Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 PLANO DE ENSINO EMENTA Histórico sobre o estudo do desenvolvimento humano. Contextualização da noção de desenvolvimento. A transição da infância para a adolescência. OBJETIVOS GERAIS Refletir sobre o percurso histórico do estudo do desenvolvimento humano, contextualizando conceitos fundamentais para esse estudo. Analisar o desenvolvimento da criança, enfocando aspectos sócio-emocionais e cognitivos, enfocando diferentes perspectivas teóricas. Discutir criticamente a transição da infância para a adolescência. OBJETIVOS ESPECÍFICOS 1. Diferenciar teoricamente as fases específicas do desenvolvimento de acordo com cada autor estudado. 2. Reconhecer a fase em que a criança se encontra, segundo as características apresentadas. 3. Compreender a interação entre os aspectos emocionais, cognitivos e sociais do desenvolvimento. 4. Reconhecer as significativas mudanças ocorridas no início da adolescência. PROCEDIMENTOS DE ENSINO Aulas teóricas, expositivas e dialogadas, com debates sobre temas do desenvolvimento humano. Atividades de Campo: Estudo dirigido, leituras complementares, pesquisas e relatórios. AVALIAÇÃO AV1. Prova individual e sem consulta (8 pontos) + atividade estruturada (2 pontos) AV2. Prova individual e sem consulta (8 pontos) + seminário sobre desenvolvimento infantil (2 pontos) BIBLIOGRAFIA BÁSICA BEE, H. A criança em desenvolvimento. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003. PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Forense, 1997. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ARIÈS, Phillipe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. BEE, Helen. O ciclo vital. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. FLAVELL, J. H. A Psicologia do Desenvolvimento de Jean Piaget. São Paulo: Pioneira, 1988. OLIVEIRA, M. K. Vygotsky- Aprendizado e Desenvolvimento: Um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione,1993. PAPALIA, Diane; OLDS, Sally. Desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. PIAGET, J. O Nascimento da Inteligência na Criança. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1987. PIAGET, J. INHELDER, B. Representação do espaço na criança. Porto Alegre: Artmed, 1993. RAPPAPORT, Clara Regina; FIORI, Wagner R. ; DAVIS, Cláudia. Psicologia do Desenvolvimento. São Paulo: EPU, 1987. 4v. Desenvolvimento Humano I Professora: Ana Lúcia Couto Psicóloga, mestre e doutora em Psicossociologia 2 3.3.0808QRLRelT ANTES QUE ELES CRESÇAM Affonso Romano de Sant'Anna Há um período em que os pais vão ficando órfãos de seus próprios filhos. É que as crianças crescem independentes de nós, como árvores tagarelas e pássaros estabanados. Crescem sem pedir licença à vida. Crescem com uma estridência alegre e, às vezes com alardeada arrogância. Mas não crescem todos os dias, de igual maneira, crescem de repente. Um dia sentam-se perto de você no terraço e dizem uma frase com tal maneira que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura. Onde é que andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços e o primeiro uniforme do maternal? A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça... Ali estão muitos pais ao volante, esperando que eles saiam esfuziantes e cabelos longos, soltos. Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos filhos com uniforme de sua geração. Esses são os filhos que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias, e da ditadura das horas. E eles crescem meio amestrados, observando e aprendendo com nossos acertos e erros. Principalmente com os erros que esperamos que não se repitam. Há um período em que os pais vão ficando um pouco órfãos dos filhos. Não mais os pegaremos nas portas das discotecas e das festas. Passou o tempo do ballet, do inglês, da natação e do judô. Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas. Deveríamos ter ido 3 mais à cama deles ao anoitecer para ouvirmos sua alma respirando, conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de adesivos, posters, agendas coloridas e discos ensurdecedores. Não os levamos suficientemente ao Playcenter, ao shopping, não lhes demos suficientes hamburgueres e refrigerantes, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas que gostaríamos de ter comprado. Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o nosso afeto. No princípio iam à casa de praia entre embrulhos, bolachas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhos. Sim. Havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de chicletes e cantorias sem fim. Depois chegou o tempo em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma e os primeiros namorados. Os pais ficaram exilados dos filhos. Tinham a solidão que sempre desejaram, mas, de repente, morriam de saudades daquelas "pestes". Chega o momento em que só nos resta ficar de longe torcendo e rezando muito para que eles acertem nas escolhas em busca da felicidade. E que a conquistem do modo mais completo possível. O jeito é esperar: qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco. Por isso os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável carinho. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto. Por isso é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que eles cresçam. 4 DESENVOLVIMENTO HUMANO: Fundamentação Teórica 1. Antecedentes históricos do estudo do desenvolvimento humano O desenvolvimento humano tem ocorrido desde que os seres humanos existem. Entretanto, seu estudo científico formal é relativamente novo, como assinalam Papalia e Olds (2000)1. Diversos autores destacam que o estudo científico do desenvolvimento humano teve como um dos fundamentos a obra de Quetelet, publicada em 1835, em Paris, intitulada “Do homem e do desenvolvimento de suas faculdades”. Neste livro, o autor enfocava as mudanças físicas, cognitivas, morais e emocionais pelas quais o sujeito passava ao longo da vida. Stanley Hall é também considerado um autor importante do ponto de vista histórico nos primórdios da Psicologia do Desenvolvimento. Considerado o pai da Psicologia da Adolescência, foi o primeiro psicólogo a propôr a psicologia da adolescência como campo distinto de conhecimento e realizou o primeiro estudo amplo sobre o tema: “Adolescence - its psychology, anthropology, sociology, sex, crime, religion and education” em 2 volumes clássicos, num total de 1300 páginas, publicados em 19042. 1 PAPALIA, Diane; OLDS, Sally. Desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. 2 Este autor propôs a chamada Teoria da Recapitulação que, em linhas gerais, afirma que, assim como a espécie humana parece ter evoluído de formas inferiores de vida para formas superiores, o mesmo acontece com os estágios pelos quais passamos da infância até a idade adulta. Ou melhor, os estágios pelos quais nós passamos da infância até a idade adulta espelham os diversos estágios da história evolutiva da humanidade. O desenvolvimento se processa porforça de fatores fisiológicos, geneticamente determinados. Forças internas direcionais seriam o fator predominante do controle e direção do desenvolvimento. Assim, o desenvolvimento e as mudanças comportamentais ocorrem num padrão inevitável, imutável e universal. Embora a teoria da 5 O estudo do desenvolvimento tem relação com a concepção de infância. Segundo o historiador francês Philippe Ariès (1978), até o século XVII as crianças não eram consideradas como substancialmente diferentes dos adultos, eram tidas como adultos em miniatura, com menos força física e menos inteligência. A partir do século XVIII, a Igreja começa a afastar a criança de algumas atividades dos adultos das quais até então participavam e formam as primeiras instituições de ensino separadas para elas. Ao longo do tempo houve uma progressiva mudança na mentalidade a respeito da infância e do papel materno, aumentando a importância atribuída à criança, aos primeiros anos de vida e, paralelamente, à relação mãe-filho. Como assinalam Papalia e Olds (2000), no século XIX, alguns acontecimentos foram decisivos para que se iniciasse o estudo científico do desenvolvimento infantil: A descoberta sobre a concepção A discussão sobre a importância da hereditariedade e do meio A queda do índice de mortalidade infantil A mão-de-obra mais barata ajudou a afastar as crianças de certos trabalhos Novas leis de proteção à infância recapitulação tenha sido criticada e abandonada, Stanley Hall teve uma contribuição histórica muito significativa para a Psicologia do Desenvolvimento. 