejável volume de obras literárias, inquietantes para os padrões da época, quer seja na Bahia, no Maranhão ou em Pernambuco, estados nos quais passou boa parte de sua vida ou mesmo em Portugal. Politicamente, Vieira tinha contra si a pequena burguesia cristã (por defender o capitalismo judaico e os cristãos-novos); os pequenos comerciantes (por defender o monopólio comercial); e os administradores e colonos (por defender os índios). Essas posições, principalmente a defesa dos cristãos-novos, custaram a Vieira uma condenação da Inquisição, ficando preso de 1665 a 1667. A obra de Viera consta de cerca de 200 Sermões e mais de 500 cartas entre os quais se destacam: Sermão pelo Bonsucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda; Sermão da Sexagésima; Sermão de Santo Antônio aos Peixes; Sermão da Primeira Dominga da Quaresma; Sermão XIV do Rosário (dedicado aos negros) e muitos outros. O trecho que segue é parte do Sermão pregado por Antônio Vieira em 1640 na igreja de senhora da ajuda, na Bahia. III Considerai, Deus meu – e perdoai-me, se falo inconsideradamente – considerai a quem tirais as terras do Brasil e a quem as dais. Tirais estas terras aos portugueses a quem nos princípios as destes; e bastava dizer a quem as dais, para perigar o crédito de vosso nome, que não podem dar nome de liberal mercês com arrependimento. Para que nos disse S. Paulo, que vós,Senhor, "quando dais, não vos arrependeis": Sine paenitentia enim suntdona Dei? Mas deixado isto à parte: tirais estas terras àqueles mesmos portugueses a quem escolhestes entre todas as nações do Mundo para conquistadores da vossa Fé, e a quem destes por armas como insígnia e divisa singular Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda vossas próprias chagas. E será bem, Supremo Senhor e Governador do Universo, que às sagradas quinas de Portugal e às armas e chagas de Cristo, sucedam as heréticas listas de Holanda, rebeldes a seu rei e a Deus? Será bem que estas se vejam tremular ao vento vitoriosas, e aquelas abatidas, arrastadas e ignominiosamente rendidas? Et quid facies magno nomini tuo? E que fareis (como dizia Josué) ou que será feito de vosso glorioso nome em casos de tanta afronta? Tirais também o Brasil aos portugueses, que assim estas terras vastíssimas, como as remotíssimas do Oriente, as conquistaram à custa de tantas vidas e tanto sangue, mais por dilatar vosso nome e vossa Fé (que esse era o zelo daqueles cristianíssimos reis) que por amplificar e estender seu império.Assim fostes servido que entrássemos nestes novos mundos, tão honrada e tão gloriosamente, e assim permitis que saiamos agora (quem tal ima de vossa bondade!), com tanta afronta e ignomínia! Oh! como receio que não falte quem diga o que diziam os egípcios: Callide eduxit eos, utinterficeret et deleret e terra. Que a larga mão comque nos destes tantos domínios e reinos não foram mercês de vossa liberalidade, senão cautela e dissimulação de vossa ira, para aqui fora e longe de nossa Pátria nos matardes,nos destruirdes, nos acabardes de todo. Se esta havia de ser a paga e o fruto de nossos trabalhos, para que foi o trabalhar, para que foi o servir, para que foi o derramar tanto e tão ilustre sangue nestas conquistas? Para que abrimos os mares nunca dantes navegados? Para que descobrimos as regiões e os climas não conhecidos? Para que contrastamos os ventos e as tempestades com tanto arrojo, que apenas há baixio no Oceano, que não esteja infamado com miserabilíssimos naufrágios de portugueses? E depois de tantos perigos, depois de tantas desgraças, depois de tantas e tão lastimosas mortes, ou nas praias desertas sem sepultura, ou sepultados nas entranhas dos alarves, das feras, dos peixes, que as terras que assim ganhamos, as hajamos de perder assim? Oh! quanto melhor nos fora nunca conseguir, nem intentar tais empresas! Mais santo que nós era Josué, menos apurada tinha a paciência, e, contudo, em ocasião semelhante, não falou (falando convosco) por diferente linguagem. Depois de os filhos de Israel passarem às terras ultramarinas do Jordão, como nós a estas, avançou