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Capítulo II.doc

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II - A ORQUESTRA DISPERSA 
(1930 - 1960) 
 
 Durante os anos que se seguiram à morte de Wegener, 
e apesar dos esforços meritórios de alguns - como Du Toit, na 
África do Sul, Holmes, na Inglaterra, ou B. Choubert, na 
França -, as idéias da deriva continental e da geodinâmica 
global desapareceram das preocupações dos investigadores das 
ciências da Terra. Cada um voltou aos seus estudos 
específicos. Wegener tinha reunido a orquestra, mas esta 
dispersou-se: os paleontólogos voltaram aos fósseis, os 
geofísicos aos cálculos, os geólogos às suas regiões favoritas. 
Após a vitória das trevas sobre a luz, do espírito parcelar sobre 
o de síntese, poder-se-ia julgar que a época que se seguiu foi 
particularmente obscura para as ciências da Terra. Mas tal não 
sucedeu! É certo que alguns tenham rejeitado as idéias de 
Wegener por uma reação de desconfiança, própria de espíritos 
estreitos e timoratos, embora tratando-se de homens de ciência, 
mas outros tinham-na desprezado em nome de um rigor 
científico sem falhas. Estes últimos, ou melhor, os seus 
herdeiros espirituais, empenhar-se-iam na construção de uma 
geologia "séria" baseada em observações, em medidas 
quantitativas, em cálculos. 
 Tendo sido pacientes, menos espetaculares, muito 
especializados, estes novos métodos, no entanto, não foram 
uma aventura de grande fecundidade científica. Inserindo nas 
 17 
ciências da Terra as conquistas mais recentes da física, da 
química ou da tecnologia, alguns cientistas conceberam uma 
série de instrumentos de grande importância. Destacaremos as 
grandes linhas destes desenvolvimentos, limitando-nos aos 
mais importantes. Uma vez que aconteceram sem hierarquia de 
métodos ou de tempo, independentemente uns dos outros, estes 
esforços serão apresentados como tais. Estão na base da 
evolução explosiva das ciências modernas da Terra a partir da 
década de 60, bem como da renovação das teorias mobilistas. 
 
O mapa geológico 
 
 A procura de matérias, minerais úteis, sobretudo do 
petróleo, leva os geólogos a cartografarem as principais regiões 
do Globo. O elo existente entre certos terrenos geológicos e 
determinadas substâncias úteis (bacias e petróleos, granitos e 
minerais, etc.) transformam o que poderia não passar de 
simples curiosidade científica em necessidade econômica. 
 Os geólogos, investigadores ou práticos de campo, 
fazem, pois, do levantamento cartográfico uma "obrigação 
ardente". A pouco e pouco elabora-se, assim, a cartografia 
geológica do mundo, tarefa que irá beneficiar de ajuda 
considerável quando as necessidades militares generalizam a 
produção e, posteriormente, a difusão das fotografias aéreas. 
Torna-se então possível a um geólogo experimentado não só 
completar uma cartografia sobre superfícies consideráveis com 
uma muito mais reduzida necessidade de observações diretas 
no solo, como também apresentar uma visão geral do Globo 
em que se distinguem os velhos escudos antigos, as grandes 
bacias sedimentares, as cadeias de montanhas e as antigas 
linhas de costa. Cada terreno pode ser datado, em termos de 
idade relativa, graças aos fósseis que comporta. Deste modo, é 
possível, através de uma série de mapas, representar a sucessão 
de paisagens que ocupavam a superfície da Terra. Este estudo 
das antigas geografias chama-se paleogeografia, de que, no 
entanto, não resultará qualquer conceito verdadeiramente novo. 
 Este esforço absorveu cerca de nove décimos dos 
geólogos de todo o mundo. Labor indispensável, fundamental, 
seria apenas isso mesmo. Houve, no entanto, quem lhe votasse 
um culto que ainda pratica fervorosamente sem saber muito 
bem por quê. À medida que cada estudo regional se tornava 
mais completo, a região cartografada ficava cada vez mais 
limitada. O "espírito de cartografia", que começara por ser uma 
via rumo a uma síntese extensiva, tornava-se freqüentemente 
uma mania analítica sempre mais diversificada, alheada de 
qualquer visão global. 
 Um meio tornou-se uma finalidade em si próprio e 
gerações de geólogos gastaram-se prematuramente tentando 
alcança-lo, perdendo-se para sempre para a obra sintética. É 
necessário que se acrescente que esta tarefa analítica ingrata 
permitia um desenvolvimento eficaz das "suseranias 
geológicas": cada aluno encontrava-se fixado na sua região; 
apenas o mestre tinha, teoricamente, acesso a uma visão de 
conjunto. Assim, na idade em que a imaginação floresce, os 
jovens geólogos não tinham acesso à síntese; na idade madura 
alguns acediam, finalmente, a tal possibilidade, mas com 
freqüência já lhes faltavam as forças. O pormenor acarreta a 
minuciosidade, a perfeição cartográfica, o perfeccionismo, e, 
pouco apouco, vão-se esfumando os sonhos e as miragens da 
juventude! 
 Evidentemente que alguns resistiram a esta tendência e 
tentaram propor teorias de grande amplitude: Argand foi o primeiro, 
com o estudo tectônico sobre a Ásia, mas também Carey, na 
Austrália, L. Glangeaud, na França, ou A. Engel, nos Estados 
Unidos. Infelizmente, por serem pormenorizados, estes escritos 
passaram freqüentemente por pouco sérios. Voltaremos a analisar 
esta tendência, originada por uma tarefa que começou por constituir 
uma etapa indispensável, mas cujos desvios ou efeitos pervertidos 
conduziram a conseqüências lamentáveis. 
A cartografia das cadeias de montanhas dobradas deveria, no 
entanto, ter ressuscitado as noções de mobilidade, visto que este 
 18 
trabalho minucioso confirma plenamente a interpretação dos 
pioneiros do estudo dos Alpes, isto é, a existência de deslocações 
laterais das massas rochosas. O caráter tridimensional dos mapas 
geológicos traduz-se de forma particularmente clara quando se 
efetuam cortes geológicos de uma ponta à outra, sob a forma de 
secções. Os cortes desenhados através dos Alpes revelam a existência 
de vastas obras deitadas, com grandes inversões, que implicam 
deslocamentos laterais, logo forças laterais de compressão, ou seja, 
um certo mobilismo. Paradoxalmente, os tectônicos do mundo antigo 
admitiram durante trinta anos um mobilismo lateral, sem, todavia, o 
transformarem em doutrina geral ou o associarem às idéias de 
Wegener. 
 
