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A Cidade e o Moderno em Walter Benjamin

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1 
 
A CIDADE E O MODERNO EM WALTER BENJAMIN: PARA UMA ANÁLISE DE UM PONTO DE VISTA 
 
Apontamento sobre homogeneização do espaço público 
 
 
 
 
Luís Bento 
 
 
 
 
 
 
Trabalho de Seminário Corpo e Espaço na Arte Contemporânea 
 
Mestrado de Ciências da Comunicação – Comunicação e artes 
 
Professor Doutor José Bragança de Miranda 
 
 
 
 
 
 
JANEIRO 2017 
 
 
2 
 
 
 
 
Resumo 
 
 
 
 
 
O presente trabalho tem como objectivo analisar criticamente o modo como nos é 
proposta uma convocação de sentidos e memória no tratamento da cidade e do moderno, 
a partir da perspectiva de Walter Benjamin. Até que ponto podemos discutir o paradoxo 
da cidade assente, por um lado, no desenvolvimento do movimento humano e, por outro, 
na desumanização materializada na crescente modernidade, na homogeneização e 
configuração de tipologias arquitectónicas e vivências e o papel cada vez mais 
proeminente da esteticização. Usando como metodologia de trabalho a revisão 
bibliográfica e explorando os conceitos de corpo, palavra, memória, modernidade e a 
cidade como um todo estético experienciável, propomos abordar a questão analisando o 
processo crítico em Walter Benjamin nas Imagens de Pensamento, centrando a 
investigação no modo fragmentário como a ocupação do espaço, o desenvolvimento das 
cidades e a técnica, esvaziaram ou podem esvaziar o homem, permitindo-lhe apenas 
ocupar esses espaço completos, através da memória. Fazendo uso desse mesmo trabalho 
de revisão bibliográfica, a abordagem, interpretação e comparação de textos na linha dos 
paradoxos, sentidos e linguagens, escorada nas leituras de Theodor Adorno, Joseph 
Lewandowski, Wolfgang Welsch e outros, na linha programática já referida, constituirão 
o fio condutor do presente trabalho, com vista à interpretação do ponto de vista de Walter 
Benjamin. 
 
Palavras-chave: Corpo, espaço. memória, cidade, espaço, modernidade. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 
 
 
 
 
Introdução 
 
 
 
 
Numa época de grande preocupação com a geoestética em que se reconhece a importância 
e o primado da protecção da natureza por um lado e a sua intervenção ou capacidade 
estética por outro, verificamos que o tema se reveste de grande actualidade tendo 
suscitado, à época, abertura e análise por parte de Walter Benjamin. 
 As cidades são, por norma, espaços abertos, modernos, amplos, interligados. As 
tecnologias, o cinema, as artes, a estética, têm peso e desenvolvimento nas cidades. O 
mundo tornou-se densamente povoado e urbano, insustentável. As megacidades, que 
antes atraíam as populações com a ilusão do conforto e de um estilo de vida moderno e 
financeiramente aceitável, tornaram-se pesadelos com periferias sobrelotadas, gerando 
desilusão, desconforto e miséria. Os novos urbanistas criaram novo espaços, delimitados 
e delimitando estratos sociais. Os espaços públicos de debate desapareceram das novas 
cidades e passaram-se para os media e para as redes sociais. As cidades tornaram-se mais 
frias e formaram indivíduos desagregados e isolados, no que constitui uma imagem 
universalista da cidade globalizada. 
 
