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1 CONTEÚDO N1 - ANTROPOLOGIA JURÍDICA 1. CONCEITO E OBJETIVO DA ANTROPOLOGIA. 1.1. O QUE É A ANTROPOLOGIA? Na definição mais geral e clássica a antropologia é entendida como o estudo do homem. Contudo, considerando que a psicologia, a medicina, e todas as ciências humanas têm como objetivo o estudo do homem, de algum ponto de vista específico, qual o objeto e especificidade da antropologia? Até porque o estudo do homem envolve a antropologia física, como a genética, a fisiologia e a biologia. A arqueologia que pesquisa além da evolução física a evolução social, a linguística antropológica que estuda as línguas, etc. O estudo do homem pode ser algo tão genérico e envolver tantas áreas do conhecimento, que nem mesmo entre os antropólogos existe um consenso sobre sua definição. A Antropologia, mais que o estudo do homem, é o estudo do outro e da sua cultura. A Antropologia sempre busca um retorno reflexivo, um entendimento de como as diversas culturas e etnias percebem o mundo, qual a visão do mundo desse outro para compreendê-lo e até mesmo para aprender alguma coisa de nossa própria cultura com outro. A percepção que temos de nós mesmo é mudada quando nos percebemos em relação aos outros; quando ao observar que os outros podem fazer as mesmas coisas, mas de forma diferente, nos indagamos sobre as nossas próprias maneiras. Afinal o que é natural? Comer de garfo e faca? Dormir em camas? Escovar os dentes? Fazer fila? Antropologia é uma ciência que se dedica ao estudo aprofundado do ser humano. É um termo de origem grega, formado por “anthropos” (homem, ser humano) e “logos” (conhecimento, estudo). Assim, a Antropologia é o estudo do homem como ser biológico, social e cultural ou ainda como o estudo do homem e seus trabalhos através do tempo de espaço.. Por isso é importante a noção de pensar o “outro”. A Antropologia deve ser entendida como a resposta para conhecermos o que somos a partir do espelho fornecido pelo “outro”. Muito associada ao estudo do outro “diferente”, ao estudo de sociedades distantes e intocáveis, cada vez mais a Antropologia se propõe a estudar a nossa sociedade, voltando- se cada vez mais para uma auto-reflexão do seu papel político e social. Assim, Antropologia é o estudo do outro de forma reflexiva. Mas, quando se estuda a Antropologia é necessário ter o entendimento de cultura, pois o foco desta formação é o estudo dos agrupamentos humanos e das diversas culturas por eles construídas ao longo da história e nas sociedades atuais. O conhecimento antropológico de nossa cultura passa pelo conhecimento das outras culturas. 1.2. BREVE HISTÓRICO DA ANTROPOLOGIA. Alguns afirmam que Heródoto, chamado pai de História e da Geografia teria sido um dos percursores a estudar os costumes dos povos exóticos, ou seja, aqueles povos que não eram gregos, mas tratava-se de uma população que divida o mundo em gregos e não gregos, que depois na Idade Média será alterada para os estudos sobre cristãos e não-cristãos – discurso sobre o não europeu. Contudo, é a descoberta do Novo Mundo que marca como gênese da reflexão antropológica. É no século XVI que tem inícios os primeiros contornos empíricos de uma análise sistemática das sociedades não europeias mediante relato dos viajantes e dos missionários. Assim, nos seus primeiros momentos a antropologia vai eleger como objeto de estudo as sociedades primitivas, marcado pelo aparecimento de duas ideologias: (i) o fascínio pelo estranho: enaltecendo a cultura das sociedades primitivas. Exemplo: Las Casas, Américo Vespucio e o próprio Colombo. (ii) a recusa do estranho: censurando e excluindo tudo o que não seja compatível com a cultura europeia. Exemplo: Sepulveda, Gomara, Oviedo,etc... E assim nascem as conexões entre antropologia e direito para a América Latina. Só mais tarde com a união do trabalho de campo (pesquisa da natureza) com a interpretação teórica é que a Antropologia adquire a sua originalidade. No século XX a Antropologia é qualificada 2 como ciência moderna, como disciplina universitária e profissão, no estudo do homem inteiro, das suas culturas em todas as suas dimensões. A antropologia considera, portanto, todos os aspectos da existência humana. 1.3. CLASSIFICAÇÃO DA ANTROPOLOGIA A Antropologia é, por natureza, uma ciência fundamentada na abertura de conhecimento, razão pela qual a sua conjectura interna revela uma permeabilidade entre as suas muitas disciplinas objetivas. Tanto é, que não há um curso denominado Antropologia. A Antropologia, regra geral, é uma habilitação do curso de Ciências Sociais. Este curso oferta três habilitações: Ciências Políticas, Sociologia e Antropologia. Atualmente existem cursos de Antropologia nas Universidade de Brasília, Universidades Federal de Santa Catarina, Minas Gerais, Amazonas, Fluminense, Pelotas, Paraíba, Oeste do Pará, Roraima entre outras e no ramo privado apenas a PUC de Goiás. Muitos são resistentes à classificação radical, mas podemos dividi-la inicialmente em: 1.3.1. ANTROPOLOGIA FÍSICA/BIOLÓGICA: Foco no homem em sua evolução física. O homem é analisado como “herdeiro biológico”. (i) Paleontologia humana: voltada ao estudo da origem e do processo evolutivo da espécie humana, especialmente por meio do exame de fósseis de hominídeos. Estuda as variações dos caracteres biológicos do homem no espaço e no tempo. Forte ligação com a genética, a biologia. (ii) Somatologia: dedicada ao exame da constituição física e catalogação das diferenças entre os biótipos (ou somatótipos) humanos. (iii) Antropometria: conjunto de técnicas voltados para medição do corpo humano e consequentemente tabulação dos dados para subsidiar investigações, até estudos comparativos de crescimento. 1.3.2. ARQUEOLOGIA : voltada ao estudo das culturas e civilizações antigas, remotas, vinculada com a pré-história, o estudo o homem por meio dos seus vestígios materiais, visando a reconstituir as sociedades desaparecidas em seu aspecto material e social. 1.3.3. ANTROPOLOGIA LINGUÍSTICA: Estuda a complexidade das relações de linguagens entre os povos. Ramo autônomo da Antropologia, mas interligado porque a linguagem é um elemento cultural de um povo, que mediante o estudo da língua reproduz seus valores, preocupações e pensamentos. 1.3.4. ANTROPOLOGIA CULTURAL OU SOCIAL: Foco voltado para o homem em sua evolução cultural. Consiste no estudo de tudo que constitui as sociedades humanas. Seus modos de produção econômica, suas descobertas e invenções, suas técnicas, sua organização política e jurídica, seus sistemas de parentesco, de conhecimento. O homem considerado no âmbito de sua ação sobre o mundo, seja natural (domesticação que impusemos ao nosso ambiente natural), por meio de artefatos como ferramentas, moradias, meio de transporte, seja o mundo social em que veiculamos nossas crenças, valores, comportamentos e normas. (i) Etnografia: é a disciplina que recolhe dados sobre a descrição dos povos, língua, raça, religião, instituições e manifestações materiais. Voltada ao registro e à descrição das sociedades humanas consideradas primitivas, isto é, com nível organizacional menos complexo do que o da nossa sociedade e frequentemente ágrafas (sem escrita, baseadas na tradição oral). Etnografia é inerente a qualquer aspecto da Antropologia Cultural, que estuda os processos da interação social: os conhecimentos, as ideias, técnicas, habilidades, normas de comportamento e hábitos adquiridos na vida social de um povo. 3 (ii) Etnologia: sintetiza, compara, unifica teórica e metodologicamente a realidade humana. Levantamento de dados numa pesquisa analítica e comparativa entre duas ou mais culturas. (iii) Antropologia Social: Relação estreita com a Sociologia. Campo do conhecimento que estudo a sociedade e suas instituições do ponto de vista dos agrupamentos humanos e culturas atuantes sobre as relações sociais que as constituem. 