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Unidade 2 - Hermenêutica Jurídica - Unifor

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HERMENÊUTICA JURÍDICA
Unidade 2: Hermenêutica Filosófica
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Exposição Sintética da Unidade
Começamos agora a segunda unidade da disciplina de Hermenêutica Jurídica. 
Durante esta unidade, iremos apresentar, inicialmente, as principais correntes 
fi losófi cas da hermenêutica contemporânea, que tiveram infl uência direta sobre 
a hermenêutica jurídica. Em seguida, faremos a aplicação destes estudos para a 
hermenêutica, por ser a interpretação algo que faz parte de um ato de conhecimento. 
Para tanto, iniciaremos abordando o conceito de conhecimento, os vários tipos e graus 
do conhecimento, suas metodologias, seus sujeito e objetos.
Evoluindo para a relação entre conhecimento e cultura, iremos demonstrar que todo 
conhecimento é uma atividade interpretativa dos fatos, pela qual buscamos compreender os 
acontecimentos e objetos da vida cotidiana e, através de uma análise cultural, atribuímos a estes 
os padrões valorativos sociais vigentes. Neste contexto é que surgem a norma jurídica, como 
disciplinadora desses padrões, e o Direito como estudo sistemático da norma, ambos essencialmente 
vinculados à sociedade e à cultura.
Assim, para que você possa compreender melhor o nosso estudo, faz-se importante conhecer 
quais são os objetivos desta unidade:
Objetivo
Analisar as elaborações fi losófi cas do problema hermenêutico e suas repercussões 
no campo jurídico.
A hermenêutica jurídica se afi rma, assim, como atividade de referência para alcançar a dimensão 
valorativa dos fatos presentes na cultura, da qual se depreende o sentido conferido às ações humanas, 
sentido este passível de ser captado pelo exercício da interpretação. A interpretação é uma verdadeira 
recriação da norma, no momento concreto de sua aplicação, evidenciando assim o dinamismo do Direito 
na tentativa de alcançar a contínua evolução social.
Desse modo, a seguir examinaremos os momentos constitutivos do ato de interpretar e o 
modo como atuam nele os elementos objetivos do mundo jurídico e subjetivos da formação do 
intérprete. Acompanhe!
SUMÁRIO: EXPOSIÇÃO SINTÉTICA DA UNIDADE (33) TEMA: HERMENÊUTICA FILOSÓFICA CONTEMPORÂNEA (34) 1. HERMENÊUTICA METODOLÓGICA OU EPISTE-
MOLÓGICA EM SCHLEIERMACHER E DILTHEY (34) 2. HERMENÊUTICA ONTOLÓGICA OU EXISTENCIAL EM HEIDEGGER E GADAMER (39) 3. CONTRIBUIÇÕES DE JEAN 
PAUL SARTRE E PAUL RICOEUR (42) TEMA: HERMENÊUTICA FILOSÓFICA NA TEORIA DO CONHECIMENTO (47) 1. O CONHECIMENTO (47) 2. NORMA, CULTURA, 
VALOR E SENTIDO (55) 3. CONHECIMENTO E INTERPRETAÇÃO (58) 4. INTERPRETAÇÃO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL (62) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (66)
Hermenêutica Jurídica
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TEMA: HERMENÊUTICA FILOSÓFICA CONTEMPORÂNEA
1 Hermenêutica Metodológica ou Epistemológica em Schleiermacher 
e Dilthey
Desde a antiguidade até a era moderna, as teorias da hermenêutica não tiveram evolução signifi cativa, 
permanecendo sempre o entendimento da hermenêutica enquanto exegese, ou seja, interpretação literal. 
Foi no âmbito da fi losofi a contemporânea, por infl uência do pensamento de Hegel e Schleiermacher, 
que começaram a surgir as novas tendências do estudo da hermenêutica. Hegel contribuiu com o seu 
novo conceito de razão histórica, conforme foi explicitado na primeira unidade e Schleiermacher fez a 
adaptação do método histórico-crítico, que era utilizado na teologia protestante, para o plano geral do 
conhecimento científi co, aplicando-o primordialmente no processo de compreensão interpessoal. Desse 
modo, examinemos brevemente a teoria de Schleiermacher.
O interesse de Schleiermacher pela hermenêutica surgiu a partir da necessidade de fundamentar 
os procedimentos práticos de tradução e interpretação de textos antigos. Embora esta seja uma atividade 
humana bastante antiga, ainda não havia sido abordada de uma maneira sistemática, de modo a ser 
considerada científi ca. O que havia era um conjunto de princípios e técnicas que verifi cavam apenas o 
aspecto objetivo, literário, gramatical, sem levar em conta o processo interior mental que se passa no 
pensamento do intérprete. Ele afi rma que é impossível dissociar o que está escrito de quem o escreveu, 
na medida em que a linguagem escrita de alguém é uma interpretação pessoal dos fatos que são descritos. 
A hermenêutica visa não apenas a explicação das palavras do texto, mas, também, e principalmente, a 
apreensão do pensamento que está contido no texto escrito.
Então, Schleiermacher iniciou o trabalho de elaboração de uma teoria hermenêutica geral, que 
não se limitasse a regras e procedimentos práticos de interpretação, mas que também e principalmente 
demonstrasse as razões implícitas destes procedimentos, tornando a hermenêutica um estudo acerca 
da compreensão em geral. Ou seja, em vez de perguntar “como” se interpreta um texto, ele pergunta 
primeiramente o que signifi ca interpretar e compreender e de que modo isso ocorre na nossa mente. Só 
depois de esclarecidas estas questões fundamentais, deve-se partir para a parte prática da formação de 
regras específi cas de interpretação.
Importante
Assim, a atividade da hermenêutica não será mais determinada pelo objeto a ser 
interpretado, mas pelas condições subjetivas daquele que faz a interpretação. Ele 
desloca a hermenêutica de uma posição essencialmente técnica e científi ca para 
um domínio fi losófi co argumentativo, relacionando-a com o fenômeno geral da
Hermenêutica Jurídica
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compreensão humana, estritamente conectada com a arte de pensar e de falar. 
Visto que a arte de falar é apenas o lado exterior da arte de pensar, será sempre 
necessário procurar compreender, junto com a linguagem (falada ou escrita) o 
pensamento elaborado por quem falou ou escreveu.
Processo Hermenêutico
Interpretação do conteúdoInterpretação do texto 
(falado ou escrito)
apreende descobre
duas etapas conjuntas e complementares
Interpretação gramatical 
do texto
signos e símbolos linguísticos utilizados 
pelo autor (aspecto da literalidade)
Interpretação da genialidade 
do autor
pensamento desenvolvido pelo autor 
na produção do texto (processos 
mentais da produção)
Como visto no esquema, entende-se deste modo que o processo hermenêutico pode ser 
distinguido em duas etapas conjuntas e complementares: a interpretação do texto (falado 
ou escrito) e a interpretação do seu conteúdo. À primeira vista, a apreensão dos signos e 
símbolos linguísticos utilizados pelo autor, ou seja, o aspecto da literalidade; a segunda procura 
descobrir o pensamento desenvolvido pelo autor ao produzir aquele texto, os processos mentais 
envolvidos na sua produção. A primeira é a interpretação gramatical do texto; a segunda é a 
interpretação da genialidade do autor do texto.
Para Schleiermacher, portanto, a interpretação e a compreensão (aqui entendidas como sinônimas) 
deveriam enfocar não apenas as palavras faladas ou escritas, mas a questão do porquê de certas ideias 
serem expressas de uma maneira e não de outra (compreensão genética). O foco primeiro da compreensão 
não é a validade do que está sendo dito, mas sua individualidade, enquanto pensamento de uma pessoa 
em particular, expressada de uma forma particular, num momento particular. Mas para que isso seja 
possível, isto é, para que se compreenda a individualidade de quem fala, Schleiermacher acreditava que 
se deve retroceder até a gênese das ideias, como se pudesse repetir na mente do intérprete aquilo que se 
passou no pensamento original do autor.
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A ênfase na compreensão de produtos mentais individuais trouxe à tona, então, uma nova 
preocupação: a hermenêutica psicológica. Deve-se notar, entretanto, que o tipo de conhecimento 
psicológico em questão não se refere ao conhecimento de uma psicologia experimental, baseada em 
leis do comportamento, mas de uma “psicologiadescritiva” de acordo com a qual a mente, a sociedade 
e os processos históricos são aspectos de um domínio psíquico geral. Esta nova visão do problema 
hermenêutico teve grande importância na formação da ciência psicológica, até então vinculada à filosofia. 
No que diz respeito ao Direito, afirma o Professor Glauco Magalhães (2004, p.34): 
“Percebemos aqui um intenso psicologismo no método proposto. Isto repercutiu posteriormente 
no Direito, através da ênfase exagerada dada à vontade do legislador como referencial necessário 
à interpretação correta da lei (subjetivismo), ensino praticamente já superado pelo objetivismo de 
caráter evolutivo e sociológico, o qual procura o sentido da norma jurídica na vontade nela objetivada 
e que acompanha a dinamicidade dos fatos sociais.”
Em seguida a Schleiermacher, outro pensador que contribuiu para o desenvolvimento da 
hermenêutica filosófica foi Wilhelm Dilthey. Ele foi discípulo e biógrafo de Schleiermacher, aprofundando-
se nas teorias deste, evoluindo, porém, e buscando demonstrar como a experiência histórica pode tornar-se 
ciência, ou seja, como é possível a história ser considerada uma ciência. Através do método hermenêutico 
proposto por Schleiermacher, os estudiosos da psicologia ganharam força para que este estudo fosse 
considerado científico, o que não era até então. Dilthey, então, procurou demonstrar que, pelo mesmo 
método, a história também poderia ser estudada cientificamente.
