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1958 A DIREÇÃO DO TRATAMENTO . EscRITos Jacques Lacan CAMPO FREUDIANO NO BRASIL ���g1�,�\� A direção do tratamento e os princípios de seu poder RELATÓRIO DO COLÓQUIO DE ROYAUMONT 10-13 DE JULHO DE 19581 I. Quem analisa hoje? 1 . Que uma análise traga consigo os traços da pessoa do analisado, fala-se disso como se fosse óbvio. Mas acredita-se dar mostras de audácia ao manifestar interesse pelos efeitos que nela surtiria a pessoa do analista. É isso, pelo menos, que justifica o frêmito que nos percorre ante as expressões em voga sobre a contra transferência, o que sem dúvida contribui para lhes mascarar a impropriedade conceitual: pensem na altivez de espírito de que damos testemunho ao nos mostrarmos feitos, em nossa argila, da mesma daqueles que moldamos. O que escrevi aí é uma impropriedade. É pouco para aqueles a quem visa, quando hoje em dia já nem se faz cerimônia em declarar que, sob o nome de psicanálise, está-se empenhado numa "reeducação emocional do paciente" [22].2 Situar nesse nível a ação do analista implica uma posição de princípio diante da qual tudo o que se possa dizer da contra transferência, mesmo não sendo inútil, funcionará como uma manobra diversionista. Pois é para-além disso que se situa, a partir daí, a impostura que aqui queremos desalojar.3 1. Primeiro relatório do Colóquio Internacional reunido nessa data, a convite da Sociedade Francesa de Psicanálise, publicado em La Psychanalyse, vo1.6. 2. Os números entre colchetes remetem às referências colocadas no final deste relatório. 3. Para voltar contra o espírito de uma sociedade uma expressão por cujo valor podemos avaliá-la, quando a frase em que Freud se iguala aos pré-socráticos Wo es war, soll Ich werden - traduz-se nela, muito simplesmente, para uso francês, por: O Eu deve desalojar o Isso. 591 [585] 592 Escritos [Écrits[ - ]acques Lacan Nem por isso estamos denunciando o que a psicanálise tem hoje de antifreudiano. Pois, nesse aspecto, deve-se reconhecer que tirou a máscara, uma vez que ela se vangloria de ultrapassar aquilo que aliás ignora, guardando da doutrina de Freud apenas o suficiente para sentir o quanto lhe é dissonante o que ela [586] acabou de enunciar de sua experiência. Pretendemos mostrar como a impotência em sustentar auten ticamente uma práxis reduz-se, como é comum na história dos homens, ao exercício de um poder. 2. O psicanalista certamente dirige o tratamento. O primeiro princípio desse tratamento, o que lhe é soletrado logo de saída, que ele encontra por toda parte em sua formação, a ponto de ficar por ele impregnado, é o de que não deve de modo algum dirigir o paciente. A direção de consciência, no sentido do guia moral que um fiel do catolicismo pode encontrar neste, acha-se aqui radicalmente excluída. Se a psicanálise levanta problemas para a teologia moral, não se trata daqueles da direção de consciência, a cujo respeito lembramos que a direção de cons ciência também os suscita. A direção do tratamento é outra coisa. Consiste, em primeiro lugar, em fazer com que o sujeito aplique a regra analítica, isto é, as diretrizes cuja presença não se pode desconhecer como princípio do que é chamado "a situação analítica" , sob pretexto de que o sujeito as aplicaria melhor sem pensar nelas. Essas diretrizes, numa comunicação inicial, revestem-se da forma de instruções, as quais, por menos que o analista as comente, podemos considerar que, até nas inflexões de seu enunciado, veicularão a doutrina com as quais o analista se constitui, no ponto de conseqüência que ela atingiu para ele. O que não o toma menos solidário da profusão de preconceitos que, no paciente, esperam nesse mesmo lugar, conforme a idéia que a difusão cultural lhe tenha permitido formar acerca do procedimento e da finalidade da empreitada. Isso já basta para nos mostrar que o problema da direção revela, desde as diretrizes iniciais, não poder formular-se numa linha de comunicação unívoca, o que nos obriga a permanecer aí, no momento, para esclarecê-lo pelo que o segue. Digamos apenas que, ao reduzi-lo à sua verdade, esse tempo con siste em fazer o paciente esquecer que se trata apenas de palavras, mas que isso não justifica que o próprio analista o esqueça [1 6]. A direção do tratamento e os princípios de seu poder- 1958 593 3. Aliás, havíamos anunciado que é pelo lado do analista que tencionamos introduzir nosso assunto. Digamos que, no investimento de capital da empresa comum, [587] o paciente não é o único com dificuldades a entrar com sua quota. Também o analista tem que pagar: - pagar com palavras, sem dúvida, se a transmutação que elas sofrem pela operação analítica as eleva a seu efeito de interpretação; - mas pagar também com sua pessoa, na medida em que, haja o que houver, ele a empresta como suporte aos fenômenos singulares que a análise descobriu na transferência; - e haveremos de esquecer que ele tem que pagar com o que há de essencial em seu juízo mais íntimo, para intervir numa ação que vai ao cerne do ser (Kern unseres Wesens, escreveu Freud [6]): seria ele o único a ficar fora do jogo? Que não se preocupem comigo aqueles cujos votos se dirigem a nossas armas, ante a idéia de que eu me esteja expondo aqui, mais uma vez, a adversários sempre felizes por me devolverem à minha metafísica. Pois é no seio da pretensão deles de se bastarem com a eficácia que se eleva uma afirmação como esta: a de que o analista cura menos pelo que diz e faz do que por aquilo que é [22]. Sem que, aparentemente, ninguém peça explicações dessa afirmação a seu autor, nem o lembre do pudor, quando, dirigindo um sorriso de enfado ao ridículo a que se expõe, é à bondade, a sua (é preciso ser bom, não há transcendência nesse contexto), que ele apela para pôr fim a um debate sem saída sobre a neurose de transferência.4 Mas, quem teria a crueldade de interrogar aquele que se verga sob o fardo da bagagem, quando seu porte leva claramente a supor que ela está cheia de tijolos? No entanto, o ser é o ser, seja quem for que o invoque, e temos o direito de perguntar o que ele vem fazer aqui. 4. Colocarei novamente o analista na berlinda, portanto, na medida em que eu mesmo o sou, para observar que ele é tão 4. " Comment terminer !e traitement analytique", Revue Franç. de Psychanalyse, 1954, IV, p. 519 e passim. Para avaliar a influência de tal formação, leia-se C.-H. Nodet, "Le psychanalyste", L 'Évolution Psychiatrique, 1957, IV, p.689-9l . 594 Escritos [Écrits[ - ]acques Lacan menos seguro de sua ação quanto mais está interessado em seu ser. Intérprete do que me é apresentado em colocações ou atos, [5881 decido acerca de meu oráculo e o articulo a meu gosto, único mestre/senhor em meu barco, depois de Deus, e, claro, longe de poder avaliar todo o efeito de minhas palavras, mas justamente advertido e procurando prevenir-me contra isso, ou, dito de outra maneira, sempre livre quanto ao momento, ao número e também à escolha de minhas intervenções, a tal ponto que a regra parece ter sido inteiramente ordenada para não atrapalhar em nada meu trabalho de executante, ao que é correlato o aspecto de "material" sob o qual minha ação aborda aqui o que ela produziu. 5. Quanto ao manejo da transferência, minha liberdade, ao contrário, vê-se alienada pelo desdobramento que nela sofre minha pessoa, e ninguém ignora que é aí que se deve buscar o segredo da análise. O que não impede que se creia estar progre dindo nesta douta afirmação: que a psicanálise deve ser estudada como uma situação a dois. Decerto se introduzem nela condições que lhe restringem os movimentos, no entanto disso resulta que a situação assim concebida serve para articular (e sem maiores artifícios do que a já citada reeducação emocional)os princípios de um adestramento do chamado Eu fraco, e por um Eu o qual há quem goste de considerar capaz de realizar esse projeto, porque é forte. Que não se enuncie isso sem constrangimento é o que atestam certos arrependimentos de uma inabilidade im pressionante, como aquele que esclarece não ceder à exigência de uma "cura por dentro" [22].5 Mas só é mais significativo constatar que o assentimento do sujeito, por sua evocação nesse trecho, vem apenas no segundo tempo de um efeito inicialmente imposto. Não é por nosso prazer que expomos esses desvios, mas, antes, para, com seus escolhos, fazer balizas para nosso caminho. 