1.4. DIFERENÇA ENTRE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA Enquanto a antropologia, nos seus primeiros momentos (século XIX), interessava-se pelo estudo das populações mais arcaicas do mundo, as sociedades primitivas, a sociologia sempre se interessou pelas sociedades contemporâneas. Acontece que nos últimos tempos a antropologia também. Foi sob forte influência do positivismo no século XIX que surgiram ciências como a Antropologia e a Sociologia, como resposta e como produtos de uma emergente sociedade ocidental. A Sociologia logos e propôs a estudar a sociedade, enquanto a Antropologia se especializou na pré-modernidade. Sociologia é a ciência que estuda as relações entre as pessoas que pertencem a uma comunidade ou aos diferentes grupos que formam a sociedade – fatos sociais. Curiosamente a Antropologia surge para estudar esse outro primitivo no preciso momento em que o projeto expansionista ocidental o condenava a extinção, enquanto a Sociologia atingia seu ápice com as transformações do capitalismo moderno de racionalização, secularização, industrialização, burocratização, comercialização, etc.. A Sociologia traçará o seu percurso por meio da observação direta e situacional desses processos ocorridos no mundo ocidental, enquanto a Antropologia operará essa análise em função de um mundo em extinção, um mundo que esse outro selvagem se esfuma e desaparece. Por isso que no Brasil a formação do Antropólogo se inicia na Graduação no curso de Ciências Sociais que se divide em três áreas Sociologia, Antropologia e Ciência Política, porque ele precisa definir e compreender teoricamente a interrelação dessas três áreas do conhecimento: a sociedade, o homem e a política. O “sociólogo” nascente pensará a sociedade em que está inserido e o “antropólogo” é o sujeito que vai querer saber dos outros mundos. É na pós-graduação que os antropólogos vão se profissionalizar mediante o desenvolvimento da pesquisa na área, geralmente em torno de três eixos temáticos fundamentais: a etnologia indígena, o estudo das populações negras e o mundo da cultura nos grandes centros urbanos. Além disso, os antropólogos estão contribuindo para a reflexão sobre os problemas da sociedade brasileira e têm atuado diretamente em diversos segmentos quanto a questões fundiárias, à defesa dos direitos das minorias, populações específicas, movimentos sociais e ONGs. 1.5. O QUE É CULTURA? A CULTURA COMO OBJETO DA ANTROPOLOGIA: O termo cultura é dotado de imensa ambiguidade, possui centenas de definições e múltiplos sentidos. Como a cultura é objeto de estudo da antropologia os antropólogos costumam se preocupar muito com a sua delimitação conceitual para não adentrar no ramo da sociologia ou mesmo da psicologia. Assim, a cultura inicialmente possui dois conceitos básicos: (i) formação individual da pessoa humana (ii) conjunto de obras humanas, ou seja, conjunto dos modos de vidas criados, adquiridos e transmitidos de uma geração para a outra entre os membros de determinada comunidade ou sociedade – formação coletiva tanto mais progressistas ou mais rústicas. Cultura significa cultivar, e vem do latim colere. Cultura possui muitas definições. Genericamente a cultura é todo aquele complexo que inclui o conhecimento, a arte, as crenças, a lei, a moral, os costumes e todos os hábitos e aptidões adquiridos pelo homem não somente em família, como também por fazer parte de uma sociedade como membro dela que é. 4 Somente no século XIX Edward Tylor deu origem a palavra cultura, sintetizando dois antigos conceitos (Civilization de origem francesa que se referia a realizações materiais de uma comunidade e outra de origem germânica kultur abrangendo aspectos culturais de um povo). CULTURE ficou sendo “todas as possibilidades de realização humana”, ou seja, um “complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”. “É a cultura que distingue os homens de outros animais, por isso se diz que os animais são seres naturais; os humanos seres culturais.” Assis, Olney Queiroz, 2011. O surgimento da cultura e dessa diferenciação é atribuída por alguns antropólogos no momento em que os humanos inventam uma lei que, quando transgredida, implicará a pena de morte de seu transgressor, exigida pela comunidade: a lei da proibição do incesto e outra lei que se transgredida causa a ruína da comunidade e do indivíduo: a lei que separa o cru do cozido, ou ainda na forma de comunicação através de troca de símbolos, todas leis e práticas desconhecidas dos animais. Para conhecer a cultura de um povo é fundamental conhecer sua história, sua evolução cultural, ou seja, suas tradições e as transformações que construíram e ainda constituem a cultura particular de cada tribo ou qualquer organização social. A partir dos estudos de Antropologia pode-se afirmar que a cultura está inserida no processo de socialização de cada ser, que se constitui no convício comunitário, no qual são assimiladas as normas, a conduta, a religião, a língua, enfim, o conjunto que compõe o estilo de vida – seus padrões de valores. “É por meio da cultura que um povo constrói a sua identidade e mantém viva a sua história e sua etnia”. RATTNER, 2005. Antropologia Jurídica. Por conta dessa interligação entre a cultura e a antropologia, Robert Lowie 1 chegou a declarar que cultura é o único assunto da antropologia. Seja pelo estudo da antropologia ou da evolução humana, a antropologia é uma ciência que se interessa por ideias, valores, símbolos, normas, costumes, crenças, ambientes, etc... e por conta disto é intimamente associada a outra ciências e poucos reconhecem sua autonomia. E neste cenário que encontramos dificuldades em definir Antropologia e ela está intimamente ligada com a cultura e consequentemente a sua pluralidade (todas as atividades e interesses característicos de um povo). 1.5.1. ACULTURAÇÃO: processo de incorporação de itens culturais de uma cultura por outra. Por exemplo: as mudanças culturais que operam nas sociedades indígenas ou nos imigrantes em seus novos países, uma espécie de integração desse povo a uma entidade política maior, ou uma nação Estado. Pode ocorrer de forma forçada ou não. Neste último caso pode ocorrer por carência de referencial cultural ou força ideológica (superioridade Econômica e globalização). Exemplo: filmes de Holywood ou o uso de sal e açúcar pelos índios. 1.5.2 APROPRIAÇÃO CULTURAL: definida amplamente como o uso de símbolos, artefatos, estilos, rituais, ou tecnologias de uma cultura por membros de outra cultura, é inevitável quando culturas entram em contato, incluindo contato virtual ou representativo. Apropriação cultural é também inevitavelmente interligada com a política cultural. É envolvida na assimilação e exploração de culturas colonizadas e marginalizadas, nas culturas subordinadas e sobreviventes e suas resistências para com a cultura dominante. Portanto, grosso modo, podemos dizer que apropriação cultural é quando um grupo marginalizado e excluído tem sua cultura assimilada e explorada (economicamente) por uma cultura dominante na sociedade em que eles vivem. O conceito consiste em três partes: 1) Apropriação e assimilação do símbolo, 2) Exploração, 3) Opressão daqueles que tiveram sua cultura apropriada. Como se vê, os itens 2 e 3 não tem nenhuma relação com culturas propriamente ditas, mas com o sistema em que vivemos. O termo apropriação cultural transfere [relaciona, de certo modo] um problema da ordem social para algo no campo cultura, o que gera uma enorme confusão. “A cultura negra é popular, pessoas negras não são” B. Easy 1 Robert Harry Lowie (1883 -1957) foi um austríaco especialista em índios norte-americanos, ele foi fundamental para o desenvolvimento da antropologia moderna. 5 1.5.3 INTERCÂMBIO CULTURAL: acontece quando pessoas de culturas diferentes compartilham aspectos de sua cultura, porque aqui o elemento de dominação não existe. Desta forma, ao se produzir um contato entre duas culturas, se estabelece um intercâmbio de traços associados que foram tomados na qualidade de “empréstimo”, mas que passam a formar parte da cultura. Conceito de empréstimo cultural: É a transposição de elementos culturais através de um processo seletivo em que os traços que mais se adaptam à cultura são assimilados de tal modo que se transformam, incluindo em sua função. 1.5.4 MULTICULTURALISMO: Uma sociedade multicultural é aquela que, em um mesmo território, abriga povos de origens culturais distintas entre si. As relações entre esses grupos podem ser aceitação e tolerância ou de conflito e rejeição. Isso vai depender da história da sociedade em questão, das políticas públicas propostas pelo Estado e, principalmente, do modo específico como a cultura dominante do território é imposta ou se impõem para todas as outras. A convivência entre culturas diferentes não é uma questão nova, mas que se se intensificou nos últimos anos devido a acontecimentos marcantes com o advento dos processos migratórios e globalização. 1.6. ESCOLAS ANTROPOLÓGICAS E SEUS CAMPOS DE ESTUDO. As escolas antropológicas são visões diversas do modo de explicar a humanidade. São considerados temas recorrentes de todas as escolas: a) estudo das sociedades simples ou primitivas e das sociedades antigas; b) estudo da religião; c) estudo da relação de parentesco. 1.6.1. A ESCOLA EVOLUCIONISTA A escola EVOLUCIONISTA é a primeira escola antropológica moderna (século XIX), ela é marcada pelo darwinismo social , situava a sociedade europeia no topo da evolução social, em contraposição às demais, que eram vistas como sociedades de seres primitivos. Na verdade era uma explicação científica que agradava ao homem europeu e ajuda a justificar a imposição da sua cultura sobre as outras, assim como justificar o domínio territorial. “Portanto, a Antropologia científica passa a se interessar pelo diferente na ânsia de entender o homem civilizado, industrial, moderno e burguês. E, nesse sentido, se, por um lado, não tem a função de ajudar a colonizar e explorar de forma mercantil esses povos, por outro, tende a ver o homem moderno como continuidade desses povos considerados mais atrasados.” (Rocha, p.22) Representante dessa escola: Edward Burnet Tylor, James Frazer, Lewis Henry Morgan. Vamos estudar mais adiante com os sistemas de parentesco e religião. CRÍTICA AO EVOLUCIONISMO Não é possível estabelecer uma continuidade progressiva das culturas. Evolução e progresso exprimem uma crença na superioridade do presente em relação ao passado e do futuro em relação ao presente. O que existe é uma pluralidade de culturas diferentes, e cada uma dela inventa o seu modo de relacionar-se com o tempo, seu modo próprio de organizar o poder e de produzir seus valores. O diferente é inferior? 