Afirma Dilthey que todas as manifestações humanas, e não apenas os textos escritos, fazem 
parte de um grande contexto sócio-temporal, que nós chamamos de cultura. O grande empecilho para 
que os estudos dos fenômenos humanos fossem considerados científicos era a falta de um método 
adequado a eles, já que estes estudos não se enquadravam no método científico clássico, baseado na lógica 
matemática, como acontecia com as ciências da natureza. As teorias de Hegel, demonstrando a existência 
de uma racionalidade humana própria presente na histórica (razão histórica), já haviam modificado o 
conceito antigo de história como simples relato de fatos.
O método hermenêutico iniciado por Schleiermacher demonstrara a possibilidade de uma análise 
científica dos fenômenos psicológicos. Considerando que a pessoa humana, enquanto indivíduo, tem 
necessariamente uma vida pessoal dentro de um determinado contexto temporal e social (cultura), Dilthey 
viu que seria possível ampliar o método hermenêutico para alcançar esse contexto mais amplo em que se 
passa a vida humana e, com isso, se alcançaria o plano da história.
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Dilthey
Ato de Conhecimento na: Ato de Conhecimento na:
Exemplo: Exemplo:
propôs divisão do conhecimento científico
Método Analítico Esclarecedor
Vida Humana = Compreende-seNatureza = Esclarece-se
Ciências 
Naturais
Ciências 
Humanas ou 
Sociais
Procedimento de Compreensão Descritiva
Explicação Compreensão
Interpretação Esclarecedora Interpretação Compreensiva
Evoluindo
se opõem
Ciências do EspíritoCiências da Natureza
Como visto nesse outro esquema, observamos que com o resultado das suas teorias, 
Dilthey foi o primeiro pensador a propor a divisão do conhecimento científico entre 
ciências da natureza e ciências do espírito, que se distinguem por um método analítico-
esclarecedor (as primeiras) e um procedimento de compreensão descritiva (as segundas). 
O ato de conhecimento próprio das ciências naturais é a explicação, enquanto o ato de 
conhecimento próprio das ciências do espírito é a compreensão. Esclarecemos por meio de 
processos intelectuais, mas compreendemos pela cooperação de todas as forças sentimentais 
na apreensão, pelo mergulhar das forças sentimentais no objeto.
Dilthey estabelece assim uma interpretação compreensiva, que se opõe explicitamente 
à interpretação das ciências naturais, naturalmente esclarecedora. A natureza, nós a 
esclarecemos, mas a vida humana, nós a compreendemos. Esta distinção entre os grupos 
de ciências evoluiu posteriormente para ciências naturais e ciências humanas ou sociais, 
nomenclatura atualmente mais utilizada.
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Uma das ideias que Dilthey procura deixar claro é que tanto o mundo externo afeta o conteúdo 
da nossa mente quanto é afetado por ela. Neste sentido, tanto o conhecimento quanto as estruturas 
objetivas do mundo (social, cultural, linguística) devem ser concebidos como um processo histórico, e o 
papel da fi losofi a e das ciências do espírito deveria ser o de refl etir sobre os pressupostos que estão na 
base do desenvolvimento histórico da consciência, de analisar os dados da consciência humana ou, em 
outros termos, iluminar o processo da vivência. Isto porque, por um lado, a experiência humana é sempre 
formada por vivências, isto é, por experiências de caráter histórico, e, por outro, toda ciência, assim como 
toda fi losofi a, deve se referir à experiência. Foi desta maneira que Dilthey procurou justifi car a história 
como ciência, sendo considerado o pai do historicismo.
De acordo com Dilthey, a perspectiva na qual a pergunta pela cientifi cidade da história é feita 
é inteiramente distinta daquela na qual se pergunta pela possibilidade da ciência natural. A diferença 
está no seguinte: a ciência natural trata de um mundo exterior ao homem e não produzido por ele, daí 
que o grande problema da verdade científi ca é a adequação entre os conceitos e os fatos do mundo 
natural. Dilthey chama a atenção para o fato da existência de dois mundos: um mundo “dado”, ou seja, 
que não foi feito pelo ser humano, e outro mundo “construído”, ou seja, produzido pelo homem, seja 
modifi cando os aspectos do mundo dado, seja constituído de conteúdos que o próprio homem produz.
Importante
Se no caso do mundo dado, no qual atua a ciência natural, a verdade científi ca 
está na adequação entre o pensamento e a realidade externa, no caso da ciência 
histórica, não é necessário, em princípio, se perguntar pela razão segundo a qual 
nossos conceitos históricos se adequam ao mundo externo, pois o mundo histórico é 
um mundo produzido e formado pelo próprio espírito humano. Ou seja, os objetos 
do mundo exterior guardam certa distância do ser humano, mas os objetos históricos 
não, pois o ser humano, que os produziu, está totalmente inserido neles. Assim, será 
mais acessível ao homem conhecer o mundo histórico do que o mundo natural.
As teorias de Dilthey tiveram também ampla repercussão no mundo científi co, contribuindo 
para o reconhecimento dos estudos de humanidades como ciências, tornando-se clássica a distinção 
entre a compreensão e esclarecimento, caracterizando a diferença do conhecimento histórico ou 
de ciência do espírito em relação aos métodos de ciências naturais. Esclarecer signifi ca descobrir 
as relações de causalidade (causa e efeito), enquanto compreender signifi ca penetrar no âmago dos 
fatos, buscando atingir as suas motivações mais profundas.
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Em relação ao Direito, a hermenêutica jurídica moderna, desenvolvida inicialmente por Savigny 
e voltada para o Direito Privado, foi infl uenciada por essas teorias. Assim, teve início uma hermenêutica 
metodológica expressa em diversas técnicas de interpretação. A interpretação histórica encontrava 
apoio no método histórico-crítico de Schleiermacher. A interpretação sistemática, cujo amadurecimento 
ocorreu no pensamento de Dilthey, via as produções do espírito na unidade da vida e conhecia a unidade 
da vida nas produções do espírito, compreendendo o todo pela parte e a parte pelo todo, inspirada na 
concepção da circularidade hermenêutica. Mais tarde, Ihering explicitou a interpretação teleológica e 
as escolas sociológicas se reportaram à interpretação sociológica, sendo que tanto uma como asoutras 
levaram em conta a evolução do sentido da norma na sociedade.
Na próxima unidade, estudaremos as escolas hermenêuticas contemporâneas 
e, assim, esclareceremos melhor sobre o desenvolvimento dessas teorias da 
hermenêutica e da fi losofi a sobre o Direito.
2 Hermenêutica Ontológica ou Existencial em Heidegger e Gadamer 
Continuando na evolução da hermenêutica fi losófi ca contemporânea, veremos as contribui-
ções de Heidegger e Gadamer, que tiveram forte infl uência sobre a hermenêutica jurídica, especial-
mente a hermenêutica constitucional.
Heidegger discordava dos dois mestres anteriores, entendendo que o objetivo da hermenêutica 
não era pesquisar regras e métodos para a compreensão, mas aprofundar a própria compreensão, o 
compreender em si mesmo, qual a mudança interior que ocorre no ser humano quando ele compreende 
algo. Ou seja, ele entendia que a compreensão está diretamente ligada à existência, porque é na vida 
concreta que nós a desenvolvemos. Compreender as coisas não é algo que o ser humano pode fazer ou 
deixar de fazer, ao contrário, o ato da compreensão faz parte da própria essência do homem, porque é 
com base na compreensão que o homem se forma como ser humano e constitui a sociedade.
Assim, a compreensão não trata apenas de regras para melhor entendimento de falas ou textos, mas 
por ela é possível penetrar na essência mais profunda do ser humano. Isso signifi ca que a hermenêutica, 
para Heidegger, não é apenas uma metodologia de conhecimento, mas um esforço de compreensão do 
próprio ser humano. Desse modo, Heidegger transformou a hermenêutica em um estudo ontológico, 
relacionado com a existência das pessoas.
Refl exão
Vamos tentar explicar melhor a teoria de Heidegger. Segundo ele, quem quer 
compreender um texto não está interessado apenas em técnicas ou regras, mas 
antes de tudo o leitor faz certo “projeto” de leitura. Quem lê um texto tem sempre
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certas expectativas na busca de um determinado sentido que está ali oculto. Ou 
seja, o leitor de um texto não tem em vista apenas regras gramaticais de ortografia 
e sintaxe, vai mais além, realiza uma incursão mais profunda no texto tentando 
encontrar ali uma mensagem de quem o escreveu. De acordo com Heidegger, a 
compreensão do texto consiste exatamente na realização deste “projeto”, e aquelas 
expectativas iniciais vão se confirmando ou não, de modo que a tarefa principal da 
compreensão é a confirmação ou reforma desse projeto inicial. A essas expectativas, 
Heidegger chama de pré-opiniões ou pré-conceitos, que serão confirmados ou não, 
ao passo que vamos aprofundando nosso conhecimento na leitura.
Com isso, Heideger quer significar que toda compreensão que passamos a ter de 
algo é antecedida de certa pré-compreensão (pré-opiniões ou pré-conceitos) acerca 
daquilo, de modo que o compreender seria exatamente confirmar ou desfazer essa 
pré-compreensão. Seria, então, o caso de perguntarmos a Heidegger de onde vêm 
essas nossas pré-opiniões ou pré-conceitos, que formam a pré-compreensão?