5. Prometemos a nossos leitores não mais fatigá-los, no que se segue, com fórmulas tão estúpidas, que na verdade não têm outra utilidade aqui senão mostrar a que ponto chegou o discurso analítico. Já nos desculpamos por elas junto a nossos ouvintes estrangeiros, que sem dúvida dispunham de outras tantas a seu serviço em sua língua, mas talvez não exatamente dessa mesma banalidade. A direção do tratamento e os princípios de seu poder- 1958 595 De fato, todo analista (nem que seja os que assim se extraviam) sempre experimenta a transferência, no deslumbramento do efeito menos esperado de uma relação a dois que seria como as outras. Ele diz a si mesmo que, nesse aspecto, tem que contemporizar com um fenômeno pelo qual não é responsável, e sabemos com que insistência Freud enfatizou sua espontaneidade no paciente. Faz algum tempo que os analistas, nas dilacerantes revisões [589] com que nos brindam, preferem insinuar que essa insistência, da qual se fizeram baluartes por muito tempo, traduziria em Freud uma certa fuga do compromisso pressuposto pela idéia de situação. Como vocês vêem, estamos em dia. Mas é sobretudo a exaltação fácil de seu gesto de atirar os sentimentos - imputado à contratransferência - no prato de uma balança em que a situação se equilibraria por seu peso que atesta, para nós, uma consciência pesada que se correlaciona com a renúncia em conceber a verdadeira natureza da transfe rência. Não é possível raciocinar com o que o analisado leva a pessoa do analista a suportar de suas fantasias como com o que um jogador ideal avalia das intenções de seu adversário. Sem dúvida, há também uma estratégia ali, mas não nos enganemos com a metáfora do espelho, por mais que ela convenha à superfície una que o analista apresenta ao paciente. Cara fechada e boca cosida não têm aqui a mesma finalidade que no bridge. Com isso, antes, o analista convoca a ajuda do que nesse jogo é chamado de morto, mas para fazer surgir o quarto jogador que do analisado será parceiro, e cuja mão, através de seus lances, o analista se esforçará por fazê-lo adivinhar: é esse o vínculo, digamos, de abnegação, imposto ao analista pelo cacife da partida na análise. Poderíamos prosseguir nessa metáfora, daí deduzindo seu jogo conforme ele se coloque "à direita" ou "à esquerda" do paciente, ou seja, na posição de jogar antes ou depois do quarto jogador, isto é, de jogar antes ou depois deste com o morto. Mas o que há de certo é que os sentimentos do analista só têm um lugar possível nesse jogo: o do morto; e que, ao ressuscitá-lo, o jogo prossegue sem que se saiba quem o conduz. Eis por que o analista é menos livre em sua estratégia do que em sua tática. 596 Escritos [Écrits[ - ]acques Lacan 6. Vamos adiante. O analista é ainda menos livre naquilo que domina a estratégia e a tática, ou seja, em sua política, onde ele faria melhor situando-se em sua falta-a-ser do que em seu ser. Dizendo as coisas de outra maneira: sua ação sobre o paciente lhe escapa, juntamente com a idéia que possa fazer dela, quando ele não retoma seu começo naquilo pelo qual ela é possível, quando não retém o paradoxo do que ela tem de retalhada, para [590] revisar no princípio a estrutura por onde qualquer ação intervém na realidade. Para os psicanalistas de hoje, essa relação com a realidade é evidente. Eles lhe medem as defecções por parte do paciente com base no princípio autoritário dos educadores de sempre. Só que se fiam na análise didática para garantir sua manutenção num teor suficiente nos analistas, sobre os quais não deixamos de sentir que, para enfrentar os problemas da humanidade que se dirige a eles, suas visões às vezes são um pouco locais. Isso equivale apenas a fazer recuar o problema a um nível individual. E não é muito tranqüilizador vê-los traçar o percurso da análise na redução, no sujeito, dos desvios imputados à sua transferência e a suas resistências, mas situados em relação à realidade, nem ouvi-los exclamar sobre a "situação simplíssima" que a análise ofereceria para comensurar isso. Homessa! o educador não está nem perto de ser educado, se pode julgar com tanta leviandade uma experiência que, no entanto, ele próprio teve de atravessar. Presume-se em tal apreciação que esses analistas teriam dado a essa experiência outras facetas, se tivessem tido que se fiar em seu senso de realidade para inventá-la eles próprios: priori dade escabrosa de imaginar. Eles têm certas dúvidas, por isso são tão meticulosos na preservação de suas formas. É compreensível que, para alicerçar esteio a uma concepção tão visivelmente precária, alguns ultramarinos tenham sentido necessidade de introduzir nela um valor estável, um padrão de medida do real: é o ego autônomo. Trata-se do conjunto supos tamente organizado das mais díspares funções que presta seu apoio ao sentimento de inatismo do sujeito. É considerado autônomo porque estaria ao abrigo dos conflitos da pessoa (non-conflictual sphere) [14]. Aí se reconhece uma miragem surrada que a mais acadêmica psicologia da introspecção já havia rejeitado como insustentável. A direção do tratamento e os princípios de seu poder- 1958 597 Essa regressão, no entanto, é celebrada como um retomo ao redil da "psicologia geral" . Seja como for, ela resolve a questão do ser do analista.6 Uma equipe de egos, decerto menos iguais7 do que autônomos (mas, por qual selo de origem se reconhecem eles na suficiência de [5911 sua autonomia?), se oferece aos norte-americanos para guiá-los em direção à happiness, sem perturbar as autonomias, egoístas ou não, que pavimentam o American way de chegar lá. 7. Resumamo-nos. Se o analista só lidasse com resistências, pensaria duas vezes antes de fazer uma interpretação, como efetivamente lhe acontece, mas ele ficaria quite com essa pru dência. Só que essa interpretação, quando ele a faz, é recebida como proveniente da pessoa que a transferência lhe imputa ser. Aceitará ele beneficiar-se desse erro de pessoa? A moral da análise não contradiz isso, desde que ele interprete tal efeito, sem o que a análise se reduziria a uma sugestão grosseira. Posição incontestável, exceto pelo fato de que é como pro veniente do Outro da transferência que a fala do analista continua a ser ouvida, e de que com isso o momento de o sujeito sair da transferência é adiado ad infinitum. É, pois, pelo que o sujeito imputa ao analista ser (ser que está alhures) que é possível uma interpretação voltar ao lugar de onde pode ter peso na distribuição das respostas. Ali, porém, quem dirá o que ele é, o analista, e o que resta dele, ao ser encostado contra a parede na tarefa de interpretar? Que ele mesmo ouse dizê-lo se, caso seja um homem, isso for tudo o que ele tem a nos responder. Que ele tenha ou não tenha, seria pois toda a questão: mas é aí que ele volta atrás, não somente pela impudência do mistério, mas porque, nesse ter, é do ser que se trata, e como. Veremos mais adiante que esse como não é cômodo. Por isso ele prefere se restringir a seu Eu e à realidade, da qual conhece um pedaço. Mas, nesse caso, ei-lo no [eu] e no eu com seu paciente. Como fazer, se eles estãode espada em riste? 6. Na França, o já citado doutrinário do ser mostrou-se direto nessa solução: o ser do psicanalista é inato (cf. La PDA, I, p. l36). 7. Onde Lacan explora a homofonia francesa entre egos e égaux. (N.E.) 598 Escritos [Écrits[ - ]acques Lacan É aí que, astutamente, conta-se com as conivências que se deve ter nesse lugar, denominado, no caso, a parte sadia do eu, aquela que pensa como nós. C.Q.N.R.P.D., podemos concluir, o que nos leva de volta ao problema inicial, ou seja, a reinventar a análise. Ou a refazê-la: tratando a transferência como uma forma [5921 particular da resistência. Muitos o professam. É a eles que formulamos a pergunta que dá título a esta seção: Quem é o analista? Aquele que interpreta, tirando proveito da transferência? Aquele que a analisa como resistência? Ou aquele que impõe sua idéia da realidade? Pergunta que pode incomodar muito de perto aqueles a quem se dirige, e ser menos fácil de evitar do que a pergunta "quem fala?", com a qual um de meus alunos lhes azucrinou os ouvidos por conta do paciente. Pois sua resposta de impacientes - um animal de nossa espécie - seria para a pergunta modificada mais deploravelmente tautológica, por ter que dizer: eu. Nu e cru. Il. Qual é o lugar da interpretação? 1 . O que veio antes não responde a tudo o que aqui se promove de questões para o novato. Mas, ao reunir os problemas que atualmente se agitam em tomo da direção da análise, na medida em que essa atualidade reflete seu uso presente, cremos ter respeitado suas proporções. A saber, o lugar ínfimo que a interpretação ocupa na atualidade psicanalítica - não porque se tenha perdido seu sentido, mas porque a abordagem desse sentido sempre atesta um embaraço. Não há autor que se confronte com ele sem proceder destacando toda sorte de intervenções verbais que não são a interpretação: explicações, gratificações, respostas à demanda . .. etc. O proce dimento toma-se revelador quando se aproxima do centro do interesse. Ele impõe que até uma formulação articulada para levar o sujeito a ter uma visão (insight) de uma de suas condutas, sobretudo em sua significação de resistência, possa receber um nome totalmente diferente, como confrontação, por exemplo, nem que seja a do sujeito com seu próprio dizer, sem merecer o de interpretação, simplesmente por ser um dizer esclarecedor. A direção do tratamento e os princípios de seu poder- 1958 599 São comoventes os esforços de um autor na tentativa de forçar a teoria da forma para nela encontrar a metáfora que lhe permita exprimir o que a interpretação introduz de resolução numa ambigüidade intencional, de fechamento a uma incompletude [5931 que, no entanto, só se realiza a posteriori [2]. 2. Percebe-se que o que aqui se furta é a natureza de uma transmutação no sujeito, e de um modo ainda mais doloroso para o pensamento, por lhe escapar no exato momento em que passa à ação. Nenhum indicador basta, com efeito, para mostrar onde age a interpretação, quando não se admite radicalmente um conceito da função do significante que capte onde o sujeito se subordina a ele, a ponto de por ele ser subornado. A interpretação, para decifrar a diacronia das repetições in conscientes, deve introduzir na sincronia dos significantes que nela se compõem algo que, de repente, possibilite a tradução - precisamente aquilo que a função do Outro permite no receptá culo do código, sendo a propósito dele que aparece o elemento faltante. Essa importância do significante na localização da verdade analítica aparece em filigrana, tão logo um autor se atém firme mente às conexões da experiência na definição das aporias. Basta ler Edward Glover para avaliar o preço que ele paga pela falta desse termo, quando, ao articular as opiniões mais pertinentes, ele encontra a interpretação por toda parte, na impossibilidade de retê-la em parte alguma, e até mesmo na banalidade da receita médica, e acaba dizendo, muito simplesmente, sem que se saiba se ele se escuta, que a formação do sintoma é uma interpretação inexata do sujeito [1 3]. Assim concebida, a interpretação torna-se uma espécie de flogístico, manifesto em tudo o que se compreende - com ou sem razão, por menos que ele alimente a chama do imaginário - da pura ostentação que, sob o nome de agressividade, tira proveito da técnica dessa época (1931; o que aliás é novo o bastante para ainda ser atual. Cf. [1 3]). Somente por vir a interpretação culminar no hic et nunc desse jogo é que ela se distingue da leitura da signatura rerum em que Jung rivaliza com Boehme. Segui-lo nisso conviria muito pouco ao ser de nossos analistas. 