parte do exército a dar assalto à cidade de Hai, a qual nos ecos do nome já parece que trazia o prognóstico do infeliz sucesso que os israelitas nela tiveram; porque foram rotos e desbaratados,posto que com menos mortos e feridos, do que nós por cá costumamos. E que faria Josué à vista desta desgraça? Rasga as vestiduras imperiais, lanças e por terra, começa a clamar ao Céu: Heu! Domine Deus, quid voluisti traducerepopulum istum Jordanem fluvium, ut traderes nos in manus Amorrhaei?"Deus meu e Senhor meu, que é isto? Para que nos mandastes passaro Jordão e nos metestes de posse destas terras, se aqui nos haveis de entregar nas mãos dos amorreus e perder-nos?" Utinam mansissemus trans Jordanem!"Oh! nunca nós passáramos tal rio!" Assim se queixava Josué a Deus, e assim nos podemos nós queixar, e com muito maior razão que ele. Se este havia de ser o fim de nossas navegações, se estas fortunas nos esperavam nas terras conquistadas: "Oh! Nunca nós passáramos tal rio!". Utinam mansissemus trans Jordanem! Prouvera a vossa Divina Majestade que nunca saíramos de Portugal, nem nossas vidas às ondas e aos ventos, nem conhecêramos ou puséramos os pés em terras estranhas! Ganhá-las para as não lograr, desgraça foi e não ventura;possuí- las para as perder, castigo foi de vossa ira, Senhor, e não mercê,nem favor de vossa liberalidade. Se determináveis dar estas mesmas terras aos piratas de Holanda, por que lhas não destes enquanto eram agrestes e incultas, senão agora? Tantos serviços vos tem feito esta gente pervertida e apóstata, que nos mandastes primeiro cá por seus aposentadores; para lhe lavrarmos as terras, para lhe edificarmos as cidades, e depois de cultivadas e enriquecidas lhas entregardes? Assim se hão de lograr os hereges e inimigos da Fé, dos trabalhos portugueses e dos suores católicos? En queis consevimus agros! "Eis aqui para quem trabalhamos há tantos anos!" Mas pois vós, Senhor, o quereis e ordenais assim, fazei o que for desservido. Entregai aos holandeses o Brasil, entregai-lhes as Índias, entrega ilhes as Espanhas (que não são menos perigosas as consequencias do Brasil perdido); entregai-lhes quanto temos e possuímos (como já lhes entregastes tanta parte); ponde em suas mãos o Mundo; e a nós, aos portugueses e espanhóis, deixai-nos, repudiai-nos, desfazei-nos, acabai-nos. Mas só digo e lembro a Vossa Majestade, Senhor, que estes mesmos que agora desfavoreceis e lançais de vós, pode ser que os queirais algum dia, e que os não tenhais. Não me atrevera a falar assim, se não tirara as palavras da boca de Job, que como tão lastimado, não é muito entre muitas vezes nesta tragédia. Queixava-se o exemplo da paciência a Deus (que nos quer Deus sofridos, mas não insensíveis), queixava-se do e são de suas penas demandando e altercando, por que se lhe não havia de remitir e afrouxar um pouco o rigor delas; e como a todas as réplicas e instâncias o Senhor se mostrasse inexorável,quando já não teve mais que dizer, concluiu assim: Ecce nunc in pulvere dormiam, et si mane me qua e sieris, non subsistam. Já que não quereis, Senhor, desistir ou moderar o tormento, já que não quereis senão continuaro rigor e chegar com ele ao cabo, seja muito embora; matai-me, consumime, enterrai-me: Ecce nunc in pulvere dormiam; mas só vos digo e vos lembrouma coisa: que "se me buscardes amanhã, que me não haveis de achar":Et si mane me quaesieris, non subsistam. Tereis aos sabeus, tereis aos caldeus,que sejam o roubo e o açoite de vossa casa; mas não achareis a um Jó que a sirva, não achareis a um Job que a venere, não achareis a um Jó, que ainda com suas chagas a não desautorize. O mesmo digo eu, senhor, que não é muito rompa nos mesmos afetos, quem se vê no mesmo estado. Abrasai, destruí, consumi-nos a todos; mas pode ser que algum dia queirais espanhóis e portugueses, e que os não acheis. Holanda vos dará os apostólicos conquistadores, que levem pelo Mundo os estandartes da cruz; Holanda vos dará os pregadores evangélicos, que semeiem nas terras dos bárbaros a doutrina católica e a reguem com o próprio sangue; Holanda defenderá a verdade de vossos Sacramentos e a autoridade da Igreja Romana; Holanda edificará templos, Holanda levantará altares, Holanda consagrará sacerdotes e oferecerá o sacrifício de vosso Santíssimo Corpo; Holanda, enfim, vos servirá e venerará tão religiosamente, como em Amsterdão, Meldeburgo e Flisinga e em todas as outras colônias daquele frio e alagado inferno se está fazendo todos os dias. Agora, de posse dos conhecimentos advindos de sua leitura sobre o Barroco e seus principais representes, responda: 1. O que caracterizou o movimento Barroco na Europa e quais as relações com Barroco Brasileiro? 