6 2. Conceito, objetivo e evolução do campo da Psicologia do Desenvolvimento A definição de Papalia e Olds (2000) sobre o campo do desenvolvimento humano parece muito precisa: “O campo do desenvolvimento humano focaliza o estudo científico de como as pessoas mudam, e também de como ficam iguais, desde a concepção até a morte. As mudanças são mais óbvias na infância, porém ocorrem durante toda a vida.” (Papalia & Olds, 2000, p.25) De fato, ao longo da vida, as pessoas passam por inúmeras mudanças. Assim, o campo da Psicologia do Desenvolvimento Humano se dedica ao estudo das chamadas mudanças de desenvolvimento, caracterizadas como sendo sistemáticas e adaptativas (Papalia e Olds, 2000). Neste sentido, diz-se que a Psicologia do Desenvolvimento tem como objetivo estudar, descrever e explicar os princípios gerais que regem o curso de mudanças significativas ao longo da vida. Biaggio (apud Papalia e Olds, 2000) distingue três fases na evolução do campo da Psicologia do Desenvolvimento: Primeira Fase – Décadas de 1920 – 1930 Realização de estudos descritivos baseados em observação natural com vistas ao estabelecimento de normas/padrões (Escalas como a de Gesell, nos EUA, e Binet, na França), O conceito central é o de maturação – rótulo que resume e descreve observações, mas não explica causas. 7 Segunda fase – Décadas de 1940 – 1950 Realização de estudos correlacionais, com interesse em explicar relações entre variáveis, por exemplo, relação entre inteligência e nível socioeconômico, atitude materna e ajustamento dos filhos. Conceitos teóricos ainda não muito bem sistematizados, embora se observe influência da Psicanálise e da obra de Jean Piaget. Terceira fase – A partir do início da década de 1960 Surge uma maior preocupação em explicar causas, indo além das descrições e das correlações. Aparecem estudos experimentais. As teorias são variadas, incluindo as de Piaget e Vygotsky. Há, a partir desta fase, um grande avanço nas pesquisas. Uma das abordagens mais relevantes é denominada de perspectiva de Life Span (curso de vida). Consiste no olhar sobre o processo de desenvolvimento como um fluxo contínuo de complexas transformações, da concepção até a morte. Uma abordagem teórica que exemplifica esta perspectiva é a de Erik Erikson, com sua descrição dos diversos desafios a serem superados em diferentes períodos do curso da vida. Embora a Psicologia do Desenvolvimento enfoque os principais processos no curso do desenvolvimento a fim de descrever sequências gerais, vale ressaltar a influência das diferenças individuais. Duas pessoas nunca serão iguais, nunca passarão exatamente pelos mesmos processos de desenvolvimento. A compreensão do desenvolvimento de forma ampla necessita uma discussão sobre as diferentes fontes de influência sobre o desenvolvimento. 8 3. Abordagens ao estudo do desenvolvimento humano A Psicologia do Desenvolvimento é um campo de investigação que se dedica a questões muito variadas relacionadas a diferentes dimensões das mudanças desenvolvimentais (emocional, cognitiva, social, etc.). Certamente este campo está indissociado de outras áreas dentro da Psicologia (Psicologia de processos básicos, como a percepção e memória, Psicologia da personalidade, Psicologia escolar, etc.) e também tem relações com outros campos do saber (Antropologia, Sociologia, Biologia, etc.). Diversos autores deram contribuições significativas para a Psicologia do Desenvolvimento (Jean Piaget, Sigmund Freud, Lev Vygotsky, Arnold Gesell, Erik Erikson, Albert Bandura, Urie Bronfenbrenner, entre outros). Estes autores contribuíram em diferentes áreas de investigação e tiveram enfoques teóricos diversificados. Classificações das teorias de desenvolvimento são até certo ponto arbitrárias, mas podem ajudar os leitores iniciantes nesta área a uma melhor organização. Neste sentido, apresenta-se uma possível classificação das teorias de desenvolvimento em quatro grandes grupos, baseada em Bee (1996)3: Teorias Biológicas A proposição mais básica das teorias biológicas de desenvolvimento é a de que tanto os nossos padrões comuns de desenvolvimento quanto nossas tendências comportamentais individuais únicas são parcial ou inteiramente programados pelos genes, ou são 3 BEE, Helen. O ciclo vital. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. 9 influenciados por processos fisiológicos, como as mudanças hormonais. Os teóricos de orientação biológica não afirmam que o ambiente não é importante – ninguém assumiria uma posição tão extrema. Mas a programação genética é vista por muitos psicólogos como uma estrutura poderosa, afetando tanto os padrões de desenvolvimento compartilhados quanto os individuais. Esta visão pode ser ilustrada pela teoria maturacional de Gesell4 e pela ênfase dos geneticistas do comportamento sobre o componente genético na maioria dos comportamentos, se não em todos. Teorias de Aprendizagem Os teóricos da aprendizagem partiram da outra extremidade do debate sobre natureza/meio ambiente, enfatizando o papel dominante da experiência. Albert Bandura vê o comportamento humano como imensamente plástico, moldado por processos predizíveis de aprendizagem. Dois desses processos são o condicionamento clássico e o condicionamento operante. A aprendizagem também pode ocorrer simplesmente como resultado de observarmos alguém a realizar uma ação. A aprendizagem deste tipo, chamada de aprendizagem por observação ou modelagem, está envolvida em uma ampla variedade de comportamentos. Teorias Psicanalíticas Existe todo um grupo de teorias chamadas psicanalíticas. No campo do desenvolvimento, destacam-seos estudos de Sigmund Freud e Erik Erikson. A suposição mais distintiva e central da abordagem psicanalítica é a de que o comportamento é governado por processos inconscientes. Freud propôs a existência de uma energia ou impulso sexual instintivo, inconsciente, chamada libido. Ele argumentava que essa energia é a força motriz de todos os nossos comportamentos. Erikson, por sua vez, propôs uma forma de compreender o desenvolvimento humano a partir da perspectiva life span (ciclo de vida). 4 Cabe lembrar que Gesell utilizou o termo maturação para descrever padrões seqüenciais de mudança geneticamente programados. 10 Teorias cognitivo-desenvolvimentais Os teóricos cognitivo-desenvolvimentais têm um interesse primariamente no desenvolvimento cognitivo. A figura central é Jean Piaget. As detalhadas observações de Piaget sobre o pensamento das crianças levaram-no a várias suposições, sendo a mais central a de que a natureza do organismo humano é adaptar-se ao seu ambiente. Em contraste com muitos teóricos da aprendizagem, Piaget não acha que o ambiente molda a criança. Em vez disso, a criança (como o adulto) busca ativamente compreender o seu ambiente. Nesse processo, ela explora, manipula e examina os objetos de seu mundo. Outro autor muito significativo neste enfoque é Lev Vygotsky, que destacou a importância da interação social para a compreensão do desenvolvimento cognitivo. Enfatiza que o desenvolvimento da criança se dá num ambiente social e nas interações que ela estabelece com os outros. 