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I - A AVENTURA WEGENERIANA 
(1910 - 1930) 
 
 Terra e mar, continentes e oceanos: desde as primeiras 
cosmologias sumárias até à exploração sistemática dos planetas 
na era espacial, este contraste, que hoje em dia se sabe ser 
muito específico da superfície terrestre, tem sido entendido 
como uma divisão fundamental do nosso mundo. Só 
recentemente, no entanto, se compreendeu toda a importância 
geológica desta dualidade, que ultrapassa em muito o âmbito 
de uma simples topologia de superfície, ocultando, na sua 
simplicidade deslumbrante, uma realidade profunda da 
estrutura e, mais ainda, da atividade e da história do nosso 
planeta. Com efeito, o fundo dos oceanos, o "chão", que 
comporta uma fina película de sedimentos e ao qual se 
sobrepõe uma espessa camada de água, é de natureza 
radicalmente diferente da dos continentes. Enquanto estes, para 
lá da aparente diversidade das rochas, tal como podem ser 
observadas através da exploração geológica ou por intermédio 
das perfurações, são essencialmente constituídos por material 
rico em sílica clara, que designamos por granito, é o basalto, 
rocha vulcânica escura, que constitui o fundo dos oceanos. 
 Desde os anos setenta que se sabe, além disso, que a 
história destas unidades estruturais do Globo - a história no 
sentido geológico do termo, que se estende por milhões ou até 
mesmo milhares de milhões de anos - é fundamentalmente 
 2 
diferente. O chão oceânico forma-se continuamente ao longo 
das grandes fissuras submarinas que percorrem os oceanos e a 
que chamamos dorsais ou cristas oceânicas. Essas fissuras, 
situadas no centro de amplas superfícies convexas, sob mais de 
1000 m de água, são fonte de matéria quente que emana das 
profundidades da Terra e se espalha permanentemente pelo 
fundo do oceano, fabricando, assim, novas porções de chão 
oceânico, que, uma vez formado, se afasta para ambos os lados 
das cristas e dá a impressão de se alastrar, o que deu azo à 
designação de sea-floor spreading atribuída a este fenômeno. 
 O mecanismo de formação do fundo oceânico é, por 
vezes, visível ao ar livre, quando, como é o caso na Islândia, as 
cristas oceânicas afloram à superfície, em que podem ver-se 
fissuras e seqüelas espetaculares do vulcanismo basáltico e é 
possível, a partir desta realidade, observar e conceber ainda 
melhor este mecanismo. Em geral, no entanto, o fenômeno 
ocorre nos mares, a milhares de metros de profundidade, 
revestindo-se de caráter muito mais discreto do que o das 
erupções islandesas. Ao longo da rede de 60.000 km 
constituída pelas cristas oceânicas produz-se uma atividade 
intensa, a bem dizer, geologicamente falando, ininterrupta. 
 A criação contínua de chão oceânico corresponde a um 
acréscimo da superfície terrestre ao nível das cristas, 
compensado por um fenômeno, dito de subducção, que destrói 
continuamente uma quantidade igual do mesmo, o qual torna-a 
mergulhar no manto ao nível das fossas oceânicas que orlam os 
grandes oceanos do Globo, como o Pacífico, e que, como as 
que se estendem das Curilas às Marianas, passando pelo Japão, 
ou que vão das costas do México às da Terra do Fogo , 
testemunham esta absorção pelas entranhas da Terra. Assim, 
este amplo e duplo movimento, de criação nas cristas 
oceânicas e de extinção nas fossas, assegura-lhe uma eterna 
juventude, sendo constantemente destruído e renovado. O 
índice de renovação é de 2 cm a 10 cm por ano, podendo, 
portanto, concluir-se que os mais antigos fundos oceânicos têm 
uma idade máxima de 200 milhões de anos. Saídos do manto, 
voltam a ser por ele reabsorvidos inexoravelmente, cumprindo 
um ciclo imutável, que prossegue há milhares de milhões de 
anos. 
 Os continentes são resultado de uma história muito 
diferente. Constituídos por materiais leves, não podem ser 
absorvidos pelo manto, mantendo-se assim, à superfície da 
Terra. Extraídos, sem dúvida, das profundidades terrestres por 
mecanismos mais complexos do que os presidem à formação 
da crusta oceânica, os pedaços de continentes constituem 
jangadas que “flutuam” à superfície. Como o fundo dos 
oceanos se encontra sujeito a movimentos constantes, os 
continentes são por eles afectados, deslocando-se assim, 
permanentemente à superfície. É o que se chama a deriva dos 
continentes. Deste modo, a África e a América do Sul, que se 
encontravam ligadas há 250 milhões de anos, afastaram-se a 
partir dessa altura, passando a ter entre si o imenso oceano 
Atlântico Sul, com a sua crista central. 
 Sacudidos, transportados, quebrados, os continentes 
assemelham-se a jangadas indestrutíveis que flutuam à 
superfície da Terra. De fato, alguns - ou, mais precisamente, 
certas partes de alguns destes continentes - formaram-se há 
mais de 3000 milhões de anos e sobreviveram. À juventude 
constantemente renovada dos fundos oceânicos opõe os 
continentes a sua respeitável antigüidade. Esta perenidade 
permite-lhes serem os arquivos da história da Terra. As suas 
rochas, as suas estruturas, comportam em si mesmas o 
testemunho dos acontecimentos que se foram sucedendo. Os 
oceanos não têm memória anterior a 200 milhões de anos; em 
contrapartida, os continentes conservam a memória da Terra 
desde há cerca de 4000 milhões de anos. 
 Esta oposição oceano-continente, juventude-
perenidade, esta mobilidade dos continentes associada à 
expansão dos fundos oceânicos, esta dinâmica da superfície 
terrestre, constituem o enquadramento obrigatório de toda a 
 3 
geologia. No entanto, esta lógica só foi compreendida há vinte 
anos e as diferentes teorias que se lhe encontram associadas só 
conseguiram impor-se a partir de discussões, disputas, debates 
extremamente acesos, difíceis e, por vezes, violentos. Todas 
sofreram vicissitudes, que, a pouco e pouco, modificaram, 
remodelaram, aperfeiçoaram as idéias iniciais, tornando-se o 
conjunto que hoje conhecemos e se transforma e enriquece dia 
após dia. 
 A idéia de recortar os continentes, seguindo as costas, 
de procurar reagrupá-los, reconstituindo, assim, um puzzle 
continental único, é uma operação tentada, sem dúvida, com 
maior ou menor êxito, por milhares de crianças ou de amadores 
curiosos. Certamente que um grande número verificou que era 
fácil ajustar as costas da África e da América do Sul, fazendo 
desaparecer, simultaneamente, o Atlântico Sul. No entanto, 
esta idéia elementar, trivial, como diriam os matemáticos, 
necessitou de mais de cinqüenta anos para se impor na 
comunidade geológica! Por que motivo deparou com tanta 
resistência e ceticismo? Encontra-se aqui uma ilustração do 
que na metodologia científica constitui a diferença entre 
intuição e um conjunto de provas rigorosas, entre a conjetura e 
a demonstração. É este percurso que tentaremos descrever. 
 A teoria da mobilidade continental teve, com efeito, 
uma aparição assinalável em 1912 com Alfred Wegener (Die 
Entstehung der Kontinente, Petermans Mitterlungen, 1912) 
meteorologista alemão, que, intrigado pela similitude das 
formas das costas da África e da América do Sul, propôs a 
teoria da deriva dos continentes: a África e a América outrora 
teriam sido um único e mesmo bloco, que teria se fragmentado 
pelo centro, seguindo-se o afastamento das duas partes e o 
preenchimento pelas águas do hiato entre elas. Através da 
deriva dos dois continentes Ter-se-ia, assim, formado o oceano 
Atlântico. 
 Segundo parece, a idéia original não terá sido do 
próprio Wegener, pois foi enunciada em 1868 por AntonioSnider-Pellegrini em a Criação do Mundo e os Seus Mistérios 
Desvendados. Posteriormente, diversos autores, entre os quais 
Elysée Reclus, mas sobretudo o americano Taylor, retomaram 
e desenvolveram um pouco esta idéia, embora sem grande 
ressonância no mundo dos "sábios". O mérito de Wegener 
consiste em ter conferido a esta hipótese argumentos 
científicos capazes de abalar o ceticismo que acolhe qualquer 
idéia nova. Transformou uma hipótese de trabalho num corpo 
de doutrina compacto, coerente e sintético, abarcando, numa 
visão global, aspectos extremamente diversos da história da 
Terra. Defendeu a teoria com firmeza, mas sem excessiva 
pugnacidade, até ao seu último dia. Assim, deve ser 
considerado o pai da teoria da deriva dos continentes. Como 
afirma claramente Georges Duby1, em matéria de referência e 
de anterioridade torna-se necessário adaptar a uma regra 
simples: a que distingue com nitidez entre uma opinião 
emitida, entre outras, de maneira mais ou menos fortuita e uma 
obra estruturada, baseada em argumentos, desenvolvida em 
torno de uma idéia. "A referência a uma é anedótica, à outra é 
essencial e imprescindível." Prosseguiremos esta linha de 
orientação. 
 