A sismologia e a estrutura interna do globo 
 
 A sismologia estuda a propagação das ondas acústicas 
emitidas pelos tremores de terra. As ondas atravessam o 
interior do globo terrestre e as características desta propagação 
permitem conhecer as propriedades físicas dos meios 
atravessados. Tal como a propagação dos raios X permite 
auscultar o interior do corpo humano ou dos cristais, as ondas 
sísmicas permitem auscultar o interior da Terra. 
 Em sismologia, o emissor é o tremor de terra, ou, mais 
raramente, uma explosão artificial, e o receptor, um aparelho 
denominado sismógrafo, que comporta um relógio e registra as 
vibrações do solo, conferindo-lhes a forma de um sismograma, 
registro em que os sismólogos distinguem diversos tipos de 
ondas, consoante a sua forma. A partir de uma série de 
registros efetuados nos observatórios, que se encontram um 
pouco por toda a parte à superfície do Globo, é possível não só 
referenciar em cada um deles a hora de chegada deste ou 
daquele tipo de ondas emitidas por um dado tremor de terra, 
como também, partindo desta base, determinar 
simultaneamente o trajeto seguido pelas ondas no interior da 
Terra e a velocidade com que percorreram o espaço 
compreendido entre dois pontos. Ora, esta velocidade de 
 19 
propagação das
ondas sísmicas caracteriza o meio atravessado. 
Pode, assim, fazer um gráfico de velocidades sísmicas através 
das diversas unidades do Globo. 
 Os princípios do século, sobretudo nos anos 
compreendidos entre 1930 e 1950, assistiram aos progressos da 
sismologia que designamos de esférica, à qual preside a idéia 
de que a estrutura interna da Terra se caracteriza por uma 
simetria esférica. É um fato que a superfície mostra uma 
geografia complexa, mas o interior é constituído por camadas 
esféricas que se encaixam umas nas outras. São idênticas as 
propriedades do manto, digamos, a 600 km abaixo de Paris, 
Adelaide, Havaí ou das ilhas Kergulen. É suficiente descrever 
uma Terra média para descrever a Terra real. Numa primeira 
aproximação, é possível distinguir três camadas: a crosta 
superficial, o manto interno e o núcleo superficial. A densidade 
dos materiais que constituem estas camadas aumenta com a 
profundidade. Os limites destas diversas unidades estruturais 
estão demarcados por fortes descontinuidades na velocidade de 
 20 
propagação das ondas sísmicas. 
A época da "sismologia esférica" foi dominada por 
duas figuras tão excepcionais quanto diferentes: Harold 
Jeffreys, que tinha "demonstrado" a impossibilidade da deriva 
dos continentes, brilhante teórico inglês, especialista do cálculo 
da propagação das ondas sísmicas, e Beno Guttenberg, alemão, 
diretor e fundador do laboratório de sismologia do Califórnia 
Institute of Technology (Caltech), que, pelo contrário, era um 
físico de observatório que apenas se servia de um mínimo de 
instrumentos da matemática (o que não significa que a sua obra 
não tenha sido teórica em muitos aspectos) e possuía, em nível 
elevadíssimo, a arte de enumerar e interpretar os sismogramas. 
Estes dois chefes de escola, tão diferentes quanto 
complementares, construíram um modelo de "Terra média", o 
qual, pode afirmar-se, na generalidade, continua praticamente 
inalterado hoje em dia. Em 1914, Beno Guttenberg, na 
Alemanha, descobre a existência do núcleo. A sua posição no 
centro do Globo, a 2900 km da superfície, é determinada com 
precisão desde essa época. Em 1936, Inge Lehman, na 
Dinamarca, demonstra que o núcleo comporta duas partes, uma 
central e outra externa. 
Guttenberg e Jeffreys precisam a natureza destas duas 
partes, mostrando que o exterior é líquido e o interior sólido. 
Mas a descoberta mais importante, no que respeita à matéria de 
que nos ocupamos, é a efetuada em 1926 por Guttenberg, na 
seqüência da análise de um tremor de terra no Chile: a 
existência de uma camada "mole" no manto. Esta camada, 
denominada astenosfera, encontra-se situada a uma centena de 
quilômetros de profundidade e será minuciosamente estudada 
pelos sucessores de Guttenberg no Caltech, particularmente 
por Don Anderson, os quis demonstram que se estende sob 
toda a superfície do Globo, incluindo continentes e oceanos, 
sendo menos densa e mais plástica do que as partes mais 
superficiais. Estas últimas, bastante rígidas, encontram-se 
separadas da superfície por uma minúscula camada, designada 
por crosta, cujo limite inferior é bem marcado sismicamente 
pela descontinuidade de Mohorovicic (que os cientistas 
designam familiarmente por Moho), em honra do iugoslavo 
que a descobriu em 1909. Foi assim que se criou a imagem, 
que ainda hoje possuímos, da estrutura ovular da Terra, ou 
seja, uma crosta (a casca), um manto (a clara) e um núcleo (a 
gema), com a particularidade de sob a casca existir uma zona 
um pouco mole, a astenosfera, e de, curiosamente, o núcleo ser 
 21 
líquido no exterior e sólido no interior. 
As espessuras das diferentes camadas - algumas 
dezenas de quilômetros, no que respeita à crosta, 2900 km, no 
que se refere ao manto, e 3400 km, quanto ao núcleo - são bem 
conhecidas desde essa época. 
A sismologia do pós-guerra será dominada por uma 
idéia que, no fundo, é evidente, mas que só a pouco e pouco 
emerge dos fatos, isto é, que a estrutura interna possui 
igualmente uma geografia. Inicia-se, assim, o capítulo da 
geofísica estrutural profunda, que se encontra na base de toda a 
compreensão da dinâmica do Globo e ainda não foi encerrado. 
Este capítulo foi, de fato, criado pelo japonês Wadati, 
ao observar que os tremores de terra profundos apenas se 
verificavam em determinadas regiões, que, segundo os estudos 
efetuados, se localizam ao longo de planos inclinados, situados 
em locais bem determinados (Japão, Chile, Indonésia, etc.). 
Esta regularidade será redescoberta por Hugo Benioff quinze 
anos mais tarde e o mapa dos sismos profundos será então, 
injustamente, denominado mapa de Benioff. Quanto a nós, 
designá-lo-emos por mapa de Benioff-Wadati (BW). 
Uma Segunda descoberta importante foi a de Frank 
Press e dos seus discípulos do Caltech, que nos mostram que a 
estrutura da crosta continental, em particular a configuração da 
descontinuidade de Mohorovicic, contém em si mesma uma 
geografia. A sua profundidade não é constante, variando, pelo 
contrário, de um ponto para outro. Estes trabalhos acrescentar-
se-ão aos efetuados por Maurice Ewing e pela sua equipe do 
laboratório geológico de Lamont, os quais revelam que a 
espessura da crosta é diferente sob os oceanos e sob os 
continentes. À estrutura variável da superfície correspondem 
estruturas geológicas que variam em profundidade. 
Seria fastidioso evocar todos os trabalhos realizados 
com este espírito, mas é importante frisar que a idéia de que a 
Terra não tem uma simetria esférica em profundidade foi se 
cimentando lentamente, porque o abandono de tal princípio 
 22 
origina uma complicação considerável, não só quanto à 
interpretação das medições, mas também no que respeita aos 
cálculos, e, se pretende-se manter um mínimo de rigor neste 
domínio, tal só será conseguido à custa de esforços muito 
maiores. Porém, esta evolução preparava geólogos e geofísicos 
para o diálogo, aproximando a sismologia do real e sugerindo 
que as observações de superfície - geológicas, portanto - não 
eram independentes da natureza do interior. 
Nesta geografia das estruturas internas será estudada 
uma série de zonas particulares e, primeiramente, aquelas em 
que existem líquidos. Sabe-se, com efeito, que, com exceção 
do núcleo exterior, todo o Globo é sólido, particularmente o 
manto, fato demonstrado pelos sismólogos quando observam 
que as ondas transversais, ou ondas S, que não podem 
atravessar um líquido, se propagam através do manto. Estas 
constatações anulam, a idéia de que existiria um magma 
líquido incandescente sob nossos pés, idéia freqüentemente 
admitida e, infelizmente, bastante divulgada. Mas em 
determinados pontos, nos locais em que existem bolsas de 
magma, verificam-se pequenas anomalias na propagação das 
ondas. Estes locais situam-se sob as dorsais oceânicas, nas 
zonas de arcos insulares, sob as ilhas vulcânicas jovens e sob 
as grandes fossas de abatimento que fraturam os continentes 
(fossa renana, fossas leste-africanas). 
Durante muito tempo os sismólogos tinham-se 
considerado físicos do Globo. O seu centro de interesses era 
mais a maneira como as ondas se propagavam do que a 
determinação das estruturas que atravessavam. A descoberta 
daquilo que designarão por heterogeneidades laterais de 
propagação e que complicará consideravelmente os modelos 
teóricos de propagação, conduzi-los-á a interessarem-se cada 
vez mais pela própria Terra, pela sua estrutura. A associação 
entre o interior e o exterior, que inicialmente tinha sido 
negligenciada e até mesmo negada, tornar-se-á uma evidência 
e os sismólogos irão ter um papel cada vez mais ativo nas
ciências da Terra, até ocuparem um lugar central no 
desenvolvimento da tectônica de placas. 
 
O nascimento da oceanografia geológica 
 
 Foi a guerra de 1939-1945 que pôs em evidência a 
importância dos oceanos e dos submarinos, no domínio 
estratégico, sem dúvida, mas também no campo econômico. 
Por que motivo uma tal extensão, que representa dois terços da 
superfície do Globo, não haverá de conter em si riquezas tão 
abundantes como as dos continentes? Estas motivações são 
suficientes para que os Estados Unidos da América e, em 
menor grau, a URSS, lancem nos mares uma série de navios 
oceanográficos destinados a explorar o oceano. Em grande 
parte ainda ligeiros, permitem a execução do mapa topográfico 
dos fundos marinhos, graças à técnica dos ultra-sons, que se 
desenvolveu durante a guerra, com fins militares. Os navios 
recolhem sedimentos, dragam rochas duras, medem o campo 
magnético em cada ponto estudado, estabelecem, assim, mapas 
magnéticos, cuja utilidade referiremos mais adiante. Mais 
tarde, utilizando uma sísmica experimental que recorre a 
pequenas explosões, procurar-se-ão determinar as 
características geofísicas da crosta oceânica. Posteriormente, 
na seqüência de Teddy Bullard e Roger Revelle, medir-se-ão 
os fluxos de calor que escapam através do fundo dos oceanos. 
 Para pôr tudo isto em prática é necessário inventar 
técnicas, testá-las, aplicá-las, mas ter igualmente a certeza de 
seu funcionamento contínuo no mar, em condições logísticas 
muitas vezes de extrema rudeza. Tal será conseguido mediante 
um grande esforço, sobretudo financeiro. Detenhamo-nos um 
instante nestes diversos aspectos. 
 Em 1982 um navio oceanográfico custava cerca de 
80.000 francos franceses por dia, pelo que é fácil entender que 
o empenhamento consentido neste domínio apenas podia 
beneficiar algumas equipes. Em contrapartida, um navio 
 23 
trabalha vinte e quatro horas por dia e os registros que efetua 
são praticamente contínuos, o que origina uma quantidade de 
informações que convém tratar corretamente e, de seguida, 
interpretar. O computador encontrará neste âmbito, os 
primeiros clientes em geologia. Finalmente, e este aspecto não 
é menos relevante, num navio, nos períodos de trabalho, 
encontram-se e vivem conjuntamente durante várias semanas 
técnicos provenientes de diferentes horizontes: geólogos, 
sedimentólogos, geofísicos, etc. A necessidade de viverem em 
grupo, isolados do mundo, cria rapidamente um intercâmbio de 
idéias e, bastante antes de estar em moda, surge a bordo um 
espírito de equipe pluridisciplinar. Não constituirá, portanto, 
surpresa que a oceanografia tenha desempenhado um papel tão 
importante na moderna evolução das ciências da Terra. 
 Como deixar de mencionar nesta exploração dos 
oceanos o papel desempenhado pelas grandes instituições 
oceanográficas americanas? Em primeiro lugar, o Lamont 
Geological Observatory, ligado à Universidade de Colúmbia, 
em Nova Iorque, instalado nas falésias do Hudson, criado, 
animado e orientado então pela tenacidade indomável e pelo 
espírito inventivo de um homem fora do comum: Maurice 
Ewing, "Doc Ewing", como lhe chamavam os familiares. Sob 
sua firme direção, o laboratório permanecerá à frente da 
investigação oceanográfica durante vinte anos. Mas impõe-se 
igualmente mencionar a Scripps Institution of Oceanograpy, 
criada um pouco mais recentemente sob o impulso de outro 
grande homem de talento: Roger Revelle. O caráter multicéfalo 
desta instituição, associada - no início estreitamente - à 
marinha dos EUA, de cuja base é vizinha, irá rapidamente 
contrastar com a arquitetura piramidal do Lamont. As 
atividades deste último no Atlântico e da Scripps no Pacífico 
permitem reunir em alguns anos uma quantidade considerável 
de dados. A emulação e, por vezes, a rivalidade, contribuirão 
para manter a qualidade e intensidade da atividade científica de 
ambas as instituições. 
Todavia, estando a tratar de uma época sobre a qual 
ainda não se fez luz, limitar-nos-emos a enumerar os diversos 
dados acumulados1. 
 