“O mundo está cada vez mais urbano a chegar a um nível insustentável 
entre taxas de crescimento demográfico e economia. A aglomeração de 
pessoas sem precedentes nas periferias produziu o espectro de um "planeta 
de favelas", sombrio. (…) A imagem da cidade moderna como entidade 
distinta e delimitada está quebrada como a globalização liderada pelo 
mercado.” 1 
 
1 “As the world becomes increasingly urban, dire predictions of an impending crisis have reached a feverish pitch. Alarming statistics on the huge and unsustainable gap between the rates of urbanization and economic growth in the global South is seen to spell disaster. The unprecedented agglomeration of the poor produces the specter of an unremittingly bleak “planet of slums.” The image of the modern city as a distinct and bounded entity lies shattered as market-led globalization and media saturation dissolve boundaries between town and countryside, center and periphery.” Prakash, Gyan. “Imaging the Modern City, Darkly”. Disponível em: http://press.princeton.edu/chapters/i9334.pdf, p. 1 [acedido em Janeiro de 2017] 
 
 
 
4 
Estas cidades criaram um novo homem, individualista, privado, que fica em casa, diante 
da televisão. A casa constitui o seu espaço, o seu conforto onde esquece a contradição do 
mundo e a falta de espaço exterior para o debate. Esta é uma situação actual que Walter 
Benjamin já havia estudado e aflorado no seu tempo: a necessidade de desenvolvimento 
humano obrigava à inscrição de um espaço definido com as condições para a sua 
evolução, caso contrário, o indivíduo seria coartado desse mesmo desenvolvimento: 
 
“O desenvolvimento de todo o movimento humano, quer ele derive de 
impulsos espirituais, quer naturais, pode contar com a resistência 
desmesurada do meio circundante.” (Benjamin. 2004, p. 23) 
 
Se, por um lado, as pessoas migraram dos campos para as grandes cidades, uma vez que 
a criação de infraestruturas permitia melhores condições de vida, por outro, o desenho do 
moderno tecido urbano e a construção de casas veio coartar as liberdades e “prender” o 
homem num espaço delimitado. 
 
“A crise da habitação e o controlo do tráfego entraram em acção para 
destruir completamente o símbolo elementar da liberdade europeia, que, 
sob certas formas, já existia na Idade Média: a liberdade de circulação. E 
se a coação própria da Idade Média prendia as pessoas a determinados 
complexos naturais, hoje elas estão acorrentadas a uma existência 
comunitária não-natural.”2 
 
Subentendendo-se, até, um certo paradoxo entre o desenvolvimento nas cidades e os 
transportes cada vez com mais meios e, ao mesmo tempo, com mais restrições de 
circulação: 
 
“Poucas coisas reforçarão mais a força fatal do impulso para o nomadismo 
que alastra do que as restrições à liberdade de circulação, nunca foi tão 
grande a discrepância entre a liberdade de movimentos e a abundância de 
meios de transporte.”3 
 
Neste ponto, levantam-se algumas questões, a atentar nas palavras de Walter Benjamin. 
Há, ao longo dos tempos um impulso natural para o movimento? Para o nomadismo? E 
de que forma veio a cidade cortar esse impulso? O desenvolvimento só existe na cidade? 
 São questões a que pretendemos dar o devido enquadramento mais adiante, mas 
que Walter Benjamin traz um pouco de luz sobre o tema, em palavras premonitórias 
daquilo em que se tornaram as cidades hoje em dia: uma cidade que dilui, esbate, 
 
2 Benjamin, Walter. 2004, p. 23 
3 Ibidem, p. 23 
5 
tranquiliza, amolece, uma cidade que perde o fulgor e se torna promíscua, uma cidade 
que a pretexto da paz e da segurança as fez perder o seu carácter natural de passagem: 
 
“Passa-se com a cidade o mesmo que com todas as coisas que vão perdendo 
a expressão da sua essência ao entrarem num processo imparável de 
promiscuidade e hibridação, que substitui o que é próprio pela 
ambiguidade.” (Benjamin. 2004, p. 23) 
 
Uma cidade que mantém o indivíduo numa zona de conforto e que, por isso, o conduz à 
estagnação, uma cidade castradora, burguesa, que tapa o horizonte e não deixa ver mais 
além: 
 
“As grandes cidades, cujo incomparável poder de tranquilizar e incutir 
confiança encerram os criadores num oásis de paz e lhes vai roubando, 
juntamente com a vista do horizonte, a consciência das forças elementares 
sempre despertas, (…)”4 
 
Cidade que, por via da insegurança leva o habitante a aceitar qualquer proposta ou aborto 
arquitectónico, ideia peregrina que veremos tratada, também mais adiante, por Wolfgang 
Welsch na sua tese da cidade como um todo estético, por via do embelezamento geral. 
 
