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Politize! CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS Introdução: um passeio pela história ............................................ 1 Constituição de 1824 ........................................................................... 3 Constituição de 1891 ........................................................................... 7 Constituição de 1934 ........................................................................... 12 Constituição de 1937 ........................................................................... 19 Constituição de 1946 ........................................................................... 25 Constituição de 1967 ........................................................................... 31 Constituição de 1988 ........................................................................... 39 ÍNDICE Politize! Material publicado em 15 de março de 2017 Cidadania estendida a todos os brasileiros, sem restrições, independente de renda, gênero, profissão, alfabetização. É isso que nos é garantido em lei hoje, mas será que sempre foi assim? Direito de ir às ruas protestar, fazer críticas públicas aos personagens políticos e suas medidas: desde quando podemos fazer essas coisas? Entende-se por Constituição ou Carta Magna o conjunto de princípios fundamentais que regem todas as leis do país. Analisando nossas antigas constituições, podemos perceber que certas garantias de que hoje usufruímos são verdadeiras conquistas. Além disso, inserindo cada Carta Magna em seu contexto histórico, podemos compreender melhor a trajetória política de nosso país e identificar tendências ou correntes de pensamento que nos guiaram por décadas e décadas. Na história das Constituições brasileiras, há uma alternância entre regimes mais fechados e mais democráticos. O caráter dos governos teve repercussão na aprovação das Cartas, que foram ora impostas, ora aprovadas por Assembleias Constituintes. Por tudo isso, o Politize preparou este eBook apresentando todas as constituições já feitas na história do Brasil, suas principais características e a evolução dos direitos dos cidadãos. 1 UM PASSEIO PELA HISTÓRIA Politize! A tabela a seguir resume em linhas gerais as constituições a serem apresentadas: CONSTITUIÇÃO QUEM FEZ PERÍODO 1824 Imposta por Dom Pedro, Imperador Império 1891 Aprovada por Assembleia Constituinte República 1934 Aprovada por Assembleia Constituinte Era Vargas 1937 Imposta por Getúlio Vargas, ditador Era Vargas 1946 Aprovada por Assembleia Constituinte Democracia Populista 1967 Aprovada no Congresso por exigência do Regime Regime Militar 1988 Aprovada por Assembleia Constituinte República Contemporânea A partir do próximo capítulo, vamos destacar os principais tópicos de cada Lei Maior que já tivemos, relacionando-as com o momento histórico correspondente. Vamos voltar no tempo? 2 Politize! Em 7 de setembro de 1822, o Brasil deixou de ser colônia de Portugal, no processo conhecido como independência. Dom Pedro I, que a proclamou, passou a ser Imperador do Brasil, mesmo pertencendo à família real portuguesa. Achou estranho um português decretar a independência do Brasil de Portugal? Pois foi realmente uma situação inusitada, e isso diz muito sobre o que veio a acontecer no país nos anos seguintes. A proclamação da independência foi feita por interesses políticos, em retaliação aos inimigos liberais da família real portuguesa, que desejavam que o Brasil voltasse à condição de colônia. Essa possibilidade foi descartada por Dom Pedro. Assim, nos anos seguintes, o Brasil tornou-se uma monarquia isolada entre as repúblicas recém-libertas da antiga América Espanhola. Mas o que isso tudo tem a ver com a Constituição de 1824? O fato de termos sido governados por um imperador autoritário, na época, fez com que nossa primeira Carta Magna fosse conservadora em seu conteúdo e autocrática em seu funcionamento. 3 1. A CONSTITUIÇÃO DE 1824 CONTEXTO Politize! Retrato de Dom Pedro I, primeiro imperador brasileiro. Artista: Simplício Rodrigues de Sá, 1830. A ELABORAÇÃO DA PRIMEIRA CONSTITUIÇÃO Nosso primeiro projeto de Constituição foi elaborado em 1823, por uma Assembleia Constituinte. Esse projeto foi apelidado popularmente de Constituição da Mandioca. Isso porque um dos seus mais peculiares aspectos era que o voto era restrito apenas àqueles que tivessem certo nível de renda, que por sua vez era medida em – pasme – quantidade de farinha de mandioca. Quem tivesse menos de 150 alqueires de plantação de mandioca não teria direito ao voto. Mas qual era o sentido de medir a riqueza com base em um produto agrícola? Ora, essa era uma forma de excluir da vida política, de uma só vez, a população pobre, que não tinha esse nível de renda, e os comerciantes portugueses, que tinham renda expressa em dinheiro. Assim, o direito ao voto ficava reservado apenas à elite agrária, a única parte da população que tinha sua renda medida em farinha de mandioca. Esse projeto, porém, foi abortado no dia 12 de novembro de 1823. O imperador Dom Pedro I dissolveu a Constituinte no que pode ser considerado o primeiro golpe de Estado do Brasil independente, em um episódio conhecido como “Noite da Agonia”. Ele o fez porque a Constituição da Mandioca buscava estabelecer limites a seu poder, submetendo-o ao parlamento. Poucos meses depois, ele outorgou a Constituição de 1824, que lhe conferia amplos poderes por meio do Poder Moderador. Esse texto vigorou por mais de 60 anos, a Constituição brasileira de mais longa duração até os dias atuais. 4 Politize! poder de dissolver a Câmara e direito de aprovação ou veto de quaisquer decisões da Câmara e Senado. Nota-se facilmente que, na prática, o Poder Moderador conferia ao imperador poderes quase absolutos. Além disso, a primeira constituição brasileira proibia o voto de mulheres, escravos, criados e qualquer pessoa que possuísse renda anual inferior a 100 mil-réis. O autor Laurentino Gomes, em seu livro 1808, realiza a conversão aproximada dessa quantia para o Real e estabelece que 100 mil-réis equivaliam a cerca de R$ 12.300. Como a Constituição determinava que o Estado era oficialmente católico, a construção de templos identificáveis de outras religiões era expressamente proibida. Os cultos não-católicos deveriam ser realizados apenas em ambiente doméstico, sem serem vistos abertamente pela sociedade. MAS O QUE ERA ESSE PODER MODERADOR? O Poder Moderador, assim como o Executivo, era exercido pela pessoa do Imperador, apresentada pela Constituição de 1824 como figura inviolável e sagrada. Sua função seria a de intervir sempre que surgissem conflitos entre os demais poderes, determinando qual deles tinha razão. Além disso, o Poder Moderador atribuía ao Imperador a função de nomear senadores, o A Constituição de 1824 estabelecia, principalmente: – Monarquia constitucional e hereditária; – Voto censitário (para ser eleitor era necessário ter uma determinada renda mínima) e descoberto, ou seja, não secreto; – União entre a Igreja e Estado, sendo a católica sua religião oficial; – Quatro poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário e Moderador. 5 Politize! Muita informação de uma vez? Então vamos recapitular através deste infográfico: 6 Politize! CONSTITUIÇÃO DE 1824 CONSTITUIÇÃO DE 1824 CARACTERIZOU-SE POR SER CONSERVADORA E AUTOCRÁTICA POR QUÊ? O país continuou sendo uma monarquia entre repúblicas, apesar de independente Excluía minorias da participação política e impunha limites à liberdade de credo Cancelou a “Constituição da Mandioca”, que impunha limites ao seu poder Outorgou a Constituição de 1824, que o apresentava como inviolável e sagrado Gozava de arbitrariedadeao exercer os poderes moderador e executivo IMPERADOR AUTORITÁRIO O Segundo Reinado (1840-1889) foi o período da história brasileira compreendido entre o golpe da maioridade, episódio que possibilitou que D. Pedro II se tornasse Imperador com apenas 14 anos, e a Proclamação da República (15 de novembro de 1889). Nos primeiros trinta anos desse período, alcançou-se uma estabilidade política no Brasil sem precedentes desde a independência. Ofuscando a essência autoritária do Império, figurava certa aparência democrática. A partir da década de 1870, entretanto, esse cenário se inverteu: ganharam muita força, a partir de então, novos grupos socioeconômicos, que possuíam interesses incompatíveis com o aparelho burocrático do Império. Esses novos setores sociais foram decisivos para a derrubada da Monarquia. 