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Dolarização da economia: as experiências argentina e panamenha

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Dolarização da economia: as experiências argentina e panamenha1 
 
Matheus Eduardo Neuenfeld 
Graduando em Relações Internacionais - CSE/UFSC 
Ricardo de Avila Geisler 
Graduando em Relações Internacionais - CSE/UFSC 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
Na década de 1990 era comum a ocupação argentina no território florianopolitano. 
Atraídos pelas belas praias, o calor do sol e o povo acolhedor os “gringos” vinham em 
caravanas e gastavam milhares de pesos argentinos durante suas estadias no litoral 
catarinense. Mas qual era a origem de tal bonança econômica que em poucos anos, depois de 
anos de hiperinflação, proporcionou um aumento astronômico do poder de compra do peso 
argentino no mercado brasileiro? 
No centro da resposta para a pergunta anterior está o Ministro da Economia argentino 
Domingo Cavallo, que implementou em 1991 o Plano da Conversibilidade, ou como ficou 
conhecido no Brasil, o “um pra um”. A partir daquele momento cada peso argentino valia um 
dólar, essa medida chamada de ancoragem cambial é parte de um processo econômico 
chamado de dolarização da economia. 
Inicialmente chamado de simplesmente substituição da moeda, o termo dolarização 
nasceu nos anos 70 e 80 devido a uma série de trocas de moeda local pelo dólar americano na 
américa latina. Tais mudanças tinham diferentes aspectos políticos e econômicos e ocorreram 
de diversas maneiras. O processo de dolarização poderia ser total ou parcial, e durante a 
história obteve diferentes resultados e atendeu diferentes objetivos. 
Em síntese a dolarização é um recurso utilizado por economias para o combate à 
inflação e instabilidade econômica. O Estado que a adota substitui completamente ou 
parcialmente sua moeda própria por uma moeda estrangeira. Na substituição completa a 
moeda estrangeira substitui em tudo a moeda local, esse modo também é conhecido como 
dolarização oficial. A parcial possui dois tipos: a substituição de moeda corrente e a 
substituição de ativos. 
 
 
 
1 Artigo elaborado para a obtenção de nota parcial na disciplina CNM7230 – Macro (Aberta), ministrada pela 
profa Dra. Patrícia Fonseca Ferreira Arienti. 
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 
2.1 Dolarização completa ou oficial da economia 
A dolarização completa de um país não é um fenômeno raro, considerando somente o 
dólar como moeda âncora, dez países fazem parte da lista. Normalmente a ferramenta é 
adotada para resgatar o país de crises inflacionárias e de instabilidade econômica. Quando 
assume o compromisso da dolarização os resultados em curto prazo são a redução da inflação 
e a diminuição da expectativa de inflação, isso decorre do fato que já não existe mais o risco 
de depreciação da moeda do país, já que ela não mais existe. Como o processo de dolarização 
toma tempo e é extremamente custoso, isso traz uma impressão de estabilidade a longo prazo 
no país que a adota, e com a estabilização dos preços e a teórica disciplina fiscal, restaura a 
confiança da população na classe política. 
Um outro fato, que normalmente em outras partes do mundo seria considerada uma 
desvantagem, todavia é tida como um benefício nos países da américa latina devido ao 
histórico de hiperinflação é a restrição da emissão de moeda. Como os países perdem o poder 
de elaborar políticas monetárias isso acaba por gerar em contrapartida uma estabilidade 
fiscal, já que não podem mais imprimir dinheiro para realizar gastos. 
 Por outro lado, a dolarização da economia pode trazer resultados negativos à longo 
prazo, principalmente em economias grandes, como é o caso do Brasil, pois caso ocorra uma 
valorização da moeda âncora, o país que possui a moeda ancorada irá perder competitividade 
no mercado internacional, já que seus bens estarão mais caros perante os bens de outros 
países, diminuindo a demanda por estes. Este fator é acentuado em uma economia grande, na 
qual as suas relações comerciais não estejam, em maior grau, ligadas ao país detentor da 
moeda âncora. 
 Outro fator negativo da dolarização da economia nacional é a dependência direta das 
decisões do órgão emissor da moeda âncora (nos EUA esse o órgão é o FED), com essas 
decisões sendo refletidas sobre as políticas monetárias nacionais, isto é, deixa de existir a 
soberania do Estado sobre as políticas monetárias, decorrendo da transferência desta 
soberania para um órgão internacional ou pertencente a um outro Estado. Fica claro, portanto, 
que o Estado que institui a dolarização de sua economia abdica de uma série de ferramentas 
de intervenção econômica, ficando sujeito às deliberações externas e a inevitáveis crises 
fiscais e monetárias internacionais, tornando-se mais sensível a estas, visto que não possui 
mais mecanismos de proteção da economia, como por exemplo as políticas cambial e 
monetária. 
 Resumindo, a dolarização da economia é uma opção viável para os países que não 
possuem relações comerciais com muitos países, tendo uma relação comercial forte com um 
grande agente econômico e político internacional, ao mesmo tempo que disponha de boas 
relações diplomáticas com este. Dessa forma, as pequenas nações conservam uma forma 
eficaz de controlar a inflação e manter o Estado superavitário, caso seja este o objetivo do 
governo. Em contrapartida, países com uma economia mais diversificada e com vários 
parceiros comerciais tendem a apresentar déficit na Balança de Pagamentos em ocorrências 
de valorização da moeda âncora, além de correr o risco de não ter esse déficit pelo capital 
estrangeiro, o qual é diretamente ligado com a variação da taxa de juros, sendo esta, por sua 
vez, não controlada pelo Estado de economia dolarizada, como exposto anteriormente. 
 
