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regiao e organizacao espacial

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1 
 
Roberto Lobato Corrêa 
 
 
Região 
 e 
Organização 
Espacial 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7ª Edição 
Editora Ática 
São Paulo 
2000 
 
Sumário 
 
 2 
1. Introdução 
2. As correntes do pensamento geográfico 
o determinismo ambiental 
o possibilismo 
o método regional 
A nova geografia 
A geografia crítica 
3. Região: um conceito complexo 
Região natural e determinismo ambiental 
Possibilismo e região 
Nova geografia, classes e região 
Região e geografia crítica 
Região, ação e controle 
4. Organização espacial 
Organização espacial: uma conceituação 
Organização espacial: capital e Estado 
Organização espacial: reflexo social 
Organização espacial e reprodução 
Estrutura, processo, função e forma 
Espaço e movimentos sociais urbanos 
5. Vocabulário crítico 
6. Bibliografia comentada 
Referencia bibliográfica de rodapé 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 3 
 
1 
Introdução 
 
O propósito deste estudo é introduzir o estudante de geografia em dois conceitos 
fundamentais: o de região e o de organização espacial. Eles também são considerados por 
outras ciências sociais como a sociologia e a economia, mas não têm nestas a relevância 
adquirida na geografia. Ao longo da história da geografia, têm se situado no centro da 
discussão sobre o seu objeto, e erigidos na prática como os conceitos de maior importância. 
Outros conceitos podem ser considerados, a nosso ver, de menor importância, tais como 
posição geográfica e sítio. 
Os conceitos de região e de organização espacial são básicos para se compreender o 
caráter distinto da geografia no âmbito das ciências sociais, indicando a via geográfica de 
conhecimento da sociedade, quer dizer, das relações entre natureza e história. A discussão 
destes termos, por outro lado, pressupõe que se tenha uma certa informação da evolução do 
pensamento geográfico desde, pelo menos, o final do século XIX, quando a geografia assume 
o caráter de disciplina acadêmica, dotada de um processo de mudança de paradigmas que se 
insere no bojo da história. 
O presente estudo compõe-se de três partes. A primeira delas procura situar o leitor em 
termos de como se pensa a geografia nesse espaço de tempo. Esta parte tem o caráter de 
introdução às outras duas, procurando colocar em evidência os modelos geográficos básicos, 
dentro dos quais se discutem os conceitos de região e de organização espacial. Assim, não se 
trata da apresentação das correntes de pensamento geográfico de per si, pois elas têm como 
foco os dois conceitos-chave de que estamos tratando. Para este assunto de vital importância 
na formação do geógrafo e do professor de geografia, sugerimos que se leia o livro de Antonio 
Carlos Robert Moraes (1981). A "Bibliografia comentada" cobre, por outro lado, a história do 
pensamento geográfico com certa profundidade. 
A segunda parte aborda os diversos conceitos de região, enquanto a terceira apresenta 
a questão da organização espacial. Constituem o centro deste estudo. Ao final, muitas 
questões terão sido levantadas e ficarão sem respostas. Em parte esta é a nossa intenção. E 
tem como finalidade o aprofundamento das discussões sobre os conceitos de região e 
organização espacial. 
 
2 
As correntes do pensamento geográfico 
 
No nosso entender, as principais correntes de pensamento geográfico ou paradigmas 
da geografia são os seguintes: o determinismo ambiental, o possibilismo, o método regional, a 
nova geografia e a geografia crítica. Foram formalmente explicitadas a partir do final do século 
XIX, constituindo uma seqüência histórica de incorporações de práticas teóricas, empíricas e 
políticas que, não excluindo nenhuma delas, apresenta a cada momento um ou dois padrões 
dominantes. Assim, o determinismo ambiental e, menos ainda, o possibilismo não 
desapareceram totalmente, mas perderam o destaque, sobretudo o determinismo ambiental. 
Por outro lado, a geografia crítica é o último modelo a ser incorporado, passando a coexistir 
conflitivamente com os outros, principalmente a nova geografia. 
Estas tendências estão fundamentadas, de um modo, na consideração da geografia 
como um saber calcado em uma das três abordagens: o estudo das relações homem/meio, o 
de áreas e os locacionais. Adicionalmente, tem sido adotada uma combinação de duas ou três 
das abordagens acima referidas. De outro, as correntes fundamentam-se em diferentes 
métodos de apreensão da realidade. 
 Entre eles, destaca-se o positivismo, quer na sua versão clássica, quer na do 
positivismo lógico. O materialismo histórico e a dialética marxista, que dão base ao segmento 
 4 
mais importante da geografia crítica, são métodos de incorporação recente à geografia. 
Subjacente a todos os paradigmas há um denominador comum: a geografia tem suas raízes 
na busca e no entendimento da diferenciação de lugares, regiões, países e continentes, 
resultante das relações entre os homens e entre estes' e a natureza. Não houvesse 
diferenciação de áreas, para usar uma expressão consagrada, certamente a geografia não 
teria surgido. Estamos falando, pois, do cerne da geografia, ainda que o seu significado não 
tenha sido sempre o mesmo. Os conceitos de região e organização espacial estão vinculados 
a esta idéia básica em geografia. 
 
o determinismo ambiental 
 
A geografia emerge como uma disciplina acadêmica a partir de 1870. Até então, e 
desde a Antigüidade, a geografia compunha um saber totalizante, não desvinculado da 
filosofia, das ciências da natureza e da matemática. Com Varenius no século XVII, Kant no 
XVIII, e Humboldt e Ritter já na primeira metade do XIX, a geografia vai gradativamente 
configurando um conhecimento específico, sem contudo perder de vez a visão globalizante da 
realidade. 
As últimas décadas do século XIX caracterizam-se por dois processos que são 
extremamente importantes para a história do homem e da geografia. De um lado, o capitalismo 
passa a apresentar uma progressiva concentração de capitais, gerando poderosas 
corporações monopolistas e uma nova expansão territorial. Inaugura-se a sua fase imperialista. 
O outro processo, que se vincula ao primeiro, é o da fragmentação do saber universal em 
várias disciplinas. Assim, criam-se departamentos de geografia nas universidades européias e, 
mais tarde, nas norte-americanas, conforme aponta, entre outros, Brian Hudson1. 
Foi o determinismo ambiental o primeiro paradigma a caracterizar a geografia que 
emerge no final do século XIX, com a passagem do capitalismo concorrencial para uma fase 
monopolista e imperialista. Seus defensores afirmam que as condições naturais, 
especialmente as climáticas, e dentro delas a variação da temperatura ao longo das estações 
do ano, determinam o comportamento do homem, interferindo na sua capacidade de progredir. 
Cresceriam aqueles países ou povos que estivessem localizados em áreas climáticas mais 
propícias. 
Fundamentando a tese do determinismo ambiental, estavam as teorias naturalistas de 
Lamarck sobre a hereditariedade dos caracteres adquiridos e as de Darwin sobre a 
sobrevivência e a adaptação dos indivíduos mais bem dotados em face do meio natural. Estas 
teorias foram adotadas pelas ciências sociais, que viam nelas a possibilidade de explicar a 
sociedade através de mecanismos que ocorrem na natureza. Foi Herbert Spencer, filósofo 
inglês do século XIX, o grande defensor das idéias naturalistas nas ciências sociais. 
Na geografia, no entanto, as idéias deterministas tiveram no geógrafo alemão Frederic 
Ratzel seu grande organizador e divulgador, ainda que ele não tivesse sido o expoente 
máximo. A formação básica de Ratzel passou pela zoologia, geologia e anatomia comparada; 
foi aluno de Haeckel, o fundador da ecologia, que o introduziu no darwinismo. No entanto, seu 
determinismo ambiental foi amenizado pela influênciahumanista de Ritter, Criou, desta forma, 
a geografia humana, denominada por ele de antropogeografia e marcada pelas idéias oriundas 
das ciências naturais. 
Nos Estados Unidos e, em menor escala, na Inglaterra, o determinismo imprimiu-se 
profundamente no nascimento da geografia. O primeiro dos países passava, no final do século 
passado e início deste, por uma fase de afirmação nacional, em que se justificava o progresso 
através das riquezas naturais. Ellen Semple, discípula de Ratzel, discorre sobre as influências 
das condições geográficas (configuração da costa, padrão dos rios, cadeias de montanhas, 
climas etc.) na história norte-americana. 
A Inglaterra tornara-se, nesse momento, a grande metrópole imperialista. O 
determinismo ambiental justificava a expansão territorial através da criação de colônias de 
exploração no continente africano, e de povoamento em regiões temperadas, a serem 
ocupadas pelo excedente demográfico britânico e europeu. 
 5 
Na realidade, o determinismo ambiental configura uma ideologia, a das classes sociais, 
países ou povos vencedores, que incorporam as pretensas virtudes e efetivam as admitidas 
potencialidades do meio natural onde vivem. Justificam, assim, o sucesso, o poder, o 
desenvolvimento, a expansão e o domínio. Não é de estranhar, pois, que na Grécia da 
Antigüidade se atribuíssem às características do clima mediterrâneo o progresso e o poderio 
de seu povo em face dos asiáticos que viviam em áreas caracterizadas pela invariabilidade 
anual das temperaturas. Muito mais tarde, no final do século XIX, seriam outras as 
características climáticas consideradas como favoráveis ao crescimento intra e extraterritorial. 
Transformava-se assim em natural, portanto fora do controle humano, uma situação que é 
econômica e social, histórica portanto, denominada imperialismo. 
Estabeleceu-se uma relação causal entre o comportamento humano e a natureza, na 
qual esta aparece como elemento de determinação. As expressões fator geográfico e 
condições geográficas, entendidas como clima, relevo, vegetação etc., são heranças do 
discurso ideológico determinista. Outra delas, particularmente relevante para nós, é a região 
natural. Voltaremos a ela em breve. 
Ratzel, por sua vez engajado no projeto de expansão alemã, legou-nos o conceito de 
espaço vital, quer dizer, o território que representaria o equilíbrio entre a população ali 
residente e os recursos disponíveis para as suas necessidades, definindo e relacionando, 
deste modo, as possibilidades de progresso e as demandas territoriais. O espaço vital está 
implicitamente contido na organização espacial, delimitando, no campo do capitalismo, parte 
da superfície da terra organizada pelo capital e pelo Estado capitalista, extensão que se tornou 
necessária à reprodução do mesmo. Em linguagem organicista, espaço vital equivale à 
expressão espaço do capital. 
 