7 2. A CONSTITUIÇÃO DE 1891 CONTEXTO Politize! Marechal Deodoro da Fonseca, proclamador da República e primeiro presidente do Brasil. Retrato de 1888. Conforme o café se tornava o carro-chefe da economia nacional, a elite agrária, composta principalmente por cafeicultores paulistas, se fortalecia e passava a alimentar a ambição de possuir uma autonomia de províncias que não existia no Brasil Império. Sendo assim, esse grupo social passou a nutrir, abertamente, um anseio por reformas, o que tornou esses cafeicultores importantes adeptos do republicanismo. Outro setor social decisivo para a queda da Monarquia foi o dos militares, os quais, fortalecidos moralmente pela vitória da Guerra do Paraguai (1864-1870), passaram a almejar uma representação política que não possuíam no Império. Pode-se observar, dessa forma, que a Monarquia brasileira, no final dos anos 1880, se encontrava enfraquecida, por ter perdido importantes bases de apoio. Além dos grupos citados acima, outros já haviam também perdido a simpatia pelo regime monárquico, tais como a Igreja católica, a camada média de forma geral e os fazendeiros escravocratas, descontentes com a Abolição da Escravatura de 13 de maio de 1888. Em novembro de 1889, após muitos anos de desgaste do Império, o marechal Deodoro da Fonseca aceitou chefiar o movimento que derrubaria o governo, sem nenhuma participação popular. O período subsequente da História do Brasil é denominado Primeira República ou República Velha (1889-1930). Assim que surgiu a República, foi preciso elaborar uma nova Constituição. A nova Carta Magna foi promulgada em 1891 e era inspirada no modelo norte-americano. 8 MAS QUE SETORES SOCIAIS ERAM ESSES? Politize! Os principais tópicos desse texto estabeleciam, principalmente: –República federativa liberal, com sistema presidencialista de governo; – Três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, sendo que o Poder Moderador foi extinto; – Fim do voto censitário ou por renda: seriam eleitores todos os cidadãos, mas analfabetos, mendigos, soldados e membros de ordens religiosas não eram considerados eleitores e eram impedidos de votar; – Separação entre Estado e Igreja; – Autonomia dos estados, conforme almejava a elite agrária ao apoiar o republicanismo. 9 A CONSTITUIÇÃO DE 1891: PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS Politize! A Constituição de 1891 também não fazia referência às mulheres, mas considerou-se implicitamente que elas estavam impedidas de votar. O voto feminino só seria conquistado décadas depois. Na República Velha,o voto era descoberto, ou seja, não-secreto. Essa situação acabou favorecendo o chamado “voto de cabresto”, ou seja, a manipulação eleitoral por parte dos “coronéis” (personalidades muito influentes no meio agrário e que normalmente estavam ligadas ao governo) sobre a população, que era essencialmente rural nessa época da história brasileira. Essa influência passou a ser denominada, mais tarde, de coronelismo. Os coronéis eram figuras semelhantes aos atuais prefeitos e recebiam, na época, influência política dos governadores dos estados, que por sua vez eram influenciados pelo presidente. VOCÊ SABIA? É possível observar que a Constituição de 1891, no plano teórico, se mostrava mais justa, equilibrada e liberal que a anterior, apesar de apresentar falhas. Mas, na prática, ela acabou por assegurar o controle da elite agrária sobre a máquina administrativa, política e econômica do Brasil, até o episódio conhecido como Revolução de 1930. Não parece normal que a hegemonia de um pequeno grupo, em algum momento, descontentaria os demais? No próximo capítulo, vamos entender por que a queda da República Velha transformou o Brasil. 10 Politize! 11 Politize! CONSTITUIÇÃO DE 1891 CONSTITUIÇÃO DE 1891 JUSTA, LIBERAL E EQUILIBRADA exclui o voto censitário extinguiu o poder moderador marcou o fim do autoritarismo do império garantiu algumas liberdades individuais estabeleceu autonomia dos estados PRESIDENTE GOVERNADORES CORONÉIS POPULAÇÃO RURAL não votavam mulheres, analfabetos, mendigos, entre outros sustentou o coronelismo FOI EXCLUDENTE COM AS MINORIAS E FAVORECEU OS CAFEICULTORES PAULISTAS POR QUÊ? POR QUÊ? NA APARÊNCIA NA PRÁTICA Vimos que um aspecto fundamental para a crise do Segundo Reinado e a queda da Monarquia foi o surgimento de novos grupos socioeconômicos que possuíam interesses incompatíveis com aquele regime. Pois bem! Com a República Velha, a coisa terminou do mesmo jeito. Entenda neste capítulo por que o Brasil se revolucionou após os anos 1930. Os trinta primeiros anos do século XX foram um período de fortalecimento de setores sociais e políticos que foram determinantes para o enfraquecimento da Primeira República no Brasil. Assim, o sistema político vigente foi sendo, aos poucos, corroído em suas bases de apoio. Dessa forma, em 1930, quando uma grande revolta explodiu, ele não conseguiu oferecer resistência e caiu. Esse episódio, conhecido como Revolução de 1930, transformou os rumos do Brasil, que passou da condição de país agrário-exportador para a de urbano-industrial. Para compreender essa importante mudança na estrutura nacional, portanto, é necessário avaliar cuidadosamente cada uma dessas novas forças e como elas desestabilizaram o sistema político. Vamos nessa? 12 3. CONSTITUIÇÃO DE 1934 CONTEXTO Politize! Getúlio Vargas (ao centro) e outros líderes da chamada Revolução de 1930, em Itararé, São Paulo. AS NOVAS FORÇAS SOCIAIS E POLÍTICAS É importante destacar que a indústria brasileira se expandiu durante a República Velha, embora de forma muito lenta. Paralelamente a isso, houve o fortalecimento da burguesia industrial, que, apesar de não ter contestado o regime da República Velha, era uma classe que passou a gozar de um prestígio social equiparável aos dos cafeicultores. Portanto, essa nova burguesia representava uma ameaçava à hegemonia da classe dominante, algo que não havia existido até então. Se teve fortalecimento da burguesia industrial, teve também a expansão do operariado! A população operária de São Paulo e Rio de Janeiro aumentou substancialmente com o crescimento das indústrias. Sua insatisfação com as péssimas condições de trabalho permitiu que essas pessoas simpatizassem com idéias anarquistas, socialistas e comunistas, em geral difundidas pelos operários imigrantes europeus. Assim, foi surgindo gradualmente o movimento de luta dos trabalhadores, que faziam suas reivindicações por meio de greves, frequentemente respondidas com violência e repressão policial. A mais importante do período foi a Greve Geral de 1917, ocorrida em São Paulo, que tomou grandes proporções e obteve repercussão nacional. Uma outra força política essencial para a preparação da Revolução de 1930 foi o tenentismo, organizado por jovens militares de baixa patente que almejavam reformas políticas e sociais.Durante os anos 20, esse movimento se ampliou significativamente, pois ganhou o apoio de vários setores da classe média e se tornou conhecido pelas inúmeras revoltas que organizou contra o governo. 13 Politize! O líder tenentista mais conhecido foi o capitão Luís Carlos Prestes, figura que abordaremos mais à frente ao tratar da Era Vargas (1930-1945). Chefe da famosa Coluna Prestes, Luís Carlos e outros tenentistas percorreram 25 mil quilômetros a pé pelos sertões brasileiros em apenas 21 meses, incentivando a rebeldia e a revolução. Esse espírito de luta incomodou o governo brasileiro, que passou a perseguir e, em alguns casos, até a exilar os líderes tenentistas. Por último, mas não menos importante, havia as oligarquias dissidentes. Essa expressão engloba latifundiários, geralmente exportadores de produtos secundários para a economia, que, apesar de ocuparem o poder em seus estados, não se sentiam representados por um sistema político preocupado em proteger, acima de tudo, o café. Assim, essas oligarquias passaram a reclamar do predomínio absoluto exercido por São Paulo e Minas Gerais na esfera federal e acabaram se aliando ao tenentismo e outros grupos sociais para fazer oposição ao governo. Pode-se observar com facilidade que, ao final dos anos 20, a oposição ao regime oligárquico era forte. A partir de então, o fim da República Velha passou a ser apenas uma questão de tempo. 