A resposta será: provêm da nossa cultura, as nossas percepções culturais apreendidas 
na vida em comunidade são o ponto de partida da nossa pré-compreensão, que 
por sua vez está na base de toda compreensão de algo que fazemos depois. Nós 
compreendemos algo sempre de acordo com as expectativas da nossa formação 
cultural, pois é dentro dela que o nosso pensamento se gera e se desenvolve. Cada 
intérprete, de acordo com o panorama de suas vivências anteriores, tem uma 
percepção diferenciada das coisas que vê no mundo e entende este mundo de acordo 
com isso. Segundo Heidegger, cada ser humano tem dentro de si, na sua capacidade 
racional, uma parcela da racionalidade geral presente no mundo. Ele chama isto 
de horizonte do Ser, isto é, cada ser humano vive neste cenário em que, ao mesmo 
tempo em que detecta a razão em si mesmo e nas outras pessoas, capta também 
certa razoabilidade geral que está presente em todas as coisas. 
Esse cenário fornece as expectativas dos nossos conhecimentos futuros e nos prepara para 
a aquisição desses novos conhecimentos. A cultura, como produção coletiva dessa racionalidade 
humana, é uma forma de manifestação do Ser no mundo, através da existência humana. Desse 
modo, em cada compreensão de algo haverá sempre, indiretamente, certa compreensão deste Ser, 
pois a compreensão manifesta não apenas o sentido racional presente no objeto conhecido, mas vai 
além e alcança também o nível da racionalidade geral, que é o Ser.
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Evoluindo mais nesta linha de pensamento, Gadamer irá dizer que a compreensão de um texto é 
resultado de certo diálogo entre o intérprete e o próprio texto. Não interessa tanto o autor do texto, mas 
o próprio texto em si mesmo, o qual tem uma objetividade que permite a busca de um sentido no seu 
conteúdo, já que tem existência autônoma. Desse modo, ao mesmo tempo em que o texto “responde” as 
perguntas do intérprete, essas respostas se incorporam ao seu campo mental, suscitando novas perguntas 
que, ao serem respondidas, novamente se incorporam ao patrimônio mental do intérprete, formando 
uma espécie de movimento circular contínuo e interminável.
Importante
Com isso, Gadamer desenvolve o conceito de círculo hermenêutico, 
demonstrando que todo conhecimento nosso sobre qualquer objeto tem 
como ponto de partida uma pré-compreensão e se desenvolve em busca da 
compreensão; uma vez atingida a compreensão de um determinado objeto, esta 
se torna pré-compreensão para a compreensão de outros objetos, de modo que 
assim o nosso processo compreensivo se constitui num movimento constante de 
pré-compreensão para a compreensão e posterior retorno à pré-compreensão, para 
depois seguir adiante. Considerando que um determinado texto é ou pode ter sido 
compreendido por muitas pessoas, essas compreensões se reúnem e se fundem em 
um grande cenário interpretativo, que ele chama de horizonte da compreensão. 
Esta fusão de horizontes demonstra a riqueza de sentido de um texto, após 
sucessivas interpretações no decorrer da história, compreensão esta que se 
expande sempre mais em cada época histórica e com as ações de novos intérpretes.
Cada vez que nós lemos um texto e colocamos nele a nossa interpretação, estamos colaborando 
para que esse horizonte compreensivo se torne cada vez mais ampliado. O resultado disso é que o círculo 
hermenêutico não tem a fi gura de um círculo geométrico, mas de uma espiral, na medida em que a 
cada nova leitura e compreensão o seu sentido vai se manifestando em novas formas, de acordo com a 
mentalidade dos intérpretes e o momento cultural em que este ato é realizado.
Assim entendida, a compreensão de um texto não seria um simples ato intelectual, racional 
que ocorre na mente do intérprete, mas tem uma implicação com a situação concreta em que 
isso se realiza, ou seja, a compreensão de um texto não se esgota no ato mental, mas tem sempre 
uma aplicação prática no nosso mundo existencial. Essa quase identidade entre interpretação e 
aplicação, defendida por Gadamer, veio esclarecer que a atividade própria da hermenêutica não é 
apenas uma ação teórica, mas um conjunto integrado de ações teóricas e práticas, uma forma de 
atuação da atividade mental na vida concreta da pessoa.
Hermenêutica Jurídica
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Essas teorias de Heidegger e Gadamer acerca da compreensão e da sua estrutura circular, aplicadas 
à hermenêutica jurídica, conduzem à necessidade de que, na interpretação legislativa, devemos ter sempre 
em referência o texto constitucional e, num plano mais distante, o todo sociocultural. A interpretação 
legislativa se faz no horizonte constitucional, onde se delineiam os parâmetros culturais da sociedade que 
esta constituição representa.Os princípios constitucionais sempre enunciam valores que devem receber 
atribuição de peso correspondente à intensidade com que são vivenciados socialmente.
Desse modo, visto que os valores que interessam ao Direito são valores intersubjetivos, há a 
pressuposição de que o jurista, membro da sociedade, terá uma pré-compreensão dos valores culturais 
semelhante àquela que tem o restante da sociedade, o que o tornaria um autêntico intérprete dos 
sentimentos e anseios da sociedade que ele representa. É nesse entendimento que a Constituição se torna 
o ponto de encontro entre o Direito e a Sociedade, reproduzindo, na esfera jurídica, a circularidade do 
movimento hermenêutico da fi losofi a.
3 Contribuições de Jean Paul Sartre e Paul Ricoeur
Jean Paul Sartre (1905-1980) foi um fi lósofo existencialista francês do século XX, foi casado 
com Simone de Beauvoir, muito conhecida pela sua luta em favor do feminismo. Num de seus escritos 
mais famosos, uma conferência com o título de “O existencialismo é um humanismo”, ele explica os 
fundamentos dessa doutrina e daí retiraremos suas consequências para a hermenêutica.
A característica fundamental do existencialismo é a afirmação de que a existência precede 
a essência, ou seja, é necessário sempre partir da subjetividade. Esta referência à subjetividade 
demonstra que o pensamento de Sartre foi fortemente influenciado pela fenomenologia de Husserl 
e Heidegger. Ambos criticaram o conceito de subjetividade formal, conforme explicada por Kant, 
substituindo-o pela subjetividade intencional, ou seja, a razão do homem não é predefinida, mas 
será o que ele fizer com o uso de sua vontade.
Exemplo
Partindo dessa ideia, Sartre critica o que ele chama de visão técnica do 
mundo, em função da qual as coisas, antes de existirem, já tiveram sua 
essência definida. Por exemplo: ao fabricar uma cadeira, o marceneiro se 
serve de certo modelo mental, o qual ele concretiza num objeto. Desde a 
antiguidade, esta mesma visão técnica foi aplicada ao homem, de acordo com 
a noção de Deus criador, ou seja, os seres humanos foram criados de acordo 
com uma ideia que existia na mente de Deus.
Hermenêutica Jurídica
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Sartre combate esse entendimento e defende o existencialismo ateu, dizendo que não existe um 
Deus criador, mas o homem é quem cria a si mesmo através de suas decisões e ações durante a sua vida. 
Portanto, no homem, sua existência vem antes da sua essência. O homem, de princípio, não é nada; só 
depois ele vai se defi nindo e, por fi m, será o que ele fez de si mesmo. O homem é o que ele faz de si 
mesmo: este é o princípio do existencialismo.
Importante
Diferentemente de uma pedra ou uma mesa, que já estão defi nidos, o homem é 
aquele ser que se projeta para o futuro e tem consciência disso. Nada existe antes 
deste projeto. Isto quer dizer que o homem é responsável por aquilo que ele é, 
responsabilidade total pela sua existência. Ser responsável por si é uma tarefa que 
não se esgota no indivíduo, porque esta responsabilidade de si se estende a todos 
os outros homens. Ao criarmos a nós mesmos, estamos simultaneamente criando 
uma imagem ideal de homem tal como julgamos que todo homem deva ser, isto é, 
um modelo que se aplica a cada um de nós e a todos também.
Isto significa que a nossa responsabilidade é muito maior do que a que temos por nós 
mesmos, porque as nossas escolhas engajam a humanidade inteira. Por exemplo, ao decidir casar-
se, o homem está se engajando numa instituição representativa de uma forma da vida humana sob 
o modelo da monogamia. Se sou cristão ou ateu, a minha escolha me engaja numa linha histórica 
de compromisso que envolve toda a humanidade.
É verdade que nem todas as pessoas têm essa consciência e essa preocupação, mas Sartre diz que, 
muitas vezes, essas pessoas mascaram a responsabilidade para não encará-la de frente. Tais pessoas não 
podem ter paz na consciência, porque vivem na mentira e o fato de mentir implica atribuir à mentira um 
valor universal, que ela não tem.
Refl exão
O homem se constrói num processo que dura toda a vida, através das decisões que 
ele toma no decorrer da sua existência, ao escolher essas ou aquelas situações que 
lhe são postas. A escolha é sempre possível, o que não é possível é não escolher. 
Eu devo escolher sempre e devo estar ciente de que, mesmo não escolhendo, 
assim mesmo eu escolho. Esta escolha/invenção também acontece no campo da 
moralidade, onde não há regras prévias. O homem se constrói fazendo a sua 
própria moral. É a liberdade como fundamento de todos os valores. Mas isso não 
signifi ca fazer o que se quer, porque a nossa liberdade depende integralmente da 
liberdade dos outros, assim como a liberdade dos outros depende da nossa.
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Em outras palavras, isso signifi ca que a vida não tem um sentido a priori. A vida em si mesma não 
é nada, é quem vive que deve dar sentido à vida. E o valor nada mais é do que este sentido escolhido. 
Assim se explica porque o existencialismo é um humanismo.
As consequências dessa teoria para a hermenêutica são partem da afi rmação de que não existe nada 
‘a priori’, ou seja, desvinculado das condições concretas da existência. Isso signifi ca que os signifi cados que 
as coisas têm estão relacionados com um tempo e um lugar determinados, não existindo ideias absolutas 
e desligadas do momento histórico. Com o passar do tempo, as coisas vão mudando de signifi cado, os 
valores vão se transformando, e assim a interpretação é dinâmica e está sempre se modifi cando também. 
