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Aula 4 Coerência A coerência, como você já sabe, é a ligação de cada uma das partes do texto com o seu todo, de forma que não haja contradições ou erros que gerem incompreensão, mal-entendido ou até mesmo falha na comunicação. A coerência diz respeito à intenção comunicativa do emissor, interagindo, de maneira cooperativa, com o seu interlocutor. Podemos organizar, de acordo com Ingedore Koch, a coerência em quatro tipos: Coerência semântica Refere-se à relação entre os significados dos elementos das frases em sequência. A incoerência aparece quando esses sentidos não combinam ou quando são contraditórios. É estabelecida entre os significados dos elementos do texto através de uma relação logicamente possível. Coerência sintática Refere-se aos meios sintáticos usados para expressar a coerência semântica: conectivos, pronomes etc. Trata da adequação entre os elementos que compõem a frase, o que inclui também atenção às regras de concordância e de regência. Coerência estilística Vem da utilização de linguagem adequada às possíveis variações do contexto. Na maioria das vezes, esse tipo de coerência não chega a perturbar a interoperabilidade de um texto. É uma noção relacionada à mistura de registros linguísticos (formal x informal, por exemplo). É desejável que quem escreve ou lê se mantenha em um estilo relativamente uniforme. Coerência pragmática Podemos dizer que esse tipo de coerência é verificado através do conhecimento que possuímos da realidade sociocultural, que inclui também um comportamento adequado às conversações. Refere-se ao texto visto como uma sequência de atos de fala. Para haver coerência nesta sequência, é preciso que os atos de fala se realizem de forma apropriada, isto é, cada interlocutor, na sua vez de falar, deve conjugar o seu discurso ao do seu ouvinte, de forma a manter a expectativa de conteúdo de acordo com a situação em que o texto é usado. Incoerência semântica A casa que desejo comprar é bastante jovem. Essa frase é incoerente quando levamos em consideração o significado da palavra jovem. Embora tenha o sentido de coisa nova, o vocábulo jovem só é empregado para caracterizar seres humanos; e não seres inanimados, como é o caso de casa. Para essa caracterização, a palavra nova seria mais apropriada, concorda? Incoerência sintática As pessoas que têm condições procuram o ensino particular, onde há métodos, equipamentos e até professores melhores. Apesar de haver comunicabilidade, já que possível compreender a informação, a coerência desse período está inadequada. Ela poderia ser restabelecida se fosse feita uma alteração: a troca do pronome relativo onde, específico de lugar, para no qual ou em que (ensino particular, no qual/em que há métodos). Incoerência estilística O ilustre advogado observou que sua petição não prosperaria, haja vista seu cliente ter enfiado o pé na jaca. Imagine iniciar uma fala, em um contexto formal, com palavras mais “sofisticadas” e depois misturar com uma forma de linguagem bem popular, usando gírias. Esta incoerência poderia parecer inclusive uma brincadeira, modificando o sentido que o autor da frase desejava. Incoerência pragmática Veja esta conversa entre amigos: ― Maria, sabe dizer se o ônibus para o Centro passa aqui? ― Eu entendo, João. Hoje faz um ano que minha avó faleceu. Note que Maria, na verdade, não responde a pergunta feita por João, pois não estabeleceu uma sequência na conversa. Ela propôs outro assunto, irrelevante para a pergunta feita. Assim, percebemos que na sequência de falas deste exemplo não há coerência. Exemplos: Coerência sintática Agora, você vai identificar os tipos de coerência apresentados em exemplos de textos literários. Preste muita atenção, pois é justamente o contexto literário que permitirá que se estabeleça a coerência. O MOSQUITO (Vinícius de Moraes) Parece mentira De tão esquisito: Mas sobre o papel O feio mosquito Fez sombra de lira! O articulador sintático “mas” (3º verso) garante a coerência sintática, pois estabelece uma oposição entre duas imagens: um mosquito x uma lira. FLORES (fragmento) É nestas flores, em particular, que vejo desenhar-se uma linha que me leva de mim a ti, passando sobre um campo invisível, onde já não se ouvem os pássaros, e onde o vento não faz cair as folhas. O articulador sintático “onde” (4º verso) garante a coerência sintática, pois se refere ao lugar “campo invisível”. Coerência semântica (Manoel de Barros) No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal: Meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pra dentro. Sem um contexto específico, não seria adequado atribuir o adjetivo “envelheceu” ao substantivo “dia”. Porém, no poema, a expressão “fim de tarde” garante a coerência semântica. (Paulo Leminski) Num ouvido, escrito: ENTRADA, Noutro ouvido, escrito: SAÍDA. A oposição “num” x “noutro” permite que também se estabeleça uma coerência semântica por oposição de sentidos entre as palavras “ENTRADA” X “SAÍDA”. Coerência pragmática. BALÕEZINHOS (fragmento Manuel Bandeira) Na feira do arrabaldezinho Um homem loquaz apregoa balõezinhos de cor: — “O melhor divertimento para as crianças!” Em redor dele há um ajuntamento de menininhos pobres, Fitando com olhos muito redondos os grandes balõezinhos muito redondos. A palavra “balõezinhos” organiza-se em coerência pragmática com a fala do homem que oferece os balões, pois os “menininhos pobres”, que no texto são os receptores da mensagem, compreendem que se trata de um tipo de brinquedo destinado especialmente à diversão das crianças. MACUNAÍMA (fragmento) Vinha passando Capei, a Lua. Macunaíma gritou pra ela: — Sua bênção, dindinha Lua! — Uhum... que ela secundou. Os falantes do texto – os personagens Macunaíma e Capei, a Lua – conseguem estabelecer um diálogo coerente, pois ambos pertencem ao contexto da cultura popular. Portanto, trata-se de coerência pragmática. Coerência estilística ERRO DE PORTUGUÊS (Oswald de Andrade) Quando o português chegou Debaixo de uma bruta chuva Vestiu o índio Que pena! Fosse uma manhã de sol O índio tinha despido O português. A coerência estilística é garantida pela linguagem coloquial, marcada pela oralidade, que é utilizada em todos os versos. Destacam-se “bruta chuva” e “Que pena!” ROMEU E JULIETA (fragmento) ROMEU - Deixai, então, ó santa! que esta boca mostre o caminho certo aos corações. Em tua boca me limpo dos pecados. (E ele a beija) JULIETA - Que passaram, assim, para meus lábios. ROMEU - Pecados meus? Quero-os retornados. Devolva-me os. O diálogo mantém uma coerência estilística, visto que os personagens utilizam o mesmo padrão de linguagem para se comunicar. O Conhecimento é partilhado, pois apenas os que fazem parte desse grupo sabem quais são as normas do condomínio.
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