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160 A LEI MARIA DA PENHA PERSPECTIVA DA ÉTICA DA VINGANÇA A Lei 11.340/2006, conhecida por Lei Maria da Penha, foi criada para dar um tratamento distinto à mulher que se encontre em situação de violência doméstica ou familiar. Sua promulgação foi de grande importância como meio de coibir e prevenir a prática de violência de gênero, historicamente inegável. Sob esse aspecto, é inquestionável que a Lei Maria da Penha representa uma conquista dos movimentos feministas, um marco no tratamento da violência de gênero, repercutindo em todos os segmentos, sociais, políticos, jurídicos, econômicos. No entanto, não se pode ignorar que, com o passar dos anos, a lei em questão tem recebido inúmeras críticas, uma vez que não tem alcançado satisfatoriamente a sua finalidade, seja pela complexidade das relações afetivas e familiares, seja pela omissão do Poder Público em tratar dos conflitos oriundos dessas relações por meio da efetivação de políticas públicas educadoras. Tais dificuldades ensejam uma série de problemas à sua aplicabilidade e eficácia, destacando-se a sua manipulação por parte de algumas mulheres que almejam promover vinganças cegas contra seus “amores” (maridos, companheiros, ex-maridos ou ex-companheiros), unicamente, para prejudicá-los por não aceitarem o término de seus relacionamentos ou não perdoarem uma traição. A magistrada Osnilda Pisa (2009), quando titular do Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher do Rio Grande do Sul relatou que muitas mulheres procuram o Juizado não por terem sido vítimas de violência, mas em busca de benefícios financeiros através das medidas protetivas, especialmente a que afasta o denunciado do lar. Desejam a separação, mas não querem realizar a separação de bens e acabam frustradas quando têm seu pedido negado. Algumas também utilizam a medida como uma forma de chantagear o companheiro, com fins que vão desde reatar o relacionamento a conseguir benefícios diversos. Na vingança e no amor a mulher é mais bárbara do que o homem. (Friedrich Nietzsche). VINGAR A QUALQUER PREÇO Inicialmente é importante esclarecer que o presente trabalho não visa julgar ou recriminar a conduta de mulheres no âmbito de seus relacionamentos. O Amor e seus desdobramentos envolvem questões que vão além de conceitos e comportamentos pré-definidos, questões que transcendem a razão. Pensando que estão exercendo o amor, as pessoas assumem papéis, aceitam situações, fazem concessões, manipulam situações, agridem os outros, ofendem-se e chegam a adoecer. Nas palavras do professor doutor Thiago Fabres de Carvalho A vingança leva ao sofrimento e, é este que nos faz cometer atos impensados, só conseguimos superar o sofrimento quando transformamos ele em infelicidade, neste momento já não pensamos em uma vingança de sangue, já conseguimos pensar em uma vingança ética. O que se analisa é a forma equivocada com que a Lei nº 11.340/2006 vem sendo utilizada por mulheres que, na tentativa de salvar relações falidas ou para punir seus maridos, seus companheiros, por não aceitarem uma traição e até mesmo o fim do relacionamento, distorcem a realidade para vingarem-se cegamente. Ora, vingar-se a qualquer preço, ou seja, sem medir consequências, é uma prática que já vem sendo verificada no seio da contenda afetiva por ocasião da dissolução do relacionamento. Em outras palavras, uma lei que tem como princípios norteadores garantir à mulher o direito à igualdade, autonomia, dignidade, dentre outros, não poderia ser usada para aprisioná-la a um relacionamento e nem tampouco a um propósito como a vingança de sangue. VINGANÇA ÉTICA: APRENDER O QUANTO ENSINOU O fim de um relacionamento, dependendo das circunstâncias, é por demais doloroso, porque implica no término de um vínculo afetivo, que muitas vezes exigiu um grande investimento (de amor, de dedicação, de renúncia) ou demorou anos para ser construído e, ser traída além de doloroso é uma agressão frontal à autoestima, demandando, sem dúvidas, uma resposta, uma reação. Mas, qual seria a reação adequada, ética, para o resgate da autoestima e confiança de uma mulher abandonada, traída e ofendida pelo homem que ela escolheu amar? Quanto no caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, verificam-se alguns pontos comuns entre essas mulheres vingadoras: os sentimentos de humilhação, a paixão, o ódio e a ferocidade, entretanto, o que salta aos olhos é a renúncia desmesurada em prol de um homem e o inconformismo com a perda do lugar de mulher, esposa dele, como se sua identidade e felicidade dependessem deste lugar. Assim, se na vingança ética a relação com o outro não é de ódio e, se a vingança é um meio para esquecer, para deixar para trás e, se esquecer significa substituir os personagens das velhas histórias, pode-se afirmar que a vingança ética de uma mulher abandonada ou ofendida pelo “seu amor” seria substituir o outro por ela mesma, substituir o amor ao outro pelo amor próprio, aprendendo o quanto ensinou. Representa a aceitação do fim, criando coragem para mudança, superação, viabilizando o resgate de sua autoestima, de sua confiança em si, e, quiçá, a vivência de um novo e verdadeiro amor. De fato, o ódio é um sentimento destruidor, corrosivo, aprisionador, domina o que está vazio e, por isso, não tem cura CONCLUSÃO Após os movimentos feministas e outras transformações sociais, é inquestionável que as relações afetivas também foram alteradas, uma vez que já se verifica que as mulheres estão deixando de sonhar com um príncipe para viver eternamente em um sólido castelo encantado. No entanto, ainda assim, a dependência emocional da mulher em relação ao amor por um homem se faz presente, como demonstrado ao longo deste artigo através da prática da vingança cega. A Lei em questão não pode ser considerada apenas como meio de proteção das mulheres em relação à violência doméstica e familiar praticada contra elas, mas ao mesmo tempo, de uma forma de resgate de sua autoestima, para restaurar seus valores, para assegurar a sua autonomia e inserção social, possibilitando uma convivência saudável consigo ou com o par por ela escolhido de forma consciente. São estas práticas que, de fato, garantem a igualdade e a dignidade à mulher! Panóptica, Vitória, vol. 6, n. 2 (22), 2011 ISSN 1980-7775
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