Trata-se, em primeiro lugar, da topografia do fundo dos 
oceanos. Doravante poder-se-ão reconhecer nitidamente cinco 
tipos de estruturas: 
 O talude marinho, continuação da plataforma continental 
pouco profunda, prolongamento natural do continente, que 
permite passar abruptamente (declive de 15%) para os 
plainos abissais (-4000m); 
 Os plainos abissais, que ocupam mais da metade da 
superfície dos fundos oceânicos; 
 As dorsais oceânicas, montanhas submarinas cujos picos 
atingem 3000m, de forma alongada, constituindo uma imensa 
rede através dos oceanos e comportando um vulcanismo 
submarino importante; 
 Em certas zonas marginais, entre o talude marinho e o dos 
plainos abissais, estendendo-se paralelamente à costa, 
fossas submarinas gigantescas, cuja profundidade chega 
aos 11.000m (uma série de fossas deste tipo bordeja toda a 
América do Sul, uma outra a costa ocidental do Pacífico, 
 
1 A leitura será auxiliada pelo exame do extratexto a cores no 3. 
 24 
das ilhas Tonga às Curilas, etc.); 
 As ilhas vulcânicas, que se revestem de particular 
interesse, disseminadas pelo oceano, umas vezes sem que 
se torne nítida qualquer organização de conjunto, outras, 
na maior parte, sucedendo-se, de acordo com orientações 
particulares, mais ou menos perpendiculares às dorsais. 
Em segundo lugar, surge a determinação das 
estruturas do subsolo. Rapidamente, a propagação das ondas 
sísmicas permite-nos saber que o subsolo dos oceanos é muito 
diferente do dos continentes. Após algumas centenas, ou até 
mesmo alguns milhares de metros de sedimentos moles, a 
velocidade de propagação das ondas acústicas de tipo P 
modifica-se abruptamente, passando a atingir 5 km por 
segundo. Aumenta lentamente com a profundidade, até 5 km, 
passando abruptamente de 7 km para 8 km por segundo, 
transição que corresponde ao Moho. A descontinuidade 
descoberta por Mohorovicic existe igualmente sob os 
continentes, como vimos, mas a cerca de 3 km de 
profundidade. Eis uma primeira diferença estrutural importante 
entre os oceanos e os continentes: diferença de espessura de 
crosta, mas também diferença na composição. Se a dos 
continentes é, sobretudo, constituída por granito (rocha clara, 
rica em sílica), a dos oceanos é básica, constituída, próximo da 
superfície, por rochas escuras, os basaltos. Deste modo, como 
tantas vezes acontece em ciência, surge esta verdade nua e crua 
evidente aos olhos do leigo, mas que assume o caráter de 
descoberta para o cientista: os oceanos e os continentes são 
geologicamente diferentes. Com efeito, a priori, nada sugere 
tal diferenciação, já que a presença ou ausência de água pode 
passar por fortuita, como parece demonstra-lo a existência 
atual (Mancha) ou passada (bacia de Paris) de extensões de 
água sobre os continentes... 
Como teremos ocasião de verificar ao longo desta 
obra, o contraste oceano-continente é, provavelmente, o dado 
mais importante das ciências da Terra. 
Analisemos freqüentemente os resultados destes 
estudos oceanográficos, que tanto esforço implicaram, mas que 
tão produtivos e estimulantes se revelam! Na verdade, na 
época a que nos referimos a utilidade e a importância científica 
destas investigações, nem sempre eram reconhecidas. 
Nenhuma síntese global reunia observações científicas, que, 
por seu turno, levantavam novos problemas. A própria 
juventude desta ciência e as poucas superfícies exploradas 
tornavam tais sínteses difíceis, pois a generalidade das 
constatações era continuamente posta
em causa por outras 
novas. Os geólogos de campo, isto é, os dos continentes, na 
altura, prestavam pouca atenção a esta geologia do mar, que, 
segundo afirmavam, não tinha qualquer relação com aquela de 
que se ocupavam, tese que encontraremos ainda muitas vezes. 
 
O relógio geológico 
 
Em 1898, num pavilhão situado ao fundo do Jardim 
des Plantes de Paris, Becquerel descobre a radioatividade. 
Alguns anos mais tarde, Pierre e Marie Curie isolam elementos 
responsáveis por este fenômeno. Será apenas necessário 
esperar até 1908 para ver o grande físico britânico de origem 
neozelandesa Ernest Rutherford propor a utilização da 
radioatividade como cronômetro geológico. O princípio básico 
é relativamente simples. Um isótopo radiativo, denominado 
isótopo-pai, desintegra-se e dá origem a um isótopo não 
radioativo, designado por isótopo-filho. Em cada intervalo de 
temo, a quantidade de isótopo radioativo que desaparece, ou 
isótopo-filho que aparece, apenas depende da duração deste 
lapso de tempo. O processo é independente de fatores externos, 
como a temperatura, a pressão ou o meio ambiente químico. 
Trata-se de um fenômeno físico suscetível de desempenhar o 
papel de cronômetro, ou, inversamente, as medidas de isótopo-
pai que subsiste, e de isótopo-filho criado, permitem medir o 
intervalo de tempo que nos separa do início do fenômeno, tal 
 25 
como a medição do que existe encima e embaixo da ampulheta 
permite medir um determinado lapso de tempo decorrido. 
Assim, quando um mineral ou rocha cristaliza e encerra uma 
certa quantidade de isótopos radioativos (digamos, de rubídio 
87, de urânio 238 ou de potássio 40), provoca uma "inversão 
da ampulheta". Quando medimos a quantidade de estrôncio 87, 
de chumbo 206 ou de árgon 40 produzida, bem como a 
quantidade de rubídio 87, de urânio 238 ou do potássio 40, é 
possível calcular a idade de formação do mineral ou da rocha. 
Não utilizaremos isótopos radioativos que se desintegrem 
rapidamente em condições laboratoriais, mas apenas cuja 
duração de desintegração é da ordem do milhar do milhão de 
anos. È o caso do rubídio 87, do potássio 40 e do urânio 238. 
O princípio é simples, mas a aplicação difícil, pois os 
isótopos interessantes encontram-se em quantidade muito 
reduzida nas rochas, sendo a sua concentração medida em 
milionésimos. Torna-se, assim, necessário fazer apelo a 
técnicas de ponta da física e da química nuclear para medir e 
datar as rochas. Porém, graças ao trabalho de pioneiros, como 
os americanos Alfred Nier ou Mark Ingham, estes problemas 
técnicos foram resolvidos e a partir de 1937, mas sobretudo a 
partir de 1948, começam-se a obter em profusão idades de 
rochas consideradas absolutas, marcando, assim, o seu caráter 
numérico, em oposição às idades relativas fornecidas pela 
paleontologia. O geólogo tem, assim, pela primeira vez acesso 
ao conhecimento da idade dos acontecimentos que estuda. 
Pode substituir a cronologia relativa, "isto é mais antigo do que 
aquilo", "isto é pré-câmbrico, aquilo é pérmico", pela 
cronologia absoluta, "isto tem 3000 milhões de anos, aquilo 
tem apenas 200 milhões de anos". As noções de anterioridade e 
de posteridade dão lugar à de idade e, deste modo, à de 
duração. 
Rapidamente, o geólogo verifica que a Terra tem cerca 
de 4500 milhões de anos, que os primeiros fósseis de seres 
organizados apareceram no início da Era Primária, há 550 
 26 
milhões de anos, que o homem fóssil característico do 
Quaternário tem apenas 2 milhões de anos! Tendo acesso à 
medição do tempo, acede à das durações e, consequentemente, 
à das velocidades dos fenômenos geológicos. Como estes 
fenômenos prosseguem ao longo de milhões de anos, o relógio 
geológico marca o início da geologia quantitativa. Sem esta 
quantificação, nenhuma física do passado da Terra é possível. 
Basta recordar as especulações de Lord Kelvin sobre a história 
térmica da Terra, portanto, sobre a sua evolução física! Kelvin 
situava a idade da Terra entre 40.000 e 4 milhões de anos e 
uma polêmica acesa tinha-o posto aos naturalistas, 
nomeadamente Charles Darwin. A descoberta de Rutherford 
marca definitivamente a derrotas das suas teorias. 
É possível agora datar diretamente os terrenos 
cristalinos e antigos, estabelecer, assim, sincronismos à escala 
do Globo e, por conseguinte, construir uma geologia dos 
terrenos antigos onde, na ausência de fosseis, se detinha a 
geologia tradicional. Verifica-se igualmente que quatro quintos 
da historia da Terra, isto é toda a época do Pré-Câmbrico, não 
eram "abrangidos" pela geologia clássica! Deste modo, a 
exploração dos oceanos permite complementar a exploração do 
Globo no espaço e a radiocronologia permite a sua extensão no 
tempo. Torna-se então claro que a geologia tradicional, 
baseada nos fosseis e nas series sedimentares depositadas nos 
continentes, apenas abrangia um terço da superfície do Globo e 
um décimo da sua duração de vida! 
 