“A insegurança,mesmo nas zonas animadas, precipita os citadinos naquela 
situação opaca e altamente assustadora na qual ele se vê obrigado a 
absorver, no meio das intempéries da planície deserta, os abortos da 
arquitectura urbana.”5 
 
Por outro lado, para além da sua análise do espaço em termos de castração das liberdades, 
Walter Benjamin debruça-se também sobre o efeito das cidades nos nossos sentidos. Com 
efeito, para além do movimento, o olhar desfocou-se, o indivíduo, o habitante da cidade, 
deixou de reparar nos pormenores no meio da azáfama e do movimento. Não se repara 
no pormenor e, com isso, perde-se a memória do passado, um passado, por vezes, 
glorioso: 
 
“Place de La Concorde: Obelisco. Aquilo que há quatro mil anos ali foi 
gravado está hoje na maior de todas as praças. Se isso lhe tivesse sido 
profetizado, que triunfo para o Faraó! (…)Nem uma de entre as dezenas de 
milhar de pessoas que aqui passam pára para o observar; nem uma das 
 
4 Benjamin, Walter. 2004, p. 23 
5 Ibidem, p. 23 
6 
dezenas de milhar que aqui param é capaz de ler a inscrição.” (Benjamin. 
2004, p. 34-35) 
 
No texto “O Medalhão” encontramos uma frase que caracteriza o ponto de vista em 
Walter Benjamin e que podemos cruzar com a perspectiva do olhar sobre as coisas e a 
forma como isso se vai manifestar sobre a cidade e o moderno: 
 
“Há um efeito paradoxal em tudo aquilo que é designado de belo: o facto 
de se manifestar.”6 
 
Frase que pode levantar questões e premissas. O belo manifesta-se, do mesmo modo que 
a cidade também se manifesta no indivíduo, somos o que vemos e o que Walter Benjamin 
vê nas recordações, nos fragmentos de viagens. São as paragens de autocarro, os 
momentos, os espaços vazios os pregões nas praças como celas de prisão: 
 
“Fiquei dez minutos numa paragem à espera de um autocarro. «L’Intran… 
Paris-Soir… La Liberté», gritava atrás de mim uma vendedora de jornais 
(…) uma cela de prisão de planta triangular. À minha frente podia ver como 
parecia vazia nos cantos.”7 
 
Um olhar a um tempo embevecido e crítico de um homem que se torna criança diante de 
uma cidade que impõe a sua vontade: 
 
“A frota traz o desassossego ao bairro: mulheres e raparigas expõem-se 
descaradamente nas suas ruas, e tudo o que era comestível foi transportado 
nada mais nada menos que para o país das maravilhas. (…) Até o comboio 
foi aqui definitivamente instalado e anda em círculo, passando pelo mesmo 
túnel. Por alguns dias, o bairro transformou-se na cidade portuária de uma 
ilha dos mares do Sul e os seus habitantes em selvagens que, cobiçosos e 
espantados, se rendem àquilo que a Europa lhes lança aos pés.”8 
 
É nesse olhar crítico que Walter Benjamin vive a cidade, um olhar crítico que não é mais 
do que uma questão de manter a distância certa das coisas e que marcam o seu ponto de 
vista: 
 
 
6 Benjamin, Walter. 2004, p. 39 
7 Ibidem, p. 43 
8 Ibidem, pp. 48-49 
7 
“A crítica é uma questão de distância certa. O seu elemento é o de um 
mundo em que o que importa são as perspectivas e os pontos de vista (…). 
“(Benjamin. 2004, p. 53) 
 