1.6.2. A ESCOLA DIFUSIONISTA A escola DIFUSIONISTA se opõe à escola evolucionista, porém, mantém a mesma linha técnica de seus estudos. A difusão cultural se dá pelo contato entre culturas, nesse sentido, há a evolução cultural. Principais representantes: Franz Boas ( ) Graebner (1877-1942), Smith (1864- 1922), Rivers (1864-1922). Suas principais características são: (i) Reação ao evolucionismo: O difusionismo é conceitualmente uma reação às ideias evolucionistas de unilateralidade, isto é, ao evolucionismo universal de acordo as leis determinadas. 6 Os estudos desta escola se concentraram nas semelhanças de objetos pertencentes a diferentes culturas, bem como especulações sobre a difusão destes objetos entre culturas. Assim, um objeto foi inventado uma só vez em uma sociedade em particular e a partir dali se expandia através de diferentes povos. (ii) Interesse pelos traços culturais semelhantes: Ao contrário do evolucionismo que postula um desenvolvimento paralelo entre civilizações, o difusionismo enfatiza o contato cultural e o intercâmbio, de tal maneira que o progresso cultural mesmo é compreendido como uma conseqüência do intercâmbio. Para os difusionistas, o empréstimo cultural seria um mecanismo fundamental de evolução cultural. Desta forma, ao se produzir um contato entre duas culturas, se estabelece um intercâmbio de traços associados que foram tomados na qualidade de “empréstimo”, mas que passam a formar parte da cultura. Conceito de empréstimo cultural: É a transposição de elementos culturais através de um processo seletivo em que os traços que mais se adaptam à cultura são assimilados de tal modo que se transformam, incluindo em sua função. (iii) Rigor metodológico e desenvolvimento de técnicas de pesquisa: São considerados aportes do difusionismo a importância outorgada à interrelação entre os fenômenos culturais, a notável acumulação de informação etnográfica e a insistência nos trabalhos de campo (pesquisas de campo). Para alguns era urgente coletar dados e informações sobre povos primitivos antes que eles fossem absorvidos pela civilização; em virtude disso a coleta de dados tornou-se mais importante do que a explicação do fenômeno cultural. O difusionismo tem respaldo científico, a partir do momento que suas inferências são baseadas em achados arqueológicos e pesquisas etnográficas. (iv) Interesse pelas culturas particulares: Além de imprimir uma nova interpretação ao fenômeno cultural, passou a se concentrar no estudo de culturas particulares, delimitando o campo de estudo. Surge então a escola norte-americana com Franz Boas. DIFUSIONISMO NORTE-AMERICANO. Representante dessa escola: Franz Boas (1858-1881). Franz Boas foi o grande percursor da ida dos antropólogos a pesquisa de campo, que antes se atinham a interpretar as informações. Ele contribuiu para a exigência da união do teórico e do observador, impulsionando a ideia de que os antropólogos deviam dominar as línguas dos povos estudados, com o objetivo de conhecer o mapa da organização básica do intelecto humano. Ele mesmo dedicou-se aos estudos dos índios americanos. Boas entendia que havia muita dificuldade em estabelecer um padrão universal, por isso o estudo antropológico deveria concentrar-se na abordagem de culturas particulares. Para Boas, a tarefa do antropólogo era investigar as tribos primitivas que careciam de história escrita, descobrir restos pré-históricos, estudar tipos humanos e a linguagem. Cada cultura teria a sua própria história. Para compreender a cultura teríamos que reconstruir a história de cada cultura. Franz Boas marcou linhas básicas de orientação que anteciparam o funcionalismo. A ideia central era considerar a cultura como uma totalidade, um conjunto de elementos integrados. A metodologia buscava provas concretas do contato cultural e a comparação de traços que existem contextualmente. Por outro lado, enfatizava evitar a limitação de apenas semelhanças para buscar também as diferenças. Boas “emprestou” de Wissler, a noção de área cultural, conceito que descreve um núcleo de influência, isto é uma zona ampla de onde se observa como um traço cultural deixa seu rastro em diferentes culturas, incorporando assim elementos psicológicos universais da cultura. Defendeu que não há culturas superiores nem inferiores (relativismo cultural). Os sistemas de valores devem compreender-se dentro do contexto de cada cultura e não de acordo com os padrões da cultura do antropólogo. 7 DIFUSIONISMO E O DIREITO Como visto, a teoria difusionista preocupa-se em compreender o processo de transmissão dos elementos de uma cultura para outra, portanto, reconhece que qualquer agrupamento social, com raríssimas exceções, jamais está absolutamente isolado. Os grupos sociais entram em relação com grupos vizinhos, ou mesmo afastados, geralmente em razão de necessidades econômicas ou culturais a que não podem atender com seus próprios recursos. Esses contatos às vezes ocorrem de modo pacífico mediante trocas comerciais, às vezes resultam de guerras e conquistas. De qualquer modo, quando os grupos sociais entram em contato, ocorre o processo de difusão de cultura. O Direito é, indubitavelmente, um dos aspectos da cultura de um grupo social, motivo pelo qual também está submetido a esse processo de difusão cultural. Roma foi, sem dúvida, o grande centro de difusão da cultura jurídica na Antiguidade. Mesmo após o desaparecimento do Império, o Direito Romano continuou a ser objeto de estudo por parte dos juristas medievais. Esse estudo se intensificou a partir do século XI com os glosadores e depois se alastrou por toda a Europa. Nessa trilha, o Direito Romano acabou influenciando toda a construção do edifício jurídico da modernidade, ou seja, a cultura jurídica moderna, principalmente com o renascimento da atividade comercial e o advento dos grandes Estados nacionais, constituiu-se com base no direito romano. Enfim, a cultura jurídica das sociedades ocidentais modernas resultou, em grande parte, de difusão ou empréstimos da jurisprudência romana. Aliás, os alemães fizeram do direito romano o seu direito até o final do século XIX. Não deixa de ser surpreendente o fato de uma cultura de uma sociedade extinta ressurgir com tanta força e vigor, influenciando o pensamento jurídico e a organização social de toda a Europa continental e suas colônias. O estilo dos jurisconsultos e os conceitos por eles elaborados influenciam até hoje a tecnologia jurídica e as decisões dos Tribunais. O estilo dos jurisconsultos romanos não foi superado, pelo contrário, tem sido constantemente renovado e retorna com todo vigor nos tempos atuais, constituindo uma alternativa para superar os limites impostos pelo positivismo jurídico. A cultura jurídica europeia, com suas bases gregas e romanas, difundiu-se para as colônias, motivo pelo qual a cultura jurídica brasileira tem sido construída conforme os parâmetros estabelecidos no direito europeu. É preciso lembrar também a difusão da cultura jurídica norte- americana, especialmente no âmbito do direito comercial. Essa difusão é evidente na própria nomenclatura das novas figuras contratuais que emergem do direito empresarial brasileiro: leasing, factoring, franchising, software, know-how etc. CRÍTICA AO DIFUSIONISMO Apesar da sua grande importância na recolhimento de dados, salientou demasiado a forma (unicamente uma dimensão das características culturais), em detrimento do significado que cada característica tem para os membros de cada cultura em particular. Ignorou também as relações com outras características. 1.6.3 A ESCOLA FUNCIONALISTA A escola FUNCIONALISTA compara a cultura a um organismo. As unidades de uma cultura apresentam uma função dentro do contexto cultural. Ênfase à funcionalidade. Para essa escola o desenvolvimento de grupos humanos está permeado por valores, que constituem uma cultura própria e diversificada. A partir dessas funções das instituições culturais como as diversas formas de parentesco e das funções da família é que grupos humanos vão desenvolver suas estratégias de vida e sobrevivência material, acima da economia, política e a produção material. “Em outras palavras, pode ser que determinados grupos humanos isolados, por suas tradições culturais, não tenham imaginado interesse algum em se desenvolverem do ponto de vista econômico e tecnológico, portanto não existe uma relação de inferior e superior, mas e opções diferentes de sobrevivência a partir de fatores essencialmente humanos, como por exemplo, as relações familiares e de casamento.” (Rocha, p. 24) Assim, não existe superioridade, apenas diferença cultural. 