o possibilismo 
 
Em reação ao determinismo ambiental surge, na França no final do século XIX, na 
Alemanha no começo do XX e nos Estados Unidos na década de 20, um outro paradigma da 
geografia, o possibilismo. À semelhança do determinismo ambiental, a visão possibilista 
focaliza as relações entre o homem e o meio natural, mas não o faz considerando a natureza 
determinante do comportamento humano. 
A reação ao determinismo ambiental, mais forte na França, tem como motivação 
externa a situação de confronto entre ela e a Alemanha. O possibilismo, francês em sua 
origem, opõe-se ao determinismo ambiental germânico. Esta oposição fundamenta-se nas 
diferenças entre os dois países. 
Ao contrário da Alemanha, unificada em 1871, a França já era França há muito tempo. 
Lá a revolução burguesa tinha se dado de modo mais completo, extirpando os resquícios 
feudais, ainda existentes na Alemanha. Esta chega tardiamente à corrida colonial, enquanto a 
França dispunha, então, de um vasto império; os interesses expansionistas alemães voltaram-
se, em grande parte, para a própria Europa. Acrescente-se ao quadro a luta de classes, que 
assumia formas mais acirradas na França, a exemplo da Comuna de Paris. 
Neste contexto, a geografia francesa teria de cumprir simultaneamente vários papéis: 
a) Desmascarar o expansionismo germânico – criticando o conceito de espaço vital – sem, no 
entanto, inviabilizar intelectualmente o colonialismo francês; 
b) Abolir qualquer forma de determinação, da natureza ou não, adotando a idéia de que a ação 
humana é marcada pela contingência; 
c) Enfatizar a fixidez das obras do homem, criadas através de um longo processo de 
transformação da natureza; assim os elementos mais estáveis, solidamente implantados na 
paisagem, são ressaltados, não se privilegiando os mais recentes, resultantes de 
transformações que podem colocar em risco a estabilidade e o equilíbrio, alcançados 
anteriormente. Daí a ênfase no estudo dos sítios predominantemente rurais. 
No plano interno à geografia, havia a reação a ela ter sido definida por uma relação de 
causa e efeito – a natureza determinando a ação humana - e não por um objeto empiricamente 
 6 
identificável. Pensou-se, então, na paisagem como uma criação humana, elaborada ao longo 
do tempo, sendo a paisagem natural transformada em cultural ou geográfica. 
Na realidade, para Vidal de Ia Blache, o mestre do possibilismo, as relações entre o 
homem e a natureza eram bastante complexas. A natureza foi considerada como fornecedora 
de possibilidades para que o homem a modificasse: o homem é o principal agente geográfico. 
Vidal de Ia Blache redefine o conceito de gênero de vida herdado do determinismo, conforme 
aponta Paul Claval (1974): trata-se não mais de uma conseqüência inevitável da natureza, 
mas de 
 
um acervo de técnicas, hábitos, usos e costumes, que lhe permitiram utilizar os recursos 
naturais disponíveis 
 
tal como Moraes (1981) a ele se refere. Os gêneros de vida pensados anteriormente 
exprimiam uma situação de equilíbrio entre população e os recursos naturais. Uma paisagem 
geográfica enquadraria, na verdade, a área de ocorrência de' uma forma de vida. 
A paisagem geográfica tem, ainda, uma extensão territorial e limites razoavelmente 
identificáveis. Nestes termos, a região é a expressão espacial da ocorrência de uma mesma 
paisagem geográfica. O objeto da geografia possibilista é, portanto, a região, e a geografia 
confunde-se, então, com a geografia regional. 
Enquanto formas criadas pelo homem sobre a superfície da Terra, a paisagem poderia 
ser considerada sinônimo de organização espacial? Primeiramente, lembre-se de que este 
conceito não foi cogitado pela geografia 
vidaliana. 
Em segundo lugar, no nosso entender, o conceito de paisagem - campos agrícolas 
dispostos pelas encostas suaves de um vale, florestas nas íngremes, caminhos entre os 
campos e ao longo do rio onde se localizam os núcleos de povoamento etc. - aproxima-se do 
de organização espacial que adotamos neste estudo. No entanto, o conceito de paisagem 
apresenta uma limitação dada pela ênfase em um aspecto exterior, derivado de sua apreensão 
via método empírico-indutivo. 
Por outro lado, o conceito de paisagem, que acaba se confundindo com o de região, 
está associado à visão de uni cidade, isto é, de um fenômeno que ocorre uma única vez, sem 
se repetir. 
O conceito de organização espacial é, para nós, mais abrangente e rico que o de 
paisagem. 
 
o método regional 
 
A método regional consiste no terceiro paradigma da geografia, opondo-se ao 
determinismo ambiental e ao possibilismo. Nele, a diferenciação de áreas não é vista a partir 
das relações entre o homem e a natureza, mas sim da integração de fenômenos heterogêneos 
em uma dada porção da superfície da Terra. O método regional focaliza assim o estudo de 
áreas, erigindo não uma relação causal ou a paisagem regional, mas a sua diferenciação de 
per si como objeto da geografia. 
O método regionaltem merecido atenção de geógrafos desde pelo menos o século 
XVIII, com Varenius. O filósofo Kant e o geógrafo Carl Ritter, respectivamente no final do 
século XVIII e na primeira metade do XIX, ampliaram as bases dos estudos de área. No final 
do século passado, Richthofen estabelece o conceito de corologia (integração de fenômenos 
heterogêneos sobre uma dada área), desenvolvido mais tarde por Alfred Hettner. 
Contudo, a geografia do final do século passado e início deste vivenciava a disputa 
entre as correntes determinista e possibilista, não se valorizando o método regional. Apenas a 
partir dos anos 40, e nos Estados Unidos sobretudo, a tradição de estudos de área assume 
expressão. No centro da valorização do método regional está o geógrafo norte-americano 
Hartshorne2. Com ele, o novo paradigma ganha outra dimensão. 
 7 
No plano externo, o método regional evidencia a necessidade de produzir uma 
geografia regional, ou seja, um conhecimento sintético sobre diferentes áreas da superfície da 
Terra. Preocupação antiga, derivada da expansão mercantilista dos séculos XVI e XVII, 
aparecia, então, como resultado da demanda das grandes corporações e dos aparelhos de 
Estado. 
No plano interno, registra a procura de uma identidade para a geografia, que se obteria 
não a partir de um objeto próprio, mas através de um método exclusivo. Resumindo, 
diferenciação de áreas passa a se considerar o resultado do método geográfico e, 
simultaneamente, o objeto da geografia. 
Para Hartshorne, o cerne da geografia é a regional que, como vimos, busca a 
integração entre fenômenos heterogêneos em seções do espaço terrestre. Estes fenômenos 
apresentam um significado geográfico, isto é, contribuem para a diferenciação de áreas. Da 
integração destes - estudados sistematicamente pelas outras ciências -, surge a geografia 
como uma ciência de síntese. 
Em sua proposição, Hartshorne não adota a região Como o objeto da geografia. Para 
ele, importante é o método de identificar as diferenciações de área, que resultam de uma 
integração única de fenômenos heterogêneos. Diz ele em seu clássico estudo de 1939: 
 
o objeto da geografia regional é unicamente o caráter variável da superfície da Terra - 
uma unidade que só pode ser dividida arbitrariamente em partes, as quais, em qualquer 
nível da divisão, são como as partes temporais da história, únicas em suas 
características3. 
 
A região, para Hartshorne, não passa de uma área mostrando a sua unicidade, 
resultado de uma integração de natureza única de fenômenos heterogêneos. O conceito de 
organização espacial também não é cogitado pelo método regional. Para tanto, pressupõe-se 
pensar a priori na existência de uma lógica em ação, resultante da efetivação de regras ou leis 
de natureza social. Ora, a proposição hartshorniana não admite a existência de outras leis 
além da unicidade do caráter integrativo dos fenômenos sobre a superfície da Terra. 
Deste modo, as contribuições do paradigma do método regional para os conceitos de 
região e de organização espacial são, em si mesmas, muito limitadas. Iriam suscitar, no 
entanto, enorme crítica, na qual aquilo que nos interessa é considerado de modo privilegiado. 
 