Um olhar clínico que deixou de ser livre face ao apelo estético das coisas, da 
superficialidade por força do mercantilismo capitalista: 
 
“Entretanto, as coisas tornaram-se excessivamente agressivas para a 
sociedade humana. A «imparcialidade», o «olhar livre» são mentiras, se 
não mesmo a mais ingénua expressão da pura incompetência. O olhar hoje 
mais essencial, o olho mercantil que penetra no coração das coisas, chama-
se reclamo.”9 
 
Paralelamente ao olhar que recai sobre a cidade há também um olhar sobre as 
consequências da modernidade. Por força de artifícios a cidade veio para cima do 
indivíduo, alterou-lhe o ponto de vista uma vez que ele passou a focá-lo num único ponto, 
à semelhança do cinema que encaminha o olhar do espectador para a cena do momento. 
Um ponto de vista que perde autonomia e que se deixa enredar na espectacularidade dos 
reclamos: 
 
“Este arrasa o espaço livre da contemplação e aproxima tanto as coisas, 
põe-no-las tão debaixo do nariz como o automóvel que sai do ecrã de 
cinema e cresce, gigantesco, tremeluzindo, em direcção a nós. E do mesmo 
modo que o cinema não oferece móveis e fachadas a uma observação crítica 
completa, mas dá apenas a sua espectacular, rígida e repentina 
proximidade, também o reclamo autêntico transporta as coisas para 
primeiro plano e tem um ritmo que corresponde ao de um bom filme.”10 
 
Perdemos assim a objectividade a partir do momento em que as coisas ficam muito 
próximas de nós. Consubstanciada no reclamo, a vida moderna, a vida das cidades, 
suporta-se acima da crítica numa realidade aumentada pela imagem, pela grandeza da 
publicidade e onde o homem trabalha encerrado em escritórios, liquidado como uma 
factura de contabilidade, numa clara alusão ao homem engolido na voragem do moderno: 
 
“O gabinete do chefe está a abarrotar de armas. Aquilo que impressiona 
quem entra, porque parece conforto, é de facto um carrossel escondido. (…) 
Uma pessoa fica ali sentada afundando-se como no dentista, e acaba por 
aceitar o penoso procedimento como se fosse a ordem natural das 
 
9 Benjamin, Walter. 2004, p. 53 
10 Ibidem, pp. 53-54 
8 
coisas(…) Seguir-se-á também a este tratamento uma liquidação.” 
(Benjamin. 2004, pp. 54-55) 
 
Este ponto de vista de Walter Benjamin, do olhar, da distância, das praças, do vazio, da 
prisão pela estética do moderno, conseguimos encontrá-lo também num paralelismo na 
análise de Wolfgang Welsch em relação às cidades de hoje, cujo embrião se formara 
diante de Walter Benjamin. As cidades sofreram intervenções estéticas, um lifting do 
espaço público, até a ecologia passou a ser usada como ornamento, procedendo-se a uma 
esteticização superficial urbana criando a atracção e o belo para criar uma vivência 
emocional e de entretenimento (bem patente nos centros comerciais) e, até, intervenção 
sobre os não-lugares (estações de caminho de ferro, metro, aeroportos) onde o indivíduo 
tenta passar o mínimo tempo indispensável, mas onde o investimento para tornar estes 
espaços confortáveis atingiu uma escala avassaladoramente universal, chegando a alterar, 
inclusive, os nomes para terminologias mais agradáveis (por exemplo a estação Baixa-
Chiado que passou a chamar-se PT Blue Station), criando sobre o indivíduo um domínio 
através de uma estética de diversão, de colorido e de prazer: 
 