Ao construir a sua essência no decorrer de sua existência, o homem constrói também os diversos 
signifi cados das coisas que ele realiza, isso se refl ete nos campos da moral, da fi losofi a, da vida social, de 
modo que não existe um sentido permanente e imutável, mas tudo está em constante transformação. A 
interpretação dos fatos, assim, não possui uma regra fi xa ou uma fórmula constante, mas vai também se 
construindo e se aperfeiçoando ao longo do tempo.
Importante
As infl uências dessas ideias sobre o Direito são no sentido de que as normas devem 
ser entendidas dentro desse constante movimento de mudança e construção da vida 
humana na sociedade. Assim, as normas não são realidades abstratas e atemporais, 
produtos da racionalidade pura como quer o positivismo, mas elas estão relacionadas 
com um momento determinado no tempo e no espaço e o seu signifi cado também 
não é fi xo, mas evolutivo. Desse modo, a hermenêutica jurídica não é uma simples 
operação de lógica dedutiva, mas um esforço produtivo de construção de um novo 
signifi cado (valor) a cada vez que a norma deve ser aplicada a um fato concreto, 
considerando sempre a dimensão espacial e temporal de ambos.
Paul Ricoeur (1913-2005) foi um pensador francês, contemporâneo de Sartre, que desenvolveu 
estudos nas áreas de psicanálise, linguística e hermenêutica, dedicando-se especialmente a textos clássicos 
do cristianismo. A sua contribuição à hermenêutica, portanto, situa-se na análise e crítica dos textos escritos.
Ricoeur contesta os pensadores do seu tempo que vinculavam a interpretação de um texto à 
compreensão do seu autor ou do momento histórico, pois, segundo ele, os textos escritos vão além 
disso, eles acrescentam um conjunto próprio de signifi cados que ultrapassa o contexto sociocultural 
do seu autor ou de sua época, envolvendo também a pessoa do intérprete. Assim, a intenção do 
autor nunca é imediatamente dada, ao contrário do que pensava a hermenêutica romântica, nem 
os signos são refl exos puros das condições e fatos empíricos da época e situações em que foram 
escritos, contrariando a interpretação historicista.
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Importante
Portanto, o objeto da hermenêutica é a própria narrativa, o próprio 
texto, queprecisa ter reconhecida a sua autonomia, devendo o intérprete 
concentrar-se nas categorias do discurso, da linguagem e voltar-se sobre 
o seu conjunto de significados semânticos. Ricoeur chama isso passar 
da “língua” para a “palavra”, ou seja, da linguística para o discurso, a 
narrativa. É neste particular que deve ater-se o intérprete.
Nesse sentido, realiza-se uma espécie de diálogo entre o texto e o intérprete, através do qual 
as polissemias manifestam seu sentido, pois o hermeneuta investiga a intencionalidade presente na 
narrativa, e não os símbolos e signos linguísticos. Com isso, abre-se um novo campo de atividade, onde 
interagem o fato narrado, o autor e o intérprete, surgindo daí a sua interpretação. Para que isso ocorra da 
melhor forma, Ricoeur considera que é necessário fazer uma despsicologização , uma desistorização 
e uma desabsolutização do texto. Desse modo, chega-se à autonomia do texto, pois o seu verdadeiro 
signifi cado não se encontra nem dentro nem fora dele, mas num movimento circular compreensivo que 
envolve o próprio texto, o autor, o leitor, a história e a sociedade.
Ricoeur chama a isso uma multiplicidade de canais por meio dos quais fl ui o signifi cado do texto. 
Por isso, nunca será possível chegar a uma conclusão defi nitiva, a uma interpretação completa e terminativa, 
mas o que se consegue perceber são sempre mediações parciais que nos dão várias perspectivas da obra, 
mas nunca a sua totalidade de signifi cados. Tal como uma obra de arte abstrata que a cada nova visão do 
observador manifesta novas formas e percepções, a leitura do texto também confere ao seu intérprete 
signifi cados e visões novas em cada nova apreciação.
A hermenêutica de Ricoeur defende uma ideia de signifi cação em que o sentido da obra escrita 
não se encontra nem nos mundos físico, psíquico, histórico, social, ou particular do leitor, mas no mundo 
próprio do texto, e nesse sentido, o conjunto de signifi cados que ele possibilita encontra-se sempre 
aberto e inconcluso. Todas as várias interpretações já produzidas não esgotam esses signifi cados e nem 
Despsicologização signifi ca deixar de lado a preocupação com o aspecto psicológico do texto e não levar em conta o 
entendimento do autor do texto na hora de interpretá-lo.
Desistorização signifi ca deixar de lado a preocupação com o caráter histórico do texto e não levar em conta as infl uên-
cias do momento histórico sobre o autor do texto.
Desabsolutização signifi ca considerar o texto escrito como algo que possui um sentido mutável, não um sentido único 
que teria sido posto pelo autor ao escrever.
Hermenêutica Jurídica
46
levam a uma mesma e imutável conclusão, permanecendo sempre a possibilidade de novas e diferentes 
interpretações, dentro da ideia hegeliana da pluralidade e da inesgotabilidade do sentido. Cada interpretação 
de um texto é uma espécie de apropriação, pelo leitor, do seu sentido atual, com a consciência de que 
sempre novos sentidos são possíveis.
Ricoeur contesta também a famosa divisão feita por Dilthey entre ciências da natureza, que 
buscam a explicação dos fenômenos, e ciências do espírito, que buscam a compreensão. Segundo ele, a 
hermenêutica é uma atividade que circula entre o modo explicativo e o modo compreensivo, não se 
encontrando totalmente nem no primeiro nem no segundo. Tanto a explicação quanto a compreensão são 
necessárias e se completam. Sem a explicação, só temos uma compreensão mística; sem a compreensão, 
a explicação não alcança seu significado mais adequado. Embora a compreensão tenha prioridade na 
hermenêutica, esta precisa da intermediação da explicação.
Pode-se perceber que as ciências humanas (compreensivas) utilizam procedimentos explicativos 
com muita propriedade; por outro lado, pode-se ver também que a intuição e a sensibilidade também 
fazem parte do trabalho do cientista da natureza. Não se trata, portanto, de escolher um ou outro dos 
procedimentos, mas adotá-los com critério e ponderação.
A importância dessa teoria para o Direito encontra-se em dois pontos. Em primeiro lugar, 
na defesa da autonomia do texto, o que vem reforçar a corrente objetivista da interpretação, isto é, 
a interpretação segundo a mens legis, pela qual o próprio texto da norma possui um sentido próprio e 
autônomo, desvinculando-se da intenção original do legislador e podendo o seu sentido ser encontrado 
no conjunto da sua própria configuração linguística. Em segundo lugar, na indicação de que toda 
interpretação de um texto é sempre parcial e incompleta, assim a interpretação e aplicação da norma se 
renova a cada aplicação ao caso concreto, não havendo um sentido único e imutável para ser aplicado a 
todos os casos. A ideia de uma interpretação sempre incompleta e sempre em processo de construção leva 
à compreensão da norma como um texto capaz de produzir uma interpretação sempre renovada e sem 
repetição, de modo que cada interpretação que já foi realizada servirá como mediação ou instrumento 
para as novas interpretações que ainda serão construídas no futuro.
Este novo conceito da hermenêutica produtiva vem superar a noção de hermenêutica reprodutiva, 
do positivismo jurídico, pela qual a interpretação era entendida como uma técnica de subsunção do fato à 
norma, por um processo lógico racional e silogístico. A hermenêutica produtiva possibilita que, na análise 
valorativa, a subsunção do fato à norma se faça por um processo criativo e renovador, buscando sempre 
descobrir a melhor realização da justiça.
Hermenêutica Jurídica
47
Tema: Hermenêutica Filosófica na Teoria do Conhecimento
Pelo que pudemos observar, a hermenêutica está inserida num processo 
de conhecimento, apoiando-se naquilo que a filosofia chama de teoria do 
conhecimento. Todo ato interpretativo está determinado por certa compreensão 
e esta está comprometida com o conjunto dos conhecimentos prévios do 
intérprete (pré-compreensão). Desse modo, para um melhor esclarecimento 
da importância que tem a hermenêutica filosófica para o Direito, faremos um 
estudo resumido da teoria filosófica do conhecimento. Acompanhe! 
1 O Conhecimento
Todos nós praticamos essa atividade básica humana, que se chama conhecimento. Aristóteles já 
dizia, no início de sua metafísica, que “todos os homens desejam ardentemente conhecer” (Aristóteles, 
Metafísica, I, 1). Mas, o que é o conhecimento? Para responder a esta pergunta, utilizaremos duas metáforas:
• Conhecimento é a fabricação do ideal sobre a terra.
• Conhecimento é o caminho de busca e de regresso à tenda de convivência com todos os seres.
Agora, vamos compreender o que significa “fabricação do ideal”? O que é 
o “ideal”? Esta palavra remete, de imediato, ao conceito de algo perfeito, 
algo longínquo que se pretende, um dia, alcançar. Mas não é neste sentido 
que aqui empregamos. Ideal é aquilo que pertence ao campo das ideias. 
Assim, fabricação do ideal significa produção de ideias novas. Toda vez que 
adquirimos um novo conhecimento, a nossa mente fabrica novas ideias. Essa 
fábrica não para nunca, trabalha em cada um de nós durante a vida inteira. 
Assim, conhecer algo ou alguém é sempre fabricar conceitos, produzir ideias, 
transformar um ser do mundo material em representações mentais.