2. Aponte as principais características da literatura Barroca no Brasil. 3. Pesquise sobre como o Barroco se apresenta nas outras formas de arte do século XVI ao século XVIII. 4. Identifique as características do Barroco a partir dos trechos das obras apresentadas no fascículo. 5. Para complementar o assunto pesquise mais sobre a literatura Barroca. Para maior fixação sobre o barroco assistam os seguintes filmes: Antonio Francisco Lisboa- o aleijadinho e O nome da rosa. UNIDADE III O Arcadismo OBJETIVOS Ler e analisar textos poéticos representativos de autores do Arcadismo brasileiro. Identificar através dos textos literários as principais características da escola literária. 3.O ARCADISMO Pastores arcades.Óleo sobre a tela. 85x121cm.por Nicolas Poussin,1638. 3.1 ORIGEM/ CONTEXTO HISTÓRICO O Arcadismo, também conhecido como Neoclassicismo, caracteriza-se pela busca de restauração dos ideais de sobriedade e equilíbrio da antiguidade clássica em contraposição aos excessos do período anterior, o Barroco. O movimento é contemporâneo do Iluminismo, corrente de pensamento racionalista que se divulgou pela Europa no século XVIII e que culminou com a Revolução Francesa, em 1789. Nesse período foram feitas associações pelos letrados do movimento com a Arcádia Romana e, mais tarde, a ArcádiaLusitana representou veículos importantes para a propagação do ideário do movimento na Europa. O nome “Arcádia” é inspirado na região lendária da Grécia que representa o ideal de comunhão entre homem e natureza, daí o Arcadismo ter como tema privilegiado o bucolismo, em que a natureza é vista como refúgio último das noções de verdade e beleza. A Europa vivia a efervescência do Iluminismo e transformava-se num pólo irradiador de ideias libertárias. Ao mesmo tempo, chegavam ao Brasil as primeiras notícias sobre a independência dos Estados Unidos, conquistada em 1776. Todos esses fatores, associados à insatisfação generalizada com a exploração de Portugal, que se traduzia no aumento dos impostos sobre a extração de minérios, culminaram na Inconfidência Mineira, preparada por um pequeno grupo de letrados, muitos deles ex- estudantes da Universidade de Coimbra, onde entraram em contato com as novas ideias e doutrinas políticas. Em sua maior parte, esse grupo de oposição política era o mesmo que produzia ciência e literatura na época. No Brasil, o século XVIII é considerado o século do ouro, graças à intensa atividade de extração mineral que se desenvolveu na região de Minas Gerais. A prosperidade econômica do período estimulou a organização política, administrativa e dinamizou a vida cultural. A maior agilidade na troca de informações favoreceu a formação de uma consciência comum, de um sentimento nacional que, na literatura, começa aos poucos a substituir o impulso de descrição da natureza e do nativo, dominante até então. Pela primeira vez, é possível verificar no país uma relação sistemática, ainda que incipiente, entre escritor, obra e público, condição fundamental para a formação de uma literatura, conforme ensina o crítico Antonio Candido. O impulso de intelectuais e artistas de se reunirem em academias e sociedades literárias contrapõe-se ao isolamento dos períodos anteriores, em que os escritores se encontravam dispersos, as obras mal circulavam no interior do país, dirigindo-se primordialmente para leitores portugueses. Os poetas que melhor representam o movimento Árcade no Brasil são Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga. Ambos