“As áreas comerciais foram criadas para serem elegantes, chiques e 
animadoras. Esta tendência tem afectado há muito tempo não só os centros 
das cidades, mas também os arredores. Dificilmente uma pedra de 
pavimentação, ou maçaneta de porta de um lugar público foi poupado a 
este boom de esteticização. Até mesmo a ecologia se tornou em grande 
parte um ramo do aprimoramento. De facto, se as sociedades ocidentais 
avançadas pudessem fazer completamente como desejassem, 
transformariam o ambiente urbano, industrial e natural num cenário hiper-
estético.”11 
 
Uma estética destinada ao indivíduo com tempo livre, uma vivência emocional de 
entretenimento, enquanto Walter Benjamin, na sua análise e visão da cidade se mostra 
preocupado com as mediações indiferenciadas da experiência, que a existência moderna 
impõe ao indivíduo que desaparece enquanto tal, na cidade, espaço assimilado pela 
 
11 “Shopping areas have been fashioned to be elegant, chic and animating. This trend has long since affected not only city centres, but also the outskirts of towns and country refuges. Hardly a paving-stone, no door handle and no public place has been spared this aestheticization-boom. Even ecologyhas largely become a further branch of enhacement. In fact, if advanced Western societies were able to do completely as they wish, they would transform the urban, industrial and natural environment in toto into a hyper-aesthetic scenario.” Welsch, Wolfgang. Undoing Aesthetics. Londres, Califórnia & Nova Deli: Sage Publications, 1997, p. 13 
 
 
9 
indiferenciação de pontos de informação, especialmente na cidade, por vezes distorcidos 
sob a forma socializada da consciência standardizada dada aos indivíduos.12 
 
Marx referiu, no primeiro capítulo d’A Ideologia Alemã que “A oposição entre a cidade 
e o campo começa com a transição da barbárie para a civilização, do sistema tribal para 
o Estado, da localidade para a nação, e estende-se através de toda a história da civilização 
até aos nossos dias.” É a luta entre a emergente classe burguesa e a nobreza feudal, uma 
luta por uma força de trabalho livre e servos, que leva ao abandono do campo e a fixação 
nas cidades onde, buscavam melhores condições de vida. 
As cidades tornaram-se monstros a partir do aumento crescente do urbanismo e vieram 
cortar com o nomadismo, força fatal do ser humano, impulso para o desenvolvimento. A 
cidade tornou-se, assim, o cruzamento das tensões intrínsecas ao espírito da modernidade, 
de um individualismo em formação, criando um homem, acima de tudo móvel, com uma 
necessidade táctil, de sentir e ter as coisas, o corpo ganhou autonomia, mas também 
distância e impessoalidade, criou uma zona de conforto, uma estética de existência 
emocional.13 Walter Benjamin conhece a cidade pelos sentidos que desperta, pelo espaço 
e pela maneira como é ocupado pelas pessoas, objectos e edifícios, por isso se perde em 
descrições pormenorizadas sobre a arquitectura, sobre a modernidade, ora como palco em 
que “cada atitude humana é julgada a partir de regras e protocolos fundados no «contrato 
social» estabelecido para o funcionamento desse corpus urbano”14 ora como a imagem 
em espelho da verdade e da felicidade que, segundo ele, o anarquismo lutava por alcançar 
através da violência para combater a estética fascista. 
 
 
Cidade e Modernidade, utopia e distopia 
 
O mundo hoje não é um todo harmónico é, talvez, uma justaposição de camadas, de 
diferentes modos de vida e de comunidades que se relacionam e se apresentam de forma 
fragmentária a exigir algum consenso na sua análise. Uma política de identidade. Só o 
uso da razão e da crítica poderão ser as ferramentas a usar no estudo da modernidade e 
 