A isostasia 
 
 Na época de Wegener o grande geólogo austríaco 
Suess, numa obra gigantesca intitulada A Face da Terra, tinha 
divulgado a idéia de que os continentes terrestres, feitos de 
materiais graníticos, leves (densidade: 2,8), "flutuam" sobre 
materiais basálticos subjacentes, mais densos e mais pastosos 
(densidade: 3,3), que formam o fundo dos oceanos. Visto que 
as rochas graníticas, ditas ácidas, são ricas em sílica e 
alumínio, Suess chama a esta camada SIAL, por oposição à 
camada basáltica, rica em sílica e magnésio, a que chama 
SIMA. Deste modo, tal como icebergues na água, os 
 
1 Les trois ordres ou l'imaginaire du féodalisme, Gallimard, 1980. 
 4 
continentes siálicos encontram-se sobre o SIMA em equilíbrio 
de tipo hidrostático (diz-se, neste caso, litostático), que lhes 
permite sofrer a influência de movimentos verticais resultantes 
da aplicação do princípio de Arquimedes. Quando a erosão 
leva ao desaparecimento da camada superficial de um 
continente, este tem tendência a subir, como acontece com um 
barco que é descarregado. Esta teoria, desenvolvida por Pratt, 
Dutton e Airy, é conhecida pela designação de isostasia. 
 Dispomos de provas em diversas áreas. Em primeiro 
lugar no gráfico hipsométrico, que traduz globalmente o relevo 
terrestre e no qual se encontram marcadas as percentagens das 
superfícies correspondentes a cada nível de altitude ou 
profundidade, a curva apresenta dois máximos, 
correspondentes ao nível e equilíbrio de cada um dos materiais: 
um a +100 m, o outro abaixo do nível do mar, a -4500 m. É o 
continente que desempenha o papel de icebergue mais leve. 
Seguidamente, temos as provas derivadas das 
observações feitas por numerosos geólogos, nomeadamente o 
sueco De Geer, sobre a elevação do escudo escandinavo, que 
se encontrava coberto por uma calota gelada no Quaternário. 
Posteriormente, devido a razões climáticas, a calota glacial 
retirou-se progressivamente para norte, aliviando, assim, o 
escudo, que tem vindo a elevar-se pouco a pouco, visto que a 
altitude de indicadores fixos situados no escudo aumenta com 
 5 
o tempo. Esta elevação evoca a imagem do barco flutuante 
anteriormente referida. Aliviado pela fusão dos gelos, o escudo 
retoma a altitude inicial. Por fim, um estudo mais complexo da 
variação da força da gravidade à superfície mostra que, tal 
como os icebergues, as cadeias de montanhas têm, em 
profundidade, raízes, que "compensam" o seu relevo 
acentuado. Também aqui se comprovam as suas analogias 
hidrostáticas. 
 