Dessa forma, como se dá o caminho de busca e regresso à tenda comum? Toda vez que procuramos 
conhecer algo, precisamos sair de nós mesmos em busca de novos objetos do mundo exterior. Esta é 
a primeira parte do caminho: a busca. Ao encontrarmos o objeto procurado, nós o transformamos em 
conceito, ou seja, fazemos o retorno ao nosso próprio interior, ao nosso mundo mental. Esta é a segunda 
parte do caminho: o regresso. Ora, conhecer algo do mundo exterior leva sempre a um conhecimento 
indireto de nós mesmos, da nossa subjetividade. A tenda de convivênciade todos os seres é, assim, a 
Hermenêutica Jurídica
48
consciência que o homem adquire de si mesmo, toda vez que conhece algo. Quando nós conhecemos 
um objeto, percebemos também que ele se distingue de nós mesmos, ou seja, o conhecimento de algo 
exterior a nós é também um conhecimento indireto do nosso próprio ser.
Este pensamento refl exo produz a nossa consciência de “ser-no-mundo”, de fazer parte 
de um determinado mundo físico e social, no qual convivemos com objetos, pessoas, costumes, 
instituições, valores, espíritos e signifi cados. Esta é a tenda da convivência comum, onde nós e 
outros seres do mundo nos encontramos instalados. Por isso, conhecer o mundo é sempre conhecer 
também, indiretamente, a nós mesmos.
Mas como se produz o conhecimento, isto é, de que modo o conhecimento se processa na nossa 
mente? Dizemos que o conhecimento se perfaz em etapas sucessivas, denominadas:
• Intuição sensível
• Memória
• Experiência
O primeiro momento é a captação das “coisas”’ (objetos, pessoas, comportamentos, valores, 
costumes etc.). A intuição sensível é o ato de apreensão ou de percepção da realidade. Não cria a 
realidade, recebe-a do mundo exterior, através dos nossos órgãos sensoriais. Por isso, a intuição sensível 
é sempre receptiva e passiva. Por conseguinte, a sensibilidade desempenha um papel de mediação 
indispensável entre o nosso interior e o mundo fora de nós.
O segundo momento do ato do conhecimento está na memória. Sua função é conservar e 
lembrar o que já esteve ao alcance da intuição sensível. Se não existisse a memória, não haveria acúmulo 
de percepções e, portanto, todos os conhecimentos chegariam até nós sempre como se fosse a primeira 
vez. É a memória que permite a contínua construção do conhecimento. “A memória é o tesouro e o lugar 
de conservação das imagens”. (S. Tomás, Sum. Th., I, q. 29, 7)1.
O terceiro passo constituinte do conhecimento está na experiência: esta é a síntese ordenada 
do material captado nas intuições sensíveis e depositado na memória. É ponto de partida para 
conhecimentos mais elaborados, como são as artes e as ciências.
Importante
Assim, nota-se que este fenômeno chamado de conhecimento ocorre em todos 
os seres humanos, através de um exercício espontâneo da inteligência natural, 
independentemente de frequência a uma escola ou de leitura nos livros. É o 
conhecimento como ato existencial. A vida é um contínuo processo de percepção
1 Expressão: S. Tomás, Summa Theologica, pars prima, quaestio 29, articulum 7 (Suma 
Teológica, primeira parte, questão 29, inciso 7).
Hermenêutica Jurídica
49
e acumulação de conhecimentos. Pelo simples fato de vivermos, estamos a todo o 
momento adquirindo novos saberes. Por isso, mesmo as pessoas analfabetas têm a sua 
produção de conhecimentos e, algumas vezes, até se destacam com a sua sapiência 
natural. Todos conhecem as fi guras, por exemplo, do cego Aderaldo, do Patativa de 
Assaré, que são pessoas simples, de pouca instrução e mestres do saber popular.
Nesse sentido, coloca-se aqui também a utilização prática do saber popular na produção de 
receitas típicas regionais, na produção de medicamentos com raízes, frutos e folhas, na produção do 
artesanato, na técnica rudimentar dos sertanejos que atuam na agricultura, sem nunca terem estudado 
agronomia, dos jangadeiros que pilotam embarcações sem nunca terem estudado navegação, dentre 
outros. Todas essas manifestações exemplares da nossa cultura popular nordestina são confi rmações 
da existência desse conhecimento espontâneo, que provém do uso natural da inteligência e que, em 
todos os lugares e em todas as épocas, os seres humanos sempre foram capazes de desenvolver, 
interagindo com o seu meio ambiente.
O primeiro conhecimento produzido pelo homem é o mito, que já foi estudado na primeira 
unidade. Dos mitos primitivos se originaram os diversos saberes humanos, inclusive esse tipo especial 
de conhecimento chamado de ciência. O conceito original de ciência era bem diferente do que hoje se 
tem. Na Grécia, no século VII a.C., a mitologia começou a ser substituída pelo pensamento racional dos 
primeiros fi lósofos, que utilizavam a matemática para explicar os fenômenos do mundo. Naquela época, 
ciência era sinônimo de fi losofi a e assim continuou durante toda a Idade Média.
Curiosidade
Para se ter uma noção do conceito antigo de ciência, quando esta era sinônimo 
de filosofia, podemos tomar o exemplo de Tales. É comum os historiadores 
da filosofia apontarem Tales de Mileto como o primeiro pensador ao qual 
se atribui o qualificativo de “filósofo”. Mas se estivéssemos estudando a 
história da astronomia, verificaríamos que Tales foi também o primeiro 
“astrônomo” do Ocidente, por ter previsto através de cálculos um eclipse solar 
(aproximadamente 585 a.C.). Já nos livros colegiais de geometria, há sempre 
a referência a um famoso teorema atribuído a Tales, o que o faz também um 
“geômetra”. Tales foi ainda a primeira pessoa a medir a altura das pirâmides 
do Egito, e o raio da terra, o que faz dele também um “matemático”.
O que se observa disso tudo é que Tales não era um “especialista” em um determinado 
conhecimento, como hoje costuma ocorrer. Na verdade, ao fazer suas extraordinárias descobertas, Tales 
estava exercitando um conhecimento generalista, porque naquela época os campos do conhecimento 
Hermenêutica Jurídica
50
eram todos integrados: ao exercer astronomia, ele também exercia a geometria, era também matemático 
e filósofo, tudo ao mesmo tempo. Somente nos tempos modernos, com a busca de maior precisão do 
conhecimento, os estudiosos vieram a particularizar cada vez mais, distinguir sempre mais, diferenciar 
cada vez mais os ramos do saber, afastando-se dessa experiência universalizante dos gregos, modificada 
pelo Renascimento e que o pensamento contemporâneo procura historicamente reconstruir.
O exemplo de Tales nos ajuda a compreender o surgimento histórico do saber filosófico-
científico. Na sua época, era costume atribuir-se a origem dos fenômenos a feitos grandiosos de 
heróis e deuses, cujos desígnios escapam ao controle dos homens e são governados por forças 
sobre-humanas. Com Tales, inaugura-se uma nova visão desses fatos, que podem ser medidos e 
previstos. Com ele, a mitologia foi substituída pela matemática, o irracional pelo racional. A previsão 
caracteriza o saber que surge com Tales: o saber medir, que em nossos dias caracteriza mais a 
ciência do que a filosofia. Esta mudança de mentalidade introduzida por Tales, que chamaremos de 
princípio da medida, foi o grande diferencial histórico que marca o início da filosofia grega e, a 
partir dele, de todo o pensar filosófico e científico no mundo ocidental.
A partir do Renascimento
(século XV)
Com o tempo pas-
sou a se chamar:
Explicação
Física ou Filosofia 
da Natureza
Metafísica 
ou Filosofia 
das Coisas 
Sobrenaturais
Ciência
Natural
FilosofiaCom o tempo pas-
sou a se chamar:
se divide:
Física ou 
Filosofia da 
Natureza
Metafísica ou 
Filosofia das Coisas 
Sobrenaturais
Ciências
Sociais
Além das Ciências 
Físicas agregou:
A partir do século XIX
Hermenêutica Jurídica
51
Atualidade administram:
Física ou Filosofia da 
Natureza
Metafísica ou 
Filosofia das Coisas 
Sobrenaturais
Ciências Sociais
Conhecimentos 
diferentes e 
importantes
Pelo conhecimento 
científico comum:
Ciências Filosóficas
Ciências Naturais
Ciências Sociais
A solução dos 
problemas é o 
resultado da 
articulação de 
algum método
Como podemos verificar no esquema acima, a partir do Renascimento (séc. 
XV), surgiu uma divisão da filosofia em duas partes: a física (physica ou 
filosofia da natureza) e a metafísica (metaphysica ou filosofia das coisas queestão para além da natureza). Esta filosofia física (depois chamada de ciência 
natural) foi cada vez mais se distanciando da filosofia metafísica (que depois 
também foi chamada simplesmente de filosofia). A partir do séc. XIX, agregou-
se paralelamente às ciências físicas outro grupo de conhecimentos, que são os 
conhecimentos sobre a sociedade, as chamadas ciências sociais (contribuição de 
Dilthey, na qual já estudamos antes). Hoje, portanto, esses três grupos administram 
conhecimentos diferentes e importantes, porque todas as valorações da vida 
passam, necessariamente, pelo crivo da filosofia e das ciências. Na linguagem 
atual, aplicando um conceito genérico de conhecimento científico, esses três grupos 
denominam-se: ciências filosóficas, ciências naturais e ciências sociais.
O que há de comum entre todas as formas do conhecimento científico é que a 
solução de problemas é sempre o resultado da articulação de algum método, ou 
seja, de algum mecanismo ou instrumental, que possa determinar os critérios da 
veracidade ou falsidade. Entretanto, deve-se considerar que, em todas as áreas 
do saber, ainda há muitos problemas para os quais não temos nem solução, nem 
método para obter uma solução. Aliás, métodos que servem para solucionar um 
conjunto de problemas podem ser totalmente inoperantes para solucionar outros.