8 A Escola Funcionalista se contrapõe: à teoria evolucionista, porque não distingue os estágios de desenvolvimento das sociedades mais simples para mais complexas, e a teoria difusionista porque não acredita em um centro de difusão de cultura que se transmite por empréstimo. Sabe-se que existem requisitos prévios o uma série de condições necessárias para a sobrevivência de uma sociedade ou a manutenção de uma estrutura. Assim, de acordo com a teoria funcionalista, certas formas culturais ou sociais são indispensáveis para que algumas funções possam desempenhar-se. Principais representantes: Bronislaw Malinowski (1884-1943), Radcliffe-Brown (1881-1955). Criou um a verdadeira revolução na investigação antropológica. O centro de referencia do investigador é sempre a sociedade estudada. O ponto focal não é mais a Europa e seus costumes. Isto é, não mais a sociedade do observador, situada na mais alta escala civilizatória. Malinoswski criou a metodologia da investigação participante, ensinou a olhar o “outro”, deu exemplo do que deve ser a pesquisa decampo. O funcionalismo enfatizava a interconexão orgânica de todas as partes de uma cultura pondo em primeiro plano a ideia de totalidade. Desta maneira, postulava uma universidade funcional que se opõe ao difusionismo. Análise funcional é uma explicação de fatos antropológicos em todos os níveis de desenvolvimento de acordo com o papel que jogam dentro do sistema total da cultura, de modo que estão interrelacionados com o interior do sistema e pela forma que o sistema se vincula ao meio físico. O conceito de função, de acordo com Malinowski se refere ao papel que joga um aspecto em relação ao resto da cultura e em última instância, orientado sempre a satisfação das necessidades humanas, isto é, a sobrevivência. Para ele a cultura deve ser encarada como uma totalidade coerente, e todos os aspectos que apresenta: parentesco, economia, política, religião, direito, etc, não podem, de maneira alguma, ser interpretados separadamente. Malinowski estabelece a noção segundo a qual é possível mostrar a totalidade de uma cultura, a partir da análise de um único costume (fato-totalidade). Malinowski defendia que as instituições desempenham funções específicas e, assim, contribuem para sustentar a ordem social. Ele afirma que as necessidades do organismo individual ou da espécie (abrigo, calor, liberdade de movimento) são diferentes das necessidades da sociedade (instituições sociais como a família ou o matrimónio são dispositivos sociais que atendem as necessidades sociais). Para tanto, ele rompe os contatos com o mundo europeu, passa a viver com as populações as quais estuda e a recolher seus materiais de seus idiomas. Origem da observação-participante e aculturação do observador. Será um passo adiante na linha de trabalho de Radcliffe-Brown, que encampou o conceito de estrutura social. Com efeito, para este autor não há função sem estrutura. Por estrutura se entende uma série de relações unificadas, na qual a continuidade se conservaria através de um processo vital composto pelas atividades das unidades constitutivas. O sistema de parentesco era um dos elementos fundamentais de sua análise. Considerava- o, mesmo, o elemento fundamental para compreensão da organização social em sociedades de pequena escala, já que expressava um sistema jurídico de normas e regras que impõem direitos e deveres. A busca de princípios comuns, comparando as diferentes sociedades, tornou-se objeto de suas preocupações. Radcliffe-Brown vincula o seu trabalho um grande valor prático, porque podia ser útil para a administração colonial britânica, ao proporcionar uma base científica para o controlo e a educação dos povos colonizados. A ESCOLA FUNCIONALISTA E O DIREITO Interesse por instituições e suas funções para a manutenção de totalidades culturais. A própria concepção de função básica de família analisada acima é atrelada a questões jurídicas como reconhecimento de paternidade, pensão alimentícia, regime de bens, divórcio, linha de sucessão, educação, etc. Distinção entre costume e Direito. Após os estudos de Malinowski, a antropologia passou a reconhecer o direito como uma instituição por si mesma, diferenciada dos costumes. 9 Fugindo da visão etnocêntrica da cultura europeia que vê a si mesmo como evoluída, enquanto a cultura jurídica das sociedades primitivas é tida como impregnada de religião, Malinowski irá afirmar que há nas sociedades primitivas certo conjunto de regras costumeiras que se distinguem de outros conjuntos, porque um conjunto estabelece obrigações para uma pessoa e outro conjunto estabelece direitos. Malinowsky também observou que no direito primitivo ou tribal existe uma separação entre lei civil e lei penal. No direito civil, a lei (obedecida) consiste em um conjunto de obrigações forçadas e consideradas como justas por uns e reconhecidas como um dever por outros. No direito penal, a lei (desrespeitada) é definida como regras fundamentais que salvaguardam a vida, a propriedade e a personalidade. Função e instituição: As noções de função e instituição da teoria funcionalista também aparecem de forma acentuada em algumas teorias jurídicas. Instituições são os modos estabelecidos que permitem a determinada sociedade cuidar de seus assuntos, de lidar com seus problemas sociais. De modo geral as sociedades desenvolvem instituições: (a) judiciais e políticas para ajudar a manter a paz entre os atores, proteger a propriedade e decidir conflitos; (b) de parentesco para socializar e regular as relações sexuais; (c) e econômicas para incentivar o trabalho, produzir e distribuir bens e até mesmo em manter a desigualdade entre classes. As instituições exercem o controle social sobre os indivíduos e garantem as condições de lidar eficazmente com os problemas sociais. Então o Direito é uma instituição? No campo jurídico, para alguns teóricos o Direito é uma instituição, para outros é um conjunto de normas. Norberto Bobbio faz uma tentativa de conciliar essas duas posições. Aos que defendem que o Direito é uma instituição CRÍTICA AO FUNCIONALISMO Criaram os conceitos de aculturação e choque cultural. Ao estudar o intercâmbio de traços culturais das diversas culturas, deixaram de revelar as desigualdades que existiam nesse contato, especificamente as da política colonialista. Não deu importância aos conflitos sociais A crítica que se faz à Escola Funcionalista, é que, ao privilegiar as funções das instituições sócio-culturais, de forma idealista se deu uma autonomia e preponderância desses sub-sistemas “particulares” (parentesco, religião, economia) sobre as condições concretas de existência em que repousam as particularidades em que tais sub-sistemas executam suas funções e quais as modificações que ao longo do tempo essas instituições apresentam. Não se pode partir do imaginário valorativo de uma comunidade sem que se entenda qual a relação desse imaginário com as contradições internas dessa comunidade, seja em relação à natureza ou aos outros homens. Assim, a evolução humana, na visão funcionalista, parecia ter explicação apenas em uma porção de contingências e acidentes procurados externamente à determinação valorativa e funcional das suas instituições sociais, pois em seu interior as comunidades parecem harmoniosas e incapazes de produzirem litígios, delitos e punições cabíveis. 1.6.4. A ESCOLA ESTRUTURALISTA A escola ESTRUTURALISTA apresenta as mesmas características da escola funcionalista, porém, é considerada uma versão melhorada, visto que alarga seu campo de abrangência para a mente humana, a subjetividade, o chamado inconsciente. Entende-se por estruturalismo o método ou processo de pesquisa em cuja base encontra- se o conceito de estrutura com o significado de sistema. O que o observador vê de imediato é apenas a superficialidade. Mas existe uma estrutura de relações e afinidades que compõem um sistema de organização social. Um sistema pode ser definido como um conjunto de elementos interrelacionados que interagem no desempenho de uma função. É uma definição tão abrangente que pode ser usada em uma grande variedade de contextos como sistema econômico, sistema nervoso, etc... Uma estrutura é uma disposição e organização dos elementos essenciais que compõem um todo, quer material (de um edifício, do corpo humano), quer, por analogia, de uma realidade imaterial 10 (de uma obra literária, da consciência). Uma disposição ou organização na qual as partes são dependentes do todo e, por conseguinte, solidárias umas das outras. Assim, na Antropologia, o sistema deve ser encarado como regra de disposição sistemática de elementos, um sistema de relações hierarquicamente ordenado. A estrutura, portanto, não é constituída simplesmente por um conjunto de elementos relacionados, mas por uma ordem hierárquica que tem o objetivo de garantir o êxito de sua função e sua própria conservação. O termo estrutura tem o significado genérico de sistema quando se fala de estrutura como um conjunto de elementos submetidos a determinadas relações. ESTRUTURA: conjunto de relações sociais específicas de uma organização. Princípios metodológicos da Escola Estruturalista Estes princípios estruturais explicam o dinamismo e múltipla determinação no desenvolvimento dos grupos humanos. Relação de e religiosidade e produção material Parentesco Estrutura de uma ordenação mental coletiva 1. Toda estrutura é um conjunto determinado de relações, ligadas umas às outras segunda leis internas que apresentam transformações constantes. 2. Toda estrutura combina elementos específicos que a compõem e por este motivo, é impossível “reduzir” uma estrutura a outra ou “deduzir” uma estrutura de outra. 3. Estruturas se unem formando sistemas sociais complexos (parentesco + magia e liderança + produção), através de leis de compatibilidade, mas que não têm uma origem única e definida. Representante dessa escola: Claude Lévi-Strauss.