 Wegener situa, pois, a sua teoria no âmbito da isostasia 
ao formular explicitamente a pergunta: se é possível a 
existência de movimentos verticais no que respeita aos 
continentes, por que motivos não hão de ser possíveis 
deslocações horizontais? Por que é que a América do Sul e a 
África não se haveriam de Ter afastado progressivamente uma 
da outra? Os icebergues na água não se encontram fixos uns 
em relação aos outros! Por que restringir a deriva continental à 
zona do Atlântico Sul? Wegener propõe, assim, a aplicação do 
conceito de deriva continental a toda a Terra. 
 
As circunstâncias da deriva 
 
 No final do Carbônico2, isto é, há 270 milhões de 
anos3, data que Wegener ignorava, mas que hoje em dia 
conhecemos, existia um único continente, Pangéia, que se 
fragmentou, afastando-se os pedaços uns dos outros, de tal 
modo que no Eoceno, há 50 milhões de anos, era possível 
distinguir claramente um continente euro-asiático ligado pela 
Escandinávia e pela Groenlândia à América do Norte, assim se 
individualizando um supercontinente norte, a Laurásia, e, a sul, 
uma série de blocos separados, compreendendo a América do 
Sul, a Antártida, a Austrália e a África, que, embora ligada à 
Ásia, dela se separa pelo Mediterrâneo, propondo Wegener o 
termo "Gondvana" para este conjunto continental. 
Mais recentemente, a Eurásia ter-se-ia afastado 
nitidamente da África. Os oceanos Atlântico, Índico e Ártico 
são o resultado destas derivas continentais. 
 
 
 
2 V. No "Léxico" uma escala pormenorizada dos tempos geológicos. 
3 Passaremos a referir os milhões de anos por MA e para situarmos 
convenientemente os acontecimentos geológicos no passado colocaremos o 
sinal de menos antes das datas. 
É possível ainda recorrer à estampa a cores no 1 para todas as informações 
respeitantes à nomenclatura das etapas geológicas fossilíferas. 
 6 
 
 
 
Mas para Wegener estes movimentos continentais não 
são simplesmente a destruição de uma estrutura geométrica, 
constituem os motores fundamentais dos grandes fenômenos 
geológicos. Esta deriva de jangadas continentais manifesta-se 
geologicamente por aquilo a que chama efeitos de popa e de 
proa. Na parte dianteira do continente em deriva formam-se 
rugas gigantescas: são as cadeias de montanhas. Assim, o 
contato da América em deriva para o ocidente com o SIMA 
pacífico dá origem à cordilheira dos Andes e às Montanhas 
Rochosas; por seu turno, a Austrália, a derivar para leste, dá 
lugar à formação de suas cadeias costeiras orientais. Contudo, 
estas dobras na parte dianteira têm também importantes 
repercussões internas, do que resultam as atividades vulcânicas 
e magnéticas intensas destas regiões. 
 Na popa os fenômenos não são menos espetaculares. 
Os continentes derivantes deixam na sua esteira alguns 
fragmentos dos bordos, dando origem às grinaldas de ilhas. A 
América, na sua deriva para oeste, deixa atrás de si as Antilhas; 
mais espetacular ainda é a deriva da Ásia para noroeste, com a 
grinalda das ilhas da Sonda, do Japão e das Curilas, etc. 
Também aqui se criam redemoinhos no SIMA, suscitando 
vulcanismo e ascensão de magma. 
 É esta, em breves palavras, a teoria de Wegener. 
Examiná-la-emos, utilizando os argumentos que no decurso da 
sua vida ele próprio e os seus discípulos acumularam e que 
reuniu na sua última comunicação, em 1928. Não 
 7 
respeitaremos a ordem e a hierarquia que lhes conferiu, pois o 
tempo realçou alguns e apagou outros. A argumentação de 
Wegener não é de tipo logístico, com uma poderosa lógica 
dedutiva e sistemática. Como é sempre o caso em ciências 
naturais, trata-se de um modelo, de um paradigma, que propõe 
uma explicação unitária para numerosos fatos de observação 
acumulados no decorrer dos anos- de natureza muito diversa e 
de importância variável. 
 