14 Politize! Nas eleições para presidente de 1930, as oligarquias dissidentes apresentaram uma chapa de oposição ao candidato paulista, Júlio Prestes. O nome dessa chapa era Aliança Liberal, composta por integrantes minei- ros, gaúchos e paraibanos. Seu candidato à presidência foi o governador do Rio Grande do Sul Getúlio Vargas. Suas propostas eram basicamente a anistia aos exila- dos, o voto secreto e as reformas sociais, de modo que conquistou o apoio dos grupos de oposição já apresentados anteriormente. Mesmo assim, nas eleições, Júlio Prestes saiu vitorioso. Com a derrota nas eleições, as oligarquias dissidentes e os outros grupos passaram a cogitar uma revolta armada, que se concretizou após o assassinato de João Pessoa, político paraibano da Aliança Liberal. Embora esse assassinato tenha ocorrido por motivos de ordem pessoal, a culpa foi atribuída ao governo. Iniciou-se uma revolução em vários estados do Brasil e, em apenas um mês de luta, o então presidente Washington Luís foi deposto. Getúlio Vargas assumiu o comando do Governo Provisório (1930-1934). Encerrava-se, assim, a República Velha e começava o período da História brasileira denominado Era Vargas (1930-1945). A elite paulista, a principal beneficiada pela “máquina” da República Velha, foi também a mais prejudicada pela vitória da Revolução de 1930. Vargas, ao assumir o poder, depôs os governadores estaduais da época e passou a nomear interventores à sua maneira, de modo a eliminar o coronelismo. Assim, poucos meses depois da revolução, os paulistas organizaram uma revolta que buscava derrubar Vargas e seus aliados do poder. Era a chamada revolução constitucionalista, para os paulistas, ou a contrarrevolução, para os getulistas, movimento que recebeu apoio da oligarquia cafeeira. 15 A REVOLUÇÃO DE 1930 Politize! É importante saber que, apesar da mudança drástica de regime, Vargas ainda não havia promulgado uma nova Constituição. Diante dessa situação, os paulistas incluíram uma nova Carta Magna entre suas pautas, de forma a convencer seus inimigos políticos sobre suas intenções democráticas. Entretanto, o que eles realmente queriam é que as oligarquias paulistas retornassem ao poder, e exigiram também que Vargas nomeasse um governador para São Paulo que fosse civil e paulista. Após vários confrontos, por vezes violentos, entre civis e o governo, o movimento foi derrotado, mas Vargas atendeu ao desejo de se criar uma nova Constituição. Ele também nomeou um interventor paulista para o estado. A Assembléia Constituinte foi composta por diversas categorias sociais, o que fez da Constituição de 1934 a mais democrática que o Brasil já tivera em sua história até aquele momento. Além dos tópicos mantidos da Constituição de 1891, como República federativa com sistemapresidencialista de governo, observe algumas das inovações trazidas por esse texto: – Voto secreto; – Voto feminino; – Legislação trabalhista (previdência social, jornada de trabalho de 8 horas diárias, salário mínimo, férias, etc.); – Autonomia dos sindicatos; –Medidas nacionalistas defendendo as riquezas naturais do país; – Criação da Justiça Eleitoral; – Obrigação de as empresas manterem, no mínimo, dois terços de empregados brasileiros. 16 A REVOLTA PAULISTA DE 1932 A CONSTITUIÇÃO DE 1934 – PRINCIPAIS INOVAÇÕES: Politize! É inegável que essa Constituição, liberal e progressista em relação aos direitos trabalhistas, refletia, de certa maneira, o populismo e o nacionalismo econômico tão característicos da Era Vargas, de forma que Getúlio conquistou a simpatia de grande parte da população brasileira. Mas, o Governo Constitucional de Vargas (1934-1937) durou apenas três anos, devido ao golpe de Estado que ocorreria em 1937 e implantaria nossa primeira ditadura, invalidando essa Constituição. Quer conferir as cenas dos próximos capítulos? No próximo, mostraremos por que a Constituição de 1934 foi nossa Carta Magna de menor duração até os dias atuais. 17 Politize! 18 Politize! CARÁTER LIBERAL E PROGRESSISTA CONSTITUIÇÃO DE 1934 CONSTITUIÇÃO DE 1934 Auxiliou na construção da popularidade da figura política de Vargas Caracterizou-se pelas leis trabalhistas, direitos democráticos e nacionalismo econômico Influenciada pela constituição alemã da época Essa tentativa de construir uma democracia com bases sólidas não foi eficiente, visto que após três anos foi dado o golpe do Estado Novo (1937). A experiência democrática do Brasil só se efetivou com a Constituição de 1946, anos mais tarde. Teve como causa imediata a revolta paulista de 1932, que tinha como uma de suas reinvindicações uma nova carta magna ENTRETANTO DESSA FORMA Já vimos que a Constituição de 1934 durou apenas três anos, a Carta Magna brasileira de menor duração até hoje. Afinal, por que tivemos duas constituições em um intervalo de apenas três anos? O que aconteceu para que essa nova fase da república fosse interrompida, dando espaço à Constituição de 1937? É o que vamos explicar. Em 1937, Getúlio Vargas concretizou um golpe de estado que iniciaria um período de ditadura de oito anos, que se estendeu até 1945: o Estado Novo. Curiosamente, essa ditadura estava prevista por Constituição, legitimando os poderes absolutos do ditador, enquanto direitos humanos eram recorrentemente violados pelo aparelho repressor do Estado – a Polícia Especial. A Constituição de 1937, que recebeu apelido de “Polaca”, por ter sido inspirada no modelo semifascista polonês, era extremamente autoritária e concedia ao governo poderes praticamente ilimitados. 19 4. CONSTITUIÇÃO DE 1937 CONTEXTO Politize! Getúlio Vargas em 1940, quando estava em vigência o Estado Novo. MAS POR QUE GETÚLIO DEU O GOLPE DE ESTADO? Os principais fatores que contribuíram para que Vargas buscasse fortalecer seu poder pessoal através de uma ditadura foram o apoio da elite a esse fortalecimento, bem como a radicalização dos grupos de esquerda e de direita no período de 1934-37. O apoio da elite, composta, principalmente, pelos cafeicultores e industriais, se dava por motivos econômicos e políticos. Como, na época, o governo passou a comprar os excedentes de café de modo a evitar abalos na economia brasileira, os cafeicultores passaram a simpatizar com a idéia de um Executivoforte, que continuasse a auxiliá-los. Já os industriais precisavam do apoio do governo para que continuassem crescendo, o que explica o fato de também não terem visto com maus olhos o fortalecimento do Executivo. As razões políticas para esse apoio se resumiam, tanto por parte dos cafeicultores quanto dos industriais, ao medo da “ameaça comunista” e ao receio em relação aos possíveis resultados de um maior engajamento político do operariado e da classe média. Para que entendamos o pretexto utilizado por Vargas ao dar o golpe, é necessário analisar a radicalização política ocorrida tanto na direita, quanto na esquerda durante os anos que o precederam, bem como a postura do governo diante dessa oposição. 20 Politize! OS CHOQUES ENTRE A DIREITA E A ESQUERDA Em 1934, surgiu no Brasil uma organização política de caráter fascista denominada Ação Integralista Brasileira (AIB). O comando desse movimento estava nas mãos de Plínio Salgado, político e intelectual, e suas propostas de Estado forte, governo autoritário e sociedade militarizada foram inspiradas nos governos nazifascistas da Itália, Alemanha, Espanha e Portugal. Conforme de costume nos regimes totalitários, o nacio- nalismo também estava presente: os membros da AIB se vestiam com camisas verdes e se cumprimentavam levantando o braço direito e gritando a palavra indígena “Anauê”, remontando, assim, aos índios nativos do Brasil. Em reação ao integralismo, foi formada, em 1935, a Aliança Nacional Libertadora (ANL). Compunham esse movimento comunistas, socialistas e líderes sindicais que desejavam o governo popular, a proteção aos pequenos proprietários, a nacionalização das empresas estrangeiras, entre outras coisas. Diante disso, poucos meses depois e sob influência das classes mais conservadoras, a Câmara aprovou a Lei de Segurança Nacional. Esse foi respaldo legal que permitiu a Vargas fechar a ANL. A ANL tentou reagir através de um levante armado – a Intentona Comunista –, que falhou por ter tido pouca adesão de seus membros. Em resposta ao levante, Vargas decretou estado de sítio e a Polícia Especial iniciou uma repressão sistemática e violenta. A partir de então, quaisquer elementos que oferecessem resistência ao governo, além dos comunistas, foram perseguidos, presos e, não raro, torturados ou assassinados. 