 
A nova geografia 
 
Após a 2ª Guerra Mundial, verifica-se uma nova fase de expansão capitalista. Ela se dá 
no contexto da recuperação econômica da Europa e da "guerra fria", envolvendo maior 
concentração de capital e progresso técnico, resultando na ampliação das grandes 
corporações já existentes. Esta expansão defronta-se, ainda, com o desmantelamento dos 
impérios coloniais, sobretudo a partir dos anos 60. 
Não se trata mais de uma expansão marcada pela conquista territorial, como ocorreu no 
final do século passado; ela se dá de outra maneira e traz enormes conseqüências, afetando 
tanto a organização social como as formas espaciais criadas pelo homem. 
Uma nova divisão social e territorial do trabalho é posta em ação, envolvendo 
introdução e difusão de novas culturas, industrialização, urbanização e outras relações 
espaciais. As regiões elaboradas anteriormente à guerra são desfeitas, ao mesmo tempo que 
a ação humana, sob a égide do grande capital, destrói e constrói novas formas espaciais, 
reproduzindo outras: rodovias, ferrovias, represas, novos espaços urbanos, extensos campos 
agrícolas despovoados e percorridos por modernos tratores, shopping centers etc. Trata-se de 
uma mudança tanto no conteúdo como nos limites regionais, ou seja, no arranjo espacial 
criado pelo homem. 
Estas transformações inviabilizariam os paradigmas tradicionais da geografia - o 
determinismo ambiental, o possibilismo e o método regional -, suscitando um novo, calcado 
 8 
em uma abordagem locacional: o espaço alterado resulta de um agregado de decisões 
locacionais. 
A geografia que surge em meados da década de 50, conhecida como nova geografia, 
tem um papel ideológico a ser cumprido. É preciso justificar a expansão capitalista, 
escamotear as transformações que afetaram os gêneros de vida e paisagens solidamente 
estabelecidas, assim como dar esperanças aos "deserdados da terra", acenando com a 
perspectiva de desenvolvimento a curto e médio prazo: o subdesenvolvimento é encarado 
como uma etapa necessária, superada em pouco tempo. A teoria dos pólos de 
desenvolvimento é um dos melhores exemplos desta ideologia. 
A nova geografia nasce simultaneamente na Suécia, na Inglaterra e nos Estados Unidos, 
neste último país como uma ferrenha crítica à geografia hartshorniana. Adota uma postura 
pragmática que se associa à difusão do sistema de planejamento do Estado capitalista, e o 
positivismo lógico como método de apreensão do real, assumindo assim uma pretensa 
neutralidade científica. 
Ao contrário do paradigma possibilista e da geografia hartshorniana, a nova procura leis 
ou regularidades empíricas sob a forma de padrões espaciais. O emprego de técnicas 
estatísticas, dotadas de maior ou menor grau de sofisticação - média, desvio-padrão, 
coeficiente de correlação, análise fatorial, cadeia de Markov etc. -, a utilização da geometria, 
exemplificada com a teoria dos grafos, o uso de modelos normativos, a adoção de certas 
analogias com as ciências da natureza e o emprego de princípios da economia burguesa 
caracterizam o arsenal de regras e princípios adotados por ela. É conhecida também como 
geografia teorética ou geografia quantitativa. 
A nova geografia considera a região um caso particular de classificação, tal como se 
procede nas ciências naturais. E toda discussão sobre região no seu âmbito corresponde a 
uma crítica aos conceitos derivados do determinismo ambiental e do possibilismo. O conceito 
de organização espacial tem todas as condições para aparecer na nova geografia. Pois o 
rápido processo de mudança locacional que se verifica no pós-guerra, afetando o arranjo 
sobre a superfície da Terra das formas criadas pelo homem, e envolvendo vultosos recursos, 
suscita a questão da eficiência máxima de cada localização rearranjada. Eficiência máxima, 
naturalmente, na ótica do capital. 
Desenvolve-se o conceito de organização espacial entendido como padrão espacial 
resultante de decisões locacionais, privilegiando as formas e os movimentos sobre a superfície 
da Terra (interação espacial)4. 
Surge também na França, onde, a nosso ver, estava latente no pensamento vidaliano. 
Mas não dentro da nova geografia, tal como era definida nos países anglo--saxões e na 
Suécia, e sim numa geografia econômica e aplicada, em cujo centro situa-se Pierre George e 
a política de aménagement du territoire 5. 
 
A geografia crítica 
 
O debate interno à geografia prossegue durante as décadas de 70 e 80. A nova 
geografia e os paradigmas tradicionais são submetidos a severa crítica por parte de uma 
geografia nascida de novas circunstâncias que passam a caracterizar o capitalismo. Trata-se 
da geografia crítica,cujo vetor mais significativo é aquele calcado no materialismo histórico e 
na dialética marxista. 
As origens de uma geografia crítica, que não só contestasse o pensamento dominante, 
mas tivesse também a intenção de participar de um processo de transformação da sociedade, 
situam-se no final do século XIX. Trata-se da geografia proposta pelos anarquistas Élisée 
Reclus e Piotr Kropotkin. Ela não fez escola, submergida pela geografia "oficial", vinculada aos 
interesses dominantes. 
A partir da segunda metade da década de 60, verifica-se nos países de capitalismo 
avançado o agravamento de tensões sociais, originado por crise de desemprego, habitação, 
envolvendo ainda questões raciais. Simultaneamente, em vários países do Terceiro Mundo, 
surgem movimentos nacionalistas e de libertação. O que se pensava até então em termos de 
 9 
geografia não satisfaz, isto é, não mascara mais a dramática realidade. Os modelos 
normativos e as teorias de desenvolvimento foram reduzidos ao que efetivamente são: 
discursos ideológicos, no melhor dos casos empregados por pesquisadores ingênuos e bem 
intencionados. 
Uma geografia crítica começa a se esboçar, congregando geógrafos de mentes abertas, 
que tinham se dedicado à nova geografia, como William Bunge e David Harvey, ou que tinham 
uma posição política de esquerda na geografia herdeira das tradições vidalianas, a exemplo de 
Yves Lacoste. Esta visão crítica é aceita sob reservas pelo Estado capitalista, na medida cm 
que este não pode desempenhar seu papel de controle, apoiado em informações provenientes 
de seu serviço de propaganda. Vários são os periódicos que focalizam criticamente a 
geografia: Antipode, Newsletter (Union of Socialist Geographers), Hérodote, Espace Temps e 
Espace et Luttes. Adicionalmente, em numerosos outros periódicos, há contribuições de 
geógrafos críticos. 
No caso do Brasil, a geografia crítica nasce no final da década de 70, cujo marco foi o 
3° Encontro Nacional de Geógrafos, realizado em 'julho de 1978 em Fortaleza, sob os 
auspícios da Associação dos Geógrafos Brasileiros. 
Além das acirradas críticas aos paradigmas que a precederam, as contribuições da 
geografia crítica, ainda em curso, são numerosas. Dizem respeito à reinterpretação, com base 
na teoria marxista, de aspectos que tinham sido abordados pela nova geografia. Assim, 
reexamina-se questão da Jornada de trabalho, da terra urbana, da habitação, dos transportes 
regionais e da localização industrial. A geografia crítica descobre o Estado e os demais 
agentes da organização espacial: os proprietários fundiários, os industriais, os incorporadores 
imobiliários etc. 
A questão das relações entre o homem e a natureza, central no temário do 
determinismo ambiental e do possibilismo, é também repensada à luz do marxismo. O tema da 
região, questão clássica na história do pensamento geográfico, é retomado pela geografia 
crítica. Neste sentido, uma tentativa de conceituação de região será feita mais adiante 
procurando entendê-la por uma visão dialética. 
Entre os avanços realizados pela geografia crítica estão aqueles associados à questão 
da organização espacial, herdada basicamente da nova geografia. Trata-se, no caso, de ir 
além da descrição de padrões espaciais, procurando-se ver as relações dialéticas entre formas 
espaciais e os processos históricos que modelam os grupos sociais. 
Na discussão do conceito de organização espacial, a contribuição dos geógrafos 
brasileiros tem sido muito importante. Assim, por exemplo, considera-se a teoria marxista do 
valor como base para se empreender uma análise espacial, conforme o fazem Antonio CarIos 
Robert Maraes e WanderIey Messias da Costa (1984). Outra contribuição é a de Milton Santos 
com o conceito de formação sócio-espacial, onde a organização espacial constitui parte 
integrante de uma dada sociedade. Milton Santos (1978) levanta ainda a polêmica questão da 
organização espacial como instância da sociedade. 
A discussão que empreenderemos sobre este conceito estará fundamentalmente 
baseada na geografia crítica. 
 
3 
Região: um conceito complexo 
 
O termo região não apenas faz parte do linguajar do homem comum, como também é 
dos mais tradicionais em geografia. Tanto num como noutro caso, o conceito de região está 
ligado à noção fundamental de diferenciação de área, quer dizer, à aceitação da idéia de que a 
superfície da Terra é constituída por áreas diferentes entre si. 
A utilização do termo entre os geógrafos, no entanto, não se faz de modo harmônico: 
ele é muito complexo. Queremos dizer que há diferentes conceituaçães de região. Cada uma 
delas tem um significado próprio e se insere dentro de uma das correntes do pensamento 
 10 
geográfico. Isto quer dizer que, quando falamos em região, implicitamente, mas de preferência 
de modo explícito, estamos nos remetendo a uma das correntes já identificadas anteriormente. 
Dois pontos devem ser abordados nesta introdução e ambos se referem ao nosso 
posicionamento. Primeiramente, achamos que a região deve ser vista como um conceito 
intelectualmente produzido. Partimos da realidade, claro, mas a submetemos à nossa 
elaboração crítica, na seqüência, procurando ir além da sua apreensão em bases puramente 
sensoriais. Procuramos captar a gênese, a evolução e o significado do objeto, a região. 
Em segundo lugar, queremos deixar claro que todos os conceitos de região podem ser 
utilizados pelos geógrafos. Afinal todos eles são meios para se conhecer a realidade, quer 
num aspecto espacial específico, quer numa dimensão totalizante: no entanto, é necessário 
que explicitemos o que estamos querendo e tenhamos um quadro territorial adequado aos 
nossos propósitos. 
Nesta parte iremos ver os principais conceitos de região, ou seja, o de região natural, o 
de região geográfica de Vidal de Ia Blache e o de região como classe de área, já 
tradicionalmente estabelecidos. Tentaremos conceituá-la sob o ângulo do materialismo 
histórico, onde, acreditamos, não está solidamente estabelecida. Finalmente, discutiremos a 
questão da região como um instrumento de ação e controle dentro de uma sociedade de 
classes. 
 