A paleontologia e as pontes intercontinentais 
 
 Em 1912, a paleontologia debatia-se já, desde há 
muito, com o problema dos contatos intercontinentais. Certas 
espécies vivas apareceram na Terra numa época definida e os 
seus restos encontram-se hoje em pontos separados por 
oceanos inteiros. Ou admitimos que a aparição das novas 
espécies se faz simultaneamente em diversos locais (é a teoria 
da hologênese de Naegli), ou então temos de considerar que a 
espécie aparece num determinado ponto do Globo, efetuando 
depois rapidamente a sua migração até cobrir o conjunto da sua 
área de repartição geográfica. Os paleontólogos cedo optaram 
pela Segunda hipótese. Mas então como explicar que os 
estegocéfalos, répteis anfíbios do Carbônico (-280 MA) e do 
Pérmico (-210 MA), animais pouco móveis, que viviam junto 
dos rios, tenham estado simultaneamente na Europa, na 
América (Texas), na Índia e na África do Sul? Tais exemplos 
poder-se-iam multiplicar, citando um certo número de espécies 
terrestres, como os caracóis, as minhocas ou os insetos, que, 
aparecidos numa determinada época num ponto do Globo, 
depressa invadiram o conjunto dos continentes, o que conduz a 
idéia de ligações entre os continentes, necessárias para 
possibilitar as migrações de faunas e floras. 
Todavia, longe de proporem a idéia da deriva 
continental, os paleontólogos formularam primeiro a das 
pontes intercontinentais, línguas de terras emersas que ligavam 
os continentes, submergindo num ponto em determinada 
época, renascendo noutro local noutra, traçando, assim, uma 
vasta rede de telecomunicações intercontinentais à escala da 
Terra inteira. 
Wegener contesta esta teoria das pontes 
intercontinentais. Como geofísico, nota que a assimilação do 
SIAL pelo SIMA é fisicamente impossível. O SIAL é mais 
leve, flutua, nenhum princípio físico pode faze-lo mergulhar 
espontaneamente. Mais: se esse mergulho ocorresse, deixaria 
marcas no campo da gravidade. Ora, os gravimetristas não 
detectam nada de semelhante nas medições que efetuam no 
mar. 
A deriva continental surge então aos olhos de Wegener 
como a síntese da idéia da ligação intercontinental, defendida 
pelos biólogos, e da permanência das superfícies respectivas 
continentes-oceanos, defendida por numerosos geólogos e 
pelos adeptos da teoria da isostasia. 
Admitindo a hipótese da deriva continental, a 
paleontologia torna-se um instrumento de grande importância 
para a reconstituição das suas modalidades. Com efeito, sabe-
 8 
se que as espécies vegetais e animais evoluem e se modificam 
com o decurso do tempo. Para cada uma delas os 
paleontólogos determinaram uma "redução de vida geológica". 
A sucessão das faunas e das floras permite definir a escala das 
eras e das épocas geológicas4. A cartografia da área de 
influência de uma dada espécie e a sua sobreposição no mapa 
da deriva dos continentes permitem, assim, determinar uma 
idade geológica para esta ou aquela etapa dos movimentos dos 
continentes. Estes mapas paleobiogeográficos constituem ainda 
um utensílio que permite estudar as zonas onde a 
reconstituição de Wegener não é precisa. Deste modo, a planta 
denominada Glossopteris é característica do Gondvana no 
Triásico. Em contrapartida, é desconhecida na Laurásia. A sua 
descoberta num fragmento continental identifica este último 
como tendo estado unido ao Gondvana no Triásico. Assim, o 
réptil fóssil Mesossaurus encontra-se limitado a duas zonas 
restritas situadas na América e na África do Sul, o que permite 
inferir uma ligação entre estas duas zonas na Era Secundária. 
Através deste método de paleontologia estratigráfica, 
elaborado pelos geólogos do século XIX à custa de longo e 
fastidioso esforço, Wegener estabelece a cronologia da ruptura 
e, depois, a deriva dos continentes saídos da Pangéia e verifica 
a coerência das suas restituições. 
 
A cartografia das duas costas do Atlântico 
 
A geologia regional, baseada na cartografia das 
formações geológicas, permite que trace fronteiras entre elas. 
Deste modo, quando grandes extensões de terrenos 
sedimentares cobrem um soco formado de terrenos enrugados 
e rígidos, cartografa-se cuidadosamente o limite destas duas 
formações, designado por limite soco-cobertura. Feita na 
África Ocidental, esta cartografia levanta um problema quando 
se atinge a costa atlântica. Alguns destes limites são, com 
 
4 V. As ilustrações na parte central do livro. 
efeito, quase perpendiculares ao oceano. Como continuam no 
mar? Como é possível que lhes seja posto termo de forma tão 
brutal? 
Quando se reconstitui o puzzle do Atlântico Sul com o 
auxílio das formas da costa, verifica-se que os limites soco-
cobertura se ajustam sem dificuldade. Todavia, este 
ajustamento é ainda mais preciso do que parece. Como 
acabamos de dizer, as camadas geológicas sedimentares 
 9 
apresentam-se em seqüências sucessivas e estes estratos podem 
ser datados graças aos restos fósseis que contêm. Utilizando as 
descrições feitas de um lado e do outro do Atlântico Sul, pode-
se notar que as camadas anteriores ao Triásico (isto é, 
anteriores a 200 milhões de anos) são idênticas em cada uma 
das idades. Esta identidade é tão perfeita que, alguns anos mais 
tarde, em 1927, o geólogo sul-africano Du Toit, que fez uma 
viagem à América do Sul para comparar as formações 
geológicas brasileiras com as que conhecia em África, 
escreveu: "É freqüente notar-se uma diferença maior entre as 
fácies de uma mesma série observadas em dois pontos situados 
no mesmo continente do que entre dois pontos homólogos 
situados na costa de cada lado do Atlântico. Em contrapartida, 
após o Triásico a natureza litológica das idades diversifica-se 
me cada continente5." 
 Esta comparação entre as diversas formações 
geológicas que existem de um e de outro lado do Atlântico e 
que se ajustam entre si foi efetuada com extremo cuidado por 
Du Toit para todo o continente de Gondvana. Émile Argand, 
estudioso da tectônica mais interessado nas cadeias de 
montanhas dobradas, analisou a distribuição destas por todo o 
Globo, tendo concluído que o modelo de Wegener dá a 
imagem mais coerente desta distribuição e que, de qualquer 
modo, nada se lhe opõe nas observações tectônicas e 
cartográficas. 
 
Os climas antigos 
 
 Era normal que Wegener, meteorologista de profissão, 
desse atenção particular aos climas antigos. Com efeito, existe 
nas formações geológicas um certo número de indícios que 
permitem a sua reconstituição. Deste modo, a existência de 
corais fósseis implica águas quentes e bem arejadas, floras 
 