(1908-2009) Lévi Strauss merece uma atenção especial. Até a década de 1930, poucos pesquisadores dedicavam-se a estudar as populações indígenas brasileiras de forma sistemática. Naquela época, os estudiosos costumavam voltar às atenções para analisar as comunidades africanas, asiáticas e norte-americanas, pois eram mais tradicionais nas academias europeias. Foi então que o antropólogo e filósofo belga Claude Lévi- Strauss veio ao Brasil e passou um tempo vivendo junto aos bororos e nambiquaras, no Mato Grosso, e os kadiveus, na fronteira com o Paraguai. As ideias e métodos de análise Lévi-Strauss mudaram para sempre os rumos da antropologia e dos estudos de mitologia, religião e parentescos. O pensador, nascido em Bruxelas, na Bélgica, morreu em 2009, um mês antes de completar 101 anos, mas, mesmo em vida, já era uma das maiores referências na sua área de estudo. Qualquer curso de Ciências Sociais e Antropologia, por exemplo, possui disciplinas voltadas a estudar suas teorias estruturalistas - uma das principais correntes do pensamento antropológico. Lévi-Strauss estudou Direito e Filosofia na França, dedicando boa parte de sua vida às aulas em cursos superiores. Ele, aliás, foi um dos primeiros docentes do curso de Ciências Sociais da recém-criada Universidade de São Paulo (USP), entre 1935 e 1938, quando viveu no Brasil e realizou importantes estudos de campo com etnias locais. Lévi-Strauss integrou o segundo grupo de professores franceses contratados para lecionar na USP, como o Fernan Braudel (economista) e Raymond Aros (filósofo), que eram todos professores de Sobourne na França. A universidade havia sido inaugurada há pouco tempo, em 1932, e buscava docentes qualificados para que a instituição pudesse se transformar em um dos maiores centros de ensino superior da América Latina. O principal mérito atribuído à obra de Lévi-Strauss é que ele nunca aceitou as teorias de que a cultura e a civilização ocidentais eram superiores ao resto do mundo. Ao contrapor-se a esse eurocentrismo, o pensador deu um novo enfoque aos estudos dos chamados povos primitivos, principalmente os das Américas. 11 Ao conviver com os bororos, os nhambiquaras e outras etnias, Lévi-Strauss chegou a uma conclusão inovadora. O modo de pensar dos índios é absolutamente idêntico ao nosso e o que o Lévi-Strauss vai mostrar é essa universalidade do pensamento humano, seja o pensamento dos ditos povos selvagens, seja o pensamento dos ditos povos civilizados. A importância disso é mostrar que, na verdade, não se pode hierarquizar povos, não se pode hierarquizar culturas, como se alguns fossem superiores a outros. Foi Lévi-Strauss quem mostrou que as sociedades podiam andar por caminhos diferentes. Por isso, o encontro com os índios foi decisivo e provocou nele uma defesa que ele vai levar até o resto da vida dele pela diversidade cultural, pela necessidade da existência de povos diferentes. As ideias de Lévi-Strauss tiveram um forte impacto no pensamento moderno, principalmente em um momento muito importante do século XX. Foi depois da Segunda Guerra Mundial, depois das atrocidades cometidas pelo nazismo, que propagava a superioridade de uma raça em relação às outras. Lévi-Strauss aproveitou a experiência que teve com os índios brasileiros para combater todas as teorias racistas. Para que serve o estudo das sociedades primitivas? Um duplo sentido. (i) retrospectiva: pois os gêneros de vida primitivos estão em vias de desaparecimento, motivo pelo qual é necessário recolher o mais rápido possível todas as lições que essas sociedades podem oferecer. (ii) prospectiva: na medida em que, tomando consciência de uma evolução cujo ritmo se precipita, sentimo-nos desde já os “primitivos” das gerações futuras, e na medida em procuramos provar nossa validade aproximando-nos daqueles que foram – e ainda são, por pouco tempo – tais como uma parte de nós persiste em permanecer. “Nesse sentido o pensamento dele é absolutamente atual, se a gente se lembra da dificuldade que a Europa enfrenta hoje em relação aos imigrantes e a discriminação de todos os imigrantes. O Lévi-Strauss vai mostrar exatamente que a discriminação não tem nenhuma justificativa científica”, explica a antropóloga Sylvia Caiuby. Veja o filme sobre Levi Strauss no link: http://www.cineconhecimento.com/2013/01/levi-strauss-saudades-do-brasil/ ESTRUTURALISMO E O DIREITO Várias teorias jurídicas usam as noções de sistema e estrutura, e por essa razão, são classificadas como estruturalismo jurídico. Exemplo são os positivistas Hans Kelsen com a Teoria Pura do Direito e Norberto Bobbio. De acordo com essa orientação teórica, o sistema jurídico é, fundamentalmente, um conjunto de normas jurídicas válidas, dispostas numa estrutura hierarquizada. Norma jurídica válida é aquela emanada de uma autoridade que possui competência para editar as normas. A competência da autoridade é determinada pelas própria normas jurídicas . Hierarquia é conjunto de relações estabelecidas conforme regras de subordinação e coordenação. Essas regras não são normas jurídicas, isto é, não fazem parte do repertório, mas da estrutura do sistema. São regras estruturais: a) o principio da lei superior: regra segundo a qual a norma prevalece sobre estas; b) o principio da lei posterior: regra segunda a qual, havendo normas contraditórias, desde que do mesmo nível hierárquico, prevalece a que no tempo aparecer por último; c) o principio da lei especial: regra segundo a qual a norma especial revogada a geral no que dispõe especificamente. Para o positivismo jurídico, é preciso supor que as normas do ordenamento jurídico estão dispostas numa ordem sistemáticas. O sentido de uma norma não está, portanto, somente nos termos que expressam sua articulação sintática, mas também em sua relação com outras normas do ordenamento. Em outras palavras, entende-se que o direito é composto pelo conjunto organizado de regras diretoras (denominadas princípios) que presidem o sistema e regras simples que perfazem o todo sistemático. O direito, portanto, caracteriza-se pela disposição organizada e hierárquica de princípios e normas. Estrutura e hierarquia 12 O positivismo jurídico concebe o ordenamento jurídico como uma estrutura de normas. A imagem da pirâmide ajuda a compreender essa concepção: no ápice da pirâmide normativa estariam situadas as normas superiores, tidas como fundamento de validade das normas imediatamente inferiores. Com esse escopo pode-se dizer pode-se dizer que no texto constitucional brasileiro estão as normas jurídicas do mais alto grau. Isso porque a Constituição Federal é o marco inicial de todo o motivo pelo qual adquire posição fundamental porque funda a ordem jurídica e adquire posição fundamental porque funda a ordem jurídica e adquire posição suprema; porque as normas constitucionais sobrepõem-se a todas as demais que integram o ordenamento jurídico. As normas constitucionais, além de orientar a atividade interpretativa do profissional do direito, orientam a produção e aplicação das normas pelos órgãos jurisdicionais (Legislativo e Judiciário). Desse modo, a validade da norma só pode ser julgada por sua relação com outras normas; isto é, as normas jurídicas encontram sempre seu fundamento de validade em outras normas ganham uma posição de superioridade, de preeminência, visto que as normas subordinadas não podem contrariar as normas de hierarquia superior. Alguns teóricos entendem que é possível estabelecer uma hierarquia entra as normas constitucionais; isto é, as normas que compõem o texto constitucional não possuem todas a mesma relevância. Algumas veiculam simples regras, outras são verdadeiros princípios. Entende que o sistema é um conjunto de normas inter-relacionadas em torno de princípios fundamentais que fecham o sistema como um todo unitário. Assim, os princípios assumem o sentido de elementos principais e fundamentais do sistema, razão pela qual são considerados normas com âmbito de abrangência mais amplo que vinculam as demais normas do universo sistemático. Nessa trajetória, o interprete, ao examinar o sistema normativo, deve, em primeiro lugar, identificar os princípios e, a partir deles, caminhar em direção às normas jurídicas inferiores. A norma que se apresenta vaga e ambígua deve ser interpretada e aplicada em sintonia com os princípios que a Constituição acolhe. Os princípios constitucionais, por serem normas qualificadas, são considerados vetores para soluções interpretativas. Essa modelo, segundo os seus teóricos, pode ser aplicado no estudo e compreensão do direito de qualquer sociedade politicamente organizada. 