21 Politize! O GOLPE DE 1937 A CONSTITUIÇÃO DE 1937: PRINCIPAIS TÓPICOS Em setembro de 1937, os jornais anunciaram que o Exército havia descoberto um plano comunista para a tomada do poder. Essa situação havia sido forjada por um militar integralista pertencente ao Exército, que criou o boato – com o nome de Plano Cohen – de que os comunistas, nos dias subsequentes, incendiariam igrejas, desrespeitariam os lares, promoveriam greves e massacrariam líderes políticos. Aproveitando-se dessa (falsa) acusação e argumentando que era preciso defender a liberdade, Vargas instalou a ditadura do Estado Novo. Poucas semanas depois do suposto plano comunista ter vazado na imprensa, Getúlio desferiu o golpe, fechando o Congresso Nacional e anunciando no rádio o “nascer da nova era”. Dessa forma, a Constituição de 1937, que já estava pronta há meses durante a preparação do golpe, foi imposta ao povo. Seus tópicos principais estabeleciam: – Fechamento do Poder Legislativo nos três níveis (Congresso Nacional, Assembléias Estaduais e Câmaras Municipais); – Poder Judiciário subordinado ao Executivo; – Total liberdade de ação à Polícia Especial; – Propaganda a favor do governo no rádio mediadas pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda); – Eliminação do direito de greve; – Reintrodução da pena de morte; – Estados seriam governados por interventores nomeados por Vargas. 22 Politize! Nota-se, assim, que a constituição de 1937 se mostrou como o respaldo legal para o regime autoritário do Estado Novo e um retrocesso, se comparada à anterior, em termos de democracia e direitos humanos. Vale lembrar que os crimes e as perseguições a quem se opôs a essa forma de governo continuaram até o fim do regime e, quando este chegou ao fim, as atrocidades cometidas ficaram impunes. No próximo capítulo, abordaremos o fim do Estado Novo dentro do contexto do pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e a instalação da Democracia Populista. 23 Politize! 24 A POLACA CONSTITUIÇÃO DE 1937 CONSTITUIÇÃO DE 1937 Politize! Simbolizou o golpe do Estado Novo Retrocesso em termos de Democracia e Direitos Humanos Antecedida pelos choques entre comunistas (ANL) e integralistas (AIB) Respaldo legal do Governo autoritário Proporcionou liberdade de ação à polícia especial (aparelho repressor do governo) Concentrou o poder nas mãos de Vargas com o fechamento do Congresso Vimos no capítulo anterior que o Estado Novo interrompeu nosso período democrático depois de apenas três anos, e instituiu um aparelho repressor que impunha limites às liberdades individuais. Continue conosco neste capítulo e entenda por que a nossa primeira ditadura chegou ao fim, além de, é claro, entender como surgiu a Constituição de 1946. Conforme afirmamos no capítulo anterior, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) trouxe consequências para a política do Brasil. Nesse importante conflito, os países rivais estavam organizados em dois blocos: o do Eixo (composto pela Alemanha, Itália e Japão) e o dos Aliados (formado pela União Soviética, Inglaterra, França e, mais tarde, Estados Unidos). 25 5. A CONSTITUIÇÃO DE 1946 CONTEXTO 1) O BRASIL E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939-1945) Politize! Getúlio Vargas (abaixo, terceiro da esquerda para a direita) e o presidente dos Estados Unidos Franklin Delano Roosevelt, à sua esquerda, em 1943. Foto: Reprodução/Plano Brazil. Diante desse cenário, Vargas manteve o Brasil neutro em um primeiro momento - ou seja, sem apoiar abertamente nenhum dos blocos. Apesar disso, dentro do governo havia personalidades políticas francamente favoráveis aos nazistas, tais como o general Eurico Gaspar Dutra e o chefe da Polícia Especial, Fillinto Müller. A partir de 1942, entretanto, essa situação de neutralidade mudou. O Brasil entrou na guerra ao lado dos Aliados, chegando a enviar milhares de soldados para combate na Itália. Os motivos que levaram Getúlio a tomar essa atitude foram, principalmente: – a intenção de não romper as relações diplomáticas com os EUA, país que vinha financiando a construção de grandes obras no Brasil (como a usina siderúrgica de Volta Redonda – RJ); – o fato de a opinião pública ser mais a favor dos Aliados do que do Eixo, após os alemães terem atacado vários navios mercantes brasileiros. É importante notar que esse posicionamento ao lado dos Aliados trazia, consigo, uma contradição ao regime do Estado Novo: o Brasil era uma ditadura de caráter nazifascista, ao mesmo tempo em que suas tropas combatiam o nazifascismo na Europa. Assim, pode-se afirmar que a entrada do Brasil na guerra tornou questionável o esquema repressivo montado por Vargas, de forma que surgiram, a partir de 1944, inúmeras manifestações a favor da redemocratização. Pressionado, Vargas cedeu: convocou eleições presidenciais para o final de 1945, aceitando a formação de novos partidos políticos. Entretanto, antes mesmo de as eleições chegarem, a oposição, liderada pelos militares Gaspar Dutra e Góis Monteiro, derrubou Vargas, forçando-o a renunciar após ter nomeado seu irmão (Benjamim Vargas) para o cargo de chefe de polícia. Assim, encerrou-se o Estado Novo e teve início a redemocratização do país, com sua primeira presidência (1946-1951) exercida pelo general conservador Eurico Gaspar Dutra. 26 Politize! Conforme afirmamos acima, após a queda do Estado Novo surgiram novos partidos políticos e, coma mudança de regime (de ditadura para democracia) fez-se necessária uma nova Constituição. Embora todos os três partidos de maior porte que surgiram a partir de então tenham contribuído de alguma forma para a elaboração da nova Constituição, é importante ressaltar que eles possuíam diferenças ideológicas entre si. De um lado, os conservadores estavam representados pela União Democrática Nacional (UDN) e pelo partido Social Democrático (PSD). Nesse grupo, estavam a burguesia, os industriais, a alta classe média, grandes comerciantes e proprietários de terras. Esses setores da sociedade defendiam a implantação de um capitalismo totalmente aberto ao capital estrangeiro e às grandes companhias internacionais. Do outro lado, estavam os progressistas. Organizados no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e representados em grande parte pelos operários, defendiam o capitalismo nacionalista, que seguisse os interesses do Brasil e não das grandes potências. A apresentação desses grupos opostos também é importante para que você possa entender, mais à frente, a implantação da ditadura militar de 1964. Sob controle desses partidos, em 1946, a Assembleia Constituinte aprovou a nova Carta Magna brasileira. Os aspectos da Constituição de 1946 se assemelhavam aos das Cartas Magnas de 1891 e 1934, e incluíam: 27 2) AS NOVAS FORÇAS POLÍTICAS QUE DERAM ORIGEM À CONSTITUIÇÃO DE 1946 Politize! – Poder Executivo exercido pelo Presidente da República, eleito pelo povo para um mandato de cinco anos; – Poder Legislativo constituído pelo Senado Federal e Câmara dos Deputados. Tanto os senadores quanto os deputados eram eleitos pelo povo; os primeiros, na quantia de três por estado, e os segundos, de forma proporcional à população de cada estado; – Poder Judiciário formado por tribunais federais de cada estado e pelo Supremo Tribunal Federal; – Autonomia política e administrativa para os estados. Com a deposição de Vargas, a condução do processo para a redemocratização foi feita pela