Região natural e determinismo ambiental 
 
No final do século XIX, e durante as duas primeiras décadas deste, quando a ciência 
geográfica foi impulsionada pela expansão imperialista, sendo o determinismo ambiental uma 
de suas principais correntes de pensamento, um dos conceitos dominantes foi o de região 
natural, saído diretamente do determinismo ambiental. A região natural é entendida como uma 
parte da superfície da Terra, dimensionada segundo escalas territoriais diversificadas, e 
caracterizadas pela uniformidade resultante da combinação ou integração em área dos 
elementos da natureza: o clima, a vegetação, o relevo, a geologia e outros adicionais que 
diferenciariam ainda mais cada uma destas partes. Em outras palavras, uma região natural é 
um ecossistema onde seus elementos acham-se integrados e são interagentes. 
É preciso deixar claro que a idéia de combinação ou integração em área de elementos 
diversos é muito importante para o conceito de região visto sob o paradigma do determinismo 
ambiental (e para outros também). Um mapa com a distribuição espacial dos tipos climáticos 
de Koppen, por exemplo, não se refere a uma combinação ou integração abrangendo 
elementos heterogêneos da natureza. Trata-se de uma divisão apoiada na temperatura e na 
precipitação, com as quais Koppen estabeleceu suas regiões climáticas. A região natural é 
mais complexa. 
Ao contrário, a divisão regional proposta por Herbertson1 está apoiada no conceito de 
região natural. É uma divisão clássica, que ainda hoje exerce influência no ensino da geografia 
na escola secundária. Herbertson, com base no clima e no relevo, e considerando a vegetação, 
divide a superfície da Terra em 6 tipos e 15 subtipos, que não apresentamcontigüidade 
espacial, e 57 regiões naturais, distintas dos primeiros por apresentarem esta contigüidade. Os 
6 tipos são os seguintes: polar, temperada fria, temperada quente, tropical, montanhosa 
subtropical, e terras baixas e úmidas equatoriais. 
Sobre a proposição de Herbertson convém ressaltar três aspectos. Em primeiro lugar, 
as regiões naturais propostas constituem uma base para estudos sistemáticos, como se infere 
do título de seu artigo. Isto significa, na realidade, que o referido autor procurava um quadro 
territorial adequado para pensar a geografia segundo a concepção ambientalista, isto é, onde 
se pudesse estudar e compreender as relações homem/ natureza, admitindo-se que nas 
regiões naturais estas seriam mais evidentes, mais perceptíveis: nelas se poderia ver mais 
claramente o papel determinante da natureza sobre o homem. Neste sentido, as regiões 
naturais configuram, de fato, um ponto de partida, e não de chegada, ou coroamento, no 
quadro territorial que engloba o conhecimento a respeito das diversas áreas diferenciadas da 
superfície da Terra. É nestes termos que o geógrafo americano Charles Dryer, em 1915, aceita 
 11 
a idéia de que as regiões naturais devam ser um meio para se compreender as relações 
homem/natureza, que aparecem diretamente, segundo ele, através da vida econômica, para 
cada um dos estágios de cultura. 
Em segundo lugar, o clima aparece, em Herbertson, Dryer e outros, como o elemento 
fundamental da natureza. Não resta dúvida de que a variação espacial dos tipos de clima é 
um dado importante para se compreender a diferenciação da ocupação humana sobre a 
superfície da Terra, porém no ambientalismo o clima passa a ser considerado, como já se viu, 
fator determinante sobre o homem e, em muitos casos de modo explícito, sobre sua 
história. O clima é utilizado como justificativa para o colonialismo em suas diversas formas 
(colônias de povoamento e de exploração) e o racismo, duas das múltiplas e interligadas 
facetas do imperialismo. Muito sintomático é o fato de Dryer referir-se às regiões econômicas 
como sendo determinadas pela natureza: justifica-se assim, em última instância, a 
superioridade natural das regiões e dos países desenvolvidos, que teriam uma natureza mais 
pródiga. O trecho a seguir, tirado de Herbertson, elucida os dois aspectos acima mencionados: 
 
Através da compreensão da história da mesma raça em duas diferentes regiões, ou de 
um conjunto de raças na mesma região, seria possível chegar a algum conhecimento do 
efeito invariável de um tipo de meio sobre seus habitantes 2. 
 
Em terceiro lugar, convém lembrar que à época em que o conceito de região natural 
desfrutava de prestígio não se podia mais falar em área da superfície da Terra que, em algum 
grau, não tivesse sofrido ação humana e alterado o seu meio natural, a primeira natureza. 
Muito especialmente na Inglaterra do tempo de Herbertson. Isto, contudo, não tira a 
importância do conceito, principalmente para os interessados no estudo sistemático dos 
diferentes ecossistemas ou regiões naturais modificadas pelo homem ao longo da história, 
uma abordagem que não foi considerada pelos geógrafos deterministas quando as estudaram. 
Mesmo para um geógrafo francês como Camille Vallaux, de um país onde o 
determinismo ambiental não fez carreira, as regiões naturais e as humanas conciliam-se 
quando consideradas em termos de grandes regiões da superfície da Terra, como aquelas da 
floresta equatorial, das zonas desérticas, mediterrâneas, temperadas e polares. Nestes amplos 
quadros naturais, caracterizados por uma enorme estabilidade quando comparados à história 
do homem, o referido autor admite que os efeitos das condições naturais sobre o ser humano 
sejam significativos, traduzidos, em cada uma dessas grandes regiões, por modelos próprios 
de ação dos que nelas habitam. Daí a coincidência, nesta escala territorial, entre regiões 
naturais e humanas. Estamos frente a uma forma amenizada, filtrada, de determinismo 
ambiental, não considerado de modo absoluto. Esta visão é, ainda, marcada pelo possibilismo: 
abaixo das grandes regiões definidas pela natureza, vêm as menores caracterizadas por 
elementos de ordem humana, marcados pela instabilidade e capazes de provocar mudanças 
no conteúdo e nos limites regIonais. 
O conceito de região natural foi introduzido no Brasil, via influência francesa, por 
Delgado de Carvalho em 1913. É dentro da ótica acima exposta que Fábio Guimarães3 admitia 
a sua utilização no Brasil, visando uma divisão de caráter prático e duradouro, que 
possibilitasse a comparação de dados estatísticos ao longo do tempo. Guimarães, aceitando a 
identificação das regiões naturais propostas por Delgado de Carvalho, considera as seguintes 
grandes regiões naturais: norte, nordeste, leste, sul e centro-oeste. Estas unidades regionais 
maiores foram divididas em regiões, sendo estas, por sua vez, subdivididas em zonas 
fisiográficas, caracterizadas por elementos de ordem humana. 
 
Possibilismo e região 
 
O possibilismo considera de modo diferente a questão da região. Não é a região natural, 
e sua influência sobre o homem, que domina o temário dos geógrafos possibilistas. É, sem 
dúvida, uma região humana vista na forma da geografia regional que se torna seu próprio 
objeto. A região considerada é concebida como sendo, por excelência, a região geográfica. 
 12 
Assim, os conceitos de região natural e região geográfica, tal como esta será definida, são 
distintos, tanto no que se refere às suas bases empíricas, como aos seus propósitos. 
Reagindo ao determinismo ambiental, o possibilismo considera a evolução das relações 
entre o homem e a natureza, que, ao longo da história, passam de uma adaptação humana a 
uma ação modeladora, pela qual o homem com sua cultura cria uma paisagem e um gênero 
de vida, ambos próprios e peculiares a cada porção da superfície da Terra. 
Com diferenças em maior ou menor grau, estas idéias aparecem na França no final do 
século passado com Paul Vidal de Ia Blache, na Alemanha da primeira década deste século 
com Otto Schlüter, e nos Estados Unidos, em 1925, com Carl Sauer, que se inspirou nos dois 
mencionados autores. Em todos os três casos trata-se da mesma reação ao determinismo 
ambiental e ao seu correspondente conceito de região natural. 
A região geográfica abrange uma paisagem e sua extensão territorial, onde se 
entrelaçam de modo harmonioso componentes humanos e natureza. A idéia de harmonia, de 
equilíbrio, evidente analogia organicista que Vidal de Ia Blache adota, constitui o resultado de 
um longo processo de evolução, de maturação da região, onde muitas obras do homem 
fixaram-se, ao mesmo tempo com grande força de permanência e incorporadas sem 
contradições ao quadro final da ação humana sobre a natureza. 
Região e paisagem são conceitos equivalentes ou associados, podendo-se igualar, na 
geografia possibilista, geografia regional ao estudo da paisagem. E esta equivalência tem 
apoio lingüístico: em francês paysage (paisagem) vem 
de pays (pequena região homogênea); em alemão a palavra landschaft tem dois sentidos: 
paisagem e extensão de um território que se caracteriza por apresentar aspecto mais ou 
menos homogêneo; em inglês landscape designa paisagem, e Sauer usou o termo como 
sinônimo de região. 
A região geográfica assim concebida é considerada uma entidade concreta, palpável, 
um dado com vida, supondo portanto uma evolução e um estágio de equilíbrio. Neste 
raciocínio, chegar-se-ia à conclusão de que a região poderia desaparecer. Sendo assim, o 
papel do geógrafo é o de reconhecê-la, descrevê-la e explicá-la, isto é, tornar claros os seus 
limites, seus elementos constituintes combinados entre si e os processos de sua formação e 
evolução. Neste aspecto, a região geográfica dos possibilistas não se diferenciava da região 
natural. 
No processo de reconhecimento,descrição e explicação dessa unidade concreta, o 
geógrafo evidenciava a individualidade da região, sua personalidade, sua singularidade, 
aquela combinação de fenômenos naturais e humanos que não se repetiria. 
A concretude e individualidade de cada região são ainda reconhecidas pela sua 
população e as das regiões vizinhas; isto se explica pelo fato de cada região possuir um nome 
próprio único, que todos conhecem a partir de uma vivência plenamente integrada à região: 
pays de Caux,pays de Ia Brie, Agreste, Brejo, Campanha Gaúcha etc. 
A região geográfica definida por Vidal de Ia Blache e seus discípulos tem seus limites 
determinados por diversos componentes: uma fronteira pode ser o clima, outra o solo, outra 
ainda a vegetação. O que importa é que na região haja uma combinação específica da 
diversidade, uma paisagem que. acabe conferindo singularidade àquela região. Não se trata 
de um corte mais ou menos arbitrário na distribuição desigual de um determinado elemento 
sobre a superfície da Terra. Os esquemas a seguir, apoiados em Yves Lacoste (1976), 
exemplificam a questão dos limites e da individualidade da região. As figuras 1a a 1d indicam a 
divisão de um mesmo segmento de terra de acordo com quatro elementos. Cada um deles 
apresenta uma diferencialidade espacial, inerente à sua própria natureza. 
 13 
 