A produção de rochas em laboratório - origem do granito e do 
basalto 
 
É do conhecimento geral que os materiais que 
constituem o nosso planeta e que se podem extrair à superfícies 
são rochas, por seu turno, constituídas por misturas, 
aglomerações, ou melhor, associações, sociedades de minerais. 
O granito é, pois, uma associação de três minerais, quartzo, 
 27 
feldspato e mica2, enquanto o basalto é constituído pela 
associação de dois minerais principais, a piroxena e a 
plagioclase, acessoriamente, a olivina, mineral que constitui o 
componente essencial da peridotite. Nestas sociedades, os 
"cidadãos" - os minerais - revestem-se de características muito 
variáveis. Por vezes têm uma grande dimensão, da ordem do 
centímetro, com faces planas bem definidas, comprovando, 
assim, que a formação, a cristalização, se efetuou em 
condições de calma. É o caso do granito, cuja textura 
comprova as condições de arrefecimento progressivo das zonas 
profundas da crosta. Noutras ocasiões, pelo contrário, a 
dimensão dos minerais é reduzida, os contornos assumem uma 
forma complexa, a orientação é desordenada, atestando 
condições de cristalização brutais, como se o exterior tivesse 
imposto uma lógica selvagem a estas transformações. É o caso 
do basalto, que tem uma textura fina, testemunhando um 
arrefecimento rápido imposto ao magma fundido pela sua 
extrusão rápida à superfície. 
É também variável o próprio modo como estes 
minerais se associam para formarem as rochas. Por vezes, é 
uma associação fortuita, mecânica, como se de areia se 
tratasse, outras é uma associação intima, traduzindo um 
parentesco, uma afinidade profunda. É o que acontece quando 
uma lava vulcânica cristaliza para dar origem a um basalto. No 
primeiro caso, a "lógica" que existe entre os minerais não é 
primaria, é herdada de uma rocha precedente e transferida para 
o espaço sedimentar por intermédio do duplo fenômeno 
erosão-sedimentação. No segundo caso, pelo contrário, a 
análise das relações recíprocas - tal como o ordenamento da 
cristalização - traduz simultaneamente a composição da rocha 
e as condições de temperatura e de pressão que presidiram à 
sua gênese. 
O estudo das rochas, a sua descrição e classificação, a 
reconstituição do seu modo de formação, constitui aquilo a que 
 
2 A mica é mineral acessório do granito. (N. do T.) 
chamamos petrografia (ou petrologia). Desde há muito que se 
sabe que é possível classificar estas rochas em três categorias: 
em primeiro lugar, as que, como os grés ou os calcários, se 
formaram debaixo de água, se foram sedimentando lentamente 
nas depressões
constituídas pelas bacias e a que, por essa 
razão, chamamos rochas sedimentares; as resultantes da 
cristalização de materiais em fusão, como o basalto ou o 
granito, denominadas rochas ígneas (as rochas vulcânicas 
constituem uma categoria à superfície do Globo); 
paralelamente, as rochas que cristalizaram lentamente e em 
profundidade, denominadas rochas plutônicas. O basalto é 
uma rocha vulcânica, o granito, uma rocha plutônica. A estes 
dois tipos de rochas simples de definir, acrescenta-se uma 
terceira categoria, a das rochas ditas metamórficas, que 
resultam da transformação de uma rocha do tipo procedente, a 
qual, em determinadas condições especiais, recristaliza, dando 
origem a novas associações minerais. 
A gênese das rochas sedimentares, cuja formação 
podemos observar nos oceanos, quase perante nossos olhos, 
não tem nada de misterioso. O mesmo não se pode dizer das 
rochas ígneas ou das metamórficas, produtos diretos das 
profundezas terrestres. 
Como pode ter lugar este curioso fenômeno que 
metamorfiza as rochas? De que modo se isolaram, segregaram, 
identificaram, os magmas que deram origem a rochas como o 
granito ou o basalto? Como fabricar num laboratório esses 
magmas? Sonho de alquimista ou adolescente curioso? A 
ciência anterior e posterior à guerra, no entanto, transformar-
lo-á em realidade graças ao emprego dessas "caçarolas" 
especiais denominadas autoclaves, onde os petrólogos tentarão 
imitar a natureza. 
O princípio que preside a estas experiências é simples. 
Num recipiente fechado mistura-se um pó, cuja composição 
química corresponda à da rocha que se pretende reproduzir. 
Esta mistura é submetida a diversas temperaturas e, passado 
 28 
um certo tempo, que pode ser um dia, uma semana ou um mês, 
abre-se o recipiente e observa-se a "rocha" assim obtida. 
Quanto mais elevada for a temperatura, mais rápidas são as 
reações e mais facilmente se obtém a formação. Todavia, a 
temperatura não basta. Para reproduzir as condições que 
existem no interior do Globo, torna-se necessário igualmente 
reproduzir as condições de pressão. O mais simples é misturar 
o pó com um gás, cuja elevação de temperatura num recipiente 
fechado se traduza por um aumento de pressão. O gás 
escolhido pode reagir quimicamente com o pó para dar origem 
a minerais: é o que acontece quando se utiliza vapor d'água, 
muito reativo quimicamente. Pelo contrário, é possível utilizar 
gases neutros, como o nitrogênio ou o árgon, que não reagem 
com as rochas com que entram em contato, reproduzindo-se, 
assim, pressões consideráveis de vários milhões de atmosferas. 
O limite destas experiências é constituído pela 
resistência dos materiais que compõem a autoclave, que, 
submetida à pressão interna, terá naturalmente tendência para 
explodir. Na Carnegie Institution, de Washington, o templo 
desta nova alquimia, começou-se pela síntese dos diversos 
minerais em condições de temperatura e de pressão variáveis, 
de 250o a 1000o, com uma pressão que ia até 50.000 
atmosferas, realizando-se, posteriormente, as síntese das 
rochas, isto é, de sociedades minerais, para o que se 
determinaram as associações estáveis e instáveis, as reações 
que se processam entre minerais, destruindo uns e construindo 
outros, e as condições em que se efetuam estas reações 
químicas. Este trabalho de longe exige que cada uma das 
associações mineralógicas conhecidas seja estudada 
sistematicamente em todas as gamas de pressão e de 
temperatura. Verifica-se, então, que no respeitante a uma dada 
composição química, esta ou aquela associação mineralógica 
apenas se pode formar numa zona de pressões e de 
temperaturas bem definida. Desde que se efetue um número 
suficiente de experiências devidamente repetidas e verificadas, 
é possível construir um dicionário que permita fazer 
corresponder a cada zona de temperatura-pressão uma 
associação mineralógica relativamente a uma dada composição 
química, e vice-versa. Este dicionário é o código mineralógico. 
Em relação a uma dada rocha metamórfica, cuja composição 
química exata é possível determinar, a observação dos minerais 
metamórficos que a constituem permite saber, com recurso ao 
código mineralógico, quais as condições de pressão e de 
temperatura que predominaram no meio ambiente destas 
rochas no momento da sua cristalização. Cada rocha 
metamórfica comporta, pois, uma mensagem, que, doravante, é 
possível descodificar. 
Como os terrenos metamórficos podem ser datados 
através de métodos radioativos, a reconstituição das condições 
de temperatura e pressão permite descrever a história térmica 
das diversas regiões do planeta, nas diferentes épocas, o que 
constitui um elemento muito eficaz para as reconstituições 
geológicas. 
Legitimamente orgulhosa dos seus êxitos, a petrologia 
experimental passa a abordar um problema mais difícil, a 
origem dos magmas. De que modo podem as rochas fundir-se, 
dando origem aos magmas, cujo arrefecimento cria as rochas 
que observamos à superfície, como o basalto e o granito? 
Como sabemos, o granito é o constituinte essencial da 
crosta continental. Compreender o seu surgimento e meio de 
formação representa, assim, um enorme avanço na 
compreensão do modo de formação dos próprios continentes. 
Era bastante natural que os alquimistas-petrólogos 
procurassem especular sobre as condições naturais da sua 
formação. As experiências de laboratório mostram, 
primeiramente, que os granitos podem resultar do fenômeno 
designado por diferenciação química dos magmas basálticos, 
processo que consiste numa destilação. 
Em cada uma das etapas do arrefecimento de um 
banho em fusão de composição basáltica, determinados 
 29 
minerais cristalizam e, uma vez que são os mais pesados, 
depositam-se no fundo, permitindo um banho enriquecido de 
elementos químicos que não entram nas suas composições. 
Como os primeiros minerais a cristalizar são "pobres" em 
sílica, o líquido residual que acima deles se encontra, será rico 
em sílica. Assim, através de cristalizações sucessivas, podem 
formar banhos graníticos. Este processo é extremamente 
espetacular, uma vez que a partir de um banho basáltico - 
magma que se encontra na origem da maior parte do 
vulcanismo terrestre e cujo princípio deverá ser encontrado nas 
profundezas terrestres - é possível fabricar granito. Deste 
modo, a crosta continental granítica surge como o resultado da 
diferenciação do próprio magma basáltico, produto natural das 
profundezas do Globo. 
Neste momento, crê-se que a origem das grandes 
unidades estruturais do Globo (núcleo, manto e crosta 
continental) está definitivamente esclarecida. No princípio a 
Terra encontrar-se-ia em estado de fusão total e, a partir deste 
banho, o ferro metálico, devido ao seu peso, ter-se-ia 
encaminhado para o centro, ficando o granito, devido à sua 
leveza, a flutuar na periferia. A visão deste processo, tal como 
descreve o grande geoquímico alemão Goldschmidt, é a da 
diferenciação que se opera num forno siderúrgico: o matte 
flutuando, o metal depositando-se no fundo. 
Como freqüentemente acontece, basta uma experiência 
para pôr em causa as mais belas teorias. Foi o que aconteceu 
quando Norman Bowen, embora sendo o autor das 
experiências anteriores, conjuntamente com o seu discípulo 
Tuttle, tomou a iniciativa de fundir sedimentos em presença de 
água e sob pressões de alguns milhares de atmosferas. Ao 
abrirem a autoclave, os dois investigadores tiveram então a 
surpresa de encontrar no fundo um pedaço de granito 
verdadeiro. O granito podia, pois, formar-se através da fusão 
de sedimentos. Esta possibilidade abria novas perspectivas
na 
compreensão do modo de formação da crosta continental. Em 
conseqüência, era possível que os sedimentos, produtos da 
alteração superficial, tivessem penetrado no Globo, sofrendo 
primeiramente um processo térmico e de compressão, que, 
numa primeira fase, tivessem recristalizado para dar origem às 
rochas metamórficas e, posteriormente, continuando o seu 
percurso em profundidade, tivessem entrado em fusão, dando 
origem aos granitos. 
Um cenário deste gênero não era, portanto, puro 
produto da imaginação dos geólogos, correspondendo, pelo 
contrário, muito exatamente, ao que se pode observar quando 
se percorre os vales que fendem em profundidade as grandes 
cadeias de montanhas, como os Pireneus, os Alpes ou os 
Himalaias, nos quais se observa uma passagem progressiva das 
rochas sedimentares às metamórficas (micaxistos) e, por fim, 
aos granitos. A idéia que ressalta deste esquema é, assim, a de 
que o granito não é o produto de amplos fenômenos de 
diferenciação interna, mas sim o resultado de acontecimentos 
complexos que foram ocorrendo ao longo dos tempos 
geológicos, acionando os processos que se produzem à 
superfície da Terra e que habitualmente se designam por 
processos externos. Segundo a primeira teoria, a rocha tipo, o 
granito, é um produto do fogo; de acordo com a Segunda, 
resulta da água. Este debate, cujas origens poderiam recuar às 
cosmologias mesopotâmicas, dividiu a comunidade geológica 
durante dez anos, sem possibilitar qualquer tipo de consenso. 
Esquematizando em traços muito gerais, poder-se-á afirmar 
que até 1966 a maioria dos anglo-saxões foram partidários 
convictos da origem do granito a partir do basalto, ao passo 
que os outros europeus ocidentais, nomeadamente os alemães 
(como Winkler ou Mehnert), preferiram a origem sedimentar, 
na altura ainda designada por palingenética. 
Posteriormente, a partir de 1966, a atenção de que era 
alvo o granito foi se desviando para a origem dos basaltos. 
Apesar de algumas discussões famosas, nomeadamente entre o 
inglês Mike O'Hara e os australianos Dave Green e Ted 
 30 
Ringwood, a origem do basalto suscitou muito menos 
antagonismos do que a dos granitos. Provém claramente do 
manto superior e a sua natureza vulcânica não tem discussão. 
Trata-se, pois de determinar a natureza do material que, ao 
fundir, dá origem aos basaltos, revelando, assim, a constituição 
do manto superior. Mais tarde voltaremos a abordar estas 
investigações de forma mais pormenorizada. Neste momento é 
possível mencionar que elas só se tornaram possíveis após o 
fabrico de autoclaves resistentes a pressões de 10.000 a 30.000 
atmosferas, o que só aconteceu mais tarde, e ainda que a fusão 
de 5% a 30% de peridotites produz um banho basáltico em 
tudo comparável, em termos de composição, aos que se podem 
recolher é superfície do Globo. 
Deste modo, em alguns anos a petrologia experimental 
permitiu delimitar as condições em que se podem formar as 
principais rochas que existem à superfície do Globo. Não é 
difícil conceber que estes resultados científicos tenham 
conseguido captar toda a atenção da comunidade científica e 
que este tenha esquecido totalmente a velha hipótese de 
Wegener. 
Os trabalhos wegenerianos aproximavam os diversos 
aspectos das ciências da Terra; a evolução das diversas 
especializações vira as costas a este ecumenismo. No entanto, 
dentre estes diversos desenvolvimentos, um irá ressuscitar o 
interesse pelas teses do mobilismo continental: o magnetismo. 
À partida, nada predispunha esta disciplina austera para esse 
papel, tão grande era o seu isolamento no domínio das ciências 
da Terra, e o ressurgimento das idéias das teses mobilistas a 
partir dos estudos magnéticos podia, a priori, parecer 
incongruente; contudo, isso verificar-se-á por duas vezes e 
pelas vias que iremos ver 
 