participaram da Inconfidência Mineira, movimento político que visava à emancipação do Brasil em relação a Portugal. Outros autores significativos são: Santa Rita Durão, Basílio da Gama e a produção poética de Alvarenga Peixoto e Silva Alvarenga também apresentam traços típicos do Arcadismo. Para Massaud Moisés (2000) todos esses poetas concentravam-se na cidade mineira de Vila Rica, centro da atividade mineradora e mais importante centro urbano do país nesse período. No Rio de Janeiro, nos anos de transição entre os séculos XVIII e XIX, entre uma série de novidades de ordem política e econômica que começam a transformar a fisionomia do país. Pode-se dizer que o marco inicial do estilo árcade no Brasil inicia-se com as publicações das obras, de Cláudio Manuel da Costa, em 1768. Sob influência de teorias francesas e italianas. Os integrantes do movimento empenharam-se em restaurar a simplicidade da língua literária, que estaria contaminada por excessos retóricos e por formas degeneradas da literatura barroca. Como já foi dito anteriormente o nome Arcadismo é uma alusão à Arcádia Lusitana. (associação fundada em 1756 em Portugal que congregava os opositores do maneirismo seiscentista, inspirada na Arcádia Romana, criada em Roma, em 1690). Ela também remonta ao romance pastoral Arcadia (1504), do escritor italiano Jacopo Sannazaro. A obra retrata uma lendária região grega chamada Arcádia. Dominada pelo deus Pã, ela seria habitada por pastores cujo modo de vida bucólico e devotado à poesia foi transformado pelos neoclássicos em modelo ideal de convivência entre o homem e a natureza. Daí o fato de os escritores da época denominarem-se pastores e adotarem pseudônimos poéticos, como Glauceste Satúrnio (Cláudio Manuel da Costa), Alcindo Palmireno (Silva Alvarenga) e Termindo Sepílio (Basílio da Gama). 3.3. ESTILOS/INFLUÊNCIAS/CACTERÍSTICAS Tida como reduto por excelência do equilíbrio e da sabedoria, a natureza é a temática mais frequente do Arcadismo. Em grande medida, é possível dizer que a poesia arcádica caracteriza-se por essa busca pelo “natural”, ao qual estavam sempre associadas as ideias de verdade e de beleza. Apesar de ter sido influenciada pela tradição poética do século XVI, cujo nome mais importante é Camões, e de apresentar resquícios do Barroco em certos casos, a poesia arcádica é um modelo de simplicidade e objetividade, se comparada com as obras do período anterior. Exemplos dessa simplificação da linguagem são a valorização da ordem direta, o verso sem rima, a singeleza do vocabulário e a menor incidência de comparações e antíteses - todos fatores identificáveis na produção poética do Arcadismo. Essa liberdade formal, no entanto, era regida por normas consolidadas e formatos fixos que só começariam a afrouxar a partir do Romantismo. O soneto, por exemplo, era uma das formas mais empregadas, como se pode perceber pela obra de Cláudio Manuel da Costa. Também bastante utilizados eram a de (composição poética dividida em estrofes simétricas, para ser cantada), a elegia (poesia sobre tema fúnebre) e a écloga (poesia pastoril). Sem perder a impregnação religiosa nem o respeito à monarquia, os poetas do período abordaram assuntos mais imediatos e concretos do que seus antecessores. Fazem parte de seu universo temático o elogio da virtude civil, a crença na melhoria do homem pela instrução, a noção de que a harmonia social depende da obediência às leis da natureza, e a concepção da felicidade como consequencia da prática do bem e da sabedoria. Todas essas ideias, em grande medida derivadas do Iluminismo, encontram expressão política na figura do Marquês de Pombal. Associado a isto pode-se perceber nas produções árcades do Brasil características como: a introdução de paisagens tropicais; história colonial muito valorizada; início do nacionalismo; início da luta pela independência, enfim, a colônia é colocada como centro das atenções. Outros aspectos que podem ser observados são: as ideias Iluministas; laicismo; liberalismo; fugere urbem; bucolismo áurea mediocritas; convencionismo amoroso; idealização do sexo; carpe diem; inutilia truncat – (textos mais objetivos, sem exagero); sátira política; linguagem simples; uso dos versos decassílabos; sonetos e outras formas clássicas. 