5 A Geological Comparison of South America with South Africa, Carnegie 
Institution of Washington, pub. No 381, Washington, 1927. 
fósseis abundantes, com folhas gigantes, condições tropicais. 
Igualmente específicos são os seixos estriados, muito 
abundantes, cuja acumulação, denominada tilite, atesta a 
presença de glaciares. Estudando, assim, a distribuição dos 
indícios glaciares. Wegener observa que no Carbônico a 
América do Sul, a África Setentrional, a Índia e a Austrália se 
encontravam cobertas por uma calota glacial. Como explicar 
tal extensão a um islandês? Seria o clima geral do Globo mais 
frio? Mas a presença de fauna e flora tropicais nas regiões do 
atual Mediterrâneo contradiz esta hipótese. A solução que 
consiste em reunificar os continentes e admitir uma deslocação 
do pólo - o qual se encontraria no oceano Índico nessa altura - 
permitiaresponder à pergunta. No quadro desta hipótese, uma 
só observação, isolada, basta para se chegar a conclusões: ao 
largo da Austrália existe a ilha de Timor; ora, no Carbônico, 
enquanto a Austrália estava coberta por uma calota glacial, em 
Timor desenvolviam-se os corais. A única interpretação que 
permite explicar a existência simultânea de dois climas antigos 
e antinômicos assenta na evidência de que estes dois pedaços 
de continentes se encontravam muito afastados um do outro no 
 10 
Carbônico e que a partir de então tem vindo a aproximar-se. É 
fácil imaginar que o meteorologista Wegener se tenha 
apaixonado pela paleoclimatologia e que, levando a sua análise 
bastante mais longe, e constatando esta deslocação das zonas 
climáticas, sugira a migração dos pólos no decurso dos tempos 
geológicos. Esta idéia ressurgirá mais tarde na literatura 
geológica. 
 
As cadeias de montanhas 
 
 O século XIX tinha sido para a geologia o século da 
estratigrafia, com as famosas discussões de Lyell, Cuvier, 
Sedgwick e Brongiart. O século XX é o da tectônica. A 
estratigrafia, ciência dos estratos sucessivos, tinha por objetivo 
decifrar a história das bacias sedimentares, em que as camadas 
geológicas são depositadas segundo uma ordem lógica, ficando 
as mais antigas em baixo, onde o temo é registrado por uma 
seqüência de mensagens simples que indicam as condições de 
depósito das rochas. A tectônica procura compreender a 
mensagem contida nas cadeias de montanhas constituídas por 
feixes de dobras. A que se devem estas dobras? Como é que a 
partir de sedimentos depositados no fundo do mar se formam 
montanhas tão importantes como os Alpes ou os Himalaias? 
 O estudo destas montanhas implica uma atitude mental 
muito diferente da que preside à abordagem estratigráfica 
tradicional. Por outro lado, é preciso ter vontade de se 
embrenhar no estudo das estruturas sobre as quais, a priori, se 
poderia pensar que possuem uma complexidade tal que desafia 
qualquer hipótese de descodificação. Por outro lado, a análise 
das estruturas tectônicas exige uma visão a três dimensões, 
imposta pelos consideráveis relevos proporcionados pelas 
montanhas. Mais ainda: decifrar estruturas complexas 
formadas por dobras, falhas e suas combinações, numa 
infinidade de variações, conduz imediatamente a uma 
interpretação dinâmica. As estruturas das cadeias de 
montanhas só adquirem significado para os tectônicos se 
permitirem a reconstituição dos movimentos que lhes deram 
origem. E é neste contexto que convém enquadrar a teoria de 
Wegener. 
 Para explicar a formação das montanhas, a teoria em 
moda no início do século é a do arrefecimento do Globo, mais 
familiarmente conhecida pela designação de teoria da maçã 
cozida, que se ficou a dever ao francês Élie de Beaumont. 
Quando se assa uma maçã, esta perde água e contrai-se, do que 
resulta uma superfície fendida, enrugada, dobrada. Um olhar 
atento e um pouco imaginativo poderá vislumbrar o 
equivalente das cadeias de montanhas, dos vales e dos mares. 
Pensa-se que, de um modo semelhante, o Globo quente dos 
primeiros dias se contraiu com o decorrer dos tempos. Esta 
teoria, adotada por Suess, terá os seus adeptos até os anos 
setenta! No entanto, no início da década de 1870, os geólogos 
alpinos Bertrand, Schart, Lugeon e, sobretudo, K. Staub e F. 
Kossmat, põem em causa esta teoria da formação das cadeias 
montanhosas por contração do Globo, notando a existência de 
encurtamentos consideráveis. Por exemplo, se "desdobrarem-
se" os Alpes, a sua superfície aumenta quatro a cinco vezes. 
Estes encurtamentos indispensáveis implicam uma mobilidade 
lateral, pois não se pode conceber um mecanismo físico que 
através de uma contração interna produza tais efeitos. Kossmat 
escreve: "A formação das montanhas deve ser explicada por 
grandes movimentos tangenciais da crosta, e isto não pode 
integrar-se na teoria da contração6 [...]". 
 É o suíço Émile Argand que vai estabelecer a ligação 
entre este "pensamento tangencial" dos tectônicos e a deriva 
dos continentes. Argand executa primeiro uma obra 
cartográfica considerável, o mapa tectônico da Eurásia, que 
apresenta ao Congresso Geológico de Liège em 1924. Como é 
hábito, o comentário deste mapa dá-lhe azo a que exponha a 
 
6 "Erörterungen", in A. Wegener, Théorie der Continental verschiebungen, 
Zeitschrift der Gesellschaft für Zrdkunde, zu Berlin, 1921. 
 11 
sua visão interpretativa. Numa linguagem bem típica da época 
e plena de imagens surpreendentes, expõe a idéia de que as 
cadeias alpinas, desde os Himalaias até os Alpes franco-suíços, 
são o resultado de movimentos laterais consideráveis, que 
tinham levado aos cavalgamentos da crosta, responsáveis pelos 
importantes relevos que as caracterizam. Efetivamente, 
introduz no interior dos próprios blocos siálicos de Wegener 
uma certa plasticidade, localizada em zonas de fragilidade, que 
lhes permite dobrarem-se e dar origem a cavalgamentos 
importantes. Assim, a África, no seu movimento da deriva no 
sentido da Europa, deu origem aos Alpes e à Índia, se bem que 
solidária com a Laurásia7, continuou o seu movimento de 
deriva para norte, dando o "choque" entre os escudos indiano e 
asiático, origem à cadeia himalaiana. Deste modo, na Laurásia 
há blocos rígidos indeformáveis e zonas onde os 
encurtamentos são possíveis. De fato, a noção que Argand 
desenvolve é a de cadeias de colisão, que concebe como 
cadeias intracontinentais, comparando-as com as peripacíficas, 
que, como a cordilheira dos Andes ou as cadeias japonesas, se 
situam na fronteira oceano-continente, e verificando que estas 
mostram encurtamentos muito menos importantes, sendo, 
portanto, de natureza diferente. Tal distinção continuará a ser 
um dos fundamentos da tectônica moderna e será retomada no 
âmbito da geologia das placas. 
 