600 Escritos [Écrits[ - ]acques Lacan Mas estar na hora de Freud8 diz respeito a outra tablatura, o que significa não ser supérfluo saber desmontar-lhe o relógio. 3. Nossa doutrina do significante é, para começar, disciplina na [594] qual aqueles a quem formamos se exercitam nos modos de efei- to do significante no advento do significado, única via para conceber que, ao se inscrever aí, a interpretação possa produzir algo novo. Pois ela não se fundamenta em nenhuma assunção dos arqué tipos divinos, mas no fato de o inconsciente ter a estrutura radical da linguagem, que um material funciona nela segundo leis, que são as descobertas pelo estudo das línguas positivas, das línguas que são ou foram efetivamente faladas. A metáfora do flogístico que há pouco nos inspirou Glover retira seu caráter apropriado do erro que evoca: a significação emana tão pouco da vida quanto o flogístico, na combustão, escapa dos corpos. Antes, seria preciso falar dela como da combinação da vida com o átomo O do signo,9 do signo no que, antes de mais nada, ele conota a presença ou a ausência, intro duzindo essencialmente o e que as liga, pois, ao conotar a presença ou a ausência, ele institui a presença com base na ausência, assim como constitui a ausência na presença. Havemos de estar lembrados de que, com a segurança de sua marcha por seu campo, Freud, buscando o modelo do automa tismo de repetição, detém-se no cruzamento de um jogo de ocultação e de uma escansão alternada de dois fonemas cuja conjugação, numa criança, o impressiona. É que ali também aparece, ao mesmo tempo, o valor do objeto como insignificante (aquilo que a criança faz aparecer e desa parecer), além do caráter acessório da perfeição fonética, com parada à distinção fonemática, que ninguém contestaria que Freud tem o direito de traduzir imediatamente pelos Fort! Da! do alemão falado por ele, adulto (9]. 8. A expressão francesa être à l'heure de tem o sentido de " seguir o estilo de", " ser como" . (N .E.) 9. O que, em vez de ser vocalizado como a letra simbólica do oxigênio, evocada pela metáfora seguida, pode ler-se como " zero" , na medida em que esse número simboliza a função essencial do lugar na estrutura do significante. A direção do tratamento e os princípios de seu poder- 1958 601 Ponto de inseminação de uma ordem simbólica que preexiste ao sujeito infantil e segundo a qual será preciso que ele se estruture. 4. Poupar-nos-emos de fornecer as regras da interpretação. Não que elas não possam ser formuladas, mas suas fórmulas pressu- põem desenvolvimentos que não podemos tomar como conhe- [5951 cidos, na impossibilidade de condensá-los aqui. Atenhamo-nos a observar que, ao ler os comentários clássicos sobre a interpretação, sempre lamentamos ver quão pouco partido se sabe tirar dos próprios dados que são propostos. Para dar um exemplo disso, cada qual atesta à sua maneira que, para confirmar a pertinência de uma interpretação, o que importa não é a convicção que ela acarreta, já que melhor se reconhecerá seu critério no material que vier a surgir depois dela. Mas tão poderosa é a superstição psicologizantenas mentes, que se continua a invocar o fenômeno no sentido de um assen timento do sujeito, omitindo por completo o que resulta das colocações de Freud sobre a Verneinung como forma de confis são, da qual o mínimo que se pode dizer é que não se pode fazê-la equivaler a um resultado nulo. É assim que a teoria traduz como a resistência é gerada na prática. É também isso o que queremos deixar claro, quando dizemos que não há outra resistência à análise senão a do próprio analista. 5. O grave é que, com os autores de hoje, a seqüência dos efeitos analíticos parece tomada pelo avesso. A interpretação, a seguir mos suas colocações, seria apenas um balbucio, comparada à abertura de uma relação maior onde, enfim, se é compreendido ("por dentro", sem dúvida). A interpretação toma-se aqui uma exigência da fraqueza à qual é preciso acudir. É também uma coisa muito difícil de fazê-la engolir sem que ela a rejeite. É ambas as coisas ao mesmo tempo, ou seja, um recurso bastante incômodo. Mas isso é apenas efeito das paixões do analista: de seu receio, que não é do erro, mas da ignorância, de sua predileção; que não é satisfazer, porém não decepcionar ; de sua necessidade, que não é de governar, mas de ficar por cima. Não se trata, em absoluto, da contratransferência deste ou daquele: trata-se das 602 Escritos [Écrits[ - ]acques Lacan conseqüências da relação dual, caso o terapeuta não a supere - e como haveria de superá-la, se faz dela o ideal de sua ação? Primum vivere, sem dúvida: há que evitar o rompimento. Que se classifique com o nome de técnica a civilidade pueril e honesta [596] que ensina com tal finalidade, ainda passa. Mas, quando se confunde essa necessidade física da presença do paciente na hora marcada com a relação analítica, comete-se um engano e se desencaminha o novato por muito tempo. 6. A transferência, nessa perspectiva, toma-se a segurança do analista, e a relação com o real, o terreno em que se decide o combate. A interpretação, adiada até a consolidação da transfe rência, fica desde então subordinada à redução desta. Daí resulta que ela é reabsorvida num working through que podemos muito bem traduzir, simplesmente, por trabalho da transferência, que serve de álibi para uma espécie de revanche pela timidez inicial, ou seja, para uma insistência que abre as portas a todas as forçagens, colocadas sob a bandeira do forta lecimento do Eu [21-22]. 7. Mas será que se observou, ao cnttcar o procedimento de Freud, tal como ele se apresenta, por exemplo, no Homem dos Ratos, que o que nos surpreende como uma doutrinação prévia decorre, simplesmente, de ele proceder exatamente na ordem inversa? Ou seja, ele começa por introduzir o paciente numa primeira localização de sua posição no real, mesmo que este acarrete uma precipitação - não hesitemos em dizer uma sistematização - dos sintomas [8]. Outro exemplo notório é quando ele obriga Dora a constatar que, da grande desordem do mundo de seu pai, cujo estrago constitui o objeto de sua reclamação, ela faz mais do que participar; que ela se constituiu a cavilha dessa desordem, e que não poderia continuar sem sua complacência [7]. Há muito tempo tenho enfatizado o processo hegeliano dessa inversão das posições da bela alma quanto à realidade que ela denuncia. Não se trata de adaptá-la a esta, mas de lhe mostrar que ela está mais do que bem adaptada nela, uma vez que concorre para sua fabricação. Mas aqui se detém o caminho a percorrer com o outro. Pois a transferência já fez seu trabalho, mostrando que se trata de algo bem diferente das relações do Eu com o mundo. A direção do tratamento e os princípios de seu poder- 1958 603 Freud nem sempre parece haver-se muito bem com isso, nos casos que relata. E é por isso que eles são tão preciosos. [597] Pois ele reconheceu prontamente que nisso estava o princípio de seu poder, no que este não se distinguia da sugestão, mas também que esse poder só lhe dava a solução do problema na condição de não se servir dele, pois era então que assumia todo o seu desenvolvimento de transferência. A partir desse momento, não é mais àquele a quem mantinha em sua proximidade que ele se dirigiu, e foi por essa razão que lhe recusou o face a face. A interpretação em Freud é tão audaciosa que, por havê-la vulgarizado, já não reconhecemos seu alcance de adivinhação. Quando ele denuncia uma tendência, aquilo a que chama Trieb, coisa totalmente diferente de um instinto, o frescor da descoberta nos mascara o que o Trieb implica em si de um advento do significante. Mas, quando Freud traz à luz o que só podemos chamar de linhas de destino do sujeito, é pela figura de Tirésias que nos interrogamos diante da ambigüidade em que opera seu veredito. Pois essas linhas adivinhadas concemem tão pouco ao Eu do sujeito, ou a tudo o que ele pode presentificar hic e nunc na relação dual, que é ao topar na hora certa, no caso do Homem dos Ratos, com o pacto que regeu o casamento dos pais deste, com o que se passou, portanto, muito antes do nascimento dele, que Freud reencontra ali uma mistura de condições - honra salva no último minuto, traição sentimental, compromisso social e dívida prescrita - das quais o grande roteiro compulsivo que lhe foi levado pelo paciente parece ser o decalque criptográfico, e no qual vem a motivar enfim os impasses onde se desgarram sua vida moral e seu desejo. Porém o mais incrível é que o acesso a esse material só tenha sido aberto por uma interpretação em que Freud presumiu uma interdição que o pai do Homem dos Ratos teria imposto com relação à legitimação do amor sublime a que se devotou, para explicar a marca de impossível de que, sob todas as suas modalidades, esse laço lhe parece ter o cunho. Interpretação da qual o mínimo que se pode dizer é que ela é inexata, uma vez que é desmentida pela realidade que presume, mas que mesmo assim é verdadeira na medida em que Freud nela dá mostras de uma intuição em que ele antecipa o que introduzimos sobre a 604 Escritos [Écrits[ - ]acques Lacan função do Outro na neurose obsessiva, demonstrando que essa função, na neurose obsessiva, admite ser sustentada por um morto, e que, nesse caso, não poderia ser mais bem exercida do [598) que pelo pai, uma vez que, estando efetivamente morto, ele retomou à posição que Freud reconheceu como sendo a do Pai absoluto. 