3.4. AUTORES REPRESENTATIVOS 3.4.1. Cláudio Manuel da Costa Cláudio Manuel da Costa nasceu em Vargem do Itacolomi, a 5 de junho de 1729 e falece em Vila Rica, 4 de junho de 1789. Filho de João Gonçalves da Costa, português, e Teresa Ribeiro de Alvarenga, mineira, nasceu no sítio da Vargem, Ribeirão do Carmo, atual cidade de Mariana, em Minas Gerais.Tornou-se conhecido principalmente pela sua obra poética e pelo seu envolvimento na inconfidência mineira. Foi também advogado de prestígio, fazendeiro abastado, cidadão ilustre, pensador de mente aberta e mecenas do Aleijadinho. Estudou cânones em Coimbra. Com vinte anos embarcou para Portugal, com destino a Coimbra, em cuja Universidade se formou em cânones. Entre 1753 e 1754 recolheu ao Brasil, dando-se à advocacia em Vila Rica (hoje Ouro Preto), onde também exerceu o importante cargo de secretário do Governo. Por sua idade, boa lição clássica, fama de doutor e crédito de autor publicado, exerceu Cláudio da Costa ali uma espécie de magistério entre os seus confrades em musa, maiores e menores, que todos lhe liam as suas obras e lhe escutavam os conselhos. Aos sessenta anos foi comprometido na chamada Conjuração Mineira.Preso e, para alguns, apavorado com as consequências da tremenda acusação de réu de inconfidência, morreu em circunstâncias obscuras, em Vila Rica, no dia 4 de julho de 1789, quando teria se suicidado na prisão. Os clássicos da historiografia da inconfidência mineira são unânimes em valorizar sua participação no movimento. Parece que ele era meio descrente com as chances militares da conspiração. Mas não deixou de influenciar no lado mais intelectualizado do movimento, especialmente no que diz respeito à construção do edifício jurídico projetado para a república que pretendiam implantar em Minas Gerais, no final do século XVIII. É Patrono da Academia Brasileira de Letras. Glauceste Saturnino, pseudônimo do autor, faz parte da transição do Barroco para o Arcadismo. Seus sonetos herdaram a tradição de Camões. Principais obras: Obras Poéticas, 1768; Vila Rica, 1773; Soneto; Entre o Velho e o Novo Mundo. Vila Rica, o poema de Cláudio Manuel da Costa, consta de dez cantos em versos decassílabos. Percebe-se ainda a influência de Camões, não só nas partes convencionais da epopéia renascentista. A proposição está nas quatro primeiras estrofes, onde o poeta se propõe cantar a fundação da capital das Minas e exaltar a memória de Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, que vem a ser o herói da narrativa épica. A invocação é dirigida ao pátrio ribeirão do Carmo, e a dedicatória é feita ao Conde de Bobadela. Segue- se a narrativa com uma apresentação do Brasil-Colônia e o descobrimento das minas com todas as dificuldades que passaram os heróis da ação épica. O elemento indígena, com seus valores e suas tradições, é importante no poema. Duas ações desenvolvem-se paralelamente no poema: o propriamente épico, onde se destaca o herói Albuquerque; outra de fundamento lírico em torno de um episódio amoroso que envolve índios e outro branco colonizador, Garcia Rodrigues Pais. FRAGMENTOS DE SONETOS DE CLAUDIO MANUEL DA COSTA. VIII Este é o rio, a montanha é esta, Estes os troncos, estes os rochedos; São estes inda os mesmos arvoredos; Esta é a mesma rústica floresta. Tudo cheio de horror se manifesta, Rio, montanha, troncos, e penedos; Que de amor nos suavíssimos enredos Foi cena alegre, e urna é já funesta. Oh quão lembrado estou de haver subido Aquele monte, e as vezes, que baixando Deixei do pranto o vale umedecido! Tudo me está a memória retratando; Que da mesma saudade o infame ruído Vem as mortas espécies despertando. XIII Nise ? Nise ? onde estás ? Aonde espera Achar te uma alma, que por ti suspira, Se quanto a vista se dilata, e gira, Tanto mais de encontrar te desespera! Ah se ao menos teu nome ouvir pudera Entre esta aura suave, que respira! Nise, cuido, que diz; mas é mentira. Nise, cuidei que ouvia; e tal não era. Grutas, troncos, penhascos da espessura, Se o meu bem, se a minha alma em vós se esconde, Mostrai, mostrai me a sua formosura Nem ao menos o eco me responde! Ah como é certa a minha desventura! Nise ? Nise ? onde estás ? aonde ? aonde ? ................................................................................ 