A embriogenia da tectônica global 
 
 Wegener compreende rapidamente o partido que pode 
tirar do trabalho de Argand; adapta-o, mas vai mais longe e 
estende as conseqüências tectônicas do mobilismo ao que 
podemos chamar hoje as premissas de uma tectônica global. 
Começa por estabelecer a associação entre o movimento global 
e o estilo tectônico regional e observa que, no âmbito de uma 
 
7 Só muito mais tarde será demonstrada pelos paleomagnetólogos a 
independência da Índia em relação à Laurásia. 
tectônica mobilista, se verifica uma compressão num local do 
Globo, deve haver uma zona em extensão noutro local. 
Partindo desta base, analisa corretamente os três tipos de zonas 
tectônicas: 
 As zonas em que existe uma compressão e que se 
caracterizam por dobras e falhas com cavalgamento, ditas 
inversas em linguagem geológica. Nestas zonas, a 
superfície terrestre diminui. Trata-se das cadeias de 
montanhas já mencionadas; 
 As zonas caracterizadas por um alongamento, nas quais 
são falhas ditas normais que dominam e onde a superfície 
aumenta. Neste contexto, estuda prolongadamente a zona 
dos grandes lagos africanos que recobrem a África 
Oriental de norte a sul, desde o lago Tanganica até à 
região de Afar, perto de Jibuti, sugerindo que esta zona 
representa, quer o estágio precoce da fraturação de um 
continente (neste caso, a África Oriental separar-se-á do 
continente africano dentro de alguns milhões de anos), 
quer, pelo contrário, um estágio abortado. Os fenômenos 
que ocorrem nesta zona deverão ser considerados como o 
reflexo do que deve ter acontecido no vale central, no 
momento da separação da América do Sul e da África; 
Por fim, uma terceira categoria de zonas tectônicas é 
aquela em que os movimentos dos continentes são 
paralelos às falhas e onde, por conseqüência,, as 
deslocações laterais relativas são consideráveis. Neste 
contexto, apercebe-se do papel fulcral desempenhado 
pelos grandes desprendimentos, como, por exemplo, o da 
falha de Santo André, na Califórnia, que se encontra na 
origem de grandes tremores de terra, nomeadamente do 
célebre sismo de 18 de abril de 1906 em São Francisco. 
Como se compreenderá mais adiante, a associação entre 
estas grandes deslocações e a sismicidade é desenvolvida 
de acordo com uma visão muito futurista. 
 12 
Foi, pois, este o modo como Wegener concebeu o 
papel desempenhado pelas grandes falhas e a sua distribuição 
nas diversas condições da dinâmica do Globo, bem como a 
ligação entre estas libertações brutais de energia, que são os 
sismos, e as deslocações laterais que afetam a superfície 
terrestre. As ilhas oceânicas tinham retido por inteiro a sua 
atenção, em primeiro lugar, como testemunhas da deriva, ao 
notar, muito corretamente, que as ilhas Seychelles, no centro 
do oceano Índico, eram de natureza granítica, portanto, de 
origem continental, sendo necessário explicar esta presença de 
um pedaço de continente a meio do oceano Índico. Procedeu, 
porém, a uma generalização um pouco apressada ao concluir 
que as ilhas do Atlântico, como os Açores e as Canárias, 
constituíam também fragmentos de continentes, idéia que 
atualmente já não é aceita. 
A forma de grinaldas de ilhas, como as que se 
encontram entre a Terra do Fogo e o Antártico, constituindo as 
ilhas Sanduíche, ou as que se estendem em torno da Nova 
Guiné e da Nova Irlanda, em Bougainville, sugeria a Wegener 
volutas traçadas por um líquido quando encontra um obstáculo. 
Mais profética ainda foi a atenção que atribuiu ao surgimento 
dos arquipélagos "deixados" pela Ásia no decurso da deriva e 
para os quais propôs, assim, um mecanismo de gênese. 
Simultaneamente, explicava o aparecimento de mares, mais 
tarde chamados marginais, como os do Japão, de Okhotsk ou 
de Bering. A distribuição espacial do vulcanismo ativo parecia 
assim, para Wegener, traduzir a realidade da deriva. A popa e a 
proa das jangadas no seu movimento de deriva (Andes ou 
Indonésia) e as zonas em que os continentes se fraturam 
(grandes lagos africanos) surgem marcadas por um vulcanismo 
intenso, indício de importante atividade interna. 
Pode-se, pois, afirmar ter Wegener compreendido que 
a Terra comporta uma lógica unificada, a nível global, e que 
esta deve presidir a disciplinas muito variadas, freqüentemente 
distanciadas umas das outras: vulcanologia, paleontologia, 
tectônica, paleoclimatologia, geofísica. Quanto a este aspecto, 
é surpreendente constatar que o último capítulo do último 
manuscrito de Wegener é dedicado à oceanografia, disciplina 
que na sua época se encontrava ainda na primeira infância. 
Discute, neste âmbito, a topografia e a repartição das dorsais 
oceânicas, comenta as primeiras dragagens oceânicas que 
trazem basalto para a superfície, mas igualmente as primeiras 
medições de geofísica no mar. Será que pressentiu que destes 
estudos proviria, trinta anos mais tarde, a surpreendente 
confirmação de suas concepções? 
Uma nova leitura das páginas de Wegener mostra a 
lucidez profética deste meteorologista de Marburgo, que soube 
ser um tão grande geólogo! Como resistir à tentação de lhe 
atribuir este título, que todos os seus contemporâneos lhe 
recusaram? 
 