mesma elite política que comandava o regime varguista. Assim, a restauração democrática não produziu uma substituição radical dos grupos no poder, mesmo que tenha acontecido uma reformulação político- institucional. Como esse processo foi conduzido pela mesma elite do regime anterior, a formulação da Constituição de 1946 deixou praticamente intacto muitos pontos da estrutura institucional do Estado Novo. O fato desse curto período democrático ter desmoronado apenas 19 anos mais tarde nos mostra que a nova democracia liberal brasileira apresentava 28 Politize! falhas e não possuía bases sólidas que a fizessem mais permanente. Nesse sentido, é importante notar que o candidato à presidência eleito em 1945, o general conservador (PSD) Gaspar Dutra, que veio a assumir a presidência em 1946, havia sugerido, no contexto da Segunda Guerra, que entrássemos no conflito ao lado dos nazistas. Ele também esteve envolvido na montagem do Estado Novo. A nova estrutura política estabelecida a partir de 1946 carregava muitos aspectos do sistema anterior. O cenário político continuou dominado pelas mesmas elites e a ascensão de novos partidos era dificultada de várias formas. O período da redemocratização mostrava-se, assim, como uma forma de continuação do sistema político dominado pelas mesmas elites do getulismo. A Constituição de 1946 pode ser vista como liberal e adequada ao contexto da Redemocratização. No entanto, seus itens começaram a ser considerados inválidos a partir de 1964, com a criação dos Atos Institucionais do Regime Militar. Agora que você entendeu toda a contradição por trás da Constituição de 1946, mostraremos no próximo capítulo como esse cenário influenciou a implantação da ditadura de 1964, a mais repressiva que já tivemos em nossa história e essencial para a compreensão dos dias atuais. 29 Politize! CONSTITUIÇÃO DE 1946 CONSTITUIÇÃO DE 1946 ENTRETANTO: VIGENTE NO PERÍODO ENTRE DITADURAS: Regime Militar (1964 - 1985) Estado Novo (1930 - 1945) ORGANIZADA POR MEMBROS DOS NOVOS PARTIDOS POLÍTICOS: PSD, UDN, PTB LIBERAL POSSUÍA CARÁTER Tripartição de poderes seguida à risca Caiu por terra anos mais tarde, com a criação dos Atos Institucionais do Regime Militar e Constituição de 1967. Autonomia política e administrativa para os estados 30 Politize! A década de 1950 teve fundamental importância para a implantação do regime militar em 1964. Entender essa ditadura é essencial para o debate sobre o Brasil contemporâneo. Neste capítulo, vamos explicar o contexto em torno da Constituição de 1967 e como foi esse episódio tão comentado da história brasileira. No último texto, falamos sobre o surgimento de grupos políticos com interesses opostos no contexto do período democrático de 1945 a 1964. Esses grupos, representados de um lado pelos progressistas e do outro pelos conservadores, acirraram a disputa pelo comando político nacional após a presidência do general Gaspar Dutra (1946-1951). O conservadorismo de Dutra, com sua vigilância sobre os sindicatos, repressão a protestos contra o governo e manutenção dos salários a níveis baixos, foi interrompido com a vitória de Getúlio Vargas, ex-presidente e líder progressista, nas eleições de 1950. 31 6. A CONSTITUIÇÃO DE 1967 CONTEXTO A LUTA PELO PODER NOS ANOS 1950 Politize! Tanques na Avenida Presidente Vargas em 1968. Foto: Correio da Manhã. Vargas voltou ao poder como candidato do PTB e, para isso, utilizou-se nas campanhas eleitorais do apelo às massas trabalhadoras e setores da classe média. Prometia o aprofundamento da política social e nacionalista do Estado Novo, que retornaria, agora, em um contexto democrático. Essa campanha foi imbatível para seus adversários e assim, Getúlio voltou ao poder em 1951. É importante atentarmos para o fato de que, em sua campanha eleitoral, Vargas fez alianças com parte dos conservadores, apesar de ser progressista. Desse modo, contraiu “dívidas” que precisavam ser pagas, principalmente com os conservadores que colaboraram com sua vitória em São Paulo e Minas Gerais. Por isso, Getúlio nomeou ministros conservadores e, consequentemente, surgiu a primeira contradição de seu governo: apesar de progressista, o ministério era conservador. A partir desse momento, ocorreram intensas lutas entre progressistas e conservadores, com vitórias para os dois lados. A grande vitória dos conservadores pode ser vista como o fim do apoio dos militares a Getúlio, classe social que, apesar de composta principalmente por conservadores, possuía elementos progressistas que foram sendo esmagados pelos rivais. Já a principal vitória dos progressistas foi a criação da Petrobrás, empresa estatal de exploração petrolífera cujo surgimento foi amplamente contestado pelos conservadores. Esses últimos eram a favor da intervenção de multinacionais e do governo dos Estados Unidos nessa empreitada, o que, na visão dos progressistas, faria do Brasil um país ainda mais dependente das grandes potências. A opinião pública se mostrou favorável à Petrobrás, de forma que a derrota dos conservadores nesse episódio foi inevitável. Entretanto, a retaliação conservadora não demorou para chegar: a grande imprensa, o capital estrangeiro, a burguesia nacional, militares e a UDN se uniram em uma dura ofensiva contra o governo Vargas, sob a liderança do jornalista Carlos Lacerda. Essa campanha tinha por objetivo implantar, já em 1954, um regime militar, fato que Getúlio adiou por dez anos através de seu suicídio. 32 Politize! Dentro do contexto dessa ofensiva contrária ao governo progressista, um incidente mudou os rumos da História brasileira: na madrugada de 5 de agosto de 1954, Carlos Lacerda sofreu um atentado, no qualmorreu o major da Aeronáutica responsável por sua proteção. Esse incidente ficou conhecido como o “Atentado da Rua Tonelero”. O inquérito conduzido pela Aeronáutica apresentou, nos dias subsequentes, Gregório Fortunato como o mandante do crime: nada mais, nada menos que o chefe da guarda pessoal de Getúlio. Em outras palavras, os progressistas teriam supostamente encomendado a morte de Lacerda, e falharam ao acertarem o major, em vez de atingir o seu alvo. A repercussão desse incidente foi extremamente prejudicial a Getúlio, que perdeu todo o apoio político que lhe restava, apesar de nunca ter sido provado o envolvimento de Vargas ou de seus assessores com o crime. Forçado a renunciar, Vargas suicidou-se na manhã de 24 de agosto de 1954. A notícia de sua morte e a publicação de sua carta- testamento abalaram o país: multidões saíram às ruas nas principais capitais. Amedrontados com essa reação, os conservadores recuaram em seu plano de instalar uma ditadura militar. Assim, concordaram com a posse do vice-presidente Café Filho. Foi assim que a tentativa de golpe fracassou. 33 A TENTATIVA DE GOLPE EM 1954 Politize! Muitos teóricos defendem a ideia de que o período que precedeu o golpe militar brasileiro de 1964 foi marcado por um comprometimento no funcionamento operacional político brasileiro, em um cenário dominado por disputas entre partidos políticos, com pouca ou nenhuma oportunidade para a adoção de novas políticas, mesmo aquelas urgentemente necessárias. Assim, o golpe militar teria resultado sobretudo de uma paralisia decisória em que se encontrava a política brasileira. A baixa produção do Congresso foi notada já no governo de Jânio Quadros, que afirmou que o Brasil era ingovernável com o Congresso que apresentava, convencendo-se de que nenhum Presidente poderia governar com sucesso havendo tantas restrições impostas pelo Congresso Nacional. Esse Congresso era governado por uma maioria conservadora, e a ideia que se seguia era de que nenhum programa governamental poderia ser implantado enquanto a iniciativa do Executivo dependesse de aprovação do Legislativo. Pela Constituição de 1946, a maioria das decisões envolvendo a alocação de bens e valores à sociedade deveria ser tomada mediante consulta ao Congresso. Assim, qualquer proposta de decisão coletiva, para ser aprovada, tinha que ser encaminhada ao Legislativo. Até mesmo as medidas de curto prazo deveriam ser autorizadas pelo Legislativo antes de entrarem em funcionamento, e a implementação de qualquer política