11 4. Ciclos da vida O ciclo de vida humano pode ser subdividido em diferentes momentos. Embora a infância tenha recebido destaque nos estudos sobre desenvolvimento humano, todas as fases da vida têm sua importância para a compreensão dos processos humanos de desenvolvimento. É possível encontrar diferentes formas de subdividir as etapas do desenvolvimento, dependendo do autor que se toma como referência. Outro aspecto importante deve ser destacado: as faixas etárias indicadas são norteadores, não devem ser vistas como elementos únicos, rígidos. Ou seja, as faixas etárias nos servem como parâmetros, mas devem se vistas de modo a considerar as diferenças culturais, sócio- econômicas e as diferenças individuais. Embora as pessoas passem pela mesma sequência geral de desenvolvimento, devemos lembrar que há grandes diferenças individuais. Sabe-se que o ritmo, a velocidade, o estilo de desenvolvimento podem variar, mas isso não impede que a Psicologia do desenvolvimento procure criar teorias que expliquem as seqüências gerais, típicas de desenvolvimento. Período do ciclo de vida Faixa etária aproximada Período pré-natal Da concepção ao nascimento Primeira infância Do nascimento aos 2 anos Segunda infância ou Período pré-escolar De 2 aos 6 anos Terceira Infância ou Meninice De 6 a 12 anos Adolescência De 12 a 20 anos Adulto-jovem De 20 a 40 anos Meia idade De 40 a 65 anos Terceira Idade A partir de 65 anos 12 Durante o processo de desenvolvimento, os sujeitos passam por mudanças quantitativas e qualitativas. As mudanças quantitativas são mudanças em número ou em quantidade, por exemplo, aumento de peso, altura, vocabulário. As mudanças qualitativas são mudanças na estrutura, na organização, na qualidade de um determinado aspecto do desenvolvimento. Por exemplo, um bebê de 6 meses não é capaz de usar a linguagem produtiva (falar), aos 12 ou 14 meses, já será capaz de falar e articular as primeiras palavras. Isso resulta numa mudança qualitativa, de um bebê que antes explorava o mundo basicamente através dos sentidos e da ação e que, aos poucos, vai poder também explorar o mundo através da sua linguagem. 13 5. Fontes de influência sobre o desenvolvimento humano O desenvolvimento humano é um processo amplo que só pode ser explicado por uma variedade de fontes de influência. Uma discussão ampla nesta área é a da influência da hereditariedade e do ambiente. A hereditariedade diz respeito àquilo que as pessoas herdam geneticamente e o ambiente diz respeito às influências que vêm do mundo externo, das condições familiares, sociais, econômicas, etc. Além desta discussão clássica sobre a hereditariedade e o ambiente, os autores discutem também duas grandes categorias explicativas dos processos de desenvolvimento, são elas: fontes de influência normativas e não-normativas. As fontes de influência normativas referem-se às mudanças próprias de determinada fase do desenvolvimento. Essas influências podem ser biológicas, por exemplo, a puberdade e a menopausa são eventos normativos biológicos pelos quais passam as pessoas em seu processo de desenvolvimento. Essas são influências compartilhadas. As influências normativas podem também ser culturais, por exemplo, pessoas que vivem em um mesmo grupo social habitualmente ingressam na escola numa mesma época do desenvolvimento e começam a trabalhar numa determinada época de sua vida. Note que esses exemplos são de fontes de influência que as pessoas compartilham por estarem vivendo em um mesmo grupo, sendo, portanto, normativas. Já as fontes não-normativas são aquelas que dizem respeito à história de vida de uma pessoa ou um grupo em particular. Por exemplo, para determinada pessoa, foi uma fonte de influência em sua vida ter perdido um dos pais durante a infância, para outra, foi uma fonte de influência ter se mudado com a família para outro país quando tinha 12 anos. Para os moradores de uma pequena cidade, o ataque aéreo que bombardeou algumas de suas 14 vilas também foi uma fonte de influência não-normativa. Ou seja, as influências não- normativas dizem respeito aos eventos particulares, que não são compartilhados com as pessoas em geral e, ainda assim, marcam o processo de desenvolvimento. O processo de desenvolvimento resulta de uma gama de fontes de influência e tem sido um dos grandes desafios desta área do conhecimento elaborar teorias de desenvolvimento humano cada vez mais multifatoriais. Qualquer resultado ou processo de desenvolvimento só se explica por um conjunto fatores, posto que nenhum fator excluso é suficiente para dar respostas. Outro fator relevante é a capacidade humana de plasticidade. Este conceito, um dos mais importantes nesta área, refere-se à capacidade de mudança das pessoas em função das circunstâncias. As pessoas têm capacidade de se modificar como resultado das experiências de vida, sejam positivas ou negativas. Esse potencial de mudança é grande, mas não é ilimitado. Um dos desafios desta área é entender os limites e as possibilidades de plasticidade das pessoas ao longo do desenvolvimento. 15 6. Estudos sobre gêmeos A discussão sobre a influência da hereditariedade versus ambiente remonta à filosofia e tem sido também importante no estudo do desenvolvimento humano. Para os psicólogos do desenvolvimento, esta discussão reflete a pergunta sobre quais os padrões do desenvolvimento seriam herdados e quais seriam aprendidos com a experiência. A tendência hoje em dia é considerar essas duas fontes de influência como complementares, não como aspectos opostos e excludentes. Os psicólogos do desenvolvimento se interessam em compreender os padrões ouinclinações inatas e ao mesmo tempo as possibilidades de mudança em função do ambiente e da experiência. A área que estuda as influências da herança genética sobre o comportamento humano chama-se genética do comportamento. A genética do comportamento utiliza métodos de pesquisa em que compara gêmeos idênticos e gêmeos fraternos e também compara crianças adotadas e filhos biológicos. Esta área de estudos tem apontado que os fatores genéticos explicam bem mais do que as diferenças físicas tais como: altura, peso, etc. Fatores genéticos provavelmente respondem por diferenças em níveis de inteligência e capacidade de leitura, por exemplo. Fatores ligados à depressão, dependência química, ansiedade também têm fontes de explicação em aspectos herdados, geneticamente determinados. Sem contar o temperamento, que é fortemente influenciado pela herança genética. Há alguns exemplos que mostram muito bem como os fatores ambientais e a herança genética estão entrelaçados. Podemos supor uma criança que herdou de seus pais 16 um nível de inteligência alto. Possivelmente, essa criança vai também viver em um ambiente que estimule o seu desenvolvimento intelectual. Os pais devem, provavelmente, ser pessoas que dão valor à leitura, aos estudos, que estimulam atividades culturais e incentivam o conhecimento. Neste caso, há simultaneamente o fator genético e o fator ambiental, que diz respeito ao modo como a família encara e estimula a atividade intelectual. Como são feitos os estudos de gêmeos? O primeiro ponto que se deve lembrar é que quando os gêmeos são idênticos, eles possuem o mesmo padrão genético porque foram gerados a partir do mesmo óvulo fertilizado. Os gêmeos fraternos foram gerados a partir de óvulos que foram fecundados separadamente e, por isso, não têm exatamente o mesmo material genético. Um aspecto também muito interessante que tem sido estudado é o caso de gêmeos idênticos que foram criados separados um do outro. Esses estudos permitem discutir as relações entre aspectos genéticos e ambientais quando se compara esses gêmeos em termos de características individuais e do seu processo de desenvolvimento ao longo da vida. Outra estratégia que tem sido usada pelos pesquisadores na área do desenvolvimento humano