O campo magnético terrestre 
 
De todos os estudiosos que se ocupam da Terra, os 
geomagnetólogos são, sem dúvida, os mais desconhecidos e os 
mais misteriosos. Registrando sinais que traem a atividade do 
núcleo da Terra ou do Sol, sem conhecerem as suas causas 
exatas, configuram-se como cardiologistas que auscultam os 
batimentos de um coração sem conhecerem a sua origem. Este 
mistério de forças que atuam à distância sem que as "vejamos", 
encontra-se de tal modo arreigado nas mentes que a linguagem 
corrente assimilou o termo "magnetismo" a determinadas 
propriedades extraordinárias dos seres vivos. Em contrapartida, 
como é evidente, este desvio de linguagem, assimilando desde 
a mais tenra idade, apenas reforça em cada um uma impressão 
de estranheza. Este mistério geomagnético, aliás, já não é de 
ontem. Enquanto os chineses, pouco sensíveis às relações 
imediatas de causa e efeito e mais receptivos às noções de 
campo e de meio ambiente, descobrem o campo magnético 
terrestre na época Han e o medem com precisão a partir do ano 
1040, é necessário esperar pelo Renascimento para ver a 
civilização ocidental interessar-se de perto por este fenômeno, 
cujas causas dificilmente são compreensíveis. Os trabalhos de 
Gilbert, de Gauss e, posteriormente, de Ampére, de Maxwell e 
dos seus seguidores, esclarecerão a "causa primeira", mas a 
ciência do campo magnético terrestre não deixará, por isso, de 
continuar envolta num grande mistério para o nosso 
pensamento platônico. Analisemos as causas após termos 
previamente delimitado a personagem, ou seja, o campo 
magnético. 
Como se sabe, qualquer corpo magnético ou imã atrai 
e é atraído por outros imãs. Esta atração ocorre de tal maneira 
que em cada imã, digamos em forma de agulha ou de barra, é 
possível definir um pólo norte e um pólo sul, repelindo-se os 
pólos do mesmo nome e atraindo-se os de nome contrário. Mas 
as correntes elétricas também são capazes de se comportar 
como imãs, de atrair imãs e de ser atraídas por eles. Talvez 
alguém se recorde, neste contexto, da regra dos três dedos, ou 
do boneco de Ampére. 
 31 
Qualquer pessoa pode verificar, através de sua 
experiência, que uma agulha magnetizada indica, 
aproximadamente, o norte e o sul geográficos. É o princípio da 
bússola, sem o qual os transportes marítimos não passariam da 
cabotagem. Podemos então confrontar-mos com o pensamento 
de que qualquer coisa orienta esta agulha, de que um colocado 
no centro do Globo a faz tomar a direção norte-sul. Foi, de 
fato, o que supôs W. Gilbert, médico da rainha Isabel I, no 
início do século XVII. Recorrendo a algumas bases teóricas, 
torna-se, assim, possível calcular a direção e a intensidade do 
campo magnético em qualquer ponto da superfície do Globo. 
As linhas de força deste campo assemelham-se, em primeira 
análise, às descritas pela limalha de ferro colocada perto de 
uma barra magnetizada. Por volta do final do século XIX, 
surgem aparelhos muito aperfeiçoados e, freqüentemente, 
complexos que permitem medir o campo magnético terrestre: 
são os magnetômetros. A exploração quantitativa do campo 
magnético terrestre irá então começar, implicando o espaço e o 
tempo. 
 
A exploração geográfica permite estabelecer um mapa 
do campo magnético terrestre atual, determinado em função de 
três parâmetros: a orientação do campo (dois ângulos) e a sua 
intensidade. O campo magnético varia de acordo com a 
latitude, a posição e a natureza dos terrenos subjacentes, etc. A 
fim de descrever estas variações geográficas, os magnetólogos 
definem aquilo a que chamam de anomalias magnéticas, 
 32 
descritas como a diferença existente entre o campo real medido 
e o campo teórico, aquele que se calcula segundo a hipótese de 
Gilbert. Se o campo real é superior ao campo
teórico, falar-se-á 
de anomalias positivas; se é inferior, de anomalias negativas. 
Estas anomalias magnéticas vão ter um papel central no 
ressurgimento dos conceitos wegenerianos. 
A exploração temporal é, por definição, mais longa e, 
assim, mais fastidiosa. Dia e noite, observatórios criados com 
este objetivo irão registrar incansavelmente as variações de 
orientação e intensidade do campo magnético em todos os 
pontos do Globo, e isto durante dezenas de anos. Deste modo, 
em Paris ou em Londres, possui-se o registro de campo 
magnético desde 1838. Observando estas séries temporais, 
descobre-se a existência de variações, cuja freqüência é, por 
seu turno, variável: variações rápidas, variações lentas, 
variações seculares. As rápidas são as que se observam num 
dia, as lentas, as que se observam em decênios. 
A análise dos dados espaciais e temporais irá, 
progressivamente, permitir a identificação das fontes das 
variações e das anomalias observadas. As variações rápidas 
têm origem na alta atmosfera da Terra. Átomos ionizados 
interatuam com o fluxo de partículas carregadas e com as 
ondas eletromagnéticas provenientes do Sol (vento solar) e os 
seus movimentos induzem variações magnéticas medidas no 
solo. Em última instância, a sua origem mais profunda é, 
assim, a atividade solar. As variações lentas e seculares têm 
origem no núcleo terrestre. Esta dupla localização, hoje em dia 
absolutamente admitida, não se impôs facilmente. Uma vez 
que a análise minuciosa das variações lentas permitiu situar a 
origem do núcleo terrestre, procurou-se chegar mais longe e 
compreender a sua gênese. Estas palpitações, estes sobressaltos 
mais ou menos regulares, são tão rápidos (da ordem do ano) 
em relação à duração dos fenômenos geológicos (da ordem do 
milhão de anos) que evocam o caráter aleatório de um fluido 
turbilhonário instável. O núcleo externo é fluido, as ondas 
sísmicas transversais não o atravessam, é constituído por ferro, 
condutor excelente como poucos. Ora, o movimento de um 
condutor num campo magnético cria uma corrente elétrica, 
que, por seu turno, gera um campo magnético, e assim por 
diante... Mas para compreender o funcionamento do fenômeno 
é necessário chegar ainda mais longe. Infelizmente, as séries 
temporais que possuímos são ridiculamente curtas quando as 
comparamos com a extensão dos tempos geológicos - algumas 
centenas de anos, comparáveis com os 4.500 milhões de anos 
da Terra: um fator de 20 milhões! Daqui resulta a idéia de 
tentar obter longas séries temporais por determinação dos 
campos magnéticos antigos fossilizados nas rochas. 
 