era acompanhada de perto pelo Congresso. Em praticamente nenhuma área o executivo dispunha de “carta branca” para agir. 34 A PARALISIA DECISÓRIA DA POLÍTICA BRASILEIRA Politize! Nos anos que se seguiram após o fim do governo de Café Filho e ainda no período democrático, foram três os presidentes que o Brasil teve: Juscelino Kubitschek – conhecido como JK (1956-1961) –, Jânio Quadros (1961) e João Goulart – “Jango” (1961-1964). JK iniciou um modelo econômico baseado na industrialização por substituição de exportações, que levou o país à crise econômica, pois os grandes grupos internacionais se recusavam a fornecer o capital e a tecnologia necessária para isso, já que os produtos brasileiros substituiriam os seus no mercado internacional. Para continuar fornecendo recursos ao Brasil, os capitalistas estrangeiros exigiam que o país adotasse medidas que lhes dessem o controle da política e economia do Brasil. Anos mais tarde, o regime militar reataria esse laço internacional, adotando as medidas necessárias para tal aliança, trazendo capital e tecnologia para o país em um período político autoritário. Jânio Quadros foi eleito depois do mandato de JK e, apesar do sucesso das eleições, perdeu o apoio do povo ao adotar medidas impopulares. Tomou também medidas que foram contrárias aos interesses dos conservadores, e sua intenção propagandística de se alinhar com os países comunistas desagradou os progressistas. Com todas as suas bases de apoio perdidas, Jânio renunciou. 35 A PREPARAÇÃO DO GOLPE DE 1964 Politize! Com a renúncia de Jânio, ministros militares se mostraram contrários à posse do vice-presidente João Goulart, que havia sido eleito diretamente pelo povo - na época, a votação para vice era separada da votação para presidente. Entretanto, as próprias Forças Armadas possuíam contradições internas (nem todos os militares estavam contra Jango nesse momento; alguns queriam que ele tomasse posse) e assim, essa outra tentativa de golpe fracassou em 1961. Chegou-se, então, a uma solução conciliatória: o poder seria dado a Jango, mas seria restrito pela adoção do sistema parlamentarista no Brasil. Assim, foi feito um Ato Adicional à Constituição de 1946, estabelecendo o parlamentarismo no Brasil. Mas, poucos meses mais tarde, o parlamentarismo foi extinto, através de um plebiscito, de forma que Jango, agora livre da burocracia, tornou-se presidente com plenos poderes. Assim ele conseguiria por em prática o ponto central de sua política: as reformas de base. Jango queria promover muitas reformas: agrária, do sistema bancário, do processo eleitoral, do sistema tributário e da legislação que dizia respeito ao capital estrangeiro. O objetivo era reformar o Brasil como um todo, defendendo para isso uma reforma da Constituição de 1946. Entretanto, assim que anunciou seus planos, Jango foi acusado de ser um “agente do comunismo internacional” infiltrado no Brasil, o que era uma grave acusação no contexto da Guerra Fria. Mesmo assim, ele tentou implantar sua política reformista. Os conservadores, entretanto, apoiados pelo governo estadunidense através da Operação Brother Sam – uma empreitada que visava dar apoio logístico e militar aos golpistas, mas que não chegou a ser necessária –, derrubaram João Goulart em 31 de março de 1964. Era o início da ditadura militar. Goulart teve de abandonar o país e partiu para o exílio no Uruguai, onde morreria alguns anos mais tarde. Com Jango removido do poder, o marechal Castelo Branco assumiu a presidência pouco tempo depois. 36 A SUCESSÃO DE JÂNIO QUADROS A POLÍTICA REFORMISTA DE JOÃO GOULART Politize! Logo após os militares tomarem o poder, a Constituição de 1946 começou a ser invalidada pouco a pouco, através dos Atos Institucionais (AIs), decretos autoritários que davam ao presidente poderes praticamente absolutos, apesar de haver uma Constituição em vigor. O AI-1, decretado poucos dias após o golpe e redigido pelo autor da Constituição Polaca de 1937, dava ao Executivo poderes para cassar mandatos parlamentares e suspendia os direitos políticos dos cidadãos por 10 anos. O AI-2, também de 1964, decretou o fim dos partidos políticos e decretou que os crimes contra a segurança nacional seriam julgados por tribunais militares. O AI-3, de 1966, eliminou as eleições diretas para governador. O AI-4 determinou as regras para que fosse aprovada a Constituição de 1967, projeto dos militares que fortalecia tremendamente o Poder Executivo e que foi aprovada sem discussões. O AI-5, o mais violento e duradouro de todos os atos baixados pela ditadura, suspendia o habeas corpus, dava ao presidente poderes para fechar o Congresso Nacional por tempo ilimitado e de suspender os direitos políticos de qualquer cidadão. Qualquer pessoa atingida pelos efeitos do AI-5 estava proibida de reclamar na Justiça. Observa-se que, nos anos que sucederam 1964, a expansão do autoritarismo foi constante. Paralelamente às medidas autoritárias, figuravam a repressão e a violência, com prisões arbitrárias, demissões em massa de funcionários, cassações de mandatos e vinganças pessoais. O regime foi endurecendo cada vez mais, mostrando que o grupo que tomou o poder pretendia ficar nele por muito tempo. Contudo,após dez anos de endurecimento (1964-1974), a ditadura iniciou o processo de abertura política (1974-1985). No próximo capítulo, você confere mais detalhes sobre o Regime Militar e a crise que culminou no fim do regime e na promulgação da Constituição de 1988. 37 OS ATOS INSTITUCIONAIS E A CONSTITUIÇÃO DE 1967 Politize! CONSTITUIÇÃO DE 1967 CONSTITUIÇÃO DE 1967 38 Politize! Teve início com o Golpe de 1964 em que conservadores derrubaram Jango apoiados pelos EUA (Operação Brother Sam) ELABORADA PELO REGIME MILITAR Reunia as medidas ditatoriais dos atos institucionais os quais garantiam o autoritarismo através de princípios democráticos, como: CONCESSÃO DE AMPLOS PODERES ÀS FORÇAS ARMADAS: Poder de suspender direitos políticos Poder de cassar mandatos legislativos Suspensão do Habeas Corpus Fim dos partidos políticos, etc. E chegamos aos nossos dias! A Constituição de 1988, con- hecida como Constituição Cidadã, é a que rege todo o ordenamento jurídico brasileiro hoje. Vamos aprender como chegamos até essa Constituição? Para começar, vamos estudar um pouco mais sobre o regime militar e o período que antecedeu a volta da democracia no Brasil. O Regime Militar pode ser didaticamente dividido em 2 fases: a de expansão do autoritarismo (1964-1974) e a de abertura política (1974-1985). 39 7. CONSTITUIÇÃO DE 1988 CONTEXTO: AUGE E DECLÍNIO DA DITADURA MILITAR Politize! Manifestação das Diretas Já, em Brasília. Foto: Arquivo da Agência Brasil. Quanto a essa primeira fase, cabe destacar que o sistema partidário do país foi extinguido pelo AI-2, que determinou o fim dos partidos até então existentes. Após esse decreto, as autoridades federais permitiram a formação de dois novos partidos: a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), que apoiava o governo, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que o combatia. A ARENA era amplamente majoritária no Congresso e dispunha de total apoio oficial do governo, enquanto o MDB estava permanentemente ameaçado de ter seus deputados e senadores cassados. Nessa época já aumentava a resistência à ditadura, apesar da repressão e da censura à imprensa. Apesar de grande parte dos opositores do regime terem optado pelo silêncio, muitos se aliaram ao MDB como forma de resistência àquela situação de controle nacional por parte dos militares, enquanto outros optaram pela realização de movimentos de guerrilha urbana. Entretanto, a luta armada acabou por fortalecer o regime, pois deu-lhe a oportunidade de criar métodos cruéis no combate aos opositores, tais como a tortura, prisão política e, não raro, assassinatos. Os protestos estudantis também foram marcantes. Um acontecimento notável foi o assassinato do estudante Edson Luís pela polícia, a tiros, durante uma manifestação no Rio de Janeiro. Entre as personalidades políticas, a oposição ao regime se deu através da Frente Ampla. Políticos como Juscelino Kubitschek, João Goulart (no exílio) e até mesmo Carlos Lacerda se organizaram nesse movimento, que acabou extinto em 1968 pelo general Costa e Silva. 