é estudar crianças adotadas. Procura-se comparar as semelhanças das crianças com seus pais biológicos e entre elas e seus pais adotivos. Essas comparações permitem discutir as semelhanças relacionadas aos aspectos biológicos e as semelhanças relacionadas aos aspectos ambientais. Ao longo dos anos, têm sido realizados muitos estudos de gêmeos. Podemos ilustrar alguns desses estudos com pesquisas sobre QI (quociente de inteligência) e sobre características de personalidade. Estudos realizados por Wilson, em 1983, mostraram que, durante o primeiro ano de vida, gêmeos idênticos não eram mais similares que os gêmeos fraternos nas avaliações de desenvolvimento mental. Entretanto, quando tinham um ano e meio, as diferenças já eram percebidas: gêmeos idênticos apresentavam desempenhos mais parecidos do que os gêmeos fraternos. Estes estudos mostraram que os gêmeos idênticos eram muito parecidos em seu desempenho intelectual durante uma fase da vida, que compreendia dos 3 aos 15 17 anos. Os gêmeos fraternos já não eram tão parecidos em termos de desempenho intelectual. Um projeto de pesquisa chamado Texas Adoption Project, realizado por Loehlin e colaboradores, em 1994, investigou crianças adotadas e comparou as medidas de QI das crianças com as de suas mães e pais adotivos e biológicos. Estes estudos mostraram que QI da criança era predito pelo QI dos pais biológicos e não dos pais adotivos, com quem eles tinham passado a sua infância. Assim, os estudos de QI com gêmeos e com crianças adotadas têm mostrado um componente biológico importante naquilo que os pesquisadores medem e chamam de QI. Quando se discute a influência genética em características de personalidade, algumas dimensões aparecem com frequência, como a característica introversão/extroversão, que significa o quanto a pessoa é tímida e sente menos confortável junto a outras pessoas, ou o quanto a pessoa é expansiva e tem mais facilidade para atividades que envolvem trocas sociais. Neste aspecto, a hereditariedade mostra efeito moderado. Outro aspecto estudado é a empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro, de ser sensível às necessidades do outro. Os estudos sobre empatia acompanham gêmeos idênticos e fraternos desde o início da infância e têm mostrado que os gêmeos são mais parecidos em seu nível de empatia do que gêmeos fraternos ou irmãos não gêmeos. Nesse sentido, argumenta-se que a empatia tenha um componente razoavelmente importante relacionado à genética. Voltando ao ponto discutido anteriormente, o ambiente que as pessoas compartilham é um importante fator na formação da personalidade. O ambiente familiar é muito importante e sabe-se que os pais tendem a tratar os seus filhos de um modo semelhante, com os mesmo valores religiosos, morais. Essas são chamadas de influências ambientais compartilhadas e são tão importantes ou mais importantes que os genes na explicação de semelhanças entre irmãos. Vários autores destacam, entretanto, as chamadas influências ambientais não compartilhadas – experiências que acabam por distinguir umas pessoas das outras. Por exemplo, os pais não tratam seus filhos de modo idêntico, há diferenças esperadas em várias dimensões: gênero, posição de nascimento, semelhanças e diferenças com os pais, etc. 18 Deve-se lembrar que viver em um mesmo ambiente não significa compartilhar exatamente a mesma história. Para finalizar a discussão sobre a influência da genética sobre o comportamento, trataremos das doenças mentais. Muitos pesquisadores têm se perguntado sobre a base hereditária da doença mental. O assunto é muito amplo e merece uma discussão detalhada. Vamos nos ater aqui à esquizofrenia. A esquizofrenia é uma doença mental que se caracteriza, entre outros aspectos, por alterações na expressão emocional, no pensamento, na percepção e no comportamento. Pesquisas com gêmeos esquizofrênicos apontam para uma relação significativa com aspectos hereditários. A incidência de esquizofrenia em gêmeos idênticos é significativamente maior do que em gêmeos fraternos, o que aponta um componente genético importante. Os estudos também investigam a incidência de esquizofrenia em pais e filho biológicos e apontam que crianças que têm um dos pais biológicos com esquizofrenia têm mais chance de se tornarem esquizofrênicas. Não se trata de um determinismo, mas de um aumento na incidência desta doença mental entre membros de uma mesma família. Para finalizar, deve-se mencionar que as pessoas herdam predisposições para desenvolver certas doenças mentais, mas o ambiente é um fator decisivo para que tais doenças se manifestem ou não. Mesmo quando a história familiar sugere uma predisposição genética, é necessário que a pessoa passe por um conjunto de experiências para que a doença mental seja desencadeada. 19 7. O modelo ecológico do desenvolvimento: a visão de Urie Bronfenbrenner Como discutido nas aula anteriores, há muitos fatores que influenciam o processo de desenvolvimento. Urie Bronfenbrenner propõe um modelo explicativo para o desenvolvimento humano que leva em conta o contexto social amplo no qual o indivíduo está inserido. O modelo ecológico – como é chamada a formulação de Bronfenbrenner – aponta para a necessidade de descrição e análise sistemáticas dos contextos,das interconexões entre eles e dos processos através dos quais eles podem afetar o desenvolvimento. Este autor reforça a idéia de que é preciso, ao estudar o comportamento e desenvolvimento humanos, levar em conta não só a situação imediata na qual o indivíduo está, mas também os diferentes sistemas que envolvem o indivíduo: microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema. O conhecimento destes sistemas permite diferenciar as propriedades ecológicas dos contextos de desenvolvimento humano, na medida em que eles tratam de esferas ou dimensões variadas que envolvem o sujeito. O microssistema inclui as atividades, papéis e relações interpessoais que se dão entre as pessoas em um determinado ambiente físico e material. O mesossitema inclui as inter-relações entre dois ou mais ambientes nos quais a pessoa em desenvolvimento participa ativamente (tais como: as relações em casa, na escola, no trabalho). Os mesossistemas são continuamente modificados sempre que a pessoa 20 começa a participar de um novo ambiente. Já os exossistemas são aqueles ambientes dos quais a pessoa não participa diretamente, mas nos quais ocorrem eventos significativos que a afetam. Por exemplo, para uma criança, seriam exossistemas: o local de trabalho dos pais, a rede de amigos dos pais. Os macrossistemas seriam as diferentes culturas (exemplos: os sistemas de crenças, as ideologias, as formas e conteúdos das relações interpessoais) que envolvem todos os outros sistemas. O modelo ecológico serve como base para investigações sobre o desenvolvimento integradas a diferentes esferas do contexto social (exemplos: as relações em casa, a vizinhança, contexto cultural, época histórica). Segundo essa perspectiva, as investigações sobre o processo de desenvolvimento humano devem considerar a criança e o ambiente como um sistema interativo. 