8. Que nos perdoem aqueles que nos lêem e os que acompanham nosso ensino, se eles encontram aqui exemplos um tanto repi sados por mim em seus ouvidos. Não é apenas que eu não possa citar minhas próprias análises para demonstrar o plano em que incide a interpretação, por não poder a interpretação, revelando-se coextensiva à história, ser comunicada no meio comunicante em que se passam muitas de nossas análises sem risco de trair o anonimato do caso. É que, em certa ocasião, consegui dizer o bastante sem falar demais, ou seja, deixar claro meu exemplo sem que ninguém, a não ser o interessado, o reconhecesse. Tampouco se trata de que eu considere o Homem dos Ratos um caso que Freud tenha curado, pois, se eu acrescentasse que não creio que a análise não tenha tido nada a ver com a trágica conclusão de sua história com sua morte no campo de batalha, o quanto não estaria eu contribuindo para infamar aqueles que mal pensam nisso? Digo que é numa direção do tratamento que se ordena, como acabo de demonstrar, segundo um processo que vai da retificação das relações do sujeito com o real, ao desenvolvimento da transferência, e depois, à interpretação, que se situa o horizonte em que a Freud se revelaram as descobertas fundamentais que até hoje experimentamos, no tocante à dinâmica e à estrutura da neurose obsessiva. Nada mais, porém também nada menos. Coloca-se agora a questão de saber se não foi por terinvertido essa ordem que perdemos esse horizonte. 9. O que se pode dizer é que as novas vias em que se pretendeu legalizar a marcha aberta pelo descobridor demonstram uma confusão nos termos, que requer a singularidade para se revelar. Retomaremos, pois, um exemplo que já contribuiu para o nosso ensino; naturalmente, ele foi escolhido de um autor qualificado A direção do tratamento e os princípios de seu poder- 1958 605 e que é especialmente sensível, por sua origem, à dimensão da interpretação. Trata-se de Emst Kris e de um caso que ele não nos dissimula haver retomado de Melitta Schmideberg [ 15]. Trata-se de um sujeito inibido em sua vida intelectual e [599] particularmente incapaz de conseguir publicar qualquer de suas pesquisas - isso em razão de um impulso de plagiar do qual ele não parece capaz de assenhorear-se. Esse é o drama subjetivo. Melitta Schmideberg o havia compreendido como a recorrên cia de uma delinqüência infantil; o sujeito costumava furtar guloseimas e alfarrábios, e por esse viés é que ela empreendeu a análise do conflito inconsciente. Emst Kris vangloria-se de haver retomado o caso de acordo com uma interpretação mais metódica, a que procede da super fície à profundidade, como ele diz. Que ele a coloque sob a égide da psicologia do ego segundo Hartmann, da qual julgou dever ser seu propugnador, é secundário para apreciarmos o que vai acontecer. Emst Kris modifica a perspectiva do caso e pretende dar ao sujeito o insight de um novo começo, a partir de um fato que não passa de uma repetição de sua compulsão, mas no qual Kris, muito louvavelmente, não se contenta com os dizeres do paciente; e, quando este presume haver, a despeito de si mesmo, colhido as idéias de um trabalho que acaba de concluir num livro que, tendo-lhe voltado à memória, permitiu lhe controlar isso a posteriori, Kris examina as provas e descobre que, aparentemente, nada nelas ultrapassa o que a comunidade do campo de pesquisas comporta. Em suma, havendo se certi ficado de que seu paciente não é plagiário, embora acredite sê-lo, Kris tenciona demonstrar-lhe que ele quer sê-lo para se impedir de sê-lo realmente - o que se chama analisar a defesa antes da pulsão, que aqui se evidencia na atração pelas idéias dos outros. Pode-se presumir que essa intervenção seja errônea, pelo simples fato de supor que defesa e pulsão sejam concêntricas e, por assim dizer, moldadas uma pela outra. O que prova que ela efetivamente o é é aquilo em que Kris a vê confirmada, ou seja, o fato de que, no momento em que ele acredita poder perguntar ao doente o que ele acha dessa virada de casaca, este, pensando por um momento, retruca-lhe que há algum tempo, ao sair da sessão, vagueia por uma rua repleta de restaurantezinhos atraentes, para cobiçar em seus cardápios o anúncio de seu prato predileto: miolos frescos. 606 Escritos [Écrits[ - ]acques Lacan Declaração que, em vez de ser considerada como sancionadora do caráter feliz da intervenção pelo material que traz, parece-nos, antes, ter o valor corretivo do acting out, no próprio relato que [600] é feito dele. Essa mostarda depois do jantar que o paciente respira10 mais me parece dizer ao anfitrião que ela faltou no serviço. Por mais compulsivo que ele seja ao cheirá-la, ela é um hint11;' sendo sintoma transitório, sem dúvida, ela adverte o analista: você passou ao largo. De fato você passou ao largo, retomo eu, dirigindo-me à me mória de Emst Kris, tal como recordo o Congresso de Marienbad, do qual, no dia seguinte à minha comunicação sobre o estádio do espelho, fui embora, preocupado que estava em ir respirar o ar do tempo, de um tempo carregado de promessas, na Olimpíada de Berlim. Ele me objetou gentilmente: "Ça ne se fait pas !" (essa locução, em francês), já seduzido por essa tendência ao respeitável que talvez aqui tenha infletido seu procedimento. Será isso que o faz extraviar-se, Emst Kris, ou apenas o serem retas as suas intenções, pois seu julgamento também o é, sem dúvida, enquanto as coisas, por sua vez, estão em ziguezague? Não é o fato de seu paciente não roubar que importa aqui. É que ele não ... Sem "não" : é que ele rouba nada. E era isso que teria sido preciso fazê-lo ouvir. Muito ao contrário do que você acredita, não é a defesa dele contra a idéia de roubar que o faz crer que rouba. Que ele possa ter uma idéia própria é que não lhe vem à idéia, ou que só o visita com dificuldade. Inútil, pois, engajá-lo nesse processo de determinar a parte, onde nem Deus poderia reconhecer-se, daquilo que seu colega lhe surrupia de mais ou menos original quando o sujeito bate papo com ele. Não pode essa ânsia de miolos frescos refrescar-lhe seus próprios conceitos e fazer você se lembrar, nas formulações de Roman Jakobson, da função da metonímia? - voltaremos a isso dentro em pouco. 10. Metáfora a partir do idiomatismo la moutarde lui monte au nez - "ele é tomado de impaciência, de cólera". (N.E. ) 11. Uma pista, um indício. (N.E.) A direção do tratamento e os princípios de seu poder- 1958 607 Você fala de Melitta Schmideberg como se ela houvesse confundido a delinqüência com o Isso. Não estou tão seguro disso, e, ao me referir ao artigo em que ela cita esse caso, os termos de seu título me sugerem uma metáfora. Você trata o paciente como um obsessivo, mas ele está lhe estendendo a mão com sua fantasia de comestível : para lhe dar a oportunidade de adiantar um quarto de hora sobre a nosologia [6011 de sua época, diagnosticando: anorexia mental. Ao mesmo tempo, você refrescaria, restituindo-o a seu sentido próprio, esse par de termos, cujo uso comum o reduziu à qualidade duvidosa de uma indicação etiológica. Anorexia, no caso, quanto ao mental, quanto ao desejo do qual vive a idéia, o que nos leva ao escorbuto que impera na jangada em que a embarco junto com as virgens magras. A recusa delas, simbolicamente motivada, parece-me ter muita relação com a aversão do paciente por aquilo que ele cogita. Ter idéias era um recurso de que já o papai dele, como nos diz você, não dispunha. Será que o avô [grand-pere], que nelas se havia ilustrado, lhe teria inspirado essa aversão? Como saber? Você por certo tem razão em fazer do significante grand, incluído no termo de parentesco, a origem pura e simples da rivalidade exercida com o pai pelo peixe maior fisgado na pescaria. Mas esse desafio de pura forma inspira-me, antes, que ele queira dizer : nada a fritar. Nada em comum, portanto, entre o modo de proceder que você usa, dito a partir da superfície, e a retificação subjetiva posta em destaque mais acima no método de Freud, onde ela também não é motivada por nenhuma prioridade tópica. É que, ademais, essa retificação em Freud é dialética e parte dos dizeres do sujeito para voltar a eles, o que significa que uma interpretação só pode ser exata se for ... uma interpretação. Tomar o partido do objetivo, aqui, é um abuso, nem que seja pelo fato de o plágio ser relativo aos costumes vigentes. 1 2 12. Eis um exemplo: nos EUA, onde acabou Kris, publicação tem valor de título, e um ensino como o meu deveria, toda semana, garantir sua prioridade contra a pilhagem a que não deixaria de dar ensejo. Na França, é à maneira da infiltração que minhas idéias penetram num grupo onde são obedecidas as ordens que 608 Escritos [Écrits[ - ]acques Lacan Mas a idéia de que a superfície seja o nível do superficial é perigosa em si mesma. Outra topologia é necessária para não haver engano quanto ao lugar do desejo. Apagar o desejo do mapa, quando ele já está recoberto na [6021 paisagem do paciente, não é o melhor seguimento a dar à lição de Freud. Nem o meio de acabar com profundidade, pois é na superfície que ela é visível como herpes em dia de festa a florescer no rosto.III. Em que ponto estamos com a transferência? 