 
Da sua superposição, formam-se 10 regiões, cada uma marcada pela combinação singular 
dos 4 elementos considerados: assim, há apenas uma única região ACEG e uma única outra 
denominada ACFG conforme aparece na figura 1e. 
O conceito vidaliano de região recebeu inúmeras críticas de Lacoste e de Claval. O 
primeiro dos geógrafos franceses comenta que na escolha dos elementos que se combinam 
há uma seletividade que considera apenas os antigos, de longa duração, desprezando os 
elementos de origem recente. Isto significa que, implicitamente, concebe-se a região como 
uma entidade acabada, concluída. Ademais, a concepção vidaliana impõe um único modo de 
se pensar a divisão da superfície da Terra, esquecendo a diferencialidade espacial de cada 
elemento (ver figura 1a a 1d), e o fato de que outros segmentos do espaço podem ser mais 
úteis. A concepção vidaliana de região implica uma postura empirista, na medida em que ela é 
vista como algo dado, auto-evidente. Finalmente, a idéia de harmonia não é adequada às 
sociedades estrutura das em classes sociais. 
Claval, por sua vez, lembra o fato de que, por não haver um critério sistemático para se 
identificar regiões, os resultados obtidos indicam a sua diversidade, às vezes constituindo uma 
realidade natural, mas na maioria dos casos condicionada histórica e economicamente. Era 
difícil teorizar sobre o assunto, especialmente porque não se admitia a aplicação dos 
procedimentos de utilização geral. Por outro lado, constatou-se que os elementos humanos 
passavam a adquirir maior importância que os naturais no processo de gerar as regiões 
geográficas. Atingia-se o paradigma possibilista, fundado nas relações entre o homem e a 
 14 
natureza e expresso na região geográfica. Na verdade, estudos regionais focalizados em 
temas específicos começaram a surgir na geografia regional francesa. 
No Brasil, conforme já se indicou, as zonas fisiográficas, a despeito do nome, foram 
fundamentadas no conceito de região geográfica de Vidal de Ia Blache: sua aplicabilidade se 
deu na medida em que formaram bases territoriais agregadas, através das quais foram 
divulgados os resultados dos recenseamentos de 1950 e 1960. Já as regiões homogêneas, 
através das quais se divulgaram os resultados dos recenseamentos de 1970 e 1980, 
constituem uma tentativa de atualização das zonas fisiográficas, adotando-se implicitamente o 
essencial das idéias vidalianas, apesar dos casos de exceção (áreas metropolitanas) e do 
discurso eminentemente indicador do paradigma 
da nova geografia. 
 
Nova geografia, classes e região 
 
 
A nova geografia, fundamentada no positivismo lógico, tem a sua própria versão de 
região, que se opõe àquelas associadas aos paradigmas do determinismo ambiental e do 
possibilismo. A região, neste novo contexto, é definida como um conjunto de lugares onde as 
diferenças internas entre esses lugares são menores que as existentes entre eles e qualquer 
elemento de outro conjunto de lugares. 
As similaridades e diferenças entre lugares são definidas através de uma mensuração 
na qual se utilizam técnicas estatísticas descritivas como o desvio-padrão, o coeficiente de 
variação e a análise de agrupamento. Em outras palavras, é a técnica estatística que permite 
revelar as regiões de uma dada porção da superfície da Terra. Nesse sentido, definir regiões 
passa a ser um problema de aplicação eficiente de estatística: considerando-se os mesmos 
território, propósitos e técnica estatística, duas divisões regionais deverão apresentar os 
mesmos resultados, independentemente de terem sido feitas por dois pesquisadores distintos. 
A divisão regional assim concebida pressupõe uma objetividade máxima, implicando a 
ausência de subjetividade por parte do pesquisador. A figura 2 procura exemplificar uma 
divisão regional hipotética: o território foi dividido em três regiões, e em cada uma delas as 
diferenças internas são muito pequenas, quando se pensa nelas em comparação às outras 
regiões. 
 
 
 15 
Se as regiões são definidas estatisticamente, isto significa que não se atribui a elas nenhuma 
base empírica prévia. São os propósitos de cada pesquisador que norteiam os critérios a 
serem selecionados para uma divisão regional. Se a intenção é definir regiões climáticas, 
utilizam-se então informações pertinentes ao clima; no caso de elas serem agrícolas, fontes 
relacionadas seriam usadas. Ao contrário da região vidaliana, a da nova geografia não é 
considerada uma entidade concreta, e sim uma criação intelectual balizada por propósitos 
especificados, tal como aponta Grigg6. 
Na ampla possibilidade de aparecimento dos propósitos de divisão regional, há dois 
enfoques que não se excluem mutuamente. O primeiro considera as regiões simples, ou então 
complexas. No caso das regiões simples, estamos considerando uma divisão regional de 
acordo com um único critério ou variável, originando regiões segundo, por exemplo, o nível de 
renda da população, da criação de bovinos ou de tipos de solos. No segundo caso, levamos 
em conta muitos critérios ou variáveis (usualmente reduzidas a umas poucas através de uma 
técnica estatística mais sofisticada, a análise fatorial). Um exemplo de divisão regional 
complexa é a divisão de um país em regiões econômicas, envolvendo, entre outras, variáveis 
como a densidade demográfica, a renda da população, a produção agropecuária e industrial e 
a urbanização. O segundo enfoque visa as regiões homogêneas, ou então funcionais. Trata-se 
de uma visão dicotomizada, que perde aquela característica de integralidade que a região 
natural e a vidaliana passavam. Cada uma dessas duas regiões pode ser focalizada como 
simples ou complexa. 
Por região homogênea, estamos nos referindo à unidade agregada de áreas, descrita pela 
invariabilidade (estatisticamente considerada) de características analisadas,estáticas, sem 
movimento no tempo e no espaço: a densidade de população, a produção agropecuária, os 
níveis de renda da população, os tipos de clima e as já mencionadas regiões naturais. Um 
pays, tal como Vidal de Ia Blache o define, seria uma região homogênea complexa, quando 
pensada em termos da nova geografia. Para este paradigma, a região-síntese seria um dos 
muitos possíveis casos de divisão regional. 
As regiões funcionais, apesar da inadequação do termo, são definidas de acordo com o 
movimento de pessoas, mercadorias, informações, decisões e idéias sobre a superfície da 
Terra. Identificam-se, assim, regiões de tráfego rodoviário, fluxos telefônicos ou matérias-
primas industriais,migrações diárias para o trabalho, influência comercial das cidades etc. 
Convém frisar que as regiões homogêneas e funcionais tendem a ser mutuamente 
excludentes no mundo capitalista, pois dizem respeito a fenômenos que se comportam, cada 
um deles, com espacialidade própria. 
Verifica-se, como já vimos, que os propósitos dos pesquisadores, em termos 
acadêmicos, ou de vinculação explícita ao sistema de planejamento, são diretamente 
proporcionais às possibilidades de se estabelecerem divisões regionais. Mais ainda, para 
qualquer fenômeno que necessariamente tenha uma expressão espacial é possível o 
estabelecimento de uma divisão regional: deste modo, pode-se dar conta, no plano descritivo e 
classificatório, daquela diferencialidade espacial de que nos fala Yves Lacoste. 
Na nova geografia, o conceito de sistema de regiões (já estabelecido muitos anos atrás 
por geógrafos "tradicionais" como Unstead) está calcado explicitamente nos princípios da 
classificação, tal como se adota nas ciências da natureza, como a botânica. A analogia com as 
ciências naturais, uma das marcas do positivismo lógico, aparece claramente quando a nova 
geografia estabelece o conceito de região. Bunge7 estabelece explicitamente a comparação 
entre termos regionais e termos classificatórios, termos de duas linguagens diferentes. 
Vejamos alguns exemplos: 
 
Termos regionais 
a) Região uniforme 
b) Sistema regional 
c) Região definida com um 
único aspecto 
d) Região definida com aspectos 
múltiplos 
e) Lugar 
f) Elementos da geografia 
g) Geografia regional 
h) Core da região 
i) Limite regional 
 16 
j) Escala 
 
 
Termos classificatórios 
a) Classe de área 
b) Sistema classificatório 
c) Classificação com uma única 
categoria 
d) Classificação com mais de uma categoria 
e) Indivíduo 
f) Características diferenciadoras 
g) Atenção focalizada em classes de área 
h) Indivíduos modais e indivíduos 
similares 
i) Intervalo de classe 
j) Número de classes de área 
 
Deste modo, a região torna-se uma classe de área constituída por diversos indivíduos 
similares entre si. Várias classes de área organizam-se em um sistema classificatório. Tal 
sistema pode ser concebido de dois modos: através da divisão lógica e do agrupamento. 
Vejamos cada um deles. 
A divisão lógica é uma classificação caracterizada pela divisão sucessiva do todo 
(superfície da Terra ou de um país, por exemplo) em partes. Dedutiva, de cima para baixo, 
pressupõe que o pesquisador já tenha uma visão do todo e queira, analiticamente, chegar a 
identificar, através de critérios selecionados, as partes componentes do todo, os indivíduos 
(lugares). A figura 3 esquematiza a divisão lógica. O todo, representado pela letra A, é 
subdividido em duas classes (regiões), que têm em comum o fato de apresentarem a 
característica A, e de diferenciação entre elas as características x e y. A classe (região) Ax 
subdivide-se em outras duas: Axa e Axb. 
 