12 “Benjamin seems concerned with the indifferentiated mediations of experience wich modern existence, especially in the city, imposes on individuals. (...) The world is assimilated in the form of clusters of information, and process of differentiating these clusters is often distorted by the soialized forms of consciousness given to the individual.” Shor, Francis. “Walter Benjamin as Guide: Images in the Modern City”, Jewish Social Studies Vol. 44, Nº 1 (Winter, 1982), pp. 37-46 http://www.jstor.org/stable/4467154 [acedido em Janeiro de 2017] 13 Silva, Priscilla Stuart da. “Walter Benjamin e as Metrópoles Modernas: A Noção de uma Educação Estética em Infância Berlinense:1900 e Diário de Moscou” Disponível https://www.academia.edu/9580006/Walter_Benjamin_e_as_metr%C3%B3poles_modernas_a_no%C3%A7%C3%A3o_de_uma_educa%C3%A7%C3%A3o_est%C3%A9tica_em_Inf%C3%A2ncia_Berlinense_1900_e_Di%C3%A1rio_de_Moscou [acedido em Janeiro de 2017], p. 19 
14 Ibidem, p. 20 
10 
do espaço público, do modo como é usado o espaço público e de como o indivíduo passou 
a discutir em casa em vez de no espaço público, existirá ele ainda? A cidade e a 
modernidade trouxeram a cultura de massas e embora o indivíduo tenha ganho um espaço 
comum ou uma cultura comum, acabou por perder capacidade de intervenção. 
 
“Os actores políticos “publicitam-se” e tudo se torna propaganda. Os 
cidadãos têm menor capacidade de intervenção e estão mais sujeitos à 
manipulação. E o Estado-Providência assegura a tal ponto a colaboração 
com o capital que qualquer margem de manobra para o pensamento 
autónomo é reduzida.” (Marcelo. 2011, p. 397) 
Para além do já exposto, Walter Benjamin vê as cidades e o moderno de forma díspar 
socorrendo-se de uma capacidade descritiva e narrativa ora recorrendo à memória ora 
recorrendo ao colorido com bastante pormenor. Walter Benjamin acredita que o que 
distingue o homem antigo do moderno é a sua entrega à experiência cósmica. O homem 
antigo teria uma relação com o cosmos através do êxtase, o homem moderno mal a 
conhece, vê apenas as estrelas quando olha para o céu, mantém-se isolado, mas só em 
comunidade o homem pode comunicar com o cosmos. Por causa do seu individualismo, 
o homem moderno perdeu o olhar crítico e de conhecimento, através do capitalismo 
apoiou-se na técnica para chegar ao cosmos, uma técnica que traiu a humanidade e em 
cuja crítica engloba o capitalismo, por tentar dominar a relação entre a natureza e a 
humanidade: 
 
“A desorientação que ameaça os modernos vem-lhes de considerarem esta 
experiência irrelevante e desprezível e de a verem apenas como vivência 
contemplativa individual em belas noites estreladas.” (Benjamin. 2004, p. 
68) 
 
O moderno veio esvaziar o indivíduo que habita a cidade, por vezes vive nela através das 
memórias que muitas ruas e praças lhe trazem. Walter Benjamin lê a cidade através das 
metáforas, da memória e do sonho, material dialéctico com que constrói e estuda a sua 
identidade. A nostalgia da infância, da memória dos pátios, dos estores, do ranger dos 
estores: 
 
“Como uma mãe que aperta ao peito o recém-nascido sem o acordar, assim 
a vida trata durante muito tempo a recordação ainda ténue da infância. Nada 
alimentou mais a minha do que o olhar sobre os pátios entre cujas varandas 
escuras havia uma, ensombrada por toldos no verão, que foi para mim o 
11 
berço onde a cidade deitou o seu novo habitante. (…) quantas mensagens 
não havia no gemer dos estores verdes ao serem subidos (…)”15 
 
das varandas onde se lia, dos toldos, das imagens, cheiros, sons, da árvore, do 
gradeamento, das cercas, dos pontos de passagem dos fiacres, da irreversibilidade do 
tempo, do verão preso nos comboios a renunciar à paisagem numa descrição pictórica 
prenhe de textura: 
 
“As varandas mudaram menos desde a minha infância do que as outras 
divisões. (…). Nelas, a habitação berlinense encontra a sua fronteira. 
Berlim – o próprio deus da cidade – começa aí.”16 
 