1 . É ao trabalho de nosso colega Daniel Lagache que convém recorrer para constituir uma história exata dos trabalhos que, em torno de Freud, dando seguimento à sua obra e desde que ele a legou a nós, foram dedicados à transferência, por ele descoberta. O objeto desse trabalho vai muito além disso, introduzindo na função do fenômeno as distinções de estrutura, essenciais à sua crítica. Basta lembrar a alternativa muito pertinente que ele formula, quanto à sua natureza última, entre necessidade de repetição e repetição da necessidade. Tal trabalho, a acreditarmos haver sabido em nosso ensino extrair as conseqüências que ele acarreta, torna bem evidente, pela ordenação que introduz, a que ponto são freqüentemente parciais os aspectos em que se concentram os debates e, em especial, o quanto o emprego comum do termo, na própria análise, continua aderido à sua abordagem mais discutível, se bem que mais vulgar: fazer dela a sucessão ou a soma dos sentimentos positivos ou negativos que o paciente vota a seu analista. Para avaliar a que ponto chegamos em nossa comunidade científica, podemos dizer que não se fizeram nem acordo e nem proíbem meu ensino. Por serem malditas ali, as idéias só podem servir de adorno para alguns dândis. Não importa: o vazio que elas fazem ressoar, quer me citem ou não, faz ouvir uma outra voz. A direção do tratamento e os princípios de seu poder- 1958 609 luz sobre os seguintes aspectos, onde no entanto eles pareceriam exigíveis: será que é o mesmo efeito da relação com o analista que se manifesta no enamoramento primário observado no início do tratamento e na trama de satisfações que torna essa relação tão difícil de romper, quando a neurose de transferência parece ultrapassar os meios propriamente analíticos? E será também que são a relação com o analista e sua frustração fundamental que, no segundo período da análise, sustentam a escansão frus tração-agressão-regressão, em que se inscreveriam os efeitos mais fecundos da análise? Como havemos de conceber a subor- dinação dos fenômenos, quando sua esfera é atravessada pelas [603] fantasias que implicam abertamente a figura do analista? Dessas obscuridades persistentes, a razão foi formulada num estudo excepcional por sua perspicácia: a cada uma das etapas em que se tentou revisar os problemas da transferência, as divergências técnicas que motivavam sua urgência não deram margem a uma crítica verdadeira de sua noção [20]. 2. É tão central para a ação analítica a noção que queremos aqui alcançar que ela pode servir de medida para a parcialidade das teorias em que há quem se detenha em pensá-la. Ou seja, não estaremos enganados em julgá-las segundo o manejo da trans ferência que elas implicam. Esse pragmatismo é justificado. É que esse manejo da transferência é idêntico à noção dela, e por menos elaborada que seja esta na prática, ela só pode incluir-se nas parcialidades da teoria. Por outro lado, a existência simultânea dessas parcialidades nem por isso as faz se completarem. O que confirma que elas sofrem de um defeito central. Para já ir introduzindo nisso um pouco de ordem, reduziremos a três essas particularidades da teoria, ainda que desse modo tenhamos, nós mesmos, de nos conformar a alguma opinião preconcebida, menos grave por ser apenas de exposição. 3. Ligaremos o geneticismo, na medida em que ele tende a fundamentar os fenômenos analíticos nos momentos de desen volvimento implicados e a se nutrir da chamada observação direta da criança, a uma técnica particular: a que faz a essência desse procedimento incidir sobre a análise das defesas. 610 Escritos [Écrits[ - ]acques Lacan Esse laço é historicamente manifesto. Pode-se até dizer que não tem outro fundamento, já que só se constituiu pelo fracasso da solidariedade que supõe. Podemos mostrar seu início no crédito legítimo dado à noção de um eu inconsciente pela qual Freud reorientou sua doutrina. Daí passar à hipótese de que os mecanismos de defesa que se agrupavam sob sua função deviam poder, eles mesmos, trair uma lei de manifestação comparável, ou até mesmo correspondente à sucessão de fases pela qual Freud havia tentado ligar a emergência pulsional à fisiologia, eis o passo que Anna Freud, em seu livro sobre Os mecanismos de defesa, propõe transpor, [604] para submetê-lo à prova da experiência. Isso poderia ter sido a oportunidade de uma crítica fecunda das relações do desenvolvimento com as estruturas manifesta mente mais complexas que Freud introduziu na psicologia. Mas a operação deslizou mais abaixo, tão mais tentador era buscar inserir nas etapas observáveis do desenvolvimento sensório-mo tor e das capacidades progressivas de um comportamento inte ligente esses mecanismos, supostamente desvinculados do pro gresso delas. Pode-se dizer que as esperanças que Anna Freud depositava nessa exploração foram frustradas: por essa via, nada se revelou de esclarecedor para a técnica, embora os detalhes que se pôde discernir através da observação da criança, esclarecida pela análise, sejam às vezes muito sugestivos. A noção de pattern, que vem funcionar aqui como um álibi da tipologia malograda, apadrinha uma técnica que, por seguir na detecção de um pattern não atual, se inclina de bom grado a julgá-lo por seu desvio de um pattern que encontra em seu conformismo as garantias de sua conformidade. Não é sem constrangimento que evocamos os critérios de êxito a que leva esse trabalho postiço: a passagem para o patamar superior de renda e a saída de emergência da ligação com a secretária, regulando o escape de forças rigorosamente subjugadas no ma trimônio, na profissão e na comunidade política, não nos parecem de uma dignidade que requeira o apelo, articulado no planning do analista ou mesmo em sua interpretação, à Discórdia entre os instintos de vida e de morte - mesmo ornamentando seu propósito com o pretensioso qualificativo de "econômico" , para levá-lo adiante, em completo contra-senso com o pensamento A direção do tratamento e os princípios de seu poder- 1958 611 de Freud, como o jogo de um par de forças homólogas em sua oposição. 4. Menos degradada em seu relevo analítico parece-nos a segunda face em que surge aquilo que se furta da transferência, ou seja, o eixo tomado da relação de objeto. Essa teoria, não importa a que ponto de aviltamento tenha chegado nestes últimos tempos na França, tem, como o geneti cismo, sua origem nobre. Foi Abraham quem inaugurou seu registro, e a noção de objeto parcial foi uma contribuição original sua. Este não é o lugar de lhe demonstrar o valor. Estamos mais interessados em indicar sua ligação com a parcialidade do aspecto [605] que Abraham desvincula da transferência, para promovê-lo em sua opacidade como a capacidade de amar, ou seja, como se esse fosse um dado constitucional do doente em que se pudesse ler o grau de sua curabilidade, e, em especial, o único em que fracassaria o tratamento da psicose. Temos aqui, na verdade, duas equações. A transferência qualificada de sexual (Sexualübertragung) acha-se no princípio do amor a que, em francês, chamou-se objetai (em alemão, Objektliebe). A capacidade de transferência mede o acesso ao real. É impossível enfatizar em demasia o quanto há nisso de petição de princípio. Ao contrário dos pressupostos do geneticismo, que pretende se basear numa ordem das emergências formais no sujeito, a perspectiva de Abraham explica-se numa finalidade que se autoriza por ser instintual, na medida em que se faz imagem da maturação de um objeto inefável, o Objeto com maiúscula que comanda a fase da objetalidade (significativamente distinguida da objetividade por sua substância de afeto). Essa concepção ectoplásmica do objeto logo mostrou seusriscos ao se degradar na dicotomia grosseira que se formula opondo o caráter pré-genital ao caráter genital. Essa temática primária se desenvolve, de um modo sumário, atribuindo-se ao caráter pré-genital os traços acumulados do irrealismo projetivo, do autismo mais ou menos comedido, da restrição das satisfações pela defesa, e do condicionamento do objeto por um isolamento duplamente protetor quanto aos efeitos de destruição que o conotam, ou seja, um amálgama de todos os defeitos da relação de objeto, para mostrar os motivos da 612 Escritos [Écrits[ - ]acques Lacan extrema dependência que resulta dela para o sujeito. Quadro que seria útil, a despeito de sua tendência à confusão, se não parecesse feito para servir de negativo do estilo água-com-açúcar "da passagem da forma pré-genital à forma genital" , onde as pulsões "já não assumem o caráter de necessidade de posse incoercível, ilimitada, incondicional, que comporta um aspecto destrutivo. Elas são verdadeiramente ternas, amorosas, e, se o sujeito nem por isso se mostra oblativo, isto é, desinteressado, e se esses objetos" (neste ponto, o autor se lembra de meus comentários) "são tão intrinsecamente objetos narcísicos quanto no caso anterior, aqui ele é capaz de compreensão e de adaptação ao outro. Aliás, a estrutura íntima dessas relações objetais mostra que a participação do objeto em seu próprio prazer é indispen- [6061 sável para a felicidade do sujeito. As conveniências, os desejos e as necessidades do objeto (que salada !)13 são levados em consideração no mais alto grau" . Isso não impede, contudo, que "o Eu tenha aqui uma estabi lidade que não corre o risco de ser comprometida pela perda de um Objeto significativo. Ele permanece independente de seus objetos" . "Sua organização é tal que o modo de pensamento que ele utiliza é essencialmente lógico. Ele não exibe espontaneamente uma regressão a um modo de apreensão da realidade que seja arcaico, o pensamento afetivo e a crença mágica desempenham nele apenas um papel absolutamente secundário, e a simbolização não ultrapassa, em extensão e importância, o que ela é na vida habitual ( ! !)