As causas da deriva 
 
Após ter proposto o modelo, Wegener foi solicitado a 
explicar o mecanismo que permitia o funcionamento da 
máquina. Que forças se encontravam em jogo, em movimentos 
de tal grandiosidade? O do naturalista era excelente. O do 
físico, para a época, era muito menos convincente. A própria 
noção de isostasia, elemento fulcral da explicação 
wegeneriana, era suspeita aos olhos dos físicos ortodoxos da 
época. O manto é um meio rochoso rígido, submetido a 
pressões muito altas. Como é possível compara-lo a um fluido 
e falar, no caso do SIAL e do SIMA, de icebergues flutuando 
na água? Para muitos tal imagem é fisicamente absurda. 
Wegener invoca então, na esteira de Suess, os fatores 
tempo e temperatura e recorda que o lacre quebra sob a ação 
de solicitações violentas, mas se deforma plasticamente se 
aplicar uma força por um período mais longo. Tal como Suess, 
também não consegue convencer os físicos da época, mais 
rigoristas do que rigorosos. 
 13 
Dedica-se, pois, ao problema das forças suscetíveis de 
provocarem deslocações laterais das massas continentais, 
forças essas forçosamente consideráveis: quais as suas causas? 
Como meteorologista, interessa-se muito pela rotação da Terra, 
pela força de Coriolis, que se lhe encontra associada, pelas 
forças das marés ou pelas acelerações desta rotação. 
Infelizmente, quaisquer que tenham sido as tentativas no 
sentido de sustentar estas propostas através de argumentos 
quantitativos, revelar-se-ão completamente falsas. Nenhuma 
das forças nomeadas por Wegener pode explicar o movimento 
dos continentes. No entanto, na parte final da sua vida 
vislumbra o que viria a ser a solução admitida em todo o 
mundo trinta anos mais tarde: a convecção do manto. 
A radioatividade foi descoberta por Becquerel em 
1896. Em 1920 é uma idéia ainda nova para as ciências da 
Terra (e assim continuará até 1950!). O irlandês Joly 
estabelece um paralelo entre o fato de o fenômeno de 
radioatividade dissipar calor e a presença de substâncias 
radioativas (urânio, tório, potássio) nas rochas terrestres para 
afirmar que ocorre uma importante libertação de calor no 
interior do Globo, que se propaga de forma tão uniforme, 
induzindo esta heterogeneidade fenômenos convectivos, isto é, 
deslocações de massa no interior do Globo análogas às 
correntes que se observam num recipiente com água em 
aquecimento. Estas correntes de convecção podem arrastar os 
continentes, que flutuam sobre o seu meio pastoso, sendo, 
assim, a causa da deriva. 
Esta idéia de convecção terrestre, cuja existência 
ninguém nega hoje em dia, foi combatida pelos geofísicos da 
época com energia extrema. Como é que um meio quase sólido 
se poderia comportar como um fluido? Contra-senso físico! E, 
no que respeita à radioatividade, como avaliar 
quantitativamente os seus efeitos se não se conhecem os teores 
nem a natureza dos materiais profundos?! Esta física do Globo, 
tão diferente da boa física de laboratório, parecia 
decididamente muito estranha para os físicos tradicionais. 
 