A cidade é um espaço onde o indivíduo moderno articula necessidades, vontades, medos, 
ansiedades, semelhante a uma floresta onde precisa de ser ensinado e encaminhado, tal o 
labirinto de jardins atravancados de coisas, estátuas, reis, placas e sinais: 
 
“Não há nada de especial em não nos orientarmos numa cidade. Mas 
perdermo-nos numa cidade, como nos perdemos numa floresta, é coisa que 
precisa de se aprender.”17 
 
Para além do espaço, do instante e da descontinuidade da memória e da infância 
berlinense descrita como postal ilustrado, lança também a porosidade do seu olhar sobre 
Nápoles, a que não escapa a delinquência, a miséria, o catolicismo, cidade feita de 
rochedos e arquitectura desordenada: 
 
“Só uma faixa de costa se estende mais uniforme, atrás dela as casas 
empilhadas umas sobre as outras. Prédios de habitação de seis ou sete 
andares, assentes em terrenos por onde sobem escadas, parecem arranha-
céus ao lado das villas.”18 
 
Em que a descrição e enumeração se faz por comparação com casas e teatros, apresentada 
com uma imagem de decadência, anárquica, labiríntica, rústica: 
 
“Varanda, átrio, janela, portão, escada, telhado são, ao mesmo tempo, palco 
e camarote.”19 
 
 
15 Benjamin, Walter. 2004, pp. 74-75 
16 Ibidem, p. 75 
17 Ibidem, p.82 
18 Ibidem, p. 127 
19 Ibidem, p. 128 
12 
É através da dialética que Walter Benjamin faz o estudo sobre as cidades. Estabelece a 
linguagem das coisas. Os objectos teriam uma linguagem através da qual, comunicariam 
connosco.20 Nesse sentido, quando descreve Moscovo como outro postal ilustrado com 
rasgado entusiasmo, faz-nos percorrer as ruas da “cidade que parece acabada de lavar”, 
os poucos carros existentes, os elétricos apinhados, os trenós, o comércio de rua, os 
produtos dos camponeses, uma diversidade desordenada numa Moscovo onde tudo é 
possível, com cheiro de aldeia impregnada e o proletariado visita os museus, 
desmantelando o que resta de cultura burguesa. 
 
“Na Rússia, o proletariado começou de facto a apropriar-se da cultura 
burguesa;” (Benjamin. 2004, p. 142) 
 
Walter Benjamin vê a cidade como um todo apreendido por um corpo que descobre o 
mundo com os sentidos,21 vê a cidade como um novo tipo de colectivo determinado não 
pelos imperativos funcionalistas do modelo capitalista, mas por um modo de 
improvisação de vida de rua,22 mas acaba por verificar que o conceito de modernidade 
encerra, em si, um paradoxo, um carácter precário da vida e do tempo consubstanciado 
pelo desejo do pleno e do eterno. Essa condição, aprisionada pelo modo de produção 
capitalista de transformação dos objectos, leva à transformação das pessoas e à sua 
decadência, sendo necessário destruir constantemente o que se tornou velho para 
reconstruir, das ruínas, o homem novo.23 
Para Walter Benjamin pensar a cidade estava indissociavelmente ligado à ideia de 
redenção humana a nível estético e interventivo, à memória, à vivência, à experiência e 
 
20 Karimzadeh, Abdollah, Khosravi, Alireza, Dastgerdi, Hamid R. Rabie. “City and citizen as a texto and 
its author: A Semiotic Reading”. Planum. The Journal of Urbanism, n. 27, vol. 2/2013 
http://www.planum.net/download/_nul_conference_proceedings-
karimzadeh_khosravi_destgerdi_session_4-pdf [acedido em Janeiro de 2017] 
 