21 8. Desenvolvimento e sistema familiar Há muitas formas pelas quais o sistema familiar tem implicações sobre o desenvolvimento do sujeito. Por exemplo, a qualidade e o bem-estar emocional dos pais, o tom afetivo da família, as expectativas dos pais, a maturidade emocional e a disponibilidade afetiva dos pais, as formas de educação, etc. Alguns desses aspectos serão discutidos a seguir, já destacando que apenas ilustram o tópico, estando longe de esgotar o tema. Estudos têm indicado que o bem-estar emocional de mães e pais é um importante preditor das práticas parentais em relação às crianças e tem implicações significativas sobre o desenvolvimento infantil. Embora inúmeros indicadores venham sendo utilizados para avaliar o bem-estar emocional parental, dois têm recebido atenção especial dos pesquisadores: estresse de sobrecarga de tempo e depressão. O estresse de sobrecarga de tempo é um tipo de estresse (este compreendido de forma mais ampla) que se mostra pelo sentimento de sobrecarga, bem como pela sensação de que a quantidade de atividades cotidianas que devem ser realizadas é maior do que o tempo disponível para sua realização. Com frequência, pessoas que vivenciam estresse de sobrecarga de tempo reduzem horas de sono, sentem-se aprisionadas pela rotina, avaliam que não têm tempo para descanso e lazer e reportam que o tempo para estar com filhos, amigos e familiares é insuficiente. Este tópico tem sido discutido e pesquisado na área da psicologia parental por suas implicações sobre o relacionamento entre pais e filhos. 22 A depressão é, reconhecidamente, um quadro que tem implicações sobre toda a rede de relacionamentos dos indivíduos e suas implicações sobre a relação entre pais e filhos têm sido amplamente documentada na literatura. Estudos têm apontado que o bem-estar emocional depende de um conjunto de fatores. Algumas variáveis socioeconômicas, por exemplo, têm sido frequentemente associadas ao bem-estar emocional. A dificuldade econômica afeta o bem-estar emocional dos pais, o que, por sua vez, leva a uma prática parental com menos suporte e com consequências negativas sobre o desenvolvimento da criança. A dificuldade econômica, baixa escolaridade, baixa renda, trabalho instável, perda financeira ou pressão econômica, devem também ser vistos como um dos fatores atrelados à qualidade do bem-estar emocional de pais e mães. Outro aspecto também importante é a rede de apoio social da família. A rede de apoio é constituída por pessoas (ou instituições) de fora da família que dão aos pais algum tipo de suporte, instrumental ou material, emocional, conselhos e informação sobre cuidado e educação. Neste sentido, a rede de apoio colaboraria para o bem-estar, diminuindo o estresse e a sobrecarga, dando suporte psicológico e material para os pais. O exercício da paternidade/maternidade envolve diferentes dimensões. Estudos têm focalizado, entre outros aspectos, a percepção dos pais e mães sobre o seu próprio desempenho quanto à sua competência, satisfação, integração e investimento no exercício deste papel; formas como os pais interagem com seus filhos; estilos de punição e medidas disciplinares empregadas; confiança no próprio conhecimento sobre a criação de filhos; e avaliação do nível de dificuldade vivenciada para lidar com eles. Pesquisas indicam que pais que se avaliam mais competentes no desempenho de papel parental tendem a interagir com seus filhos de forma mais calorosa, sensível e responsiva, promovendo mais situações que estimulam o desenvolvimento. O USO DA PUNIÇÃO Outro ponto importante é discutir o uso da punição. Na psicologia do desenvolvimento, utiliza-se o termo “harsh parenting” para descrever um tipo de exercício do papel parental que varia em um contínuo entre interações ásperas, com uso de 23 estratégias coercitivas e punição corporal até o emprego sistemático e extremo de punição física e crueldade com as crianças. A aspereza na interação e abuso parental representam importantes fatores de risco para o desenvolvimento das crianças, sendo associados, por exemplo, à delinqüência, ao consumo de drogas e a dificuldades de relacionamento social. Adicionalmente, deve-se mencionar que estudos têm indicado que a transmissão intergeracional é um dos mecanismos de propagação da aspereza na interação entre pais e filhos. Aliada à questão da aspereza na interação, está a questão da punição e das medidas disciplinares adotadas. Vários aspectos estão envolvidos no uso da punição e na escolha de medidas disciplinares. A ênfase exagerada dos pais e mães no controle do comportamento dos filhos é um dos aspectos importantes. Por exemplo, quando entendem que devem ter absoluto controle do comportamento dos filhos, os pais tendem a usar uma disciplina mais dura e, inclusive, aproximar-se do abuso. Pesquisas indicam que pais que cometem abusos com os filhos tendem a considerar a punição como fator central na sua relação com eles. No sistema familiar, as formas de relação podem variar em qualidade. Por exemplo, algumas famílias se caracterizam por ter formas de relacionamento rígidas e dominadas por afetos negativos. Em outras, predominam relações mais adaptativas, flexíveis. O estudo do desenvolvimento humano, portanto, engloba o estudo das formas de relacionamento familiar e as interfaces entre os aspectos individuais e sociais. RESILIÊNCIA O termo resiliência vem da física e significa a propriedade de um corpo que foi deformado voltar ao estado original quando cessam as fontes de tensão. Na Psicologia, este conceito tem sido aplicado há pouco mais de 20 anos para estudar a capacidade humana de reorganizaçãodepois das adversidades. Resiliência é definida como a capacidade humana de recomposição, de renascer das adversidades e vir fortalecido, com mais recursos, seguindo em um curso de vida saudável. Esta capacidade humana de superação de desafios e adversidades tem chamado a atenção de psicólogos. A resiliência está associada a fatores de risco. Não existirá resiliência sem o risco. 24 Os eventos traumáticos, dramáticos e adversos têm grande potencial para predispor pessoas e grupos a resultados negativos de desenvolvimento. Muitos podem ser os fatores de risco: pobreza extrema, dependência química, eventos estressantes, ausência de rede apoio, baixo nível socioeconômico. Habitualmente, os fatores de risco são vistos como predispondo a resultados negativos de desenvolvimento. Na condição de fatores de risco emergem os fatores de proteção. Podemos entender como fatores de proteção características que diminuem a probabilidade de um resultado negativo, como coesão do grupo familiar, apoio social, elevada auto-estima, entre outros. A resiliência é um processo que vai além da capacidade humana de sobreviver a dificuldades na vida. Sobreviver a eventos traumáticos não necessariamente significa ser resiliente. Por exemplo, algumas pessoas sobrevivem a eventos adversos, mas ficam em uma posição de vitimização, alimentam seu sofrimento e vivem cercados de culpa e raiva. A resiliência é um processo diferente do “sobreviver” porque é uma capacidade que permite ir em frente de modo saudável, organizado. É muito importante destacar que resiliência não significa invulnerabilidade, não significa ser auto-suficiente, não significa tampouco não sofrer com a dor e as adversidades. A idéia de invulnerabilidade supõe pessoas “blindadas”, impenetráveis ao estresse ou à dor. A invulnerabilidade é incompatível com a condição humana. As pessoas são vulneráveis, mas as que são altamente resilientes têm uma maior capacidade de se reerguer depois das adversidades, de se recompor e viver uma vida plena. As pessoas resilientes não são intocadas pela experiência dolorosa, já que a vivência da dor é necessária para sua superação. Numa cultura que não tolera a dor e o sofrimento, há uma tendência equivocada de negar o sofrimento e a dor5. A Psicologia do Desenvolvimento tem estudado indivíduos resilientes e muitos estudos tentam entender como crianças filhas de pais perturbados mentalmente, com fatores de risco social, vítimas de abuso e negligência, podiam ter vidas saudáveis e estar emocionalmente preservadas. 5 O processo de desenvolvimento é cercado por crises e eventos desafiadores. O símbolo chinês para a palavra crise é composto por dois pictogramas, os símbolos de perigo e oportunidade. Certamente que não desejamos crises ou adversidades, mas nossos momentos de crise podem representar ao mesmo tempo momentos de oportunidade de mudança e crescimento. 