2. OS SISTEMAS DE PARENTESCO Outro grande antropólogo da escola evolucionista, que também foi jurista, é o norte- americano Henry Lewis Morgan (evolucionista 1818-1881) que elaborou um modelo de desenvolvimento da humanidade pelo sistema de parentesco para explicar a organização social, segundo qual o desenvolvimento transcorria os três níveis: - selvageria – barbárie – civilização. A selvageria caracteriza-se pelo matrimônio por grupos e apropriação dos produtos da natureza, a barbárie pelo matrimônio cercado pela monogamia apenas a para a mulher e a agricultura e a civilização pelo matrimônio monogâmico e a indústria. Os fatores que influenciam a vida social, provando-lhe mutações, vão produzir igual efeito no setor jurídico, determinando alterações no direito positivo. A evolução do direito está subordinada à realidade social. Esses fatores sociais e jurídicos induzem a transformações no Direito. Exemplo disso são as consequência dos estudos antropológico sobre os sistemas de parentesco dentro da escola Evolucionista. A antropologia sociocultural tem considerado durante muito tempo o estudo da família e do parentesco como o seu património indiscutível. A família é considerada em geral o fundamento universal das sociedades. O parentesco é uma relação humana universal com base biológica e com variações nos significados socioculturais particulares. Ele pode ser visto como uma referência para o posicionamento social, pois em todas as sociedades humanas os indivíduos adquirem os primeiros elementos do seu estatuto e da sua identidade social através do parentesco. É este um tema clássico em antropologia, o parentesco é de grande importância na vida quotidiana. Questões como o divórcio, que nos parece tão moderna, são muito antiga noutras culturas (concedido a petição dos dois), ou também o aborto, que noutras culturas é admitido como algo normal. Também o tema das relações sexuais fora do matrimónio, que apenas são proibidas num 5% das culturas, e noutras é permitido, mas com certas condições. O parentesco é o sentido sociocultural dos laços de sangue, tem uma base biológica, mas precisa de uma interpretação e reconhecimento social (ex.: o caso dos pais adotivos). O parentesco 13 é um tipo de relação social pautada. As funções que satisfaz o parentesco são: económicas (subsistência e controlo do sistema de reprodução), psicológicas (seguridade emocional), sociais e econômicas (regulamentar as formas de intercâmbio, organizar os casamentos). Nesta década presenciamos uma alteração nesta definição biológica de sistema de parentesco e reiteradamente reconhecidos pelo Estado/Tribunais. São os novos arranjos familiares, ou por relações de afetividade, de orientação sexual ou de transgêneros. Tema em alto crescimento e impacto nos Tribunais. Exemplo de alteração de registro civil, desafios da biomedicina,linha de sucessão, partilha de bens etc... Os sistemas de parentesco são, do ponto de vista antropológico, considerados como estruturas formais, que resultam da combinação de três tipos de relações básicas: a) a relação de descendência, que é a relação entre pai e filho e mãe e filho. Exemplos: investigação de paternidade, pensão alimentícia, herança, adoção; b) a relação de consangüinidade, que é a relação entre irmãos. Exemplo: herança, proibição de casamento e c) a relação de afinidade ou seja, a que se dá através do casamento, pela aliança. Exemplo: divórcio, proibição de casamento entre genro e sogra ou sogro e nora, etc... Essas três relações são básicas e o estudo do parentesco é o estudo da sua combinação. Essas relações são a estrutura formal universal. Qualquer sociedade forma-se pela combinação dessas três relações. A variabilidade está em como se faz essa combinação. Para Malinowski (funcionalista) a função básica da família encontrados em todos os agrupamentos humanos, são as de: (a) reprodução: legitimidade de reprodução, pois mesmo em sociedades em que há liberdade sexual, a procriação raramente é aprovada fora da família (b) sexual: atender as necessidades sexuais permitidas pela institucionalização da união ou casamento. (c) econômica: assegurar o sustento e a proteção da prole, com obrigação estendida aos parentes. (d) educacional: transmitir à prole a herança cultural e social. Vejam que elas são retratadas em nossa legislação: Art. 226 CF. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (Regulamento) § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010) § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. Regulamento § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Art. 1.521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. O parentesco por afinidade é civil e não se extingue mesmo com o fim da relação que o originou. Por isso, sogro/sogra não pode se casar com a nora/genro, mesmo que ele seja divorciado e ela já tenha rompido a relação com o ex-companheiro. 14 Art. 227 § 6º CF - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes. Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra. Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem. Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente. Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. § 1º O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. § 2º Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável. 2.1 O TABU DO INCESTO Qual a origem da proibição de relacionamento entre ascendente e descente, e entre irmãos? Degeneração biológica? Teoria da reciprocidade? Consciência e senso moral? Como essa aversão é plenamente compartilhada, ela torna-se alvo de uma desaprovação moral e, portanto, se submete a leis proibitivas: vira tabu. Debruçando-se sobre o tabu do incesto, Edward Westermarck (1892-1939 sociólogo), não o vê como resultado puramente de educação ou convenção social. Baseando-se na evidência de que alguns animais selvagens também tinham a propensão de evitar o endocruzamento (fato confirmado por estudos etológicos), Westermarck via a aversão ao incesto como algo natural, anterior à estruturação dos valores sociais humanos. De maneira sucinta, a teoria westermarckiana para explicar o tabu do incesto pode ser descrita sob três hipóteses: 1º) a “hipótese da aversão” diz que uma aversão inata à relação sexual é desenvolvida entre pessoas que conviveram muito próximas nos primeiros anos da infância 2º) a “hipótese da adaptação” propõe que essa aversão é uma adaptação evolutiva, um comportamento fixado por seleção natural desfavorecendo o endocruzamento e, portanto, as suas consequências deletérias (degenerações físicas). 3º) a “hipótese da expressão” afirma que a aversão leva a desaprovação moral e a costumes e leis proibitivas. Sigmund Freud (1856-1939 médico criador da psicnálise) rejeitava suas teorias. Freud acreditava que os valores morais surgem exclusivamente para suprimir os instintos individualistas e agressivos humanos. O tabu do incesto, portanto, seria o exemplo primordial dessa negação cultural de uma natureza animal inata ao homem. Freud então propõe que a repressão desses impulsos incestuosos levaria a uma neurose própria a todos os seres humanos, ao tão conhecido complexo de Édipo. Esse debate, no contexto de muitas escolas antropológicas contemporâneas (como é o caso das brasileiras), é tido como resolvido por Claude Lévi-Strauss (estruturalista 1908 – 2009 antropólogo) , na sua obra as estruturas Elementares do Parentesco, o autor propõe que um dos grandes desafios da antropologia está em saber qual a natureza (biológica ou cultural) da origem dos diferentes comportamentos humanos. Para ele, tudo que é universal no ser humano está ligado à sua biologia e tudo que é normativo, à sua sociologia. Para Lévi Strauss a vida social constitui um fenômeno que implica um movimento de trocas perpétuas através do qual as palavras, os bens, as mulheres circulam entre os indivíduos e entre os grupos. A sociedade, portanto, funda-se sobre a troca e só existe através da combinação de todos os tipos de troca: (i) de mulheres: relação de parentesco (terminológico e de atitude) (ii) de bens: economia (iii) de palavras e de representação: linguagem e cultura. O casamento, para Lévi-Strauss, envolve três sujeitos, é uma relação a três, uma mulher e dois homens, um que dá essa mulher, e o outro que a recebe. É uma forma de comunicação entre tribos que de outra forma estariam em antagonismo. O tabu do incesto, assim como o casamento, estabelece o social. O casamento estabelece a norma em relação à legitimidade dos filhos e o tabu do incesto cria a norma em relação ao fato biológico das relações sexuais. 15 Os elementos que definem a família em Antropologia têm um caráter positivo e negativo: definindo o tabu do incesto, define-se o que pode e o que não pode ser feito. Define-se o legítimo e o proibido. O mesmo se passa com a divisão sexual do trabalho, outro princípio fundamental na constituição da família: estabelece o que os homens e as mulheres podem e não podem fazer, instituindo a reciprocidade. Nesse ponto chega-se à questão do incesto. O tabu quanto a essa prática varia muito de sociedade para sociedade, estando ligado a diferentes normas em cada uma delas, porém, é o único costume que pode ser encontrado, sem exceção, em todas, ressaltando o seu caráter universal. É essa observação que leva Lévi-Strauss a fazer o seu questionamento: qual é então a origem do tabu do incesto, natural ou social? Para ele não há dúvidas: a resposta está na aliança, o tabu do incesto é resultado mais de uma convenção social do que de uma desaprovação moral, ao contrário do que postulava a hipótese da expressão de Westermarck. Assim, o tabu do incesto para antropologia é interpretado como um princípio de organização social é uma forma de estabelecer aliança entre os grupos. Essa interpretação introduz uma dimensão política. É através da proibição da relação com as pessoas do próprio grupo, que se introduz a necessidade de se comunicar com outro grupo, através do casamento. O evolucionista, Edward Tylor que também estudou o parentesco, dizia que os povos se defrontaram com a seguinte escolha: casar fora ou ser morto fora. A questão era essa: sair do isolamento da consangüinidade, para a expansão através da aliança (o casamento). A aliança através do casamento era a forma de evitar o confronto entre tribos. Persite alguns questionamentos dos antropólogos biológicos se a possibilidade de tal “repugnância instintiva” existir é tão absurda como postula Lévi-Strauss. Não existiriam talvez, boas razões biológicas para que a natureza direcionasse a escolha dos parceiros sexuais? 