2.2 Exemplo de Dolarização Total 
 Um exemplo de substituição total da moeda nacional é o Panamá, que desde 1904, 
ano de sua independência da Colômbia, utiliza somente o dólar americano como moeda 
corrente. A nação panamenha é um caso atípico entre os países dolarizados, as razões da 
adoção da moeda estadunidense são políticas e históricas. A posição estratégica do país para 
o comércio na região, a conclusão do canal do panamá no início do século XX e a zona de 
livre comércio de Cólon em operação desde 1948 revelam suas aspirações e importância no 
comércio internacional, e a adoção do Dólar traria facilidades para a operação comercial. 
 Em 1970 houve a liberalização do mercado financeiro do país, com isso bancos do 
mundo inteiro puderam trazer investimento e mais prosperidade, e adicionalmente resolver o 
problema da falta de um banco central para o resgate de instituições, papel que agora poderia 
ser assumido pelos bancos privados. 
 Apesar de normalmente a dolarização da economia promover a estabilidade fiscal 
impedindo a utilização das reservas domésticas o Panamá é historicamente deficitário, 
sofrendo com governos que realizam políticas fiscais expansionistas utilizando dinheiro de 
fundos internacionais, o que acarretou no fim da década de 80 a suspensão do pagamento dos 
compromissos, diminuindo a confiança internacional no país. Novas políticas entraram em 
circulação na década de 90 e em 1996 o país já avistava sua dívida externa diminuir. 
 Como esperado, o uso de moeda estrangeira ao invés de moeda nacional tornou o 
Panamá muito frágil quando confrontado a uma crise internacional. A crise do Canal do 
Panamá na década de 60 causou a retirada de depósitos, nos anos 1970 a crise do petróleo 
trouxe inflação e na década seguinte as tensões entre EUA e Panamá causaram uma retirada 
de 11% dos depósitos locais do sistema bancário. Em 1988, os EUA retiraram do poder o 
ditador Manuel Noriega e aplicaram sanções econômicas ao país, fazendo com que o PIB 
encolhesse 18% naquele ano.
No ano de 2015 o país caribenho cresceu aproximadamente 6% e teve sua inflação 
estabilizada a 0.2%. No Gráfico 1 está ilustrado a inflação Panamenha entre os anos 1961 
(ano em que o Banco Mundial começa a possuir dados) e 2015, nota-se uma resistência a 
inflação muito superior aos seus vizinhos da América Central no mesmo período. No Gráfico 
2 é possível observar um crescimento médio elevado para o país caribenho, muito devido sua 
posição estratégica e a facilidade da moeda dolarizada. 
Gráfico 1 - Inflação no Panamá 
Fonte: Modificado de World Bank 
 