25 Pesquisas têm sido realizadas para investigar os fatores que poderiam explicar a resiliência. Walsh é uma das grandes autoras nessa área e estuda, não só a resiliência individual, mas também a resiliência do grupo familiar. Essa autora destaca que a resiliência depende, por exemplo, da forma como a pessoa consegue extrair significado da adversidade, do quanto consegue ter uma perspectiva positiva sobre a vida e da sua transcendência e espiritualidade6. Podemos enxergar o mundo de formas muito diferentes. Nossos sistemas de crenças envolvem nossos valores, convicções e forma de entender a vida, estando na base de nosso diante da vida. Ou seja, nossos sistemas de crenças são fundamentais para a resiliência em maior ou em menor grau. A coragem pessoal e também o encorajamento recebido por parte da família, dos amigos e do grupo social são elementos interligados que podem favorecer a resiliência. O otimismo aprendido é um conceito proposto por Seligman e significa o reconhecimento de que os esforços e ações não são em vão. Em nível individual, pessoas resilientes tendem a ver o “fracasso” como oportunidade de aprendizado, não exatamente como derrota. Pessoas mais resilientes mostram o que alguns autores chamam de ilusões positivas, ou seja, a capacidade de manter a esperança diante da crise, permitindo que se utilizem todos os recursos para enfrentar as dificuldades. Para finalizar, deve-se destacar que a resiliência não é uma característica imutável. Isto significa dizer que as pessoas podem mostrar níveis diferenciados de resiliência ao longo da vida, em diferentes momentos de sua história. 6 As pessoas com crenças transcendentes tendem a encontrar um significado maior na vida. Isto habitualmente vem associado a alguma fé espiritual, não necessariamente a uma religião. A espiritualidade costuma oferecer conforto nas situações de angústia, tornando eventos inesperados menos ameaçadores e ajudando na aceitação de situações que não podem ser modificadas. 26 9. Desenvolvimento físico O desenvolvimento humano ocorre em diferentes esferas: física, social, emocional, cognitiva. Todos esses elementos são integrados em um processo constante de mudança em diferentes momentos do ciclo de vida. Para fins didáticos, vamos estudar essas dimensões separadamente. O desenvolvimento físico é um elemento essencial neste processo porque possibilita mudanças em outras esferas. O desenvolvimento da capacidade de deslocamento, da exploração do mundo, da capacidade de distanciamento e separação física em relação aos pais, por exemplo, dependem de que a criança mude do ponto de vista físico e isso permita a elas se colocar de pé, engatinhar, andar. Por outro lado, o crescimento físico possibilita que a criança desenvolva habilidades tais como: coordenar as mãos, pegar objetos, conhecer as propriedades dos objetos do mundo, como os eventos do mundo acontecem, quais as consequências da sua própria ação sobre os objetos. A variedade de atividades que o crescimento físico proporciona tende a ampliar o universo da criança e estimular o desenvolvimento da sua cognição. Como o processo de desenvolvimento ocorre em um contexto relacional, as mudanças físicas que acontecem com a pessoa (criança ou adulto) têm implicações sobre a interação com os outros. A relação com uma criança que sabe andar, por exemplo, é diferente daquela que se tem com uma que ainda não anda. O parceiro social irá se ajustar ao perfil da criança, vai escolher brincadeiras específicas, apresentar desafios diferentes, 27 brinquedos diferentes. As expectativas do adulto em relação à criança na medida em que ela passa por diferentes fases do desenvolvimento físico são diferentes. Mudanças no domínio físico estão relacionadas a mudanças no domínio psicomotor. No âmbito motor, estão incluídas as atividades motoras amplas, como correr, andar pular, e as atividades motoras finas, como pegar objetos, utilizar instrumentos, tais como colheres, lápis e pincéis, para a execução de diferentes atividades. O desenvolvimento motor está estreitamente relacionado ao desenvolvimento global da criança. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento físico também influencia a auto-imagem da criança, sua forma de perceber-se e atuar. Em muitos momentos, são utilizados exemplos do desenvolvimento infantil porque as mudanças físicas são mais evidentes nesta fase do desenvolvimento. Entretanto, as mudanças físicas têm repercussões em qualquer momento do ciclo de vida. Quando uma criança de 11 anos, por exemplo, entra na puberdadee começa a apresentar as mudanças físicas típicas deste momento, espera-se que elas venham acompanhadas de certas mudanças psicológicas e sociais. O amadurecimento físico e sexual dos jovens vem acompanhado de transformações muito intensas na forma como eles se vêem e na forma como são vistos pelo mundo social. 28 10. Desenvolvimento Cognitivo A cognição refere-se ao processo que nos permite conhecer o mundo e suas propriedades. Isso é possível porque utilizamos diversos processos cognitivos: atenção, percepção, aprendizagem, memória, linguagem e pensamento. O desenvolvimento cognitivo é marcado por mudanças nas capacidades mentais da criança, do jovem e do adulto. Há muitas contribuições valiosas ao estudo do desenvolvimento cognitivo. Nesta disciplina, vamos estudar este processo focalizando a teoria de Jean Piaget. Jean Piaget propôs uma teoria de grande generalidade que procura explicar a gênese e o desenvolvimento dos processos de obtenção de conhecimento, a Epistemologia Genética. Segundo Piaget, a criança constrói o conhecimento na sua interação com o objeto, entendido como o seu próprio corpo, as coisas, as pessoas, a natureza, os animais, os fenômenos da natureza, etc. Desde o nascimento, há processos internos que possibilitam a aprendizagem a partir da experiência sobre o meio e das condições que o meio lhe oferece. Isso implica em pensar num sujeito ativo que constrói seu conhecimento a partir da sua ação no ambiente. A biologia entra com os invariantes funcionais e com a bagagem reflexa. As estruturas cognitivas que vão possibilitar a obtenção do conhecimento serão fruto de processos de construção, pela equilibração. 29 Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo ocorre por períodos sucessivos que têm uma seqüência invariável e constante. Ou seja, um estágio A deve aparecer em todas as crianças antes de um estágio B. Os períodos de desenvolvimento cognitivo são: sensório- motor (0 a 2 anos), pré-operatório (2-7 anos), operatório concreto (7-12 anos) e operatório formal (12 anos em diante), cada um deles caracterizado por estruturas cognitivas específicas. Período da Inteligência Sensório-Motora A criança se desenvolve de um período neonatal, de completa indiferenciação entre o eu e o mundo, para uma organização coerente de ações sensório-motoras diante do ambiente imediato. Esta organização é inteiramente prática, pois abrange ajustamentos perceptivos e motores simples às coisas, e não manipulações simbólicas delas. Há seis estágios principais neste período, alguns dos quais se subdividem em subestágios. Estágio 1: O Uso dos Reflexos (0 - 1 mês) - O repertório de comportamentos do bebê é limitado a atividades reflexas: sucção, movimentos da língua, deglutição, choro, atividade corporal indiferenciada. Os reflexos simples do recém- nascido passam por modificações em consequência do contato com o meio ambiente. Os invariantes funcionais - a organização e a adaptação (assimilação e acomodação) serão o mecanismo central que permitirá a construção das estruturas cognitivas. Estágio 2: As Primeiras Adaptações Adquiridas e a Reação Circular Primária (1 - 4 meses) - As primeiras estruturas construídas são os esquemas de ação sensório-motores. A sucção, por exemplo, inicialmente é reflexa e, em seguida, passa a se dar por um mecanismo de esquema de