Hermenêutica Jurídica
52
Nesse sentido, vários métodos têm surgido no decorrer dos séculos, mas há algumas 
constantes que sempre aparecem nessa variedade de métodos. Dizemos que o fundamento e a base 
de todos os métodos é o bom senso, a razão natural, o conhecimento compartilhado por todos, 
aquele que aprendemos no meio em que vivemos e que forma a nossa identidade cultural. Esta é a 
fonte do conhecimento mais fundamental, o ponto de partida de toda refl exão. Podemos aprimorá-
lo, mesmo ultrapassá-lo, porém nunca dispensá-lo.
Porém, o bom senso por si só não basta, sendo necessário um suporte para a razão natural, de 
modo que seja possível alcançar as evidências das coisas. Todo método sempre se apoia numa evidência. 
Evidência é aquela situação em que a nossa mente sente completa segurança diante dos resultados do 
conhecimento. Um conhecimento evidente é aquele que está livre de dúvidas.
Exemplo
Quando, por exemplo, medimos uma distância utilizando apenas a visão, temos 
um resultado impreciso e inseguro, mas quando utilizamos uma fi ta métrica, 
temos um resultado preciso e seguro. Esta segurança é proporcionada pelo 
instrumento utilizado (a fi ta métrica), que nos traz maior certeza. Isso é resultado 
da evidência. Havendo evidência a favor de uma ideia, o pensador assume 
a atitude de mantê-la; havendo evidência contrária, a atitude de revê-la ou 
rejeitá-la; e na falta de evidência a favor ou contra, assume a atitude de dúvida, 
continuando assim na sua busca de dados evidentes.
A busca da evidência através dos processos de raciocínio se realiza através de dois caminhos ou 
métodos opostos e complementares. Esses caminhos foram estabelecidos ainda por Aristóteles, no séc. 
IV a. C. e são reconhecidos por todos os pensadores desde a antiguidade até hoje. São as duas formas 
básicas de o nosso pensamento evoluir:
A primeira, partindo de ideias gerais que vão sendo simplifi cadas por um processo de divisões 
e subdivisões até chegar aos fatos concretos. A isso se chama dedução ou pensamento dedutivo. É o 
método comum utilizado nas ciências teóricas, tendo sua aplicação mais perfeita nas matemáticas; e
A segunda forma é aquela que parte dos fatos concretos e, por um processo de generalização 
com base nas semelhanças encontradas, procura formular princípios gerais ou hipóteses, que necessitam 
de comprovação através da experiência. A isso se chama indução ou pensamento indutivo. É o método 
utilizado nas ciências da natureza e ciências aplicadas.
Nas ciências sociais, pratica-se uma metodologia mais complexa, resultado de uma síntese entre 
dedução e indução, integrada com referências de caráter histórico e cultural, motivo pelo qual os seus 
resultados não são apresentados em termos absolutos, mas sempre dentro de parâmetros fl exíveis, onde 
predomina mais a probabilidade do que a certeza.
Hermenêutica Jurídica
53
No que diz respeito à ciência jurídica, a questão do método ainda é polêmica. Há aqueles 
que defendem a estruturação do saber jurídico de acordo com o padrão das ciências da natureza, 
atribuindo-lhe excessivo rigor lógico e exagerado formalismo, como é o caso do positivismo jurídico. 
Por outro lado, há aqueles que defendem uma maior aproximação entre o Direito e as ciências 
sociais, conferindo-lhe maior flexibilidade, com a aplicação de padrões valorativos relacionados com 
a cultura, como é o caso da sociologia jurídica. Da nossa parte, dizemos que a ciência jurídica tanto 
pode adotar o rigor lógico e formal das ciências da natureza quanto a flexibilidade valorativa das 
ciências sociais, dependendo da matéria em questão.
Assim, por exemplo, nas questões tributárias e outras que envolvem conhecimentos técnicos, 
deve-se priorizar uma metodologia com maior rigor lógico formal; já nas questões que envolvem direitos 
pessoais subjetivos ou coletivos, a prioridade deve ser para a metodologia aberta das ciências sociais, 
considerando o contexto fático sociocultural.
Até aqui, fizemos uma análise conceitual e histórica acerca do conhecimento 
humano. Passemos, então, a considerar o conhecimento sob o aspecto 
que mais interessa à hermenêutica, isto é, o conhecimento visto dentro de 
um sistema interpretativo, aproximando assim os conceitos relacionados 
ao conhecimento com uma teoria da interpretação, uma vez que o 
conhecimento não se realiza de forma isolada, mas faz parte de um conjunto 
de ações corporais e mentais, integradas à vida do ser humano.
Diz-se que o conhecimento é um processo, isto é, uma ação que se realiza numa série de etapas 
e não se faz de uma única vez. Além disso, sempre que se ocorre um ato de conhecimento, tem-se a 
presença de três elementos necessários: o EU (sujeito) que conhece, a ATIVIDADE em si mesma e o 
OBJETO a que se dirige a atividade desenvolvida.
O conhecimento é uma ação. Isso quer dizer que não é algo estático, mas essencialmente 
dinâmico, em movimento. Já a atividade é o próprio motor do processo do conhecimento. O sujeito 
é sempre o ser humano, o eu pensante, a consciência cognoscente, a pessoa dotada de racionalidade, a 
realidade subjetiva. E o objeto é tudo aquilo que está ao alcance da atitude consciente do eu pensante, 
tudo aquilo acerca do qual se possa elaborar uma explicação, um raciocínio lógico. Resumidamente, o 
sujeito é o eu (indivíduo), o objeto é o mundo. Até o próprio eu pode ser objeto da atividade cognoscente, 
num processo que se chama de autoconhecimento.
Hermenêutica Jurídica
54
O sujeito do conhecimento, portanto, é singular. O objeto, porém, é plural e complexo, podendo 
assumir variadas formas, as quais são agrupadas em quatro grandes classifi cações: objetos naturais, 
ideais, culturais e metafísicos.
Os objetos naturais são os que têm existência no tempo e no espaço e que se apresentam à 
nossa experiência, sendo captados pelos nossos órgãos sensíveis. Essa captura se dá por meio da intuição 
fundada em critérios empíricos, isto é, a intuição sensível. São os seres da natureza física, tais como 
existem no mundo, sem interferência do homem.
Objetos ideais são aqueles que não têm existência no mundo físico, podendo ser apreendidos 
apenas racionalmente. São puros conceitos formados pela nossa razão. Por exemplo, os números e as 
relações matemáticas (maior do que, menor do que), os conceitos geométricos (esfera, cone, retângulo) 
são objetos ideais. São expressões simbólicas, que são representadas em fi guras desenhadas ou corpos 
materiais, paraefeito de comunicação entre os homens.
Os objetos culturais também têm existência no tempo e no espaço e são acessíveis à experiência 
sensível. Diferem, porém, dos objetos naturais porque são moldados pela mão e/ou pela inteligência do 
homem. Podemos dizer que são aqueles objetos em princípio naturais, mas aos quais a ação do homem 
agrega um determinado valor com o seu trabalho muscular ou intelectual. O valor está presente na 
essência dos objetos culturais, uma vez que se pode observar neles uma característica supra sensível ou 
um sentido que a ação do homem faz aderir a eles. Todas as produções humanas, materiais ou imateriais, 
realizadas ao longo da história, formam o acervo de objetos culturais, dos quais hoje somos guardiães.
E os objetos metafísicos, tais como os objetos ideais, também só podem ser alcançados pelo 
pensamento racional, todavia diferem destes por serem entes puramente racionais, de representação 
material ou gráfi ca impossível. Existem apenas na mente e não podem ser materializados. Assim são os 
conceitos tradicionais de divindade, liberdade, de imortalidade, de verdade, de bondade, equidade, de 
justiça, de valor, dentre outros. São entes de pura razão, cujo conteúdo nos é transmitido sociologicamente 
e cuja existência se verifi ca em todos os povos de todas as épocas, razão pela qual outrora eram classifi cados 
como conceitos absolutos, universais e imutáveis. Atualmente, está superado esse entendimento, que foi 
substituído por uma visão histórica e evolutiva deles, de acordo com os parâmetros desenvolvidos e 
aceitos na sociedade em contínuo desenvolvimento.
Importante
A partir do que foi dito anteriormente, classifi ca-se a norma jurídica como um 
objeto cultural. Ela faz uma alteração sobre a conduta natural do homem, limitando 
voluntariamente a sua liberdade inerente à própria natureza, através do uso da 
racionalidade. Na sua liberdade natural, o ser humano pode, em princípio, fazer
Hermenêutica Jurídica
55
tudo que quiser, no entanto, pela racionalidade, ele tem a capacidade de 
eleger suas próprias alternativas de conduta; a possibilidade de escolher 
por livre arbítrio o comportamento consciente a ser seguido. A vida na 
sociedade só é possível se o homem impuser limites à sua liberdade, em prol 
do bem de todos. Isso é feito através das regras de conduta, das normas de 
comportamento e ação social. A norma jurídica faz parte deste conjunto de 
normas, sendo assim um produto cultural. 
Assim se classifica a norma jurídica pelo fato de que ela tem uma forma cultural de 
expressão e exprime um conteúdo também cultural de caráter linguístico. Desta maneira, tanto 
a norma enquanto regra de conduta, quanto a sua expressão escrita, são objetos culturais. Como 
todos os objetos culturais, a ela está agregado um potencial de valor, que é o elemento axiológico 
contido na norma. Em consequência disso, o Direito, que tem por finalidade de estudo a norma 
jurídica, é também cultural. Não há um Direito eterno e imutável, válido para todo o sempre, mas 
é sempre mutável e evolutivo, assim como a sociedade. Mais do que isso, na verdade, ao debruçar-
se sobre a norma, o Direito é cultura sobre cultura, porque é cultura que trata da cultura. Em 
resumo, o Direito é uma sobre-cultura ou uma meta-cultura.