O campo magnético fóssil 
 
Melloni, napolitano refugiado em Paris, observa em 
1853 que as lavas vulcânicas possuem uma magnetização 
nítida, isto é, cada rocha vulcânica parece ser, por si própria, 
um "imã". Formula então a hipótese de esta magnetização ser 
a do campo magnético ambiente, isto é, do campo terrestre 
existente na época do arrefecimento. Esta hipótese será 
explicitada graças às experiências e observações de Bruhnes, 
em 1906, e, posteriormente, de Mercanton, entre 1910 e 1930. 
A explicação teórica será fornecida por um outro francês, 
Louis Néel, na seqüência de um diálogo com o experimentador 
Émile Thellier. 
Este fenômeno é concebível para rochas que contêm 
certos minerais particulares, como a magnetita, cujo nome, só 
por si, é evocador. Quando se aplica a uma substância 
magnetizável um campo magnético, ela adquire uma 
magnetização, que se mantém quando se suprime o campo 
magnético. Este fenômeno é idêntico para as rochas 
vulcânicas, que contêm, todas, um pouco de magnetita. Abaixo 
de determinada temperatura, dita de Curie, a magnetita não 
registra qualquer campo magnético e, posteriormente, ao 
 33 
arrefecer, registra uma fraca fração do campo magnético 
terrestre em que cristalizou. Deste modo, as rochas vulcânicas 
funcionam como memória do campo magnético terrestre. 
Ainda que os primeiros trabalhos datem de 1936, foi 
necessário esperar pelo período do pós-guerra para se assistir a 
uma utilização intensiva desta "memória magnética". Émile e 
Odette Thelier e, mais tarde, Alexandre Roche, na França, 
Nagata, no Japão, e Königsberg, na Alemanha, foram os 
pioneiros pacientes e minuciosos. Todos estes investigadores 
têm, na altura, uma idéia principal em mente: obter séries 
temporais longas que permitam estudar a história do campo 
magnético e determinar a sua origem. O estudo do campo 
magnético fóssil irá sofrer uma aceleração abrupta por volta de 
1950, em resultado de uma conseqüência tecnológica 
inesperada das pesquisas infrutíferas de Blackett, sobre a 
origem do campo magnético. 
Laureado com o prêmio Nobel, Blackett formula em 
1947 a hipótese ousada de os campos magnéticos dos planetas, 
das estrelas e, igualmente, de qualquer sistema físico serem 
conseqüência da rotação destes objetos. O campo magnético 
terrestre seria, assim, criado pela própria rotação do Globo. 
Para provar a sua hipótese, Blackett concebe uma experiência 
extremamente complexa e elaborada, de que reteremos dois 
resultados: o primeiro resume-se ao seu fracasso, mas também 
à coragem de Blackett, que em 1952 o tornou público, com o 
título Negativ Experiment; o segundo, que nos interessa neste 
momento, é que durante a experiência, Blackett criou um 
instrumento capaz de medir campos magnéticos extremamente 
fracos: o magnetômetro astático. 
Este instrumento e as diversas versões a que deu 
origem irão permitir as medições do fraco campo magnético 
"fóssil" das rochas. Por volta de 1959, Blackett, professor de 
física em Manchester, tem como assistente Keith Runcorn. Em 
conjunto, decidem usar o magnetômetro astático para medir as 
fracas magnetizações das rochas, para o que é contratado um 
colaborador, Ted Irving, o qual num verão acumula resultados 
suficientes para convencer os seus mestres do interesse da 
experiência. Mas a equipe desfaz-se, Blackett associa-se ao 
Imperial College de Londres, enquanto Runcorn volta à 
Cambridge. Esta separação não assinala o fim do 
empreendimento, mas sim o início de uma competição entre 
dois laboratórios de valor. 
 
O ressurgimento da deriva continental 
 
As duas equipes inglesas do Imperial College de 
Londres e Cambridge vão, com efeito, desenvolver com vigor 
assinalável esta nova disciplina, a que se chama então 
paleomagnetismo. O primeiro êxito permite alargar o princípio 
da memória magnética às rochas sedimentares. Neste caso, a 
fossilização do campo magnético adquire-se, quer pela 
orientação dos grãos magnéticos no decurso da sua 
sedimentação, quer mediante transformação química no 
decurso da diagênese3. Ora, as rochas sedimentares podem ser 
facilmente datadas graças aos seus fósseis, o que torna possível 
conhecer simultaneamente a idade e a intensidade do campo 
magnético, sendo, portanto, lícita a esperança de se reconstituir 
uma série temporal precisa. 
O primeiro estudo sistemático de um conjunto 
sedimentar feito por Runcorn e Irving tem por objeto o 
Triássico da Inglaterra. No entanto, o resultado obtido nada 
tem que ver com as séries temporais! De fato, a orientação do 
campo magnético fóssil do Triássico inglês (-200 MA) não 
coincide com a orientação do campo magnético hoje em dia 
existente. Será que a Inglaterra sofreu uma rotação no decurso 
dos tempos geológicos? 
Os investigadores do Imperial College decidem então 
verificar noutros continentes esta hipótese ousada, começando 
pelas rochas do Império Britânico: África do Sul, Austrália, 
 