sugar, um ato de sugar que foi transformado por processos adaptativos de assimilação do objeto do conhecimento ao sujeito e por acomodação das estruturas do sujeito ao objeto. Piaget introduz a noção de Reação Circular. Este termo se refere a uma série de repetições (ou uma repetição) de uma resposta 30 sensório-motora, neste caso, ainda voltada para a exploração e o conhecimento do próprio corpo. Estágio 3: A Reação Circular Secundária (4 - 8 meses) - Enquanto no estágio 2 a criança estava interessada nas atividades do seu próprio corpo (pega, toca, olha, ouve, suga), no Estágio 3, ela se interessa mais pelas conseqüências ambientais de suas ações (balança objetos, joga, bate, se interessa por sons e imagens que suas ações produzem nos objetos). A reação circular secundária consiste em tentativas de manter, através da repetição, uma mudança ambiental interessante que sua própria ação produziu acidentalmente. Estágio 4: Coordenação de Esquemas Secundários e sua Aplicação a Situações Novas (8 - 12 meses) - As reações circulares começam a se coordenar e formar novas totalidades de comportamento. No estágio 4, dois ou mais esquemas intercoordenam-se e formam uma nova totalidade. Há um enriquecimento das formas de exploração e conhecimento do mundo. Estágio 5: A Reação Circular Terciária e a Descoberta de Novos Meios Através da Experimentação Ativa (12- 18 meses) - A reação circular terciária surge gradualmente da secundária, como uma forma mais avançada e mais efetiva de explorar as propriedades dos objetos novos. A reação circular terciária consiste na descoberta de novos meios através da experimentação ativa. Enquanto na reação circular secundária, a criança percebia, na melhor das hipóteses, uma conexão vaga entre o comportamento e seu resultado e tentava reproduzir o resultado, ativando repetidamente e de forma mecânica o esquema de comportamento, na 31 terciária, ocorre a repetição com variações. A criança explora as potencialidades do objeto, variando a ação para verificar como isto afeta o objeto. A essência da reação circular terciária é a busca do novo, daqueles aspectos do objeto que não são inteiramente assimiláveis aos esquemas usuais. Estágio 6: Invenção de Novos Meios Através de Combinações Mentais (18 meses em diante) – Se a criança neste estágio deseja alcançar um objetivo, mas não encontra nenhum esquema habitual que possa lhe servir como meio, ao invés de fazer uma série de explorações sensório-motoras explícitas e visíveis, a criança inventa uma solução através de um processo encoberto, que corresponde à experimentação interna, a uma exploração interior de formas e de meios. Ao contrário de qualquer estágio anterior, a aquisição de algo realmente novo pode se dar implicitamente, antes da ação, e não mais através de uma série de assimilações e acomodações realmente realizadas. Nesse estágio, a criança é capaz de representar os acontecimentos ausentes no campo perceptual através do que Piaget chama de imagens simbólicas. Para Piaget, anteriormente à linguagem, a criança dispõe de recursos simbólicos de natureza motora ou imagística que lhe permitem algumas manipulações internas da realidade. Neste momento, estão construídas novas estruturas, agora simbólicas, que permitem à criança entrar em contato com o mundo de uma forma diferente. A função simbólica está presente e a criança é capaz de brincar de faz-de-conta, de usar a linguagem e desenhar. O estágio 6 marca a transição entre dois períodos e, durante esta fase, a criança deixa de ter nas suas ações sensório-motoras suas ações mais inteligentes e passa a poder fazer manipulações internas e simbólicas da realidade: evocação do passado, representação do presente e antecipação do futuro. Dada a sua possibilidade de ir além do presente imediato, o pensamento representativo pode ampliar seu campo para muito além das ações 32 concretas e reais do sujeito e dos objetos concretos e reais do ambiente. A inteligência sensório-motora, sendo uma inteligência da ação, restringe-se à busca de objetivos concretos de ação. Opensamento representativo, dada sua própria natureza, pode refletir sobre a própria organização dos seus atos. A possibilidade de ser autocontemplativo e não simplesmente ativo é inerente ao pensamento representativo. Período pré-operatório Neste momento, a criança é egocêntrica e demonstra frequentemente uma relativa dificuldade de assumir o papel de outra pessoa, ou seja, de considerar seu próprio ponto de vista como um entre muitos outros e de tentar coordená-lo com estes outros pontos de vista. Alguns exemplos comuns: a criança aprendeu qual é o seu lado direito e o seu lado esquerdo, mas não consegue identificar as mesmas posições de direito e esquerdo em uma pessoa que esteja de frente para ela. A criança faz pouco esforço de adaptar a sua linguagem falada às necessidades do ouvinte. O egocentrismo da criança pequena a leva a entender que todos pensam da mesma forma que ela e que o mundo inteiro compartilha de seus sentimentos e desejos. Este tipo de pensamento leva à onipotência mágica. O mundo é criado para a criança e ela pode controlá-lo. Este tipo de pensamento é animista, realista e artificialista. O Realismo é a tendência a atribuir existência real a acontecimentos que não são concretos, como os sonhos. O animismo é a tendência a atribuir vida, intenção, desejo, vontade, consciência e sentidos a elementos da natureza e a objetos. O artificialismo é a tendência a atribuir ao homem a responsabilidade pela criação dos fenômenos da natureza. Período das operações concretas A criança operatória concreta parece ter a capacidade de controlar um sistema cognitivo coerente e integrado, com o qual organiza e manipula o mundo. Tem uma organização cognitiva mais sólida e duradoura. Seu pensamento é mais lógico, menos autocentrado e menos fantasioso. A criança deixa de perceber a realidade a partir de si 33 própria e se relaciona com o mundo físico e social de modo mais consistente. Neste momento, a criança é capaz de compreender as conservações, ou seja, a compreensão de que certas propriedades (número, quantidade, etc) são conservadas em face de certas transformações. Além disso, é capaz de formar classes com mais propriedade e ordenar elementos de forma lógica, por tamanho, por exemplo. Período das operações formais O pensamento formal se caracteriza pela possibilidade de pensar sobre elementos puramente formais, sobre proposições que não tenham necessariamente nenhum tipo de vinculação com a realidade. Este tipo de pensamento se complexifica e se enriquece ao longo do processo de desenvolvimento na adolescência e vida adulta. 34 11. Desenvolvimento emocional e social A Psicologia do Desenvolvimento é constituída por diferentes escolas, com diferentes visões teóricas sobre os processos de desenvolvimento humano. Quando vai se discutir, por exemplo, o desenvolvimento emocional e social, há formas muito particulares de explicar este processo. Neste curso, vamos apresentar a teoria sócio-emocional de Erik Erikson. Para Erikson, o ser humano busca, ao longo de sua vida, a construção e o reconhecimento de sua identidade. Sua teoria considera o desenvolvimento da personalidade como algo que se desenrola da infância à velhice - mas reconhece na adolescência o período crucial para a formação da identidade. Erikson propôs uma série de 8 estágios para caracterizar o desenvolvimento ao longo da vida. Cada estágio da vida impõe um desafio ou uma crise normativa. Cada crise tem duas saídas possíveis, duas polaridades. Uma das polaridades vai predominar na resolução da crise, a qualidade que predomina é incorporada ao ego. A primeira crise é a da confiança básica X desconfiança básica (0 - 17 meses). Devido à característica de dependência, o bebê precisa de um parceiro que atenda as suas necessidades. O bebê