2 Norma, Cultura, Valor e Sentido
Na qualidade de objeto cultural presente na sociedade, a norma jurídica encontra-se sempre 
referenciada a valores, na medida em que ela protege e estimula os comportamentos atinentes à 
consecução das mais elevadas finalidades sociais, ou seja, os valores mais importantes para a sociedade. 
Assim, deve entender-se que a norma associa-se sempre uma situação de natureza valorativa, que deve 
ser interpretada e compreendida. O Direito é comprometido com valores e a norma jurídica, trabalhada 
através do processo de interpretação, encontra-se relacionada a uma situação histórica da qual fazem 
parte tanto o sujeito (intérprete) quanto o objeto a ser interpretado (fato e norma).
Por isso, podemos afirmar que todo processo de interpretação e aplicação das leis corresponde 
a uma situação hermenêutica, ou seja, a uma apreensão de um sentido referenciado a um valor, cujo 
resultado se expressa no fenômeno da compreensão.
Por conseguinte, toda conduta é axiológica, está ligada a valores, depende deles, e não existe 
sem esta ligação estreita e intrínseca a algum tipo de valor. A palavra “conduta” vem do verbo latino 
ducere (conduzir) associado à preposição cum (com), ou seja, cum + ducere, através do seu particípio passado 
(cum+ductum - conduzido com), assumindo na língua portuguesa a forma de substantivo feminino. Isso 
significa que não existe ser humano que não se conduza e não existe homem sem conduta.
Hermenêutica Jurídica
56
Preposição cum 
(com)
Verbo ducere 
(conduzir)
se origina de:
através de:
+
Particípio Passado 
cum + ductum 
(conduzir com)
CONDUTA
Por isso, não há ser humano indiferente ao valor. Se a conduta é axiológica, o homem é um 
ser axiológico. Sendo racional, o homem possui em si a aptidão de eleger racionalmente alternativas de 
conduta. Mas quando o faz concretamente, isto é, quando se conduz, quando se realiza concretamente, 
sempre o faz movido por valorações.
Por outro lado, se a cultura é uma das consequências da conduta, e se a conduta contém 
necessariamente valor, afirmamos que os objetos culturais possuem um valor intrínseco, de sorte que 
a norma jurídica e o Direito, enquanto objetos culturais, são carregados de valores como consequência 
de sua existência social. Em toda norma e em toda conduta regrada, existe sempre um valor subjacente, 
funcionando como determinação e matiz da sua natureza. Ao agir, conscientemente ou não, o homem 
sempre o faz em função de um valor, que confere sentido a este agir.
Podemos agora desenhar o seguinte esquema: onde se encontra o homem, 
ali está o valor; onde está o valor, dali brota um sentido; da busca pelo 
sentido inerente ao valor vem a interpretação. Portanto, concluímos: onde 
está o homem, está a interpretação. Tendo em vista o dinamismo dos objetos 
culturais, e, portanto, dos valores agregados, deduz-se que o sentido também 
acompanha esse dinamismo, reformulando-se continuamente. Assim, a 
interpretação, enquanto atividade que busca captar este sentido, será assim 
também essencialmente dinâmica e interminável.
Hermenêutica Jurídica
57
Toda manifestação de um sentido não se faz ao acaso, mas é orientada por uma espécie de “farol 
social” que é tomado como referência para dimensionar graus de intensidade de sua claridade, o que 
faz com que algumas coisas apresentem uma variação de luminescência no referencial do sentido que 
indicam, tornando-se algumas delas mais atrativas, preferencialmente às outras. Este referencial é o que 
chamamos de valor. Isto quer dizer que quanto mais “luminoso” for um determinado fato social, quanto 
maior o interesse que ele provoca, quanto mais forte for o seu significado social, maior será o valor que 
ele porta. O valor é um conceito indefinível, que representa uma espécie de vivência.
Quanto mais nos inserimos na vida social, mais aprendemos a reconhecer os valores que ali estão 
presentes. E, embora não conseguindo definir claramente o que seja, todos nós estamos constantemente 
tomando decisões em nossas vidas e o que orienta qualquer decisão é a noção de valor que temos. 
Decidir é valorar. Quando decidimos algo, assumimos que a nossa escolha contém um valor de grande 
importância. Quanto preferimos uma coisa em relação à outra, estamos reconhecendo naquele objeto 
preferido um maior valor do que o rejeitado. Assim, se onde há o homem, há interpretação, da mesma 
forma, onde há homem e interpretação, há valor. Toda decisão humana é inerenteao reconhecimento de 
uma determinada faceta valorativa, sob a qual o sentido se nos apresenta.
Embora não seja uma definição adequada do valor, podemos reconhecê-lo como uma energia que produz 
no homem uma atração irresistível por algo determinado, gerando assim os sentimentos e reações de aproximação, 
aceitação, adesão, quando identificamos valores positivos, assim como também os seus opostos de afastamento e 
recusa, quando há uma contradição entre o que é esperado e o que nos é oferecido. Inegavelmente, o valor é uma 
força de natureza espiritual que o homem não consegue definir claramente com postulados racionais, mas que é 
capaz de percebê-lo sem qualquer relutância toda vez que diante dele se apresenta.
É, assim, mais fácil classificar o valor do que defini-lo. Costuma-se classificá-los quanto ao seu 
alcance, à sua duração, à sua legitimidade e à sua matéria. Acompanhe cada uma delas:
• Quanto ao seu alcance, há os valores universais, aqueles que exercem sua atração sobre os 
homens em qualquer lugar onde estes estejam, e os valores individuais, isto é, aqueles que 
uma pessoa elege como diretriz de sua existência. Atualmente, a sociedade tem dificuldade 
em aceitar valores que seriam imutáveis e permanentemente válidos, preferindo reconhecê-
los como realidades mutáveis de acordo com o momento cultural. Mesmo reconhecendo a 
universalidade de certos valores, admite-se uma relativização histórica e social, considerando-
se os alvitres das variadas culturas e a inevitável influência dos fatores temporais. É a 
universalidade possível dentro da historicidade humana.
• Quanto à sua duração, os valores podem classificar-se como permanentes, duradouros ou 
passageiros. Os permanentes se confundem com os universais citados acima, aqueles que 
acompanham constantemente a humanidade desde sempre, embora com os compreensíveis 
Hermenêutica Jurídica
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percalços da historicidade. Isso não quer dizer que sejam eternos, porque são humanos. Os 
duradouros são aqueles que, mesmo não permanentes, acompanham a humanidade por 
longos decursos temporais, exercendo sua influência de forma marcante enquanto persistem. 
E há os valores passageiros, efêmeros, de duração mais curta, como os modismos, que passam 
muitas vezes sem fincar a sua marca.
• Quanto à sua legitimidade, os valores classificam-se como positivos ou negativos. Pode 
parecer contrassenso falar-se em valores negativos. Mas esta positivação e negativação têm 
como referência o todo da sociedade, ou seja, o ser humano genérico, não o indivíduo. 
Positivos são os valores que contribuem para a manutenção, a melhoria, o aperfeiçoamento 
da vida social e os negativos são aqueles que, ao invés, levam à desagregação e à insegurança. 
O trabalho honesto, por exemplo, é valor positivo e permanente, na medida em que contribui 
tanto para o bem-estar do próprio homem, quanto para o progresso do todo social. A 
atividade ilícita, por outro lado, conquanto seja proveitosa para um indivíduo ou um grupo, 
lesa as outras pessoas e produz revolta e insegurança social, tornando-se um valor negativo. 
• Quando à sua matéria, os valores se classificam de acordo com a área social em que se 
situam. Há os valores éticos, jurídicos, religiosos, políticos, econômicos, históricos, nacionais, 
regionais e locais, referindo-se todos como desdobramentos dos valores humanos e sociais em 
geral, sedimentados na atividade humana e presentes em todas as épocas históricas. Conclui-
se, portanto, que em qualquer lugar onde esteja presente o homem, ali estará também o valor. 
3 Conhecimento e Interpretação
A interpretação decorre do livre exercício da razão. A este livre exercício da razão chama-se 
pensamento. Portanto, pensar é interpretar. O ser humano naturalmente pensa, por isso, naturalmente 
sempre interpreta. Nas rotinas do dia-a-dia, nas relações sociais, familiares, laborativas, o homem está 
sempre revelando um sentido. Não é possível a identidade humana sem esta interpretação, porque o 
homem só toma consciência de si mesmo interpretando. É por intermédio da interpretação do outro 
e de si próprio que o ser humano se apercebe de sua própria realidade e da realidade do mundo. A 
interpretação é necessária ao homem, faz parte da sua natureza humana.
Por causa dessa necessidade da natureza humana é que, desde a mais remota antiguidade, o 
homem interpreta. As variadas formas de interpretação, criadas pela atividade incessante do homem, 
produziram os vários conceitos de hermenêutica, apresentados pelos estudiosos ao longo dos tempos. 
Fazemos, assim, uma diferença entre interpretação e hermenêutica, que não são sinônimas. Interpretação 
é atividade prática, enquanto que a Hermenêutica é modelo teórico. Os procedimentos interpretativos 
fundamentam as várias escolas de hermenêutica e os vários conceitos de hermenêutica orientam formas 
diversas de interpretação. Aliás, os próprios conceitos diferenciados de hermenêutica são prova da 
capacidade interpretativa humana.