40 A EXPANSÃO DO AUTORITARISMO (1964-1974) Politize! Ao se falar sobre a fase de expansão do autoritarismo, é impossível não abordar o famoso “milagre econômico”. No governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), foram comuns os slogans de “ninguém segura este país”, “este é um país que vai pra frente” ou ainda, “Brasil: ame-o ou deixe-o”. Durante esse governo, tivemos um crescimento econômico sem precedentes na história brasileira, que nos levou ao status de país campeão de crescimento econômico mundial na década de 1970 e que fez com que nosso PNB (Produto Nacional Bruto) chegasse a ser o décimo do mundo. 41 O “MILAGRE ECONÔMICO” Politize! Não parece estranho que Lacerda, que colaborou com a subida dos militares ao poder, tenha passado para a resistência ao regime? De fato, essa mudança de postura foi muito recorrente entre os que apoiaram a implantação da ditadura. Muita gente se assustou com a longa permanência dos militares no poder e com o caráter cada vez mais violento do regime. Essa situação levou Lacerda a afirmar: “na medida em que ajudei esses aventureiros a tomarem o poder, tenho o dever de mobilizar o povo para corrigir esse erro do qual participei”. VOCÊ SABIA? As causas para esse “milagre” foram internas, mas principalmente externas. O governo concedeu, nesse período, muitos incentivos fiscais, favorecendo novos investimentos por parte de empresários brasileiros, além de investir muitos recursos em nossa economia. Mas os principais responsáveis por esse crescimento foram fatores externos. No início dos anos 1970, o comércio internacional entrou em uma fase muito dinâmica, de modo que as exportações brasileiras aumentaram muito, colaborando muito para o crescimento. Além disso, as autoridades concederam uma vasta gama de privilégios às multinacionais, que passaram a investir em peso no Brasil. Enquanto isso, os bancos internacionais concediam empréstimos gigantescos, o que também alimentou esse rápido crescimento na economia brasileira. O período do milagre foi, habilidosamente, explorado pelos governos militares, por meio de grandes propagandas em prol do regime. A vitória da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1970 acabou se tornando um verdadeiro ícone desse momento de nacionalismo e otimismo. Foi também nessa época que foram construídas obras públicas faraônicas, como a Transamazônica, a ponte Rio-Niterói e a Usina Hidrelétrica de Itaipu. Os projetos-impacto, de grande efeito propagandístico para o regime, também estavam presentes, como o Mobral (para alfabetização de adultos) e o Rondon (para assistência médico-sanitária a populações carentes). 42 Politize! Apesar desse crescimento ter sido real, em poucos anos a economia brasileira entrou em declínio e o “milagre econômico” ruiu. O quadro de recessão que surgiu após esse período de crescimento acelerado continuou após o fim do Regime Militar, mantendo-se até o final do século XX e início do século XXI. A classe média, que durante o milagre podia comprar automóveis, televisão a cores e equipamentos de som, passou a ter que fazer filas nos supermercados e açougues para comprar alimentos, antes que a hiperinflação corroesse o valor da moeda. Uma das causas para o fim do milagre foi a falta de preocupação com os aspectos sociais do país. Em outras palavras, o crescimento não trouxe desenvolvimento. Isso porque a esmagadora maioria dos brasileiros não se beneficiou do crescimento econômico, de forma que as camadas mais ricas, nessa época, tenham ficado mais ricas, enquanto as mais pobres permaneceram na pobreza. Durante o milagre, não produzimos o que era fundamental para nossa população, mas sim o que era lucrativo para as multinacionais. Contraditoriamente, enquanto exportávamos centenas de milhares de toneladas de soja (um dos alimentos mais nutritivos), grande parte da população sofria de subnutrição. Quando a euforia da economia mundial se conteve, a partir da crise do petróleo de 1973, as nossas exportações caíram. Para que nossas indústrias continuassem a vender seus produtos, seria necessário um grande mercado interno, o que não era o nosso caso. A classe média, a essa altura, já estava “empanturrada” de bens de consumo duráveis, tais 43 O FIM DO “MILAGRE” Politize! como automóveis e televisões, e não tinha mais condições de consumir a grande quantidade de produtos que entrava diariamente no mercado. Já a classe baixa, que nunca teve condições de consumir esses bens de consumo, obviamente não poderia fazê-lo agora, por causa dos baixos salários. A consequência dessa queda de consumo foi produção industrial estagnada, arrocho salarial da classe média,desemprego generalizado, inflação galopante e dívida externa absurdamente elevada. Diante desse cenário melancólico, o regime militar recorreu a uma intensa privatização do Estado, na tentativa de deslocar os prejuízos da recessão para o setor privado. Isso permitiu que pequenos grupos econômicos controlassem segmentos do Estado buscando seu exclusivo benefício, o que ajudou a estagnar o desenvolvimento brasileiro e acabou por agravar a crise, que se estendeu por muitos anos após o fim do regime. Foi nessa época que surgiram as raízes das privatizações de que tanto ouvimos falar hoje. 44 Politize! A partir do governo Ernesto Geisel (1974-1979), percebeu-se que se a ditadura continuasse como estava, a insatisfação ficaria tão generalizada que poderia levar à sua queda. Isso porque a economia só se deteriorava com o fim do “milagre”, a sociedade civil estava cansada da falta de liberdade política e as Forças Armadas começavam a se desgastar devido à sua longa permanência no poder. Assim, o governo optou por promover a abertura política. É importante ressaltar que essa liberalização do regime não visava restabelecer a democracia no Brasil, mas sim dar condições ao regime de sobreviver em uma época de dificuldades políticas e econômicas. Desse modo, a repressão policial aos poucos diminuiu, os atos institucionais foram suspensos, o movimento estudantil se reorganizou, o sistema eleitoral foi democratizado, a imprensa se libertou da censura, os exilados e presos políticos foram anistiados (perdoados) e permitiu-se a formação de novos partidos políticos. Em meio à liberação de novos partidos, ocorrida em 1979, os que apoiavam o governo – antiga ARENA – permaneceram unidos em um único partido, o PDS (Partido Democrático Social), enquanto o MDB se dividiu em PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), PT (partido dos Trabalhadores) e outros. Sobre a Lei da Anistia, aprovada em 1979, é importante dizer que não somente os presos e exilados políticos foram anistiados, mas também os agentes de órgãos de segurança do Estado que cometeram crimes de abuso do poder, tortura e assassinato. No ano de 1980, foi aprovada emenda constitucional que restabelecia as eleições diretas para governador. Isso mostra que as proporções da abertura política estavam aumentando, o que desagradava grupos mais conservadores. O episódio do Riocentro é um ícone dessa época do país: no feriado do dia do trabalho, militares ligados aos órgãos de repressão tentaram, sem sucesso, explodir uma bomba em um show que contaria com a presença de grandes nomes da música 45 A ABERTURA POLÍTICA Politize! popular e milhares de pessoas. Por um “acidente de percurso”, a bomba explodiu no colo do sargento, matando-o e ferindo gravemente o capitão que estava ao seu lado em um carro. Esse episódio contribuiu muito para o desgaste do governo, inclusive entre os próprios militares. Não é exagerado dizer que apressou o fim do regime. A oposição se intensificou, endurecendo sua posição, e seu movimento mais significativo foi a famosa campanha das Diretas Já, que começou depois que o deputado Dante de Oliveira apresentou projeto de emenda constitucional que instituiria eleições diretas para presidente em 1984. O projeto não foi aprovado no Congresso, devido a uma mobilização do PDS e particularmente do então presidente desse partido, o senador José Sarney. A participação popular na Diretas foi imensa, de modo que até hoje é considerado um