 
Convém frisar que a divisão lógica tem sido muito pouco empregada na nova geografia, 
porque esta fundamentou o conhecimento da realidade a partir de uma' trajetória ascendente, 
do indivíduo para o todo, pelo segundo dos modos referidos, o agrupamento. Contudo, um 
exemplo clássico do uso da divisão lógica é o das regiões naturais de Herbertson. 
O agrupamento ou classificação indutiva caracteriza-se pelo fato de partir-se do 
indivíduo (lugar, município) e, progressivamente, por agregação, que implica a perda de 
detalhes ou generalização crescente, chegar-se ao todo. 
O procedimento por sínteses sucessivas, ao contrário da divisão lógica, não pressupõe 
conhecimento prévio do todo, que pode ser obtido indutivamente,agregando-se, pouco a 
pouco, o conhecimento sobre as partes. A figura 4 representa um esquema de agrupamento. 
Existem, no exemplo, 8 indivíduos que constituem o agrupamento mais inferior, de 1ª ordem. 
Possuindo características comuns, são agrupados em 4 classes de áreas ou agrupamento de 
2ª ordem, que por sua vez agrupam-se em 2 classes de 3ª ordem. No passo seguinte, chega-
se ao todo. 
 
 17 
 
Os dois modos de se estabelecer um sistema regional ou uma hierarquia de regiões 
apresentam ainda uma diferença fundamental, ressaltada aqui para que se tenha clareza das 
condições de um ou de outro modo a ser adotado. A divisão lógica, na medida em que é um 
procedimento de trajetória descendente, procura diferenciações entre os lugares, enquanto o 
agrupamento, ascendente, procura regularidades. E diferenciações e regularidades são meios 
complementares de se conhecer a realidade. 
Do processo de divisão regional emerge a questão de se definir tipos, e uma tipologia, 
ou regiões. Os tipos caracterizam-se pelos seus atributos específicos, não implicando a 
existência de contigüidade espacial, tal como Herbertson definiu os quadros naturais: o tipo 
polar, como se sabe, ocorre tanto no hemisfério sul como no norte. A região, por outro lado, a 
par de sua especificidade, pede seqüência no espaço, A figura 5 procura esclarecer esta 
questão. Indica ela 5 tipos dos quais 2 ocorrem, cada um, em 3 áreas distintas e não contíguas 
espacialmente: ao total há 9 regiões. 
 
 
 
Como vimos, no processo de divisão regional pode-se definir uma tipologia, tal como 
fizeram Herbertson e Koppen, ou se chegar a uma segmentação da superfície da Terra em 
regiões. No primeiro caso, estamos considerando os fenômenos na visão do que se 
convencionou denominar de geografia sistemática; no outro, da geografia regional. 
Um último aspecto deve ser considerado. Na nova geografia não existe, como na 
hartshorniana, um método regional, e sim estudos nos quais as regiões formam classificações 
espadas. Em outras palavras, identificam-se padrões espaciais de fenômenos vistos 
estaticamente ou em movimento. Neste sentido, a região adquire, junto à sua inexistência 
como entidade concreta, o sentido de padrão espacial. A geografia regional, por sua vez, não 
 18 
tem o propósito de reconhecer uma síntese, como em Vidal de Ia Blache, nem de procurar 
pela singularidade de cada área, como em Hartshorne. 
 Os estudos de geografia regional ou de área são realizados dentro de propósitos 
preestabelecidos. A partir de uma referência teórica, como a das localidades centrais ou a do 
uso agrícola da terra, ou de um suposto problema, como o do desenvolvimento regional, 
estuda-se um segmento da superfície da Terra. Isto quer dizer que a área é vista como 
laboratório de estudos sistemáticos, realimentando os referenciais teóricos que estes formulam. 
Assim, 
na nova geografia, estudos sistemáticos e de área não se distinguem entre si: mais do que 
uma complementação, eles são, em última instância, a mesma coisa. 
No Brasil, a nova geografia desenvolveu-se nos Departamentos de Geografia de Rio 
Claro e de Estudos Geográficos do IBGE; aí surgiram os estudos de tipologia e divisão 
regional dentro da concepção em pauta. Sobre o assunto consultem-se os periódicos Boletim 
de geografia teorética e Geografia, editados em Rio Claro, e a Revista brasileira de geografia, 
editada pelo IBGE, especialmente os números referentes à década de 70. 
 
 
 
 
Região e geografia crítica 
 
Dentro do questionamento à geografia tradicional e à nova geografia, aparece durante a 
década de 70 uma geografia crítica, que traz consigo a necessidade de se repensar o conceito 
de região. Assim, discute-se a postura empirista que caracteriza as definições vidaliana e da 
nova geografia. Lacoste, por exemplo, refere-se à concepção vidaliana de região como sendo 
um "conceito-obstáculo", que nega outras possibilidades de se dividir a superfície da Terra; por 
outro lado, as classes de área da nova geografia podem acabar constituindo-se em um 
exercício acadêmico sofisticado. 
Deste posicionamento crítico fazem parte tambémgeógrafos brasileiros. Assim, entre 
outros, Aluízio Duarte8 comenta que, a partir do materialismo histórico e da dialética marxista, 
diversos pesquisadores introduziram, na década de 70, novos conceitos visando uma definição 
de região. Assim, consideram-se o conceito de região e o tema regional sob uma articulação 
dos modos de produção, como faz Lipietz; através das conexões entre classes sociais e 
acumulação capitalista, conforme é o caso de VilIeneuve; por meio das relações entre o 
Estado e a sociedade local, mostradas por Dulong; ou então, introduzindo a dimensão política, 
conexão de Chico de Oliveira ao fazer a elegia do Nordeste brasileiro. 
Duarte tem suas proposições sobre a região: para ele, é 
uma dimensão espacial das especificidades sociais em uma totalidade espaço-social, 
 
capaz de opor 
 
resistência à homogeneização da sociedade e do espaço pelo capital monopolístico e 
hegemônico .... 
 
Para ele, se não há uma elite regional capaz de opor a aludida resistência, então não existe 
região. 
 
Regiões são espaços em que existe uma sociedade que realmente dirige e organiza 
aquele espaço. 
 