O debate 
 
Após termos instruído o processo, superabundante em 
matéria de fatos baseados em observações sólidas, mas pouco 
denso no que respeita a interpretações teóricas, torna-se 
necessário examinar o modo como esta teoria foi recebida pela 
comunidade científica. 
A primeira apresentação pública foi feita por Wegener 
em 1910, em Marburgo, e o primeiro escrito científico sobre o 
assunto apareceu no final desse mesmo ano. As reações iniciais 
dos geofísicos alemães foram muito favoráveis, em contraste 
com as dos geólogos, extremamente reservadas e até mesmo 
hostis. 
Só dez anos mais tarde, após a guerra, a teoria da 
deriva se expande para além da Alemanha, particularmente no 
mundo anglo-saxão, suscitando imediatamente tomadas de 
posição extremistas por parte das altas personalidades das 
ciências da Terra. 
As opiniões hostis à deriva vão aumentar e afirmar-se 
com o decorrer do tempo. Quando em 1929 Wegener morre 
durante uma das suas explorações na Groenlândia, que tanto o 
apaixonavam, existem ainda numerososdefensores desta 
teoria, os quais alguns anos mais tarde passam por um escasso 
número. Após uma breve fase de sedução, os geofísicos 
acabaram por seguir Harold Jeffreys na sua condenação sem 
apelo da deriva continental, e isto em nome do rigor e da 
matemática! 
Para resumir o debate contraditório que travou durante 
dez anos em torno da idéia de Wegener, tomemos como 
referência o simpósio organizado em 1928 em Nova Iorque 
pela Associação Americana dos Geólogos do Petróleo, em 
torno da deriva dos continentes. Neste colóquio, em catorze 
comunicações orais, sete opuseram-se violentamente a 
 14 
Wegener, enquanto as outras sete lhe foram favoráveis (talvez 
o simpósio tivesse sido, aliás, montado para este efeito!). 
Já conhecemos os argumentos de Wegener. Quais são 
os seus detratores? Tentemos esquematizar os mais 
importantes: 
 A geometria das reconstituições paleogeofísicas de 
Wegener é aproximativa. Se, no que respeita ao 
Atlântico Sul, tendo em conta a existência de um 
planalto continental parecem ajustar-se 
convenientemente, o mesmo não se passa com o 
Atlântico Norte. O que se coordenaria com a Terra Nova 
na Europa? 
 Como é que as estruturas existentes de cada lado do 
Atlântico poderiam ajustar-se tão bem depois de tão 
longa viagem dos continentes, que, normalmente, 
deveria ter desorganizado estas estruturas? A existência 
da possibilidade de um bom ajuste dos continentes 
demonstra bem o imobilismo das estruturas! 
Este argumento, retomado por Jeffreys sob uma 
forma matemática mais "rigorosa", tornar-se-á um dos 
mais aniquiladores da teoria da deriva; 
 Por que motivo a fragmentação continental só começou 
no Pérmico? Por que é que a Pangéia sobreviveu durante 
a maior parte da história da Terra? Esta mobilidade 
recente parece contrastar com a idéia geral que admite 
uma Terra antiga, muito mais "ativa" do que a de hoje, 
argumento que voltará a surgir bastante mais tarde; 
 As duas últimas objeções já foram invocadas: uma diz 
respeito à ausência de "forças convincentes" suscetíveis 
de causarem a deriva dos continentes; a outra tem por 
alvo a bizarra física do interior. Ás críticas já feitas a 
esta física acrescentam-se as que têm por objetivo a 
idéia de cadeias de montanhas dobradas. Se a parte 
plástica do Globo é essencialmente constituída pelo 
manto, como é possível que, devido à ocorrência de 
determinados movimentos, seja a parte superficial 
continental que se dobre para dar origem às cadeias 
montanhosas? 
O presidente do simpósio, o holandês Van Watershoot 
van der Gracht, nas observações finais, apresenta uma 
conclusão bastante lúcida. Frisa que a teoria da deriva explica 
muitos fatos paleontológicos, estratigráficos, climatológicos, 
mas que nenhuma teoria física explica de forma satisfatória o 
fenômeno. 
A leitura das comunicações apresentadas durante o 
simpósio ainda hoje surpreende pela rudeza dos termos 
empregados para atacar Wegener. Fala-se da pseudociência, de 
abordagem superficial ou de manipulação de fatos objetivos! 
No entanto, a análise dos argumentos utilizados pelos 
opositores revela uma grande falta de consistência. Excluindo 
os que têm por alvo o caráter inadequado das explicações 
causais apresentadas por Wegener, nenhum ousa atacar 
diretamente os fundamentos da argumentação baseada em 
observações geológicas, paleontológicas ou tectônicas. 
Nenhum crítico propõe qualquer solução alternativa, quaisquer 
outras hipóteses de substituição. Destrói-se uma síntese para 
substituir apenas pelo caos! 
Reveste-se de certo interesse tentar saber por que 
motivo não se impôs no mundo científico uma teoria cuja 
apresentação sintética se confrontava violentamente com os 
dados dispersos e díspares das ciências da Terra da época, à 
qual não se opunha qualquer concorrente e que, como hoje em 
dia se sabe, era, na sua essência, exata. É difícil dar uma 
resposta, que só poderá ser encontrada no que se poderá 
chamar a história das mentalidades científicas. Uma análise de 
epistemologia histórica certamente induzirá a que, se Wegener, 
nessa época, tivesse apresentado a sua teoria na China, esta 
teria contado com um acolhimento bem melhor do que no 
ocidente. O pensamento científico chinês, impregnado de 
taoísmo, bastante mais preocupado com a hierarquização da 
 15 
natureza, de acordo com uma classificação sintética baseada na 
observação objetiva, muito mais apegado à realidade, sem 
dúvida, teria prestado muito menos atenção à fragilidade dos 
argumentos físicos. O pensamento ocidental, pelo contrário, 
dominado pelo pensamento grego, nomeadamente pelo 
princípio das relações de causa e efeito, tem sempre muita 
dificuldade em entender um problema natural cujas causas não 
se encontram patentes. Admite com facilidade um mau 
conhecimento das causas, mas não a sua ausência, no que 
radica o culto ocidental, voltado ao teórico, que explica, por 
oposição ao observador, que descreve. Talvez um estado de 
espírito deste gênero se encontre na origem mais profunda de 
tal rejeição. 
Mas também é possível procurar outras razões no 
domínio da psicossociologia científica. Numa ciência 
anedótica e enciclopédica, como a geologia tradicional, os 
conhecimentos e a competência vão buscar a sua fonte 
sobretudo à memória e à experiência e pouco à inteligência 
dedutiva. Deste modo, apenas um experimentalista pode aceder 
gradualmente ao estatuto de "sábio" , termo que, 
conscientemente ou não, se confunde nas mentes com uma 
certa maturidade e longa prática. Como é que um neófito não 
geólogo poderia obt5er tão rapidamente a chave de problemas 
que os veteranos estudavam há tanto tempo? A teoria da deriva 
continental parecia excessivamente fácil numa altura em que 
tanto valor se dava ao trabalho e ao esforço! Talvez a idéia de 
que todos os continentes atuais derivam de um primitivo, têm 
uma só raiz, pareça excessivamente uniformista! 
Por transposição para as raças humanas, era possível 
ver em tudo isto como que uma ressurgência da idéia de 
evolução darwiniana na altura violentamente contestada. Trata-
se, é claro, apenas de uma mera hipótese! 
A personalidade e a posição de Wegener 
desempenharam, sem dúvida, um papel importante. Era um 
meteorologista apaixonado pela exploração da Groenlândia. 
Expunha e defendia a sua teoria geológica, mas sem excessos, 
sem demasiado apego, sem trocas de cartas espalhafatosas, 
sem discussões do tipo das que opuseram Pasteur a Pouchet, 
sem manifestações espetaculares. Não fazia parte do 
establishment geológico da época, não ensinava geologia, não 
a praticava no sentido corrente do termo, não tinha sido 
formado nesse sentido. Era um solitário, exterior à disciplina, 
que se apresentava, pois, como um amador astucioso, mas 
pouco digno de crédito. 
É evidente que todos os parâmetros mencionados 
desempenharam o seu papel, mas, ao fim e ao cabo, não terá 
sido Wegener, mas simplesmente, vencido pelo medo de 
mudar, pela força do hábito, pela corrosão do ceticismo, que 
levou um participante no simpósio de Nova Iorque a perguntar: 
"Se Wegener tivesse razão, meus senhores, teríamos, 
simplesmente, de voltar aos bancos da escola!?..." 
Foi necessário esperar quarenta anos para que toda a 
comunidade geológica e geofísica consentisse voltar às idéias 
wegenerianas.

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