3. RELIGIÃO Se Deus existe ou não é questão que a Antropologia não ousa enfrentar, quanto mais responder. A Antropologia acolhe todos os sentimentos e visões da religião. “Toda religião é verdadeira” Durkheim. Parte da visão de que a religião está em todas as culturas. O que é sagrado e o que é profano? Para Durkheim o sagrado é aquilo que a cultura, como coletividade, reconhece como merecedor de respeito e reverência porque toca a todos. A religião possui uma origem social no sentimento religioso...sensação poética ou sagrada diante de um nascer do sol?. Assim, a religião deriva antes de tudo de um sentimento de pertencimento do indivíduo a coletividade. A religião é uma instituição cultural, um conjunto de crenças em torno do sagrado. “Religião é uma crença no sobrenatural”, afirma Tylor (evolucionista). Todas as religiões possuem esses dois elementos: (i) crença: que é antes de tudo um ato de fé, de confiança, de respeito e reconhecimento pelo sistema de mitos que representam a religião. (ii) o sobrenatural: que é o objeto da fé, portanto, tudo aquilo que escapa ao entendimento humano. No século XIX, Frazer (evolucionista) criou modelo de desenvolvimento da humanidade na religião, dividindo-os nas fases da - magia, - religião - ciência. Foram os primeiros a realizar estudos sobre magia e religião dos povos antigos e primitivos e sua influência não só na evolução das religiões mundiais, mas também na construção das instituições e do direito. E isto porque é certo que as crenças dos antigos gregos e romanos persistiram durante muito tempo e exerceram grande influência na construção e solidificação da religião, das instituições e do direito que moldam a sociedade contemporânea. Possui três atributos: 1. Um discurso, isto é, uma justificativa que lhe dá sentido e finalidade. 2. Participantes ou membros que se agregam 3. Comportamentos específicos, incluindo rituais. Item extra é a eficácia – dar sentido e ser verdadeira, produzir resultados. A religião tem uma relação toda especial com o ser humano, bem diferente de outros fenômenos antropológicos. Ela, por exemplo, está na raiz de muitas normas e valores da nossa sociedade; influi na compreensão que os seres humanos têm de si mesmos e na identidade de muitos povos e nações. A Antropologia da Religião, partindo de uma reflexão sobre a humanidade e sobre a cultura como realidades complexas, busca compreender como o ser humano foi e continua sendo visto por 16 ele mesmo e por uma das suas mais significativas e originais manifestações, a religião. Não se trata de fazer uma análise de cada uma das religiões, mesmo aquelas mais conhecidas. Na Antropologia da Religião faz-se uma análise científica do fenômeno religioso, enquanto experiência antropológica, isto é, do ser humano. E ao se fazer isso podemos nos reportar a manifestações culturais e religiosas do mundo, particularmente as mais conhecidas e as que mais influenciam a vida das sociedades. Aliás, a aproximação entre religião e direito é constatada através do casamento religioso que é equiparado ao civil. Art. 1.515. O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração. Pode ser qualquer religião? Não há qualquer restrição jurídica. A Constituição Federal não define o conceito de religião, nem autoriza o legislador ordinário a defini-lo porque é um conceito antropológico. Não há como escolher melhores ou selecionar que tipo de casamento religioso equipara civilmente. Claro que usualmente é o casamento na Igreja Católica, mas proteção constitucional deve alcançar todas elas. At. 5º. VI CF - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; Art. 226 § 2º CF - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. 4. ANTROPOLOGIA NA ATUALIDADE: a identificação com o Direito O antropólogo possui uma responsabilidade social e política muito grande, e por consequência o operador do Direito também! Não pode ser um agente de alienação cultural, da voz de quem sempre se cala, mas um instrumento no diálogo entre culturas diferentes. Alguns antropólogos entendem que a característica mais significativa da cultura são os seus valores. Miguel Reale também entende que o valor é fundamental para compreender o fenômeno jurídico, porque defende que o direito é fruto da experiência e portanto possui uma dimensão valorativa que não pode ser desprezada ( elementos constitutivos da experiência jurídica : fato – valor e norma – teoria tridimensional. Fato tende a realizar o valor mediante a norma) Assim, as conexões do direito com a antropologia são evidentes, e torna o direito um sistema aberto, dependente de outros, visto que o ser humano é o valor fonte de todos os valores e por consequência constitui objeto central da Antropologia. Temas como igualdade e diferença são, ao mesmo tempo, jurídicos e antropológicos. Além disso, o Direito é um aspecto da cultura que constitui objeto específico da antropologia cultural. A Antropologia tal como o Direito também se interessas pelos conflitos sociais, principalmente no que diz respeito à intervenção normativa na decisão jurídica desses conflitos, bem como desdobramento da ordem jurídica e diante das transformações culturais, sociais e políticas e econômicas. Há tópicos em antropologia que são importantes aos profissionais do direito, como também há tópicos do direito que servem ao antropólogo. Algumas dessas noções comuns são os conceitos de pluralidade jurídica, direito socioambiental, etnicidade, dinâmicas de poder, sanções informais, mediação de comunidades de direito informal, relações estado-indivíduo, direitos humanos, responsabilidade social corporativa, direito comparado, liberdade religiosa, liberdade de consciência em tratamento médicos. No entanto, por si só esses tópicos não formam a disciplina de antropologia jurídica. É a teoria da antropologia jurídica que os articulam. EXEMPLO: Eis um exemplo do modo de trabalho da antropologia jurídica. O antropólogo e sociólogo Bruno Latour passou meses assistindo sessões de um tribunal superior francês para 17 entender a produção da justiça pelos profissionais da lei. Se ele não lançasse mão da teoria, os dados coletados seriam meras descrições. Na formulação da teoria, a antropologia jurídica pode abordar os tópicos que mencionei e também outras disciplinas, como psicologia, sociologia, criminalística, história, geografia, e claro, o direito. Outro exemplo da prática da antropologia jurídica no Brasil, os poucos antropólogos do Ministério Público passam tempos tentando examinar e mediar entre interesses de partes distintas. Tipicamente trabalham com causas indígenas, mas poderiam bem servir em direito de família ou do trabalho. Sem método ou teoria antropológica, a atuação deles seria semelhante de assistentes sociais, porém sem tomar responsabilidade pelos seus assistidos. Por essa razão, o testemunho de um antropólogo para ter validade jurídica não pode se basear a uma entrevista e uma visita. Requer um contato intenso e prolongado com as comunidades envolvidas. Atualmente a Antropologia possui três eixos temáticos centrais: (i) etnologia indígena (ii) estudo das populações negras (iii) mundo da cultura nos grandes centros urbanos (movimentos sociais). São assuntos com amplo envolvimento e identificação com o Direito, quer seja através da proteção jurídica das minorias ou da definição de políticas públicas. 4.1 O OBJETO DA ANTROPOLOGIA JURÍDICA Dedica-se ao estudo do Direito das sociedades “simples”, das Instituições do Direito da sociedade contemporânea, do Direito Comparado e do pluralismo jurídico (multiplicidade de práticas jurídicas). Da Antropologia Jurídica clássica é o Direito das sociedades simples, sem escrita e sem Estado – ou distante dele. Pelo estudo do Direito de outras sociedades a Antropologia Jurídica nos permite compreender melhor o sistema jurídico da nossa própria sociedade. Mas pensar em Antropologia Jurídica é se desvincular do Direito do Estado. Para Antropologia um povo pode criar mecanismos de organização e controle social sem necessidade de formalização de regras e sem a intervenção de um único poder centralizado e burocratizado. O indivíduo não é escravizado pelas normas reguladoras, nem ameaçado pelas sanções coercitivas, mas é socializado em decorrência da sua dependência do grupo. Ex: das instituições culturais, familiares, chefes. Não existe universalidade jurídica nas sociedades humanas e tampouco existem leis inúteis ou nocivas nas sociedades primitivas. Um retrata a experiência e a relação de sobrevivência de um grupo diante da natureza, outro de uma refinada e complexa lógica jurídica (sociedades com Estado). A ANTROPOLOGIA JURÍDICA estuda as restrições socioculturais que possuam sanções executáveis pela sociedade. Abrange desde a descrição das normas, elaboração das leis, análise da coexistência de sistemas jurídicos formais e informais, pesquisa do desvio das normas legais, perícia, mediação e resolução de conflitos, além da correção e readaptação dos desviantes. No campo teórico a antropologia jurídica examina os fatores culturais e sociais envolvidas nos processo legais. 