Esta conceituação tem, a nosso ver, o defeito de considerar região uma situação que no 
capitalismo monopolista de hoje é cada vez mais inexistente. As regiões tenderiam, assim, a 
desaparecer. Ou seja, não haveria mais diferenciação de áreas. Acreditamos que, adotando-
se esta visão, perder-se-ia um conceito que tem a vantagem de permitir que nos localizemos 
 19 
nos diferentes níveis em que a superfície da Terra pode ser dividida. E, sobretudo, achamos 
que qualquer conceito pode ser repensado. No caso, sem que se perca sua aplicabilidade 
universal. 
O que segue é uma tentativa de inserir o conceito de região dentro de um quadro 
teórico amplo, que permita dar conta da diversidade da superfície da Terra sob a ação humana 
ao longo do tempo. Este quadro consiste na lei do desenvolvimento desigual e combinado 
proposto por Trotsky. 
A lei do desenvolvimento desigual e combinado expressa particularmente uma das leis 
da dialética, a da interpenetração dos contrários. Refere-se ao fato de ser cada aspecto da 
realidade constituído de dois processos que se acham relacionados e interpenetrados, apesar 
de serem diferentes e opostos. A contradição que daí decorre é característica imanente à 
realidade e o elemento motor de sua transformação. Na lei que nos interessa, os dois 
processos são, primeiro o da desigualdade e, depois, o da combinação. Permite que se 
considere as diferenciações resultantes da presença de fenômenos originados em tempos 
históricos diferentes coexistindo no tempo presente. . .e no espaço. 
Esta lei tem uma dimensão espacial, que se verifica através do processo de 
regionalização, ou seja, de diferenciação de áreas. Dois aspectos devem ser considerados, 
tendo em vista a compreensão das conexões entre a lei em pauta e o conceito de região que 
dela surge. O primeiro deles se refere à gênese e à difusão do processo de regionalização, e o 
segundo aos mecanismos nos quais o processo realiza-se. Ambos estão interligados. 
Em relação ao primeiro aspecto, é conveniente notar que a diferenciação de áreas 
vincula-se à história do homem, não se verificando de uma vez e para sempre. Tem uma 
gênese encontrada nas comunidades primitivas indiferenciadas, que implicava uma 
semelhança do espaço enquanto resultado da ação humana. Estas sociedades originárias 
tiveram, ao longo do tempo e do espaço, um desenvolvimento diferenciado, isto é, os 
processos internos de diferenciação e a difusão dos processos de mudança deram-se de 
modo desigual9. Assim, o aparecimento da divisão social do trabalho, da propriedade da terra, 
dos meios e das técnicas de produção, das classes sociais e suas lutas, tudo isto se deu com 
enorme distância em termos espaço-temporais, levando a uma diferenciação intra e 
intergrupos. Do mesmo modo, a difusão dos processos de mudança fez-se desigualmente, 
reforçando a diferenciação de áreas. 
As desigualdades que aparecem caracterizam-se pela combinação de aspectos 
distintos dos diversos momentos da história do homem. Isto resulta no aparecimento de 
grupos também distintos ocupando específicas parcelas da 
superfície da Terra, e aí imprimindo suas próprias marcas, a paisagem, que nada mais é que 
uma expressão de seus modos de vida. 
Uma vez iniciada a difusão do processo de regionalização, de diferenciação de áreas, 
via contatos comerciais, migrações e conquistas, esta assume ritmos distintos, isto é, duração 
e intensidade que variam. Em determinados momentos e áreas, a regionalização dá-se com 
maior rapidez e profundidade: a diferenciação de áreas é aí mais notável. Simultaneamente, 
em outras áreas não ocorre este processo ou ele é extremamente lento. Tomemos um 
exemplo para esclarecer este ponto: a partir da década de 30, o Paraná vê-se sob um intenso 
processo de regionalização, que prossegue nas décadas subseqüentes, originando o 
aparecimento, entre outras regiões, daquelas que se convencionou denominar de norte velho, 
norte novo e norte novíssimo. 
Na década de 80, esta distinção não tem a mesma expressão que tinha, pois os 
mecanismos que geraram a diferenciação regional foram alterados em sua concretude, e uma 
nova regionalização põe-se em marcha. Ao mesmo tempo, na década de 30 e seguintes, a 
vastíssima área da Amazônia brasileira apresentava-se pouco diferenciada: a diversificação 
interna começa a se tornar sensível a partir de 1970, quando, impulsionada do exterior, 
verifica-se a penetração desigual do capital e de correntes migratórias. 
Este processo de diferenciação estende-se pela década de 80 e certamente prosseguirá 
pelos próximos decênios. Em relação ao segundo aspecto, vinculado aos mecanismos 
utilizados pelo processo de regionalização, vale lembrar que, na medida em que a história do 
 20 
homem acontece, marcada pelo desenvolvimento das forças produtivas, pela dinâmica da 
sociedade de classes e de suas lutas, o processo de regionalização torna-se mais complexo. 
Por complexidade entendemos o fato de o processo de regionalização retalhar ainda mais o 
espaço ocupado pelo homem em numerosas regiões e, concomitantemente, integrá-las. 
É no modo de produção capitalista que o processo de regionalização se acentua, 
marcado pela simultaneidade dos processos de diferenciação e integração, verificada dentro 
da progressiva mundialização da economia a partir do século XV. Sob a égide do capital, os 
mecanismos de diferenciação de áreas tornam-se mais nítidos, quais sejam: 
a) a divisão territorial do trabalho, que define o que será produzido aqui e ali; 
b) o desenvolvimento dos meios e a combinação das relações e técnicas de produção de 
produção originadas em momentos distintos da história, que definem o como se realizará a 
produção; 
c) a ação do Estado e da ideologia que se especializa desigualmente, garantindo novos modos 
de vida e a pretensa perpetuação deles; 
d) a ampla articulação, através dos progressivamente mais rápidos e eficientes meios de 
comunicação, entre as regiões criadas ou transformadas pelo e para o capital. 
 
A lei do desenvolvimento desigual e combinado traduz-se, assim, no processo de 
regionalização que diferencia não só países entre si como, em cada um deles, suas partes 
componentes, originando regiões desigualmente desenvolvidas mas articuladas. Sob o 
capitalismo queremos crer que a noção de combinação deve ser explicitamente referida não 
apenas à coexistência no mesmo território de diferentes modos de vida, mas também à 
articulação espacial destes territórios. 
A região pode ser vista como um resultado da lei do desenvolvimento desigual e 
combinado, caracterizada pela sua inserção na divisão nacional e internacional do trabalho e 
pela associação de relações de produção distintas. Estes dois aspectos vão traduzir-se tanto 
em umapaisagem como em uma problemática, ambas específicas de cada região, 
problemática que tem como pano de fundo a natureza específica dos embates que se 
estabelecem entre as elites regionais e o capital externo à região e dos conflitos entre as 
diferentes classes que compõem a região. Os conflitos oriundos dos embates entre interesses 
internos, bem como entre interesses internos e externos, podem gerar uma desintegração da 
região, que se exprimirá na sua paisagem. 
Tendo isto em vista, pode-se dizer que a região é considerada uma entidade concreta, 
resultado de múltiplas determinações, ou seja, da efetivação dos mecanismos de 
regionalização sobre um quadro territorial já previamente ocupado, caracterizado por uma 
natureza já transformada, heranças culturais e materiais e determinada estrutura social e seus 
conflitos. A região assim definida assemelha-se em vários aspectos à vidaliana, podendo em 
muitos casos ser idêntica nos seus limites. Conceitualmente, no entanto, não é a mesma 
região, pois as diferenças vistas são numerosas. Ela não tem nada da preconizada harmonia, 
não é única no sentido vidaliano ou hartshorniano, mas particular, ou seja, é a especificação 
de uma totalidade da qual faz parte através de uma articulação que é ao mesmo tempo 
funcional e espacial. Ou, em outras palavras, é a realização de um processo geral, universal, 
em um quadro territorial menor, onde se combinam o geral - o modo dominante de produção, o 
capitalismo, elemento uniformizador - e o particular - as determinações já efetivadas, elemento 
de diferenciação. Neste sentido, concordamos com Duarte quando afirma que a região é 
 
uma dimensão espacial das especificidades sociais em 
uma totalidade espaço-social. 
 
Uma observação considerando o futuro impõe-se: se o processo de regionalização está 
em marcha, assim como a história do homem, como pensar na existência de regiões sob o 
socialismo? Acreditamos, com base na lei do desenvolvimento desigual e combinado, que, 
neste caso, o processo de regionalização terá seu curso, refazendo regiões ou áreas 
diferenciadas. Por quê? Os recursos naturais e os socialmente produzidos, como estradas, 
 21 
fábricas e redes urbanas, estão desigualmente desenvolvidos sobre a superfície da Terra, 
sendo difícil conceber-se, no modo de pensar influenciado pelas práticas capitalistas, que no 
socialismo a questão da escassez e da localização seletiva desses recursos tenha sido 
resolvida. Sob ação de que mecanismos? 
Certamente, e nos limites do nosso raciocínio, sob a influência de uma nova divisão do 
trabalho, motivada por razões técnicas. Não é mais admissível esta região – que poderá ter 
até outra denominação - exercer um meio de controle sobre o homem que, na história, seguiu 
um caminho que o conduziu a uma sociedade sem classes, sem dominação. 
 
 
 