3.4.2. Tomás Antônio Gonzaga Tomás Antônio Gonzaga nascido em Miragaia (freguesia da cidade portuguesa do Porto), em 11 de agosto de 1744, faleceu em 1810, em Moçambique. Filho de mãe portuguesa e pai brasileiro. Órfão de mãe no primeiro ano de vida mudou-se com o pai, magistrado brasileiro para Pernambuco em 1751 depois para a Bahia, onde estudou no Colégio dos Jesuítas. Em 1761, voltou a Portugal para cursar Direito na Universidade de Coimbra, tornando-se bacharel em Leis em 1768. Com intenção de lecionar naquela universidade, escreveu a tese Tratado de Direito Natural, no qual enfocava o tema sob o ponto de vista tomista, mas depois trocou as pretensões ao magistério superior pela magistratura. Em 1778, exerceu o cargo de juiz, na cidade de Beja, em Portugal. Quando voltou ao Brasil, em 1782, foi nomeado Ouvidor dos Defuntos e Ausentes da comarca de Vila Rica, atual cidade de Ouro Preto, então capital da capitania de Minas Gerais. Um ano depois conheceu a adolescente de apenas quinze anos Maria Joaquina Dorotéia de Seixas Brandão, a pastora Marília em uma das possíveis interpretações de seus poemas, que teria sido imortalizada em sua obra lírica (Marília de Dirceu) - apesar de ser muito discutível essa versão, tendo em vista as regras retórico-poéticas que prevaleciam no século XVIII, época em que o poema fora escrito. Durante sua permanência em Minas Gerais, escreve Cartas Chilenas, poema satírico em forma de epístolas, uma crítica ao governo colonial. Promovido a desembargador da relação da Bahia em 1786, resolve pedir em casamento Maria Dorotéia dois anos depois. O casamento é marcado para o final do mês de maio de 1789. Como era pobre e bem mais velho que ela, sofreu oposição da família da noiva. Apesar do pequeno papel na Inconfidência Mineira ou Conjuração Mineira é acusado de conspiração e preso em 1789, cumprindo sua pena de três anos na Fortaleza da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, tendo seus bens confiscados. Foi, portanto, separado de sua amada, Maria Dorotéia. Sua implicância na Inconfidência Mineira parece ter sido fruto de calúnias arquitetadas por seus adversários. Permanece em reclusão por três anos, durante os quais, teria escrito a maior parte das liras atribuídas a ele, pois não há registros de assinatura em qualquer uma de suas poesias. Em 1792, sua pena é comutada em desterro e o poeta é enviado a costa oriental da África, a fim de cumprir, em Moçambique, a sentença de dez anos de degredo. No mesmo ano é lançada em Lisboa a primeira parte de Marília de Dirceu, com 33 liras. No país africano trabalha como advogado e hospeda-se em casa de abastado comerciante de escravos, vindo a se casar em 1793 com a filha dele, Juliana de Sousa Mascarenhas vivendo depois disso, durante quinze anos, rico e considerado, até morrer em 1810, acometido por uma grave doença. Em 1799, é publicada a segunda parte de Marília de Dirceu, com mais 65 liras. No desterro, ocupou os cargos de procurador da Coroa e Fazenda, e o de juiz de Alfândega de Moçambique (cargo que exercia quando morreu). Gonzaga foi muito admirado por poetas românticos como Casimiro de Abreu e Castro Alves. É patrono da cadeira de número 37 da Academia Brasileira de Letras. A poesia de Tomás Antonio Gonzaga apresenta as típicas características árcades e neoclássicas: o pastoril, o bucólico, a Natureza amena, o equilíbrio, etc. Paralelamente, possui características pré-românticas (principalmente na segunda parte de Marília de Dirceu, escrita na prisão): confissões de sentimento pessoal, ênfase emotiva estranha aos padrões do neoclassicismo, descrição de paisagens brasileiras, etc. Tomás Antonio Gonzaga escreve versos marcados por expressão própria, pela harmonização dos elementos racionais