Gráfico 2 - Crescimento do PIB do Panamá 
Fonte: Modificado de World Bank 
 
2.3 Dolarização parcial ou não oficial da economia 
 O processo de dolarização parcial de uma economia pode ter os mais variados fins 
econômicos e/ou políticos, e, como foi dito no início deste artigo, o processo de dolarização 
parcial pode ser dividido em substituição da moeda corrente e substituição de ativos. O 
prosseguimento em um ou em outro depende diretamente do objetivo do agente econômico, 
levando-se em consideração, igualmente, a sua preocupação com a situação econômica ou 
política vivenciada em seu país. 
 A ação de substituição da moeda corrente, ou seja, do uso da moeda estrangeira nas 
transações correntes, como moeda de troca e unidade de valor, em detrimento da moeda 
nacional, tem como principal causa um episódio de inflação alta. Dado que, com alta da 
inflação, a moeda nacional torna-se muito cara e os agentes econômicos (empresários e 
população) irão recorrer à moeda estrangeira como moeda de troca e unidade de valor para 
realizar, por exemplo, suas trocas comerciais. 
 A substituição de ativos é definida como sendo a destinação de portfólio em ativos 
aplicados em moeda estrangeira, sendo assim, os agentes econômicos buscam evitar os males 
de uma crise macroeconômica, inflação e desvalorização da moeda nacional. 
 A inflação mostra-se, sem dúvida, como a maior vilã causadora corrida para a adoção 
de moeda estrangeira, a qual se recorre pela desvalorização da moeda nacional. No caso dos 
ativos financeiros, a abertura das contas em moeda estrangeira no sistema financeiro revela a 
possibilidade de uma maior integração entre o mercado financeiro doméstico e o 
internacional, em razão de que são reduzidos os custos transacionais nas operações 
financeiras internacionais. 
 Contudo, também existem riscos inerentes à adoção da dolarização parcial da 
economia, já que o sistema financeiro é instável e a mais sensível alteração de fluxo de 
capital pode causar oscilações com efeitos graves sobre a economia do país, gerando risco de 
depreciação da moeda, por exemplo, além de afetar a eficácia do Banco Central na sua 
política de empréstimo em última instância, bem como de provocar a necessidade de uma 
completa reestruturação das políticas monetárias e cambiais para abarcar a existência de 
depósitos em moeda estrangeira. 
 