Região, ação e controle 
 
O conceito de região tem sido largamente empregado para fins de ação e controle. Mais 
precisamente, no decorrer da prática política e econômica de uma sociedade de classes, que 
por sua própria natureza implica a existência de formas diversas de controle exercido pela 
classe dominante, utilizam-se o conceito de diferenciação de área e as subseqüentes divisões 
regionais, visando ação e controle sobre territórios militarmente conquistados ou sob a 
dependência político-administrativa e econômica de uma classe dominante. 
Ao se definir uma região para fins de ação e controle, considera-se, alternativamente: o 
conceito de região natural, tal como foi definido anteriormente; o de região geográfica nos 
termos propostos, entre outros, por Vidal de Ia Blache; e uma área vista por um aspecto ao 
qual se atribui relevância, como uma determinada produção, um suposto problema social, a 
gravitação em torno de uma cidade dotada de funções regionais, ou pertinente a uma mesma 
bacia hidrográfica. Pode ainda, na realidade, abranger uma combinação das alternativas 
mencionadas. Assim, as diferentes conceituações de região estão presentes na prática 
territorial das classes dominantes. Como os demais conceitos geográficos, o conceito de 
região não está desvinculado de uma ação que é a um tempo social e espacial. 
A ação e controle sobre uma determinada área quer garantir, em última análise, a reprodução 
da sociedade de classes, com uma dominante, que se localiza fora ou no interior da área 
submetida à divisão regional ou, como se refere a literatura, à regionalização. Esta distinção 
parte da aceitação explícita ou implícita da diferenciação de áreas ao longo da história. A sua 
ratificação ou retificação se dá a cada momento, conforme os interesses e os conflitos 
dominantes de cada época. São eles que, por outro lado, levam as unidades territoriais de 
ação e controle, as regiões, a serem organizadas de modos diferentes: de um lado, a partir de 
um governo de nível hierárquico inferior ao do núcleo de dominação; de outro, de um mais ou 
menos complexo sistema de planejamento especializado. Ambos cumprindo o papel de ação e 
controle. 
 Neste exemplo, o Estado, surgido dentro do modo de produção dominante, é o agente 
da regionalização. A Antigüidade fornece-nos exemplos da criação de regiões em um contexto 
de conquista territorial. Tanto o império romano como o persa, estavam divididos em regiões 
ou unidades territoriais de ação e controle. Regia e satrápia são denominações que designam 
essas unidades. 
As satrápias do império persa eram governadas pelos sátrapas, os "olhos e ouvidos do 
rei"; a palavra região vem do latim regia, que por sua vez deriva do verbo regere, isto é, 
governar, reinar. No feudalismo, a regionalização, vista como forma de ação e controle, tinha 
sua expressão nas marcas, nos ducados e nos condados, governados, respectivamente, por 
marqueses, duques e condes. No capitalismo, as regiões de planejamento são unidades 
territoriais através das quais um discurso da recuperação e desenvolvimento é aplicado. Trata-
se, na verdade, do emprego, em um dado território, de uma ideologia que tenta restabelecer o 
equilíbrio rompido com o processo de desenvolvimento. Este discurso esquece, ou a ele não 
interessa ver, que no capitalismo as desigualdades regionais constituem, mais do que em 
outros modos de produção, um elemento fundamental de organização social. 
 22 
Em muitos casos, a ação decorrente do planejamento regional proporcionou um relativo 
progresso e uma maior integração da região ao modo de produção capitalista, quer dizer, a 
região sob intervenção planejadora passa a ficar sob maior controle do capital e de seus 
proprietários. 
Um exemplo famoso encontra-se na bacia do rio Tennessee, onde atuou o TVA 
(Tennessee Valley Authority), um organismo federal que visava a recuperação daquela área 
social e economicamente deprimida do território norte- americano. Inspirou outros que se 
apoiaram na concepção da bacia hidrográfica como região de planejamento: o caso da 
Comissão do Vale do São Francisco no nordeste brasileiro é exemplar. O da Sudene 
(Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) é outro exemplo de região de 
planejamento bastante conhecido. Aqui, trata-se de um território definido sobretudo por limites 
político--administrativos, os quais encerram problemas sociais e econômicos comuns. Já no 
caso da Amazônia, a ação da SPVEA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica 
da Amazônia), antecessora da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), 
faz-se territorialmente em uma região natural. 
Contudo, é notório que no sistema de planejamento desenvolveu-se a concepção de 
existência da cidade, sobretudo do centro metropolitano, o foco irradiador do desenvolvimento: 
ali se concentravam as forças motrizes do progresso - a indústria e as elites, além -dos 
necessários serviços de apoio. Logo após a l.a Guerra Mundial, na Inglaterra, na área de 
planejamento urbano e regional (Town Planning Act),sugeriu-se a revisão das províncias com 
base na influência das grandes cidades: Bristol, Birmingham, Leeds, Manchester etc. 
A concepção em pauta iria ganhar maior expressão a partir da década de 50, quando o 
capitalismo entra em nova fase de expansão e as teorias de desenvolvimento regional são 
criadas. É o caso dos pólos de desenvolvimento 
de François Perroux, do crescimento polarizado de lohn Friedmann, além da teoria das 
localidades centrais de Walter Christaller, que, na verdade, é retomada. Ao mesmo tempo, são 
revistos ou criados conjuntos de modelos e noções associados: da regra ordem e tamanho de 
cidades, dos centros dinamizadores, das cidades de porte médio e da difusão de inovações. 
A região de planejamento, isto é, um território de ação e controle, tem seu apogeu nas 
décadas de 60 e 70. Este é o caso brasileiro: entre 1964 e 1977/78, sobretudo, numerosos 
estudos almejando a definição de regiões de planejamento foram realizados, seja a nível 
federal e macrorregional, seja a nível estadual. 
É muito significativo que a força aparente que teve este conceito fosse concomitante ao 
estado de autoritarismo que caracterizou a vida brasileira e ao relativamente forte poder da 
tecnocracia em detrimento do Congresso. A pouca eficiência das regiões de planejamento 
enquanto via de redenção para as condições de vida da maioria da população ali residente 
(afinal de contas, elas eram sobretudo um discurso ideológico que servia para encobrir os 
interesses das classes dominantes regionais e do capital externo) e a retomada da vida 
democrática, com maior participação de vários segmentos da sociedade, geraram um 
esvaziamento da sua própria aplicabilidade. A história dirá até quando a região de 
planejamento capitalista será um meio de se exercer ação e controle sobre a maioria da 
população. 
 
4 
Organização espacial 
 
Na discussão sobre a natureza da geografia, a questão mais central, persistente e 
polêmica é a de seu objeto. Está presente em Ratzel, Vidal de Ia Blache, Hartshorne, na nova 
geografia e na geografia crítica. O objeto é a paisagem, a região, o espaço? Ou será outra 
coisa? Acreditamos que para se responder a esta pergunta há que se discutir antes o que é 
uma ciência social, pelo menos no que diz respeito ao seu objeto. 
A história, a antropologia, a economia, a geografia e a sociologia, entre outras ciências 
sociais, estudam a sociedade. Esta é muito complexa, multifacetada, sendo constituída por 
 23 
elementos como as classes sociais, as artes, a cidade, o campo, o Estado, os partidos 
políticos, as religiões etc. Os numerosos componentes da sociedade estão articulados, 
imbricados de tal modo, que se fala de uma totalidade social, cuja complexidade abarca as 
contradições internas e o movimento de transformação. Assim, torna-se difícil a compreensão 
da sociedade a partir de uma única ciência social concreta, capaz de analisar detalhadamente 
todos os seus elementos, bem como as suas possíveis articulações. 
Dada a dificuldade de se estudar a totalidade social em sua abrangência, verifica-se 
uma divisão do saber, originando diferentes ramos. É preciso, no entanto, deixar claro que não 
estamos falando de uma compartimentação positivista, onde cada ciência tem seu próprio 
objeto, achando-se separada das outras. No caso, as ramificações têm um objeto comum, a 
sociedade, analisada à luz de uma mesma teoria, fundamentada no materialismo histórico. O 
objeto da geografia é a sociedade, e não a paisagem, a região, o espaço ou outra coisa 
qualquer. 
A análise da sociedade, no entanto, é feita a partir de diversos ângulos. A história, a 
antropologia, a economia, a geografia e a sociologia estudam-na nesta perspectiva: o mesmo 
objeto é estudado, ou seja, objetivado, diferentemente. É esta objetivação que as distingue 
entre si. 
Como a geografia objetiva o estudo da sociedade? Ou seja, qual é a objetivação da 
geografia que, sem deixar de ser uma ciência social, distingue-se da história, antropologia, 
economia e sociologia, todas elas também ciências sociais? 
O longo processo de organização e reorganização da sociedade deu-se 
concomitantemente à transformação da natureza primitiva em campos, cidades, estradas de 
ferro, minas, voçorocas, parques nacionais, shopping centers etc. Estas obras do homem são 
as suas marcas apresentando um determinado padrão de localização que é próprio a cada 
sociedade. Organizadas espacialmente, constituem o espaço do homem, a organização 
espacial da sociedade ou, simplesmente, o espaço geográfico. A objetivação do estudo da 
sociedade pela geografia faz-se através de sua organização espacial, enquanto as outras 
ciências sociais concretas estudam-na através de outras objetivações. 
Resumindo, o objeto da geografia é, portanto, a sociedade, e a geografia viabiliza o seu 
estudo pela sua organização espacial. Em outras palavras, a geografia representa um modo 
particular de se estudar a sociedade. 
Mas a organização espacial configura apenas uma objetivação, o modo geográfico de 
se ver a totalidade social? É isto mas, ao mesmo tempo, expressa um fenômeno da sociedade. 
Neste sentido, a organização espacial é também um objeto, uma materialidade social. 
Como materialidade, a organização espacial é uma dimensão da totalidade social 
construída pelo homem ao fazer a sua própria história. Ela é, no processo de transformação da 
sociedade, modificada ou congelada e, por sua vez, também modifica e congela. A 
organização espacial é a própria sociedade espacializada. 
A organização espacial, enquanto objetivação e materialidade social, só muito 
recentemente tem merecido uma atenção explícita, a nível teórico, por parte dos geógrafos. A 
nossa intenção é resgatar o que é importante neste conceito-chave para a geografia e a 
sociedade. Estamos, evidentemente, longe de esgotar o assunto. Consideraremos, em termos 
de organização espacial, os seguintes tópicos: uma proposição conceitual; suas ligações com 
o capital e o Estado; vista como reflexo social; sua condição para o futuro; estrutura, processo, 
função e forma, ou seja, suas categorias de análise e suas relações com os movimentos 
sociais urbanos. Estes temas não são mutuamente excludentes. Ao contrário, complementam-
se. Organização espacial e percepção, organização e comportamento espacial, espaço, 
sentimento e simbolismo não serão abordados no presente trabalho. 
 
Organização espacial: uma conceituação 
 
A partir das necessidades do homem em termos de fome, sede e frio, verifica-se uma 
ação de intervenção na natureza. De caráter social, envolvendo um trabalho organizado 
coletivamente, implica uma certa divisão do trabalho e a definição do quê, quanto e como será 
 24 
a produção. E ainda de que jeito reparti-Ia. Surgem então relações sociais que têm sua 
essência na produção. É no trabalho social que os homens estabelecem relações entre si e, a 
partir destas, com a natureza. 
A intervenção na natureza foi, em um primeiro momento, marcada pelo extrativismo, 
passando em seguida por um progressivo processo de transformação, incorporando a 
natureza ao cotidiano do homem como meios de subsistência e de produção, ou seja, 
alimentos, tecidos, móveis, cerâmica e ferramentas. Fala-se, assim, da natureza primitiva 
transformada em segunda natureza, para empregar uma expressão de Marx. 
Os campos cultivados, os caminhos, os moinhos e as casas, entre outros, são exemplos 
de segunda natureza. Estes objetos fixos ou formas dispostas espacialmente (formas 
espaciais) estão distribuídos e/ou organizados sobre a superfície da Terra de acordo com 
alguma lógica. O conjunto de todas essas formas configura a organização espacial da 
sociedade. A organização espacial é a segunda natureza, ou seja, a natureza primitiva 
transformada pelo trabalho social. 
É conveniente esclarecer que a expressão organização espacial possui, a nosso ver,

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