deve aprender que precisa confiar em seus pais para a obtenção de alimento, conforto, segurança e amor. Quando esta confiança se desenvolve, a criança sente-se segura, sente que o mundo é um lugar estável e tranquilo de estar. A desconfiança básica é o sentimento oposto a este. Quando se desenvolve a confiança, há uma chance maior de a criança desenvolver autonomia na segunda fase. 35 A segunda crise é a da autonomia X dúvida e vergonha (18 meses a 3 anos). Neste momento, a crise principal vivida pela criança se refere a desenvolver sua autonomia ou uma dúvida em relação às suas capacidades. Este conflito está intensamente vinculado à questão da dependência e da autonomia. Quanto mais a criança desenvolver um sentimento de confiança nos pais, durante a primeira crise, mais ela vai ser capaz de ser autônoma e de fazer coisas independentemente, inclusive coisas que vão gerar a desaprovação e a repreensão dos pais. A autonomia reflete na capacidade de ousar, fazer, tentar. O oposto é desenvolver um sentimento de dúvida e vergonha em relação a si mesmo. A terceira crise é a da iniciativa X culpa (3,1 anos - 6 anos). As crianças desenvolvem mais ainda a capacidade de iniciar e realizar atividades. Os pais serão importantes no sentido de encorajar a criança em suas iniciativas ou em reforçar um sentimento de culpa pelas iniciativas. A quarta crise é a da produtividade X inferioridade (6 - 12 anos). O início da fase escolar de alfabetização marca esta crise, que vai durar 6 anos em média. Neste momento, a criança é exigida em termos de cumprir funções sociais e atender a demandas do grupo social. A criança começa a desenvolver habilidades necessárias para o trabalho em sua sociedade, ou seja, aprende as habilidades valorizadas pela sua sociedade (na nossa sociedade, a leitura, a escrita, a habilidade para relacionar-se com outras pessoas.). Ao ser exigida no desenvolvimento de tais habilidades, ela pode construir um sentimento de produtividade, sentindo-se capaz de dar conta das demandas, ou pode predominar nela um sentimento de incapacidade e inferioridade. A quinta crise é a da identidade X confusão de papéis (adolescência). O processo de formação da identidade já começou desde o nascimento, mas a adolescência é um momento especial por ser a fase em que o jovem está na transição da infância para a vida adulta e precisa de algum modo organizar quem ele é, integrar valores e costumes da sua cultura, aprender sobre si mesmo, fazer escolhas. São vários papéis que precisarão ser revistos: sexual, social, familiar, vocacional, político, etc. Como muitas coisas estão acontecendo ao mesmo tempo, os ajustamentos têm que ser muitos e o jovem precisa tomar uma série de decisões acerca de si. A sexta crise do desenvolvimento é a primeira crise da vida adulta e diz respeito à intimidade X isolamento (adulto jovem 25- 39 anos). Para Erikson, depois que o sujeito 36 passa pela crise de identidade (se isso acontece de modo sadio), ele já organizou sua identidade e pode então estabelecer relações verdadeiramente íntimas com outras pessoas, sejam relações amorosas e/ou de amizade. Se o sentido de identidade foi bem integrado na quinta crise, o adulto tenderá a ter um predomínio da capacidade de intimidade. Se o senso de confusão de identidade predominou, a chance de que o adulto se mantenha na condição de isolamento é maior. A sétima crise sócio-emocional do desenvolvimento é a da generatividade X estagnação (idade adulta intermediária - 40 a 65 anos). Neste momento da vida, segundo Erikson, a crise nuclear é vinculada à questão da continuidade. Possivelmente, neste momento, o adulto maduro já teve experiênciasvariadas, construiu uma família, trabalhou, fez escolhas pessoais em muitos sentidos e está envelhecendo, vendo (ou não) os frutos da sua própria vida. O conflito é a preocupação ou necessidade de orientar e cuidar da próxima geração, o que ele chama de sentimento de generatividade. Essa preocupação pode se expressar em relação a filhos e parentes mais jovens. Trata-se de uma necessidade de sentir que sua existência tem continuidade através de suas obras e realizações e que as novas gerações podem dar esse sentido. A estagnação seria a contrapartida negativa da generatividade. A última crise psicossocial do desenvolvimento é a da integridade X desesperança (65 anos em diante). O envelhecimento e a proximidade da morte podem acontecer de formas diferentes: com um sentimento de integridade e completude ou de debilidade física e/ou mental. A vivência da oitava crise é o momento final no processo humano e contínuo de formação da identidade. Se predomina um sentimento de integridade, o indivíduo sente o seu envelhecimento como um processo que é único e que faz sentido, encarando sua existência através de uma perspectiva positiva e vendo seu destino como único e válido apesar das dificuldades inerentes ao processo de envelhecimento. Se, por outro lado, predomina o sentimento de desesperança, sente-se fraco, impotente e sem capacidade de produzir mais nada. A velhice proporciona uma forma definitiva de identidade, onde o indivíduo pode determinar o quanto ele foi bem sucedido na sua vida, na sua trajetória. 37 12. Tendências da Psicologia do Desenvolvimento O estudo do desenvolvimento humano tem se modificado ao longo das últimas décadas. Cada vez mais, o desenvolvimento humano vem sendo visto como um processo complexo, explicado por múltiplos fatores. Sendo assim, diferentes níveis de análise têm sido amplamente explorados: individual, social, biológico e cultural. Desde estudos na área da genética do comportamento até estudos que englobam a ecologia do desenvolvimento humano e os sistemas sociais amplos que dão sentido aos processos de desenvolvimento, esse é o espectro amplo por onde circulam os estudos de desenvolvimento. A chamada "Ciência do Desenvolvimento" caracteriza-se justamente por um conjunto de estudos interdisciplinares para a compreensão dos processos de desenvolvimento humano, englobando esses diferentes níveis de análise. A Psicologia do desenvolvimento está sendo cada vez mais vista em termos das suas interfaces com outros campos. Possivelmente, idéias e métodos de diferentes áreas como a antropologia, a sociologia, a biologia, a lingüística e história são essenciais para se estudar processos humanos de desenvolvimento. Vários autores defendem a necessidade de unificação de diferentes teorias em psicologia e de integração de diferentes níveis de análise (por exemplo: biológico, individual, social) para que se possa investigar o desenvolvimento humano de forma mais completa. Uma importante tendência da psicologia do desenvolvimento é o estudo de trajetórias de desenvolvimento. A chamada perspectiva do "curso de vida" busca integrar aspectos relativos ao tempo, contexto e processos de mudança ao longo da vida. Esta área 38 estuda especialmente como as interações sociais impactam as trajetórias de vida das pessoas Trajetória é um conceito central nessa perspectiva e significa a sequência de eventos que acontecem no decorrer do desenvolvimento, como as experiências se configuram, o sentido que assumem, a organização que assumem em um processo permanente do nascimento à morte. Nessas trajetórias, há a relação dinâmica e as interfaces entre a mudança, a plasticidade humana a e estabilidade. O estudo do desenvolvimento humano é de fato complexo e está cercado por inúmeros desafios. O modelo ecológico de Bronfenbrenner é um ótimo exemplo de uma tendência contemporânea na Psicologia do Desenvolvimento e de um grande desafio de integração de saberes. Para finalizar devemos lembrar que as tendências atuais em Psicologia do desenvolvimento exigem, ao mesmo tempo, a construção e reflexão sobre métodos adequados de pesquisa e exploração dos fenômenos humanos de desenvolvimento.
Compartilhar