2.4 Exemplo de Dolarização Parcial 
 Durante os anos 1980 a Argentina sofreu com severa recessão e hiperinflação, para 
combater isso o então Ministro da Economia Domingo Cavallo criou o plano da 
convertibilidade, no qual cada peso valia um dólar. Para isso o governo teve que substituir 
dois terços da base monetária do país por reservas internacionais. No Gráfico 3 está exibida a 
inflação argentina desde a década de 1970 até os dias atuais, é gritante a redução da inflação 
do país após a instauração do plano, de 3000% ao ano para anos que chegaram a deflação. 
 O plano limitou o Banco Central ao papel de último recurso em meio a uma crise e 
eliminou a possibilidade de o governo financiar seus gastos com emissão de moeda, e 
excluindo a possibilidade da inflação que decorrer de tal fato fazendo com que ocorresse um 
aumento da credibilidade da economia argentina. O plano exigia disciplina fiscal, superávit 
na conta corrente e um setor financeiro estável, fora isso também se fazia necessário uma 
economia competitiva e um fluxo contínuo de capitais (investimento estrangeiro ou 
empréstimos) e o crescimento econômico requisitava uma balança de reservas internacionais 
positiva na conta corrente ou na conta de capitais. 
 Para auxiliar o sucesso do plano de Cavallo outras reformas foram aplicadas. Os 
impostos foram revisados, privatizações buscavam maior eficiência do setor público, abertura 
do setor comercial, houve redução de tarifas e fim das cotas de exportação, criação de 
medidas para aumento da competição e maior fiscalização e regulação. Todas essas medidas 
aumentaram a confiança do governo argentino o que levou para o ingresso ao Mercosul e ao 
refinanciamento da dívida externa, em 2001, 9 dos 10 maiores bancos da Argentina eram 
estrangeiros. 
 Porém a Argentina não ficou imune às fragilidades da dolarização. Em 1994, a crise 
da Tequila levou a uma desvalorização da moeda, gerou uma corrida aos bancos para a 
retirada de dinheiro e por conseguinte perda de reservas internacionais e recessão. No ano de 
1999, o Brasil, maior parceiro comercial do país desvalorizou sua moeda, limitado pela 
dolarização não pode acompanhar o movimento brasileiro, prejudicando o comércio 
internacional e encarecendo a produção nacional. O Gráfico 4 mostra a instabilidade da 
economia argentina nos últimos 45 anos, pode-se atribuir ao seu histórico, o período ditatorial 
e a instabilidade e nos anos mais recentes à instabilidade que a dolarização pode trazer 
quando o país enfrenta uma crise. 
Gráfico 3 - Inflação na Argentina 
Fonte: Modificado de World Bank 
 
 
Gráfico 4 - Crescimento do PIB da Argentina 
Fonte: Modificado de World Bank 
 
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 O presente artigo apresentou a definição de dolarização da economia, tal como, 
analisou os benefícios e malefícios da implementação desse sistema na economia dos países, 
diferenciando a dolarização total da parcial e ressaltando as particularidades do impacto de 
ambas sobre nações que possuem uma economia grande e com muitos parceiros comerciais e 
em nações com menor expressão econômica e comercial. 
 Os benefícios da dolarização da economia são importantes e facilmente percebidos a 
curto prazo, com destaque para o controle da inflação e da estabilidade fiscal, devido às 
limitações que esse sistema econômico e financeiro impõe aos agentes estatais na condução 
de políticas econômicas. Por sua vez, a estabilidade econômica reflete em confiança política, 
consolidando um ambiente confortável ao governo, entretanto, foi demonstrado que esses 
benefícios são mais viáveis em países com uma economia pequena e pouco diversificada. 
 Os malefícios desse sistema podem ser divididos em pontos negativos referentes à 
saúde e crescimento econômicos e, por outro lado, à independência econômica e soberania do 
Estado, no campo político. Esses pontos negativos são mais explícitos em países com uma 
economia grande e exportadora, visto que estes tornam-se reféns da valorização da moeda em 
que estão ancorados. Além disso, os países que adotam esse sistema ficam impotentes nas 
tomadas de decisões e na implementação de políticas econômicas, delegando essa 
responsabilidade à nação da moeda âncora. 
 A Argentina e o Panamá foram utilizados como exemplos no processo de 
implementação e resultados da dolarização de suas economias. O fato de serem nações latino-
americanas contribuiu para a análise das motivações e dos impactos da dolarização, dado que 
a região possui um revés de inflação crônica e estão sobre zona de influência dos EUA, o 
qual foi escolhido por ambas as nações e seus agentes econômicos como país da moeda 
âncora.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
BATISTA JR, Paulo Nogueira. Dolarização: Significado e Consequências, Disponivel em: 
<http://www.uff.br/revistaeconomica/v2n1/3-pnbjr.pdf> Acessado em: 24/06/2017. 
 
MYRIAM QUISPE, Agnoli Costs and Benefits of Dollarization, Disponível em: 
<https://www.frbatlanta.org/americascenter/~/media/Documents/americascenter/ac_research/
quispedollarizationrevised.ashx>. Acessado em: 26/06/2017. 
 
WORLD BANK - DATA. Disponível em: <http://data.worldbank.org> Acessado em: 
27/06/2017.

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