5. A ANTROPOLOGIA JURÍDICA NO BRASIL A Constituição de 1988 reconheceu a pluralidade da nossa sociedade ao reconhecer os direitos de algumas minorias, como os índios e os negros. Fez-se necessário refletir sobre situações concretas da nossa sociedade heterógena, pluriétnica e multicultural. A antropologia jurídica ainda engatinha no Brasil. Aqui estão alguns objetos de estudos e áreas de urgente carência de pesquisa e aplicação da antropologia jurídica no país: (i) Pluralismo Jurídico: é o estudo da coexistência de vários sistemas jurídicos em uma mesma sociedade. Geralmente não é bem aceito a concorrência de outros sistemas jurídicas onde 18 vigora o direito positivistas típicos dos países baseados em códigos legais de tradição romano- germânica. Há uma recente tendência de valorizar e aceitar a validade mediação privada de uma determinada comunidade. Isto é, deixar que os grupos étnicos, organizações religiosas, associações de bairro e juntas comerciais mediem as causas de seus membros. Porém, se há aceitação do Estado das mediações intra-comunitárias, ainda há pouca discussão de resoluções de conflitos jurídicos inter-comunidades. Um exemplo dessa falha são os conflitos entre fazendeiros e indígenas no Brasil. (ii) Direito dos Povos Indígenas: os povos indígenas e tribais possuem seus direitos garantidos pela resolução da Organização Mundial do Trabalho 169, entre eles o direito de auto- definição, preservação de território e cultura. Ainda não há cursos públicos para formar juristas dentro dos direito das diversas etnias no Brasil. (iii) Direito das Comunidades Quilombolas: a Antropologia atribui especial atenção àqueles em condições de vulnerabilidade e exclusão social, como é o caso das comunidades remanescentes de quilombos. (iv) Direito e Desenvolvimento: o antropólogo atua desde delimitar territórios étnicos em áreas rurais até mitigar interesses de partes (stakeholders) em um plano diretor urbano. (v) Direito Socioambiental: avalia e media os interesses e direitos de diferentes comunidades e aderência às legislações sociais e ambientais. Também julga disputas, fiscaliza o cumprimento e provê remédios em processos de certificações sociais e ambientais. Já é um tanto comum antropólogos participarem de EIA (Estudo de Impacto Ambiental). Além de avaliar, o antropólogo também tem o papel legal de negociar com as comunidades e facilitar a realização de audiências públicas para discutir um consentimento informado em termos significantes e compreensíveis entre partes. (vi) Criação de leis, políticas e diretrizes. O antropólogo pode sondar a população, ouvindo-a e observado suas necessidades que precisam ser traduzidas em leis. Atividade ausente no Brasil. (vii) Estudo dos desvios das normas legais: nesse campo, a antropologia jurídica sobrepõe a outras disciplinas como a criminologia, a sociologia jurídica e a psiquiatria forense. A antropologia forense brasileira teve um nascimento abortivo na “escola Nina Rodrigues”, inexistindo antropólogos legistas e mesmo antropólogos forenses socioculturais em orgãos atuação policial ou penal. (viii) Estudo das instituições para entender a constituição e reprodução do saber jurídico, o problema do acesso ao Direito. 6. RESPEITO A DIFERENÇA: O Direito das Minorias – o direito de ser igual e diferente. A CF garante o direito de ser igual no caput de art. 5º e o direito de ser diferente em vários outros incisos do mesmo artigo, como o VI e X. Esse direito de ser diferente, envolve o direito das minorias. Igualdade – cidadania (esfera pública) Intimidade – diferença (esfera privada) Minorias são grupos numericamente inferiores ao resto da população de um Estado e numa posição não dominante num país, mas que possuem objetivamente características étnicas, religiosas ou linguísticas distintas do resto da população, e que subjetivamente desejam preservar a sua intimidade, opção, condição, cultura, as suas tradições, a sua religião, a sua língua. 6.1. ESTIGMAS: São ideias e visões preconcebidas com o intuito de diminuir, inferiorizar, marcar o diferente. Originado pela questão do etnocentrismo, que buscava tornar a identidade europeia, seus valores étnicos como o centro de todas as coisas, como a cultura verdadeira e correta. O outro é diminuído, inferiorizado. 19 6.2. ETNICIDADE: Etnia – Definição de um povo, marcado por traços culturais que lhe dão identidade própria. Conjunto de fatores materiais, subjetivos e simbólicos que dão identidade própria para determinado grupo social. Muito além de traços físicos. Os contornos da etnia são essencialmente cultural. O que define um povo é sua etnia. Para além das características físicas, o que fundamentalmente individualiza um agrupamento humano é sua cultura construída em comum. O conceito de raças como critério reducionista está superado desde 1950 quando a Unesco recomendou o critério de raça humana! Lembre-se : - etnologia é o estudo das identidades étnicas - etnografia descrição gráfica dos comportamentos étnicos. A cultura é constituída por todas as ações humanas, sejam físicas (artefatos, construções, bens, etc.) ou mentais (crenças, valores, conhecimentos, etc.). A junção desses itens formará a identidade de um povo, o que marcará sua etnia. Essa identidade é reconhecida por meio das diferenças entre os variados grupos, e a comparação de diferentes identidades é denominada de IDENTIDADE CONTRASTIVA (Relação identidade-diferença. Para perceber os limites da minha identidade preciso comparar com a identidade do outro). 6.3. FRICÇÃO INTERÉTNICA. O processo de encontro entre duas identidades diferentes (não raro violento) é chamado de fricção interétnica. A agressão ocorre pela tendência que os grupos possuem de imaginar o “outro” como sendo inferior, o que acarreta no intolerante processo de exclusão do agrupamento subjugado. Fricção interétnica: processo de “encontro” entre duas ou mais culturas → quando identidades diferentes se encontram. Violência física e simbólica. Tema atual dos hispânicos e negros nos EUA, na Europa com os imigrantes e logo no Brasil. Essa fricção interétnica gera o processo de exclusão; 6.4. EXCLUSÃO: Prática de intolerância. O não reconhecimento das diferenças gera intolerância. Qual a origem disso? O etnocentrismo. A crença na superioridade do povo a que se pertence, seguida de um sentimento de menosprezo pela cultura que se afasta da posição cultural do observador. Quando esse menosprezo transforma-se em genocídio, tem-se o genocídio cultural, conhecido como etnocídio. Ele caracteriza-se pela aculturação de um grupo de indivíduos por outro, com sérios prejuízos aos valores tradicionais da sociedade dominada. Como aconteceu no Brasil no aculturamento pela evangelização. Etnocídio – previsto na Declaração de San Jose da Costa Rica. Negar a um povo o direito de desfrutar, desenvolver e transmitir sua própria cultura. 6.5. TOLERÂNCIA apresenta-se como sendo o oposto dos regimes de exclusão étnica. Ela se baseia no reconhecimento da importância da diferença como instrumento de uma sociedade mais íntegra, fomentando o conhecimento mútuo entre as variadas etnias e apreciando a diversidade cultural. É a tolerância que fundamenta a democracia pluralista, a qual vê os diversos atores sociais como essenciais para a formação de um patamar civilizatório aceitável. Aceitar a existência do outro, o respeito e valorização dos traços singulares do outro. 6.6. ALTERIDADE: "é ser capaz de apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença". "O estabelecimento de uma relação de paz com os diferentes. A capacidade de conviver bem com a diferença da qual o outro é portador". 20 - Caráter ou estado do que é diferente; que é outro; que se opõe a identidade. Encontro das diferenças. Respeitar a especificidade étnico-cultural, garantindo a ele o direito de ser e permanecer o que é. Se faltar alteridade nas relações interpessoais a tendência é a de que ocorram conflitos; pois o homem - colonizador por natureza, tende a achar que sabe mais e melhor do que seu semelhante, que suas ideias são sempre as melhores, que seu padrão de comportamento é o correto; ou seja, o que diferir dos modelos genéricos é errado, sujo e incorreto Descoberta da alteridade é descobrir relação que nos permite deixar de identificar nossa pequena província de humanidade como a humanidade e assim deixar de rejeitar o presumido “selvagem” fora de nós. A experiência e elaboração da alteridade levam a ver aquilo que nem se consegue imaginar devido à dificuldade em prestar atenção ao que é habitual, familiar, cotidiano e considerado evidente. Através da experiência da “diferença” passa-se a notar que o menos dos comportamentos não é natural, causando surpresa sobre nós mesmos. Qual o desafio? Relativizar ou existe algo para universalizar?
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