3 Processo pelo qual
um sedimento mole se transforma numa rocha "dura". 
 34 
Canadá, Índia. Estudam, assim, em particular, as rochas 
vulcânicas do Decã, cujas erupções vão do Jurássico até o 
Terciário e cujas correntes de matéria em fusão ocupam cerca 
de um terço da superfície da Índia. Os resultados obtidos 
surpreende-nos. Antes do Terciário (isto é, antes de -60 MA), a 
orientação do campo magnético era "exterior", uma vez que o 
campo se dirigia então para o exterior do Globo. Esta 
orientação variou, em seguida, de forma contínua, até se tornar 
"horizontal" no início do Terciário e depois gradualmente 
"interna". Recordando-se então da distribuição da orientação 
do campo magnético terrestre sobre um meridiano (v. Figura 
15), da hipótese de Wegener e da mobilidade dos continentes, 
os investigadores fundem estas duas hipóteses numa única: a 
do movimento lento da Índia para norte entre o Jurássico e o 
Final do Terciário. Reaparece, assim, a deriva dos continentes! 
O grupo de Newcastle, para o qual Keith Runcorn emigrou, irá 
 35 
primeiramente refutar a interpretação mobilista dos londrinos. 
Runcorn nota que a interpretação mobilista admite 
implicitamente uma hipótese não verificada, a da orientação 
fixa do campo magnético terrestre no decurso dos tempos 
geológicos. Por que não admitir que o pólo tenha efetuado um 
movimento de translação? O próprio Wegener havia encarado 
esta hipótese. 
Runcorn propõe, pois, que seja definida, em relação a 
todas as épocas, a posição de um paleopólo magnético 
relativamente a diversas regiões, a fim de comparar 
posteriormente os resultados, antes de chegar a conclusões. 
Este trabalho minucioso consiste primeiramente em definir, no 
que respeita à Europa, uma curva de "deslocação do pólo" no 
decurso dos tempos geológicos. Após a Europa, a equipe de 
Newcastle passa à América, e os estudos, prontamente levados 
a cabo, permitem definir, no que respeita a este continente, 
uma outra curva de migração dos pólos, distinta da que fora 
definida para a Europa e com a qual se confunde só a partir do 
Cretácico. A aparente divergência entre estas duas curvas 
desaparece se suprimir-se o oceano Atlântico antes do 
Cretácico. Keith Runcorn e os seus alunos convertem-se então 
à teoria da deriva dos continentes, propondo um método de 
reconstituição das geografias sucessivas: deslocar os 
continentes de maneira a fazer coincidir as curvas de migração 
dos pólos obtidos para cada um deles. Após uma migração 
contraditória, Newcastle associa-se a Londres nas suas 
interpretações, mas pela via dos estudantes: a da migração dos 
pólos! 
Os paleomagnetólogos utilizam, em conseqüência, esta 
técnica, denominada caminho dos pólos, para reconstruírem as 
posições sucessivas dos continentes. Basta deslocar as 
unidades continentais duas a duas até que os pólos de uma 
dada época coincidam para as diversas unidades consideradas. 
Esta técnica permite, assim, a Creer, Irving e Runcorn 
desenhar as posições sucessivas dos continentes nas diversas 
épocas geológicas. As suas reconstituições assemelham-se, 
surpreendentemente, às que Wegener efetuara, contendo, no 
entanto, diferenças. A mais notável diz respeito à história da 
Índia. Como se sabe, Wegener associava-a à Laurásia. Por 
ocasião da abertura da grande Pangéia teria derivado para norte 
com o continente asiático, visão que havia conduzido Argand a 
imaginar um encolhimento intra-asiático para explicar a 
formação dos Himalaias. Pelo contrário, os paleomagnetólogos 
associam a Índia à África, à Austrália e à Antártida e 
conferem-lhe, assim, um caráter gondvaniano. Foi por volta de 
-130 milhões de anos, no Cretácico, que a Índia se terá 
separado do continente de Gondvana, efetuando um 
 36 
movimento de migração para norte. Os Himalaias aparecem 
então como o resultado da colisão da Índia com a Eurásia, e 
não como uma dobra intracontinental. Trata-se de uma 
originalidade importante da reconstituição paleomagnética 
relativamente aos esquemas de Wegener e de Argand. 
Posteriormente, observaremos algumas conseqüências. 
Mas os paleomagnetólogos não se detêm nos últimos 
200 milhões de anos. Wegener supusera que a Pangéia tinha 
existido desde o início dos tempos e que teria apenas 
começado a deslocar-se no Triássico (-220 MA). Assim, a 
deriva dos continentes era para ele um fenômeno unidirecional, 
irreversível: um continente, de início único, fragmenta-se num 
número de partes que aumentam com o tempo. Os métodos 
paleomagnéticos não são tributários das reconstruções 
geomorfológicas e permitem, portanto, estudar os problemas 
da deriva continental antes de 200 milhões de anos, até às 
épocas primárias. O cometimento não deixa, no entanto, de 
apresentar dificuldades: magnéticas, em primeiro lugar, 
porque, quanto mais velhos se consideram os materiais, mais 
possibilidades existem de que as magnetizações secundárias 
venham disfarçar a imagem inicial; estratigráficas e 
cronológicas, seguidamente, pois, para reconstituir o passado 
mediante os métodos paleomagnéticos é necessário que cada 
amostra seja datada com precisão. Ora, a datação dos terrenos 
primários e pré-câmbricos apresenta maior incerteza absoluta 
do que a dos terrenos recentes. Se o erro analítico é de 5%, tal 
representa 5 milhões de anos para o Cretácico, que apenas tem 
100 milhões de anos, mas representará 100 milhões de anos 
para terrenos de 2000 milhões de anos de idade! Aceitando, 
contudo, a incerteza das reconstituições no que respeita às 
épocas primárias, os paleomagnetólogos insistem nesta via. 
Sem demora, afirmam a existência de derivas continentais 
antigas, isto é, anteriores a 300 milhões de anos. A lógica 
wegeneriana é ultrapassada e torna-se necessário considerar as 
fraturas de continente, deriva, colisões continentais, 
 37 
surgimento de grandes continentes, como fenômenos que se 
sucedem sem obedecerem a uma lógica única e irreversível. 
Não se evolui, portanto, de um continente único para um 
mundo continental cada vez mais fragmentado; o desenrolar do 
tempo faz surgir, pelo contrário, uma alternância anárquica de 
períodos em que os continentes se juntam, e períodos em que 
se deslocam. Visão profética a que voltaremos no ultimo 
capítulo! 
Todavia, estas belas reconstruções irão deixar céptica a 
comunidade científica da década de 50 e dar azo a numerosas 
objeções: "Põe-se em causa o próprio método do 
paleomagnetismo. O tratamento estatístico das medidas estará 
correto? Será legítimo extrapolar para um passado longínquo a 
hipótese de que o campo magnético terrestre é de tipo 
dipolar?..." Ver-se-á mesmo Harold Jeffreys, adversário 
irredutível de qualquer tipo de mobilismo, escrever que o 
martelo utilizado para colher as amostras de rochas é 
responsável pela sua magnetização! Porém, a comunidade 
geológica inglesa, bem preparada pelos ensaios de Artur 
Holmes, deveria ter se mostrado receptiva à idéia da deriva 
continental, mas, na realidade, tal não acontece e, assim, 
mesmo na Grã-Bretanha é o ceticismo que acolhe Keith 
Runcorn e colegas. Na América, não se trata apenas de 
ceticismo, mas de franca hostilidade, expressas publicamente 
por repetidos sarcasmos. Na Europa, excetuando alguns 
paleomagnetólogos holandeses, as teses da deriva serão alvo de 
acontecimento tão polido quanto frio. Considera-se, 
geralmente, que se trata de uma característica da visão do 
especialista. Confinado à sua especialização, olhado com 
desconfiança, o paleomagnetólogo não terá a coragem ou a 
possibilidade de retomar o debate nos outros domínios das 
ciências da Terra. 
 
 
 