21 Silva, Priscilla Stuart da. “Walter Benjamin e as Metrópoles Modernas: A Noção de uma Educação Estética em Infância Berlinense:1900 e Diário de Moscou” Disponível https://www.academia.edu/9580006/Walter_Benjamin_e_as_metr%C3%B3poles_modernas_a_no%C3%A7%C3%A3o_de_uma_educa%C3%A7%C3%A3o_est%C3%A9tica_em_Inf%C3%A2ncia_Berlinense_1900_e_Di%C3%A1rio_de_Moscou [acedido em Janeiro de 2017] 
22 Lewandowski, Joseph D. “Street Culture: The dialectic of urbanism in Walter Benjamin’s Passagen-werk”. In Philosophy & Social Criticism – May 2005, DOI: 10.1177/0191453705051707, https://www.researchgate.net/publication/249625859_Street_culture_The_dialectic_of_urbanism_in_Walter_Benjamin's_Passagen-werk [acedido em Janeiro de 2017] 
 23 Cerqueira, Larissa A. UFMG. “A imagem da Cidade Grande na Literatura Moderna Alemã”. Anais do Silel. Volume 1. Uberlândia: Edufu, 2009. Disponível em: http://www.ileel.ufu.br/anaisdosilel/wp-content/uploads/2014/04/silel2009_gt_lt02_artigo_2.pdf [acedido em Janeiro de 2017] 
 
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ao moderno, mas cedo se apercebeu que a modernidade contaminada pela infecção 
capitalista impôs-se ao indivíduo, roubando-lhe a sua capacidade auto-reflexiva e 
histórica. 
 
 
 
 
Conclusão 
 
 
 
As imagens fragmentárias em Benjamin são o retrato das cidades, também elas 
fragmentos de algo que não se cumpriu, tomadas pela economia e por uma estética global 
que bem podíamos transpor para os dias de hoje. Walter Benjamin nas suas reflexões de 
crítica cultural sobre a existência moderna sonhava com uma cidade transparente, utopia 
do homem novo. Com efeito, o indivíduo vive, hoje, numa sociedade global refém da 
imagem e do seu poder de sedução, onde a tecnologia esgota o próprio real e aglutina 
gostos, estéticas, vontades e intervenções cívicas e políticas. A nossa apreensão do real 
passa pelos media, uma realidade modelável e manipulável em que substituímos modos 
e maneiras por um funcionalismo estético, uma nova moral, uma nova ordem estética 
impositiva, castradora, à qual ninguém escapa sob pena de ficar à margem. A cidade 
moderna está homogeneizada na arquitectura, na insegurança, no futuro, distraindo, 
incentivando o consumo, a necessidade e adormecimento das massas num espaço que se 
pretende sólido e transparente, escorado no ferro, no vidro e no espelho, transparência 
redutora da ilusão da óptica. 
O excesso de informação apropriou-se do indivíduo moldando-lhe a resposta ao presente 
levando-o a agir por impulso, em reacção ao momento. De que forma pode o homem 
transgredir essa fronteira de soundbytes que lhe condiciona o espaço de manobra tornou-
se num desafio complexo e incerto, mas urgente e necessário, para reverter o processo 
fragmentário de um mundo “entre aspas”, em que o indivíduo se deixou encerrar a 
pretexto da paz e segurança, em bairros e quarteirões, com a televisão e as redes sociais 
formatadas para lhe anestesiar a vontade. O indivíduo tornou-se figurante do grande 
panorama mundial, espreitando dos bastidores, um espectáculo onde lhe foi concedido 
um papel secundário de consumo, imitação, vaidade e reflexo. O indivíduo tem que 
romper com a categoria de espectador forçado e recuperar o seu papel de actor voltando 
a ocupar o espaço público, intervindo, comentando e rompendo com a forma 
fragmentária, como tem trabalhado a sua actuação, servindo-se das redes sociais para 
levar uma nova produção, enquanto homem novo, à cena mundial, trabalhando 
conscientemente o presente, para reservar o papel principal no futuro. 
 
14 
 
 
 BIBLIOGRAFIA 
 
 
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