_13 O estilo das relações entre o sujeito e o objeto é dos mais evoluídos (sic)." 13 Eis o que se promete àqueles que, "ao fim de uma análise bem sucedida ( ... ), apercebem-se da enorme diferença entre o que eles outrora acreditavam ser a alegria sexual e aquilo que experimentam agora" . É compreensível que, para os que têm de saída essa alegria, "a relação genital seja, em suma, desprovida de história" [21 ] . Sem outra história senão a de se conjugar irresistivelmente no verbo "bater com o traveseiro no lustre", cujo lugar nos parece marcado aqui para o futuro escoliasta, por encontrar nisso sua eterna oportunidade. 13. Parênteses do autor do presente relatório. A direção do tratamento e os princípios de seu poder- 1958 613 5. Se de fato é preciso seguir Abraham quando ele nos apresenta a relação de objeto como tipicamente demonstrada na atividade do colecionador, talvez sua regra não se dê nessa antinomia edificante, mas deva antes ser buscada em algum impasse cons titutivo do desejo como tal. O que faz o objeto apresentar-se como quebrado e decomposto talvez seja algo diferente de um fator patológico. E que tem a ver com o real esse hino absurdo à harmonia do genital? Convirá riscar de nossa experiência o drama do edipianismo, quando por Freud ele teve de ser forjado justamente para explicar as barreiras e as degradações (Emiedrigungen) que são o que [6071 há de mais banal na vida amorosa, mesmo a mais realizada? Caberá a nós camuflar Eros, o Deus negro, de cameirinho do Bom Pastor? A sublimação decerto é empregada na oblação que se irradia do amor, mas dediquemo-nos a ir um pouco mais longe na estrutura do sublime, e que não o confundamos, coisa a que Freud, sempre acusa de falso, com o orgasmo perfeito. O pior é que as almas que se derramam na mais natural ternura acabam se perguntando se satisfazem a normalidade delirante da relação genital - fardo inédito que, a exemplo dos que o Evangelista amaldiçoa, amarramos para os ombros dos inocentes. Mas ao nos lerem, se algo disso chegar a épocas em que já não se saiba a que correspondiam na prática essas efervescentes colocações, poderão imaginar que nossa arte se dedicava a reavivar a fome sexual em retardados da glândula - para cuja fisiologia, no entanto, não contribuímos em nada, e por haver feito de fato, muito pouco para conhecê-la. 6. É preciso que haja ao menos três faces em uma pirâmide, ainda que de heresia. A que fecha o diedro aqui descrito na hiância da concepção da transferência se esforça, por assim dizer, por lhe juntar as bordas. Se a transferência retira sua virtude do ser reconduzida à realidade da qual o analista é o representante, e se se trata de fazer o Objeto amadurecer na estufa de uma situação confinada, já não resta ao analisado senão um objeto, se nos permitem a expressão, em que fincar os dentes, e este é o analista. Daí a noção de introjeção intersubjetiva, que é nosso terceiro erro, se instalar, lamentavelmente, numa relação dual. 614 Escritos [Écrits[ - ]acques Lacan Pois trata-se mesmo de uma via unitiva, da qual os diversos molhos teóricos que a preparam, de acordo com a tópica a que se faz referência, só podem conservar a metáfora, variando-a conforme o nível de operação considerado sério: introjeção, em Ferenczi, identificação com o Supereu do analista, em Strachey, e transe narcísico terminal, em Balint. Tencionamos chamar atenção para a substância dessa consu- [608] mação mística, e se mais uma vez temos que denunciar o que acontece à nossa porta, é por sabermos que a experiência analítica extrai sua força do particular. Assim é que a importância dada no tratamento à fantasia de devoração fálica suprida pela imagem do analista parece-nos digna de ser destacada, em sua coerência com uma direção da análise que a faz caber inteira na disposição da distância entre o paciente e o analista como objeto da relação dual. Pois, a despeito da debilidade da teoria com que um autor sistematize sua técnica, nem por isso ele deixa de analisar realmente, e a coerência revelada no erro constitui aqui o garante de que efetivamente se toma o bonde errado. É a função privilegiada do significante falo no modo de presença do sujeito no desejo que se ilustra aqui, mas numa experiência que podemos chamar de cega: isso, por falta de qualquer orientação sobre as verdadeiras relações da situação analítica, a qual, do mesmo modo que qualquer outra situação em que se fale, só pode, ao querer inscrevê-lo numa relação dual, ser destroçada. Sendo desconhecida, não sem motivo, a natureza da incorpo ração simbólica, e não havendo possibilidade de que se consuma seja o que for de real na análise, evidencia-se, pelas balizas elementares de meu ensino, que nada mais pode ser reconhecido senão de imaginário naquilo que se produz. Pois não é necessário conhecer a planta de uma casa para bater a cabeça contra as paredes: para isso, aliás, prescinde-se muito bem dela. Eu mesmo indiquei a esse autor, numa época em que deba tíamos entre nós, que, em se ficando preso a uma relação imaginária entre os objetos, restava apenas a dimensão da dis tância para poder ordená-la. Isso não estava na visada em que ele abunda em seus pareceres. Fazer da distância a única dimensão em que se articulam as relações do neurótico com o objeto gera contradições insuperá- A direção do tratamento e os princípios de seu poder- 1958 615 veis, que são bastante discemíveis, tanto no interior do sistema quanto na direção oposta que autores diferentes extraem da mesma metáfora para organizar suas impressões. As distâncias excessiva ou insuficientedo objeto parecem, às vezes, confun dir-se a ponto de se embaralhar. E não era a distância do objeto, mas sua intimidade grande demais no sujeito, que parecia a [6091 Ferenczi caracterizar o neurótico. O que decide sobre o que cada um quer dizer é sua utilização técnica, e a técnica do rapprocher, por mais impagável que seja o efeito desse termo, não traduzido, numa exposição em inglês, revela na prática uma tendência que confina na obsessão. É difícil acreditar que o ideal prescrito na redução dessa distância a zero (nil, em inglês) não deixe seu autor perceber que nisso se concentra seu paradoxo teórico. Seja como for, não há dúvida de que essa distância é tomada por um parâmetro universal, regendo as variações da técnica (por mais extravagante que se afigure o debate sobre a amplitude delas) em prol do desmantelamento da neurose. O que tal concepção deve às condições especiais da neurose obsessiva não deve ser colocado por inteiro do lado do objeto. Nem sequer parece haver, no rol de suas realizações, um privilégio a destacar dos resultados que ela obteria na neurose obsessiva. Pois, se como a Kris nos é permitido citar uma análise retomada na condição de segundo analista, podemos testemunhar que tal técnica, na qual o talento não deve ser contestado, acabou provocando, num caso clínico de pura obsessão num homem, a irrupção de um enamoramento não menos desmedido por ser platônico, e que não se revelou menos irredutível por ter-se exercido, depois do primeiro, sobre os objetos do mesmo sexo a seu alcance. Falar de perversão transitória pode satisfazer aqui um otimis mo ativo, mas ao preço de se reconhecer, nessa restauração atípica do terceiro da relação, excessivamente negligenciado, que convém não puxar demais para o recurso da proximidade na relação com o objeto. 7. Não há limite para os desgastes da técnica por sua descon ceituação. Já fizemos referência aos achados de uma certa análise selvagem a respeito dos quais foi doloroso nosso espanto que 616 Escritos [Écrits[ - ]acques Lacan nenhuma supervisão se alarmasse. Poder sentir14 o odor do analista apareceu num trabalho como uma realização a ser tomada ao pé da letra, para assinalar a saída exitosa da transferência. Podemos discernir aí uma espécie de humor involuntário que é o que dá valor a esse exemplo. Ele teria encantado Jarry. Trata-se apenas, em suma, da conseqüência previsível de tomar [6101 ao real o desenvolvimento da situação analítica: e é verdade que, afora a gustação, o olfativo é a única dimensão que permite reduzir a zero (nil) a distância, dessa vez no real. O indício a encontrar nele para a direção do tratamento e os princípios de seu poder é mais duvidoso. Mas, que um odor de gaiola vagueie por uma técnica que se conduz "pelo faro" , como se costuma dizer, não é apenas um traço de ridículo. Os alunos de meu seminário estão lembrados do odor de urina que marcou o momento decisivo de um caso de perversão transitória, no qual nos detivemos em prol da crítica dessa técnica. Não se pode dizer que ele não tenha tido ligação com o acidente que motivou a observação, já que foi ao espiar uma mulher que urinava, através do tabique de um water que, súbito, o paciente transmudou sua libido, sem que nada, ao que parecia, o predestinasse a isso, porquanto as emoções infantis ligadas à fantasia da mãe fálica haviam assumido até então as feições da fobia [23]. Mas essa não é uma ligação direta, assim como não seria correto ver nesse voyeurismo uma inversão da exibição implicada na atipia da fobia, no diagnóstico muito precisamente formulado: sob a angústia do paciente de ser ridicularizado por sua estatura demasiadamente grande. Como dissemos, a analista a quem devemos essa notável publicação deu mostras de rara perspicácia, retomando, até a exaustão, à interpretação que dera de uma certa armadura surgida num sonho, em posição de perseguidor, e, ainda por cima, armada com uma bomba de Flit, como sendo um símbolo da mãe fálica. Não deveria eu ter, antes, falado do pai? - pergunta-se ela. E justifica ter-se desviado disso pela carência do pai real na história do paciente. 