dos maiores movimentos de massas já visto na história do Brasil. Mesmo com a pressão popular, as eleições para presidente de 1985 foram indiretas (o Congresso escolheu o presidente). O PMDB lançou como candidato à presidência o governador de Minas Gerais Tancredo Neves e à vice-presidência, José Sarney, que se desligou do PDS e se filiou ao PMDB. Enquanto isso, o PDS escolheu como candidato Paulo Maluf. A opinião pública apoiou abertamente a candidatura de Tancredo, que acabou sendo eleito pelo Colégio Eleitoral. Assim, sua vitória acendeu muitas esperanças. Surgiu, nessa época, a expressão “Nova República” para denominar o regime que substituiria a ditadura militar. Significava a esperança de que, a partir do restabelecimento da democracia, caminhássemos para uma condição de menor desigualdade social, crescimento econômico e combate à corrupção e à inflação. E então, subitamente veio a doença e a morte de Tan- credo. Perplexa, a população assistiu à posse de Sarney para a presidência da República. Sarney havia apoiado a ditadura, fora senador pela ARENA, presidente do PDS e principal articulador da derrota da emenda Dante de Oliveira. Essa situação permite que questionemos a eficácia desse processo de redemocratização. 46 Politize! Feita essa revisão da ditadura militar, podemos falar da Constituição de 1988, que está vigente até hoje! Em 1986, durante a presidência de Sarney, houve eleições para o Congresso Nacional (deputados e senadores). Os 559 eleitos formaram a Assembleia Constituinte, que elaborou a nova Constituição entre 1987 e 1988. A maioria dos constituintes eram de partidos do chamado Centro Democrático, partidos como PMDB, PFL, PTB e PDS. O presidente da Constituinte foi o deputado Ulysses Guimarães, do PMDB. Entre os constituintes também estavam figuras importantes, como os futuros presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Michel Temer. O resultado de mais de 19 meses de assembleia foi a Constituição de 1988, apelidada de cidadã. É uma das mais extensas constituições já escritas, com 245 artigos e mais de 1,6 mil dispositivos. Mesmo assim, ela é considerada incompleta, pois vários dispositivos que dependem de regulamentação ainda não entraram em vigor. 47 A ASSEMBLEIA CONSTITUINTE E A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ Politize! Sessão final da Assembleia Constituinte, no dia 22 de setembro de 1988. Foto: Arquivo da Agência Brasil. Confira a seguir algumas das principais determinações dessa Carta: – Sistema presidencialista de governo, com eleição direta em dois turnos para presidente; – Transformação do Poder Judiciário em um órgão verdadeiramente independente, apto inclusive para julgar e anular atos do Executivo e Legislativo; – Intervencionismo estatal e nacionalismo econômico; – Assistência social, ampliando os direitos dos trabalhadores; – Criação de medidas provisórias, que permitem ao presidente da República, em situação de emergência, decretar leis que só posteriormente serão examinadas pelo Congresso Nacional; – Direito ao voto para analfabetos e menores entre 16 e 18 anos de idade; – Ampla garantia de direitos fundamentais, que são listados logo nos primeiros artigos, antes da parte sobre a organização do Estado. A Constituição de 1988 alterou significativamente a divisão de poderes entre legislativo e executivo. Enquanto no período de redemocratização após o Estado Novo até mesmo as decisões de curto prazo dependiam de aprovação do Congresso, na Constituição atual o poder está concentrado no Executivo. O executivo hoje tem fortes poderes de estabelecer a agenda dos trabalhos legislativos, principalmente através das Medidas Provisórias. Internamente, o Congresso também se organiza de maneira diferente. O Congresso atual se apresenta de forma altamente centralizada, com um rígido controle por parte do Presidente da Câmara e dos líderes partidários, sobre o processo legislativo. Além deles serem responsáveis pelas pautas legislativas, os líderes têm o direito de representar as bancadas dos partidos, podendo assinar petições em nome de todos os membros da bancada. Essas prerrogativas estavam ausentes, ou eram restritas pelo regimento da Casa durante o período 1946-1964. 48 Politize! Ainda que a fragmentação partidária tenha aumentado em relaçãoao regime democrático pré-regime militar, a coesão partidária no período após 1988 é muito maior. No atual sistema, o apoio político ao governo é obtido de forma similar a sistemas parlamentaristas com governos multipartidários: o presidente distribui aos partidos posições em ministérios, de maneira a formar um governo com apoio legislativo desses partidos. Essas coalizões ocorreram nos dois períodos constitucionais, mas no período atual elas se intensificaram ainda mais. No novo sistema, percebe-se que a relação entre executivo e legislativo está longe de ser conflituosa. O Congresso não é um obstáculo às iniciativas presidenciais, como era no período pós-Estado Novo. Há uma cooperação entre os dois poderes e, assim, não existe paralisia decisória como no período 1946-1964. No conjunto, a Constituição de 1988 se caracteriza por ser amplamente democrática e liberal - no sentido de garantir direitos aos cidadãos. Apesar disso, nossa Carta atual foi e continua a ser muito criticada por diversos grupos, que afirmam que ela traz muitas atribuições econômicas e assistenciais ao Estado. O presidente na época da promulgação, José Sarney, chegou a afirmar que ela tornaria o país “ingovernável”, pelo excesso de responsabilidades sobre o Estado. De todo modo, a Constituição é considerada por muitos especialistas como uma peça fundamental para a consolidação do Estado democrático de direito no país, bem como da noção de cidadania, ainda tão frágil para a população brasileira. 49 Politize! CONSTITUIÇÃO DE 1988 CONSTITUIÇÃO DE 1988 50 Politize! Consolidado após o longo período de abertura política Necessária após o fim do milagre econômico Ruiu pois o crescimento náo foi acompanhado por desenvolvimento ESTABELECIA: CONSTITUIÇÃO CIDADÃ por tudo isso, foi apelidada de PROMULGADA APÓS O FIM DO REGIME MILITAR ELABORADA DURANTE A PRESIDÊNCIA DE SARNEY Tomou posse após a morte de Tancredo Neves Foi eleito indiretamente após a derrota das “Diretas Já” Sistema presidencialista de governo, com voto direto; Fortalecimento do Judiciário; Internacionalismo estatal e nacionalismo econômico; Assistencialismo social, com ampliação dos direitos dos trabalhadores. Chegamos ao fim desta jornada! Agora você já conhece a história das sete constituições brasileiras, documentos que refletiram o espírito de diferentes épocas da história do país e que também direcionaram em grande parte os rumos da política nacional. Mais do que formalidades, as constituições possuem grande peso político e são um registro histórico de grande importância. 51 CONCLUSÃO Politize! Boris Fausto: História do Brasil Material didático: Curso Anglo de ensino Senado Brasil Escola UOL Info Escola Época: Constituição de 1988 SANTOS, Wanderley G. Parte 2: Anatomia da crise (Cap. 8, 9 e a Conclusão). O Cálculo do conflito: estabilidade e crise na política brasileira. Belo Horizonte/ Rio de Janeiro: Editora UFMG/IUPERJ. SOUZA, Maria do Carmo Campello. Estado e partidos políticos no Brasil (1930 a 1964). São Paulo, Alfa-Ômega, 1976. FIGUEIREDO, Argelina e LIMONGI, Fernando. “Instituições Políticas e Governabilidade.Desempenho do governo e apoio legislativo na democracia brasileira” in MELO, Carlos R. & SAEZ, Manuel A. A democracia brasileira: balanço e perspectivas para o século 21. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. REFERÊNCIAS: Politize! Somos uma rede de pessoas e organizações comprometidas com a ideia de levar educação política para cidadãos de todo o Brasil. Acreditamos que a tecnologia é uma grande aliada na difusão de conhecimento e que podemos fazer a diferença proporcionando conteúdo educativo sobre política de forma fácil, divertida e sem vinculações político-partidárias. Politize! E aí, gostou desse material? Compartilhe com seus amigos, para que mais pessoas possam conhecer um pouco mais da nossa história!
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