e afetivos e por um leve toque de sensualidade. Segundo Alfredo Bosi(2004), Gonzaga está acima de tudo preocupado em "achar a versão literária mais justa dos seus cuidados". Assim, "a figura de Marília, os amores ainda não realizados e a mágoa da separação entram apenas como 'ocasiões' no cancioneiro de Dirceu", o que diferencia o autor dos seus futuros colegas românticos. Apollo e Musa-Óleo sobre tela de P. Batoni As liras à sua pastora idealizada refletem a trajetória do poeta, na qual a prisão atua como um divisor de águas. Antes do encarceramento, num tom de fidelidade, canta a ventura da iniciação amorosa, a satisfação do amante, que, valorizando o momento presente, busca a simplicidade do refúgio na natureza amena, que ora é européia,artificial, virgiliana e ora, mineira. Depois da reclusão, num tom trágico de desalento, canta o infortúnio, a justiça (ele se considera inocente, portanto, injustiçado), o destino e a eterna consolação no amor da figura de Marília. Os versos São compostas em redondilha menor ou decassílabos quebrados . Expressam a simplicidade e gracioso lirismo íntimo, decorrentes da naturalidade e da singeleza no trato dos sentimentos e da escolha linguística. Ao delegar posição poética a um campesino, sob cuja pele se esconde um elemento civilizado, Gonzaga demonstra mais uma vez suas diferenças com a filosofia romântica, pois segue o descrito nas regras para a confecção de éclogas nos manuais de poética da época, que instruem aos poetas que buscam a superação dos antigos, imitando-os, a utilizações de eu-líricos que se aproximem as figuras de pastores, caçadores, hortelãos, vaqueiros e pescadores, apesar deste último ser questionado por outros teóricos. Marília é ora morena, ora loira. O que comprova não ser a pastora, Maria Dorotéia na vida real, mas uma figura simbólica que servia à poesia de Tomás Antonio Gonzaga. É anacronismo destinar ao sentimento existente entre o poeta e Maria Dorotéia a motivação para a confecção dos poemas, tendo em vista que esse pensamento só surgiu com o pensamento Romântico, no século XIX. É mais cabível a teoria de inspiração no ideal de emulação, que configurava o sentimento poético da época, baseado nas filosofias retórico-poéticas vigentes, em que o poeta, seguindo inúmeras regras de confecção, "imitava" os poetas antigos procurando superá-los. Muitos pouco conhecedores de literatura podem achar que o poeta cai em contradições, ora assumindo a postura de pastor que cuida de ovelhinhas brancas e vive numa choça no alto do monte, ora a do burguês Dr. Tomás Antonio Gonzaga, juiz que lê altos volumes instalados em espaçosa mesa, mas estes o fazem por analisar os poemas com critérios anacrônicos à época, analisam com pensamentos surgidos após o Romantismo, textos que o precedem. É interessante atentar para alguns aspectos dessa obra de Gonzaga. Cada lira é um diálogo de Dirceu com sua pastora Marília, mas, embora a obra tenha a estrutura de um diálogo, só Dirceu fala (trata-se, na verdade de um monólogo), chamando Marília em geral com vocativos. Como bem lembra o crítico Antonio Candido (2000), o melhor título para a obra seria Dirceu de Marília, mas o patriarcalismo de Gonzaga nunca lhe permitiria colocar-se como a coisa possuída. A obra está dividida em três partes, a seguir a um trecho da primeira parte: PARTE I Lira I Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, Que viva de guardar alheio gado; De tosco trato, d’expressões grosseiro, Dos frios gelos, e dos sóis queimado. Tenho próprio casal, e nele assisto; Dá-me vinho, legume, fruta, azeite; Das brancas ovelhinhas tiro o leite, E mais as finas lãs, de que me visto. Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela! Eu vi o meu semblante numa fonte, Dos anos inda não está cortado: Os pastores, que habitam este monte, Respeitam o poder do meu cajado: Com tal destreza toco a sanfoninha, Que inveja até me tem o próprio Alceste: Ao som dela concerto a voz celeste; Nem canto letra, que não seja minha, Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela! Mas tendo tantos dotes da ventura, Só apreço lhes dou, gentil Pastora, Depois que teu afeto me segura, Que queres do que tenho ser senhora. É bom, minha Marília, é bom ser dono De um rebanho, que cubra monte, e prado; Porém, gentil Pastora, o teu agrado Vale mais q’um rebanho, e mais q’um trono. Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela! Os teus olhos espalham luz divina, A quem a luz do Sol em vão se atreve: Papoula, ou rosa delicada, e fina, Te cobre as faces, que são cor de neve. Os teus cabelos são uns fios d’ouro; Teu lindo corpo bálsamos vapora. Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora, Para glória de Amor igual tesouro. Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela! Leve-me a sementeira muito embora O rio sobre os campos levantado: Acabe, acabe a peste matadora, Sem deixar uma rês, o nédio gado. Já destes bens, Marília, não preciso: Nem me cega a paixão, que o mundo arrasta; Para viver feliz, Marília, basta Que os olhos movas, e me dês um riso. Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela! Irás a divertir-te na floresta, Sustentada, Marília, no meu braço; Ali descansarei a quente sesta, Dormindo um leve sono em teu regaço: Enquanto a luta jogam os Pastores, E emparelhados correm nas campinas, Toucarei teus cabelos de boninas, Nos troncos gravarei os teus louvores. Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela! Depois de nos ferir a mão da morte, Ou seja neste monte, ou noutra serra, Nossos corpos terão, terão a sorte De consumir os dois a mesma terra. Na campa, rodeada de ciprestes, Lerão estas palavras os Pastores: “Quem quiser ser feliz nos seus amores, Siga os exemplos, que nos deram estes.” Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela! .................................................................................................... Lira XV Eu, Marília, não fui nenhum Vaqueiro, Fui honrado Pastor da tua aldeia; Vestia finas lãs, e tinha sempre A minha choça do preciso cheia. Tiraram-me o casal, e o manso gado, Nem tenho, a que me encoste, um só cajado. Para ter que te dar, é que eu queria De mor rebanho ainda ser o dono; Prezava o teu semblante, os teus cabelos Ainda muito mais que um grande Trono. Agora que te oferte já não vejo Além de um puro amor, de um são desejo. Se o rio levantado me causava, Levando a sementeira, prejuízo, Eu alegre ficava apenas via Na tua breve boca um ar de riso. Tudo agora perdi; nem tenho o gosto De ver-te aos menos compassivo o rosto. Propunha-me dormir no teu regaço As quentes horas da comprida sesta, Escrever teus louvores nos olmeiros, Toucar-te de papoulas na floresta. Julgou o justo Céu, que não convinha Que a tanto grau subisse a glória minha. Ah! minha Bela, se a Fortuna volta, Se o bem, que já perdi, alcanço, e provo; Por essas brancas mãos, por essas faces Te juro renascer um homem novo; Romper a nuvem, que os meus olhos cerra, Amar no Céu a Jove, e a ti na terra! Fiadas comprarei as ovelhinhas, Que pagarei dos poucos do meu ganho; E dentro em pouco tempo nos veremos Senhores outra vez de um bom rebanho. Para o contágio lhe não dar, sobeja Que as afague Marília, ou só que as veja. Se não tivermos lãs, e peles finas, Podem mui bem cobrir as carnes nossas As peles dos cordeiros mal curtidas, E os panos feitos com as lãs mais grossas. Mas ao menos será o teu vestido Por mãos de amor, por minhas mão cosido. Nós iremos pescar na quente sesta Com canas, e com cestos os peixinhos: Nós iremos caçar nas manhãs frias Com a vara envisgada os passarinhos. Para nos divertir faremos quanto Reputa o varão sábio, honesto e santo. Nas noites de serão nos sentaremos C’os filhos, se os tivermos, à fogueira; Entre as falsas histórias, que contares, Lhes contarás a minha verdadeira. Pasmados te ouvirão; eu entretanto Ainda o rosto banharei de pranto. Quando passarmos juntos pela rua, Nos mostrarão c’o dedo os mais Pastores; Dizendo uns para os outros: “Olha os nosso “Exemplos da desgraça, e são amores”. Contentes viveremos desta sorte, Até que chegue a um dos dois a morte. Lira II Em vão do amado
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