 38 
As inversões do campo
magnético 
 
Se as intervenções vibrantes de Keith Runcorn a favor 
da deriva dos continentes não comovem os americanos tão 
"fixistas" como os seus colegas soviéticos, têm, contudo, o 
condão de despertar neles o interesse crescente pela ciência 
paleomagnética. Virados, pelo gosto pelos números, para a 
utilização dos métodos físicos na geologia, os americanos 
empreendem o estudo do campo magnético fóssil. Deixando 
prudentemente de lado o assunto controverso da deriva, irão 
centrar-se num outro, não menos controverso, o das inversões 
do campo magnético terrestre. 
Em 1906, Bruhnes descobre na cordilheira de Puys que 
certas lavas vulcânicas têm uma magnetização de sentido 
inverso à do campo magnético atual. Constata ainda que as 
terras argilosas cozidas pelo contato imediato com a lava 
adquirem a mesma orientação da lava subjacente: a orientação 
normal, isto é, análoga à orientação do campo atual, quando a 
magnetização da lava é normal; orientação inversa, quando a 
magnetização da lava é inversa. Com o auxílio de experiências 
de laboratório, demonstra-se que os tijolos (argilas cozidas) 
adquirem a orientação do campo magnético em que arrefecem. 
Em 1926, Mercanton confirma as observações de Bruhnes e 
formula a idéia de possíveis inversões do campo magnético 
terrestre no passado. O dipólo norte-sul teria sido sul-norte em 
determinadas épocas! Por muito grandiosa que fosse, esta 
hipótese suscitou pouco interesse! 
Na mesma época Matuyama, no Japão, fazia avançar o 
conhecimento deste fenômeno, inserindo uma noção temporal. 
Verificou que determinadas correntes de lavas dos vulcões 
japoneses correspondiam a anomalias magnéticas positivas e 
outras a anomalias negativas. Mediu a magnetização das 
rochas das diferentes correntes e descobriu que as anomalias 
negativas correspondiam a uma magnetização inversa, 
confirmando, assim, as observações de Bruhnes e de 
Mercanton. Todavia, Matuyama irá mais longe. Com o auxílio 
dos métodos estratigráficos, "data" em valor relativo as 
diversas correntes de lava e conclui que existem múltiplas 
inversões no decurso dos tempos geológicos. Segundo 
Matuyama, o campo magnético inverteu-se primeiramente, 
para voltar mais tarde a ser normal. A menção deste fenômeno, 
que poderia ter apaixonado os geólogos da época, foi recebida 
com indiferença e acabou por cair no esquecimento. 
Só em 1950, J. Graham, então na Carnegie Institution, 
de Washington, se interessou pelo fenômeno e propôs uma 
nova explicação para as inversões, que seria originadas por um 
fenômeno de física do estado sólido. Em determinadas 
circunstâncias, a aplicação de um campo magnético no decurso 
do arrefecimento de certos minerais leva estes a fossilizarem 
um campo de sentido inverso ao do aplicado. Louis Neel 
confere uma base teórica a esta explicação e Nagata e Uyeda 
demonstram experimentalmente a sua existência numa lava 
japonesa. Esta hipótese das auto-inversões opõe-se, 
evidentemente, à das inversões do campo magnético terrestre. 
Ir-se-á então instaurar um debate contraditório e vigoroso, 
incidindo diretamente sobre o paleomagnetismo. Será a 
memória magnética, que por vezes registra com inversão um 
campo de sentido constante ou será o próprio campo magnético 
terrestre que sofre inversões periódicas? 
A resposta a esta pergunta é sobretudo dada através do 
esforço de alguns homens, cujo ponto de união é a 
Universidade da Califórnia, em Berkeley. Dois deles irão ter 
um papel inicial que se revelará determinante. No 
departamento de física, John Reynolds aperfeiçoa o método de 
datação baseado na desintegração do potássio. Graças a esta 
evolução tecnológica, torna-se possível, a partir de 1960, medir 
quantidades muito pequenas de árgon, produto derivado do 
potássio 40, o que, por sua vez, possibilita medir idades 
inferiores a 10 milhões de anos com precisão razoável. John 
Verhoogen, do departamento de geologia, interessa-se pelo 
 39 
problema das auto-inversões e leva todos os seus alunos a 
procederem a investigações neste sentido. As duas equipes, de 
datação e paleomagnetismo, decidem cooperar no sentido de 
obterem, a partir das mesmas amostras de basalto, idades 
precisas e orientações magnéticas bem definidas. Afluem 
resultados interessantes. Alan Cox e Richard Doell notam 
rapidamente que a auto-inversão não explica os resultados das 
medidas efetuadas nas correntes de lava do Idaho. Retomam 
então a idéia de Mercanton e do holandês Rutten e decidem 
testar a hipótese das inversões globais, aplicando o método da 
cronologia absoluta. Se as lavas de magnetização inversa são 
todas da mesma idade, seja qual for a sua mineralogia e 
posição geográfica, então ter-se-á de admitir que o próprio 
campo magnético terrestre se inverteu. 
Tal possibilidade revela-se agora menos improvável, já 
que os conhecimentos sobre a origem do campo magnético se 
encontram em nítido progresso. Walter Elsasser, em Princeton, 
e Ted Bullard, em Cambridge, (Grã-Bretanha), desenvolvem a 
idéia de um dínamo central, situado no núcleo terrestre, que 
poderia apresentar comportamentos instáveis, os quais 
explicariam as inversões "periódicas" do campo magnético por 
ele criado. Este contexto reforça a posição dos defensores da 
teoria das inversões. 
A realidade das inversões do campo magnético irá ser 
"demonstrada" entre 1960 e 1966 graças ao trabalho paciente 
de dois grupos saídos de Berkeley: um é composto por Alan 
Cox, Richard Doell e Brent Dalrymple, que trabalham no U. S. 
Geological Survey, em Menlo Park, a sul de São Francisco; o 
outro é impulsionado por Ian McDougall e François Chamalun, 
da Universidade Nacional da Austrália, e o seu teatro de 
operações serão os oceanos Pacífico e Índico. Utilizando como 
materiais lavas vulcânicas recentes, estabelecem em conjunto 
uma escala das inversões nos últimos 4 milhões de anos, escala 
que se aplica não somente aos Estados Unidos, mas também à 
Europa, ao Pacífico e à Austrália, e que tem valor mundial. 
Esta escala caracteriza-se pela existência de fases de 
modificação de polaridade de duração e de freqüência 
variáveis. Distinguem-se os períodos, denominados épocas, no 
decurso dos quais o campo magnético terrestre conserva o 
mesmo sentido durante várias centenas de milhares de anos de 
 40 
outros muito breves, denominados ocorrências, que se situam 
dentro de uma mesma época. 
Os paleomagnetólogos dedicam as épocas aos grandes 
pioneiros do magnetismo terrestre: a época que se estende da 
atualidade até - 600 000 anos, com polaridade normal, isto é, 
semelhante à polaridade do campo atual, é conhecida por 
época de Bruhnes; a que precede, de -0,6 a -2,4 milhões de 
anos, de sentido inverso, é a época de Matuyama; o grande 
Gauss tem direito a uma época normal bastante curta, de -2,4 a 
-3,2 milhões de anos, ao passo que o nome do médico da 
rainha Isabel I, Gilbert, se encontra associado à época inversa 
precedente. Quanto às ocorrências, são-lhes atribuídos nomes 
de locais. Fala-se da ocorrência de Jamarillo, a -0,95 milhões 
de anos, de Gilsa, a -1,6, de Olduvai, a -1,9, etc. Estabelecida 
esta "escala magnética", graças às suas alternâncias de épocas, 
entrecortadas por ocorrências, irá constituir um sinal 
extremamente característico. 
A confirmação da existência das inversões será 
fornecida por Neil Opdyke e pelos seus colegas do Lamont 
Geological Observatory, graças a uma experiência muito 
elaborada. Opdyke estuda, não as lavas vulcânicas, mas os 
sedimentos marinhos, que têm a capacidade de registrar um 
campo magnético, como vimos anteriormente, residindo, no 
entanto, na dificuldade do modo
de os colher, o que se 
consegue graças a um pistão cilíndrico que penetra nos 
sedimentos moles. As "cenouras" assim trazidas à superfície, 
apresentam a forma de grandes salsichas cortadas às rodelas, 
cada uma das quais constitui uma amostra das diversas 
camadas de sedimentos. Infelizmente, estas cenouras são 
difíceis de orientar no espaço, tornando-se, por conseguinte, 
difícil assinalar nelas uma orientação geográfica. Ora, se é 
possível determinar a orientação magnética das diversas 
camadas, como relaciona-la com a orientação local? Para isso, 
Neil Opdyke utiliza os sedimentos do oceano Antártico, onde o 
campo magnético é quase vertical, portanto pouco obliquo em 
relação à orientação do eixo da cenoura. As inversões devem 
ser fáceis de ler neste local, exatamente que os investigadores 
do Lamont verificam. As inversões existem nos sedimentos 
moles, em relação aos quais o mecanismo de auto-inversão se 
encontra excluído. Melhor ainda, ao utilizar a 
micropaleontologia para datar os terrenos, vê-se que a escala 
cronológica das inversões coincide com a que foi estabelecida 
para os basaltos: mostra um campo magnético instável, 
invertendo-se por períodos de duração variável, sem qualquer 
regularidade nítida. 
Deste modo, a escala do milhão de anos à de um dia, o 
campo magnético manifesta-se estável, mutável, variável, com 
uma ausência de regularidade tal que a mensagem temporal 
que representa como que assina a época em que foi registrado. 
Esta mensagem magnética, chave mágica que permite 
descodificar a história dos oceanos, irá estar na origem da 
renovação das idéias mobilistas! 
O mundo moderno tem tendência para considerar a 
investigação científica como a atividade racional por 
excelência. Quem, nesta ordem de idéias, pensa que se pode 
planificar a investigação e, inclusivamente, chegar ao extremo 
de poder prever as suas descobertas, deveria refletir sobre os 
estudos do campo magnético terrestre, que nunca forneceram 
diretamente a resposta à pergunta feita a priori, mas 
conduziram sempre a um resultado fundamental num setor 
imprevisto. Assim vai a ciência, desafiando os planos, as 
ideologias e os ideólogos, mas também os cientistas mais 
inflexíveis. 
Durante o período que acabamos de mencionar e que 
se estende, aproximadamente, desde a morte de Wegener, em 
1929, até a ressurreição da sua teoria em 1961, isto é, trinta 
anos, as ciências da Terra, embora afastadas das teses da 
deriva, conheceram também um desenvolvimento 
extraordinário. A cartografia dos continentes e dos oceanos 
permite-nos possuir pela primeira vez um documento 
 41 
geológico sintético relativo ao conjunto dos oceanos e dos 
continentes. As regiões mais inóspitas ou mais inacessíveis 
deixam de ser misteriosas, a sua estrutura começa a ser bem 
conhecida. A estrutura interna do Globo, objeto das 
investigações dos geofísicos e dos astrônomos desde há vários 
séculos, começa a desvendar os seus segredos. Tanto no que 
respeita à película superficial, acessível à observação direta, 
como às partes menos acessíveis, constituídas pelos fundos 
oceânicos ou pelas profundezas terrestres, começa-se a dispor 
de informação sólida, completa, que os estudos futuros virão a 
confirmar amplamente. A gênese dos materiais de origem 
profunda, cujas condições requerem pressão e temperatura 
elevadas, não apenas fica esclarecida graças a raciocínios 
teóricos, como o domínio que o homem tem sobre ela é já 
suficiente para os criar artificialmente em laboratório. Em 
alguns anos, a ciência das rochas deu um salto espetacular e 
decisivo. O estudo do campo magnético também progride a 
passos gigantescos. Os cientistas são capazes de separar o 
campo que tem por origem o Sol daquele que deve a sua 
origem aos movimentos do fluído que se encontra retido no 
núcleo externo, de medir estes campos magnéticos e as suas 
flutuações, de construir modelos que permitem explicar os 
fatos observados e as suas medidas. Por outro lado, este 
período assistiu ao desenvolvimento dessa ciência 
extraordinária que é o paleomagnetismo. As rochas 
sedimentares e vulcânicas são memórias magnéticas: graças a 
elas, é possível conhecer as direções dos campos magnéticos 
antigos. Descoberta inesperada, a compilação destes campos 
magnéticos arcaicos faz surgir dois fenômenos novos: o 
movimento dos continentes e as inversões dos campos 
magnéticos terrestres. 
No entanto, tais esforços e resultados acabam por 
apenas reter a atenção dos especialistas, sem que as suas 
conseqüências atinjam o conjunto da comunidade científica. 
Apesar da abundância dos frutos colhidos, cada um tem ainda 
tendência para conceber a sua especialidade como uma 
entidade autônoma. As ciências da Terra surgem aos olhos do 
não especialista como um mosaico de especialidades 
diferentes, adjacentes, com alguns pontos comuns, mas cada 
uma, afinal, com centros de interesse próprios. Aliás, esta 
especialização exclusivista era possivelmente necessária, de tal 
modo se revelaram difíceis, diversos e importantes os 
problemas a resolver, mas perdia de vista a idéia de que o 
objeto central de estudo era a Terra na sua globalidade e os 
diversos aspectos que acabamos de evocar tinham por detrás 
uma lógica subjacente. Este estado de espírito, alimentando a 
idéia de que nada de comum existe entre um geofísico e um 
paleontólogo, entre um geoquímico e um geólogo 
estruturalista, constituirá a barreira psicológica mais difícil de 
ultrapassar quando do surgimento das teses mobilistas. 
 Para compreender a evolução das mentalidades, que 
agora vamos abordar, é necessário ter consciência desta 
expansão da comunidade das ciências da Terra, que não foi 
menos fecunda em numerosos domínios. As ciências da 
Natureza, sejam as da Terra, do céu ou da vida, passam, 
alternadamente, por fases de acresção, em que sentem a 
unidade profunda que preside ao seu ordenamento, e por fases 
de dispersão, em que os desenvolvimentos centrífugos de 
múltiplas especialidades tendem a fazer perder de vista os 
objetivos comuns que se pretendem atingir seguindo diversas 
abordagens. Estas alternâncias de fases de expansão e de 
recondensação constituem uma condição do progresso 
científico. Com efeito, será possível não considerar que fazer 
um mapa ou estabelecer a estrutura do Globo constitui, por si 
só, um objetivo? Como é possível não compreender que o 
estabelecimento do relógio geológico possa ocupar todo o 
tempo de experimentadores aturados? Como não ficar 
apaixonado pelas dispersões e ressaltos da ciência magnética? 
Ao desdenharem a teoria de Wegener, as ciências da Terra 
tinham perdido o seu denominador comum, mas não a sua 
 42 
gama de centros de interesse. A evolução rápida e espetacular 
de todos estes domínios, que acabamos de analisar, 
explica,sem dúvida, o motivo por que as teorias mobilistas não 
foram recuperadas mais cedo. Excessivamente ocupada com a 
resolução dos respectivos problemas, cada disciplina deixava 
de ter tempo para procurar qualquer visão global. Esta fase de 
concentração foi indispensável, pois permitiu forjar os 
instrumentos da geologia moderna, sem os quais talvez se 
tivesse voltado a Wegener, mas sem o poder de superar de 
forma tão completa.

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