14. Vale notar que sentir ("cheirar" em francês) tem também a acepção de " suportar" ou "tolerar" , como no coloquialismo ne pas pouvoir sentir quelqu 'un. (N.E.) A direção do tratamento e os princípios de seu poder- 1958 617 Meus alunos hão de aqui deplorar que o ensino de meu seminário não tenha podido ajudá-la na época, já que eles sabem com base em que princípios lhes ensinei a distinguir o objeto fóbico como significante para todo uso, para suprir a falta do Outro, e o fetiche fundamental de toda perversão como objeto percebido no corte do significante. Na falta disso, por que não se lembrou essa novata talentosa do diálogo das armaduras no Discours sur le peu de réalité, de [611] André Breton? Isso a teria colocado no trilho. Mas, como esperá-lo, quando essa análise recebia na super visão uma orientação que a fazia pender para uma pressão constante no sentido de reconduzir o paciente à situação real? Como nos espantarmos com o fato de, ao contrário da rainha da Espanha, a analista ter pernas, quando ela mesma o enfatizava na rudeza de seus chamamentos à ordem do presente? É claro que tal procedimento não deixou de ter a ver com o desfecho benigno do acting out aqui examinado, uma vez que também a analista, aliás consciente disso, viu-se permanente mente numa intervenção castradora. Mas, sendo assim, por que atribuir esse papel à mãe, da qual tudo indica, na anamnese dessa observação, que ela sempre funcionou mais como alcoviteira? O Édipo faltoso foi compensado, mas sempre sob a forma, aqui de desconcertante ingenuidade, por uma invocação total mente forçada, senão arbitrária, da pessoa do marido da analista, no caso favorecida pelo fato de, sendo ele mesmo psiquiatra, ter sido ele quem lhe forneceu esse paciente. Essa não é uma circunstância comum. De qualquer modo, deve ser recusada como exterior à situação analítica. Os desvios imperdoáveis do tratamento não são em si o que cria reservas quanto a seu desfecho, e o humor, provavelmente não sem malícia, dos honorários surrupiados da última sessão como preço pelo estupro, não é um augúrio nada mau para o futuro. A questão que podemos levantar é a do limite entre a análise e a reeducação, quando seu próprio processo é norteado por uma solicitação preponderante de suas incidências reais . Coisa que se vê ao comparar, nessa observação, os dados da biografia com as formações transferenciais: a contribuição do deciframento do inconsciente é realmente mínima. A ponto de nos perguntarmos se sua maior parte não permanece intacta no enquistamento do enigma que, sob o rótulo de perversão transitória, é objeto dessa instrutiva comunicação. 618 Escritos [Écrits[ - ]acques Lacan 8. Que o leitor não analista não se engane: nada disto é para depreciar um trabalho que o epíteto virgiliano improbus qualifica com justeza. Não temos outro desígnio senão o de advertir os analistas [612] sobre o deslizamento sofrido por sua técnica, quando se desco- nhece o verdadeiro lugar em que se produzem seus efeitos. Incansáveis na tentativa de defini-la, não podemos dizer que, encerrando-se em posições de modéstia e até mesmo guiando-se por ficções, a experiência que eles desenvolvem seja sempre infecunda. As pesquisas genéticas e a observação direta longe estão de estar desvinculadas de um ânimo propriamente analítico. E, por havermos nós mesmos retomado, num ano de nosso seminário, os temas da relação de objeto, mostramos o valor de uma concepção em que a observação da criança se nutre da mais precisa reformulação da função dos cuidados matemos na gênese do objeto : referimo-nos à noção de objeto transicionalintroduzida por D.W. Winnicott, ponto-chave para a explicação da gênese do fetichismo [27]. A verdade é que as flagrantes incertezas da leitura dos grandes conceitos freudianos são correlatas às fraquezas que oneram o labor prático. Queremos deixar claro que é na medida dos impasses expe rimentados para captar sua ação em sua autenticidade que os pesquisadores, assim como os grupos, acabam por forçá-la no sentido do exercício de um poder. Esse poder, eles o substituem pela relação com o ser em que se dá essa ação, fazendo com que seus meios, nomeadamente os da fala, decaiam de sua eminência verídica. Eis por que é realmente uma espécie de retomo do recalcado, por mais estranho que seja, que faz com que, das pretensões menos inclinadas a se preocupar com a dignidade desses meios, eleve-se a algaravia do recurso ao ser como a um dado do real, quando o discurso que ali impera rejeita qualquer interrogação que uma estupenda mediocridade já não tenha reconhecido. IV. Como agir com seu ser 1 . É muito cedo na história da análise que aparece a questão do ser do analista. Que isso se dê através daquele que foi o mais A direção do tratamento e os princípios de seu poder- 1958 619 atormentado pelo problema da ação analítica não é de nos surpreender. Com efeito, pode-se dizer que o artigo de Ferenczi [613] intitulado " Introjeção e transferência", datado de 1909 [3], é inaugural nesse aspecto e se antecipa de longe a todos os temas posteriormente desenvolvidos da tópica. Se Ferenczi concebe a transferência como a introjeção da pessoa do médico na economia subjetiva, já não se trata aqui dessa pessoa como suporte de uma compulsão repetitiva, de uma conduta inadaptada, ou como figura de uma fantasia. Ele entende com isso a absorção, na economia do sujeito, de tudo o que o psicanalista presentifica no duo como hic et nunc de uma problemática encarnada. Pois não chega esse autor ao extremo de articular que a conclusão da análise só pode ser atingida na declaração que o médico faz ao doente do abandono que ele mesmo está em vias de sofrer?15 2. Será preciso pagar com esse preço em comicidade para que simplesmente se veja reconhecida a falta-a-ser do sujeito como o cerne da experiência analítica, como o campo mesmo em que se exibe a paixão do neurótico? Excetuado esse núcleo da escola húngara, de archotes hoje dispersos e logo transformados em cinzas, somente os ingleses, em sua fria objetividade, souberam articular a hiância que o neurótico atesta ao querer justificar sua existência, e, com isso, souberam implicitamente distinguir da relação inter-humana, de seu calor e seus engodos, a relação com o Outro onde o ser encontra seu status. Basta-nos citar Ella Sharpe e seus comentários pertinentes ao acompanhar as verdadeiras preocupações do neurótico [24]. A força deles encontra-se numa espécie de ingenuidade que se reflete nas asperezas, justificadamente célebres, de seu estilo de terapeuta e escritora. Não é um traço corriqueiro que ela chegue até mesmo à ostentação, na exigência que impõe de uma onis ciência ao analista para ler corretamente as intenções dos dis cursos do analisado. 15. Retificação do texto na antepenúltima frase e na primeira linha do parágrafo seguinte ( 1966). 620 Escritos [Écrits[ - ]acques Lacan Devemos reconhecer-lhe o mérito de colocar em primeiro lugar nas escolas do praticante uma cultura literária, mesmo que ela não pareça perceber que, na lista de leituras mínimas que lhes propõe, predominam as obras da imaginação em que o [614] significante do falo desempenha um papel central, sob um véu transparente. Isso apenas prova que a escolha é tão menos guiada pela experiência quanto é feliz a indicação de princípio. 3. Autóctones ou não, foi ainda pelos ingleses que o fim da análise foi mais categoricamente definido através da identificação do sujeito com o analista. Certamente, varia a opinião quanto a ser de seu Eu ou de seu Supereu que se trata. Não se domina com tanta facilidade a estrutura que Freud destacou no sujeito, quando nela não se distingue o simbólico do imaginário e do real. Digamos apenas que não se forjam colocações tão apropriadas para chocar sem que alguma coisa pressione aqueles que as formulam. A dialética dos objetos fantasísticos promovida na prática por Melanie Klein tende a se traduzir, na teoria, em termos de identificação. É que esses objetos, parciais ou não, mas seguramente signi ficantes - o seio, o excremento, o falo -, o sujeito decerto os ganha ou os perde, é destruído por eles ou os preserva, mas, acima de tudo, ele é esses objetos, conforme o lugar em que eles funcionem em sua fantasia fundamental, e esse modo de identificação só faz mostrar a patologia da propensão a que é impelido o sujeito num mundo em que suas necessidades são reduzidas a valores de troca, só encontrando essa mesma pro pensão sua possibilidade radical pela mortificação que o signi ficante impõe à sua vida numerando-a. 4. Ao que parece, o psicanalista, simplesmente para ajudar o sujeito, deveria estar a salvo dessa patologia, que, como vemos, não se insere em nada menos do que uma lei férrea. É justamente por isso que se imagina que o psicanalista deva ser um homem feliz. Não é a felicidade, aliás, que se vai pedir-lhe? E como lhe seria possível dá-la se não tivesse um pouco dela, diz o bom senso? É fato que não nos recusamos a prometer a felicidade, numa época em que a questão de sua medida se complicou: antes de A direção do tratamento e os princípios de seu poder- 1958 621 mais nada porque a felicidade, como disse Saint-Just, tornou-se um fator da política. Sejamos justos: o progresso humanista, de Aristóteles a são [615] Francisco (de Sales), não satisfez as aporias da felicidade. Perde-se tempo, como sabemos, procurando a camisa de um homem feliz, e aquilo a que se chama uma sombra feliz deve ser evitado, pelos males que propaga. É realmente na relação com o ser que o analista tem de assumir seu nível operatório, e as chances que para esse fim lhe oferece a análise didática não devem ser calculadas apenas em função do problema supostamente já resolvido pelo analista que o guia nela. Há desventuras do ser que a prudência dos colégios e o falso pudor que garante as dominações não ousam suprimir deles mesmos. Cabe formular uma ética que integre as conquistas freudianas sobre o desejo: para colocar em seu vértice a questão do desejo do analista. 5. A decadência que marca a especulação analítica, especialmente nessa ordem, não tem como não causar impacto, simplesmente ao sermos sensíveis à ressonância dos trabalhos antigos. De tanto compreender um monte de coisas, os analistas em geral imaginam que compreender é um fim em si e que só pode ser um happy end. O exemplo da ciência física, no entanto, pode mostrar-lhes que os mais grandiosos sucessos não implicam que se saiba aonde se está indo. Muitas vezes, mais vale não compreender para pensar, e é possível percorrer léguas compreendendo sem que disso resulte o menor pensamento. Foi justamente esse o ponto de partida dos behavioristas: renunciar a compreender. Mas, na falta de qualquer outro pen samento numa matéria - a nossa, que é a antiphysis -, eles tenderam a se servir, sem compreendê-lo, daquilo que compreen demos: ensejo, para nós, de um resgate de orgulho. Uma amostra do que somos capazes de produzir em matéria de moral é dada pela noção de oblatividade. Essa é uma fantasia de obsessivo, em si incompreendida: tudo para o outro, meu semelhante, é o que se profere, sem reconhecer nisso a angústia que o Outro (com maiúscula) inspira por não ser um semelhante. 622 Escritos [Écrits[ - ]acques Lacan 6. Não pretendemos ensinar aos psicanalistas o que é pensar. [616] Eles o sabem.Mas não é que o tenham compreendido por si. Aprenderam essa lição com os psicólogos. O pensamento é uma tentativa de ação, repetem eles gentilmente. (O próprio Freud cai nessa esparrela, o que não o impede de ser um pensador rigoroso e cuja ação se consuma no pensamento.) A bem da verdade, o pensamento dos analistas é uma ação que se desfaz. O que deixa uma certa esperança de que, se os fizermos pensar nisso, eles, ao retomá-la, acabem repensando-a. 7. O analista é o homem a quem se fala e a quem se fala livremente. Está ali para isso. E o que isso quer dizer? Tudo o que se pode dizer sobre a associação de idéias não passa de um figurino psicologista. Os jogos de palavras induzidos já vão longe; aliás, a julgar por seu protocolo, nada é menos livre. O sujeito convidado a falar na análise não mostra naquilo que diz, para dizer a verdade, uma liberdade muito grande. Não que ele seja agrilhoado pelo rigor de suas associações: elas decerto o oprimem, mas é que, antes, desembocam numa fala livre, numa fala plena que lhe seria penosa. Nada é mais temível do que dizer algo que possa ser verda deiro. Pois logo se transformaria nisso, se o fosse, e Deus sabe o que acontece quando alguma coisa, por ser verdadeira, já não pode recair na dúvida. Será esse o procedimento da análise, um progresso da verdade? Já escuto os coxas-grossas a murmurarem sobre minhas análises intelectualistas, quando sou o primeiro, ao que eu saiba, a preservar nelas o indizível. Que seja para-além do discurso que se acomoda nossa escuta, sei disso melhor do que ninguém, quando simplesmente tomo o caminho de ouvir, e não de auscultar. Sim, isso mesmo, não de auscultar a resistência, a tensão, o opistótono, a palidez, a descarga de adrenalina (sic) em que se reconstituiria um Eu mais forte (resic): o que escuto é por ouvir. 16 16. Entendement, no original, que tem a acepção de " forma discursiva do pensamento" , além de estar ligado ao verbo entendre (usado logo a seguir), que significa " ouvir" e também "entender, captar, reconhecer" etc. (N.E.) A direção do tratamento e os princípios de seu poder- 1958 623 Ouvir não me força a compreender. O que ouço não deixa de ser um discurso, mesmo que tão pouco discursivo quanto uma interjeição. Pois uma interjeição é da ordem da linguagem, e não do grito expressivo. É uma parte do discurso que não cede a nenhuma outra no que tange aos efeitos de sintaxe numa língua determinada. Naquilo que ouço, sem dúvida, nada tenho a replicar, se nada [617] compreendo disso ou se, ao compreender algo, tenho certeza de estar enganado. Isso não me impediria de responder. É o que se faz, fora da análise, em casos similares. Eu me calo. Todos concordam em que frustro o falante, e ele em primeiríssimo lugar, assim como eu. Por quê? Se eu o frustro, é que ele me demanda alguma coisa. Que eu lhe responda, justamente. Mas ele sabe muito bem que isso seriam apenas palavras. Tais como as recebe de quem quiser. Ele nem tem certeza de que me seria grato pelas boas palavras, muito menos pelas ruins. Essas palavras não são o que ele me pede. Ele me pede... pelo fato de que fala: sua demanda é intransitiva, não implica nenhum objeto. É claro que sua demanda se manifesta no campo de uma demanda implícita, aquela pela qual ele está ali: de ser curado, de ser revelado a si mesmo, de ser levado a conhecer a psicanálise, de ser habilitado como analista. Mas essa demanda, ele sabe, pode esperar. Sua demanda atual nada tem a ver com isso, nem sequer é dele, pois, afinal, fui eu que lhe fiz a oferta de falar. (Somente o sujeito é transitivo aqui.) Consegui, em suma, aquilo que se gostaria, no campo do comércio comum, de poder realizar com a mesma facilidade: com a oferta, criei a demanda. 8. Mas trata-se de uma demanda, por assim dizer, radical. Sem dúvida a sra. Macalpine tem razão em querer buscar na simples regra analítica o motor da transferência. Mas ainda assim ela se extravia, ao apontar na ausência de qualquer objeto a porta aberta para a regressão infantil [24]. Isso mais seria um obstáculo, pois todos sabem, e os psicanalistas de crianças em primeiro lugar, que é preciso um bocado de pequenos objetos para manter uma relação com a criança. Por intermédio da demanda, todo o passado se entreabre, até recônditos da primeira infância. Demandar: o sujeito nunca fez outra coisa, só pôde viver por isso, e nós entramos na seqüência. 624 Escritos [Écrits[ - ]acques Lacan É por essa via que a regressão analítica pode se produzir e que de fato se apresenta. Fala-se dela como se o sujeito se pusesse a bancar a criança. Sem dúvida isso acontece, e essa momice não é do melhor augúrio. De qualquer modo, ela sai do que é comumente observado no que é tido por regressão. Pois [618] a regressão não mostra outra coisa senão o retorno, no presente, de significantes comuns, em demandas para as quais há uma prescrição. 9. Voltanto ao ponto de partida, essa situação explica a transfe rência primária e o amor em que ela às vezes se declara. Pois, se o amor é dar o que não se tem, é verdade que o sujeito pode esperar que isso lhe seja dado, uma vez que o psicanalista nada mais tem a lhe dar. Mas nem mesmo esse nada ele lhe dá, e é bom que seja assim: e é por isso que se paga a ele por esse nada, e generosamente, de preferência, para deixar bem claro que, de outro modo, isso não valeria grande coisa. Mas, se na maioria das vezes a transferência primária man tém-se no estado de sombra, não é isso que impede essa sombra de sonhar e de reproduzir sua demanda, quando não há mais nada a demandar. Essa demanda, por ser vazia, será ainda mais pura. Observa-se que o analista, no entanto, dá sua presença, mas creio que a princípio ela é apenas a implicação de sua escuta, e que esta é apenas a condição da fala. Aliás, por que exigiria a técnica que ele a fizesse tão discreta, se assim não fosse? É mais tarde que sua presença se faz notar. Além do mais, o sentimento mais agudo de sua presença está ligado a um momento em que o sujeito só pode se calar, isto é, em que recua até mesmo ante a sombra da demanda. Assim, o analista é aquele que sustenta a demanda, não, como se costuma dizer, para frustrar o sujeito, mas para que reapareçam os significantes em que sua frustração está retida. 10. Ora, convém lembrar que é na demanda mais antiga que se produz a identificação primária, aquela que se efetua pela oni potência materna, ou seja, a que não apenas torna dependente do aparelho significante a satisfação das necessidades, mas que as fragmenta, as filtra e as molda nos desfilamentos da estrutura do significante. A direção do tratamento e os princípios de seu poder- 1958 625 As necessidades subordinam-se às mesmas condições conven cionais que são próprias do significante em seu duplo registro - sincrônico, de oposição entre elementos irredutíveis, e dia crônico, de substituição e combinação -, pelas quais a lingua- gem, se certamente não preenche tudo, estrutura a totalidade da [6191 relação inter-humana. Daí a oscilação que se observa nas colocações de Freud sobre as relações entre o Supereu e a realidade. O Supereu não é, evidentemente, a fonte da realidade, como ele diz em algum lugar, mas rastreia suas vias, antes de se encontrar no inconsciente as primeiras marcas ideais em que as tendências se constituem como recalcadas, na substituição das necessidades pelo signifi cante. 1 1. Não há qualquer necessidade, portanto, de ir buscar mais longe a mola da identificação com o analista. Ela pode ser muito variada, mas será sempre uma identificação com significantes. À medida que se desenvolve uma análise, o analista lida alternadamente com todas as articulações da demanda do sujeito. Mas só deve, como diremos mais adiante, responder
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