Hermenêutica Jurídica
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Exemplo
Explicando com exemplos. Quando alguém quer obter sua carteira de 
motorista, antes vai precisar submeter-se a uma série de exigências prévias 
(exames de saúde, aulas de legislação do trânsito, lições elementares de 
mecânica de veículos) e somente depois se sentará no banco do motorista, 
para colocar em prática os ensinamentos teóricos.
Quando alguém adquire um novo aparelho eletroeletrônico, deve fazer 
uma leitura do manual de instruções, para entender as diversas funções do 
aparelho e somente depois vai operá-lo.
Num exemplo mais simples, quando alguém quer aprender andar de bicicleta, 
vai precisar que alguém lhe dê orientações sobre os movimentos do guidão, das 
alavancas e dos pedais, somente depois irá tentar equilibrar-se nas duas rodas.
Nos exemplos citados, o primeiro momento é o conceitual ou teórico, no qual o interessado 
aprende os requisitos básicos da atividade que vai desenvolver. O segundo momento é a execução prática 
das orientações conceituais prévias. Trazendo para o tema em pauta, a hermenêutica corresponde 
aos procedimentos conceituais, teóricos prévios, que servirão de roteiro e orientação para as 
atividades práticas de interpretação. As duas estão inteiramente vinculadas, mas constituem atividades 
distintas que não se confundem entre si. Os vários conceitos e escolas hermenêuticas ocorridas no 
decorrer da história são fruto de diferentes maneiras de conceber e realizar a interpretação, sendo esta a 
atividade que se apresenta em todas elas. 
Importante
O estudo da hermenêutica é, portanto, uma atividade teórica. Neste estudo, 
são analisados e discutidos os requisitos necessários para o ato de interpretar. 
Antes de nos entregarmos a tal atividade, precisamos nos instrumentalizar e 
nos familiarizar com princípios, procedimentos e técnicas que nos permitam a 
realização de um trabalho competente e seguro. Devemos, porém, estar conscientes 
de que, dada a constante evolução histórica e consequente transformação da 
sociedade, não existem receitas infalíveis nem rotinas prontas, mas apenas 
indicações e propostas. Algumas delas já foram utilizadas por longo tempo 
e continuam válidas. Obviamente, passaram por processos de refinamento e 
atualização permanentes. Outras estão sendo, a todo o momento, tentadas com 
maior ou menor eficiência, conquistando adeptos ou adversários.
Hermenêutica Jurídica
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Por seu turno, a sociedade está em incessante movimento evolutivo, com substanciais interferências 
sobre a cultura e a mentalidade das pessoas. Aquilo que tem sentido e valor numa determinada época, 
pode dali a pouco sofrer mutações. Novos padrões culturais e valorativos estão se manifestando a todo 
momento. Disso tudo resulta que a tarefa humana de interpretar é historicamente inesgotável, na medida 
em que a interpretaçãoé a busca do sentido e este constantemente se transforma. A hermenêutica, 
enquanto ciência e arte da interpretação, é entendida assim como uma atividade perene e incompleta.
Costuma dizer-se que “onde está a sociedade, aí está o Direito”. Em todas as épocas, sempre onde 
houve grupos humanos reunidos num mesmo território, houve algum tipo de norma disciplinadora de sua 
conduta, por mais rudimentar que tenha sido. De acordo com o Prof. Raimundo Falcão (2004), esta frase 
deveria ser “onde está o homem, aí está o Direito”, considerando que não é a sociedade um sujeito concreto 
de direitos, e sim a pessoa. A importância da sociedade deriva da importância das pessoas que a formam. A 
referência à sociedade tem apenas a vantagem de chamar atenção para o fato de que o Direito se realiza na 
convivência social. Melhor ainda seria adaptarmos a frase dentro do contexto delineado nos tópicos anteriores, 
no qual demonstramos que a vida do homem na sociedade é um constante exercício interpretativo, para 
dizermos “onde está o homem, aí está a interpretação”. O Direito, como todos os objetos culturais, não se 
desenvolve sem a atividade do intérprete, não permanece vivo sem o contínuo trabalho da interpretação.
Historicamente, foi assim que aconteceu nas origens do Direito, em Roma. Foi a atividade 
interpretativa dos juristas que deu alma e vida ao Direito Romano, cujo legado chega até nós. Os 
jurisprudentes romanos foram os pioneiros na ciência e na arte de transformar a norma numa criação 
permanentemente viva, fertilizando-a com suas experiências de vida e com seu apurado senso de 
percepção da evolução da sociedade do seu tempo. Mesmo sem teorizar a respeito desta vital atividade 
jurídica, eles nos deixaram exemplos práticos e concretos de elaboração da ciência jurídica, a partir da sua 
capacidade de sempre interpretar de maneira nova antigos costumes e práticas, o que os transforma em 
referência permanente para o estudo do Direito em todos os tempos.
Importante
Filosofi camente, a interpretação é um processo que faz parte do próprio ato essencial, 
a partir do qual o homem se identifi ca ontologicamente como ser pensante e atuante 
no mundo, tornando-se capaz de conhecê-lo e de transformá-lo. A capacidade racional 
do ser humano se manifesta de forma mais expressiva exatamente na atividade 
interpretativa. Não há racionalidade sem interpretação. Quer seja de forma consciente 
ou inconsciente, é na atividade racional interpretativa que o homem conhece a si 
mesmo, conhece o outro e conhece o mundo, ou seja, é através da interpretação que o 
homem chega à consciência de si mesmo e dos outros, o que torna a interpretação uma 
ação necessária, indispensável ao homem.
Hermenêutica Jurídica
61
A essência do ato de interpretar é o esforço de captação de um sentido. Este sentido, enquanto 
epifania do absoluto, apresenta-se de infinitos modos nas coisas, nas pessoas, nos acontecimentos, e 
sempre sem repetição, o que torna o sentido potencialmente inesgotável. Por ser dotado da capacidade 
de perceber a sua presença, o homem pode ser considerado o portal do sentido do mundo, entendendo-
se com isso que todas as demais coisas existentes têm acesso ao sentido através do homem. Esse 
entendimento transforma a atividade interpretativa na tarefa humana por excelência, conferindo-lhe um 
lugar central entre todos os existentes e a responsabilidade pela exuberância interminável dos infinitos 
desdobramentos nos quais o sentido se manifesta. Por isso, onde está o homem, aí está a interpretação.
Podemos concluir, então, que a interpretação é um momento constitutivo dessa realidade humana 
chamada de conhecimento. A interpretação é o momento dinâmico do conhecimento da realidade, é o 
ato de apreendê-la racionalmente, tal qual ela se apresenta à nossa percepção subjetiva. A hermenêutica, 
enquanto conjunto de teorias formadas a partir da prática interpretativa desenvolvida pelos estudiosos ao 
longo da história, é o momento teórico da atividade interpretativa. Ao estudar a hermenêutica, estaremos 
repassando as tentativas e os caminhos seguidos pelos intérpretes no decorrer dos tempos, como etapa 
de preparação para o exercício prático diante de casos concretos.
A hermenêutica e a interpretação em geral, portanto, são atividades complementares que ocorrem 
no plano do conhecimento. Ora, qualquer conhecimento nunca é uma atividade totalmente individual, 
solitária, mas sempre se realiza num contexto social. Disso resultam duas implicações imediatas:
1. O ato de interpretar se expressa por meio de signos e sinais expressivos;
2. o ato de interpretar se insere num contexto linguístico-comunicativo, portanto, cultural, na 
medida em que a atribuição de significados aos signos e sinais é uma característica da atividade 
noética do homem sobre a natureza.
Transferindo essa ideia para o âmbito do direito, dizemos que o ato de interpretar a lei e as 
diferentes normas que compõem o ordenamento jurídico, inserido no contexto do que se denomina 
Hermenêutica Jurídica, constitui-se neste esforço mental que se perfaz em quatro momentos integrados:
1. elevar para o plano da racionalidade os fatos sociais dotados de um significado valorativo;
2. aproximando-os e confrontando-os com as hipóteses legais previamente estabelecidas;
3. no intuito de correlacionar estes dois planos da realidade;
4. em busca da sua adequação ou inadequação.
Ao fazer isto, o intérprete estará colocado diante de certo número de possibilidades, dentro das 
quais deverá adotar uma posição, de acordo com o seu convencimento e com os objetivos pretendidos.
Noético, derivado de nous, é um termo que em grego significa o espírito humano enquanto atividade pensante e articu-
ladora da relação entre o mundo das coisas e o mundo das ideias (Platão). 
Hermenêutica Jurídica
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4 Interpretação e Formação Profi ssional
O conhecimento que requer compreensão difere dos demais conhecimentos, dos quais 
se busca uma explicação através da repetição previsível, como é o caso das ciências da natureza ou 
ciências experimentais. Os objetos culturais, dos quais o Direito faz parte, pertencem àquela categoria 
de conhecimentos chamada por Wilhelm Dilthey de ciências do espírito, que dizem respeito às 
relações humanas e implicam uma relação de história e liberdade, relações que ocorrem no campo do 
comportamento e fogem da repetição e da previsibilidade próprias dos fenômenos da natureza.
As novas tendências fi losófi cas do século XX, orientadas para a existência, a intersubjetividade e a 
experiência histórica, vieram trazer novas luzes para a compreensão do Direito como ciência da sociedade, 
aproximando-o das chamadas “ciências do espírito”, situação que passou a exigir dos profi ssionais do 
Direito uma nova visão acerca da ciência jurídica e da hermenêutica jurídica.
O Direito se preocupa com as ações humanas e as ações humanas encontram-se inseridas 
necessariamente num contexto histórico. Da mesma forma, o intérprete é também um ser historicamente 
orientado e faz parte necessariamente de uma tradição social. Daí se conclui que a norma jurídica constitui-
se um fazer humano carregado de sentido e o Direito se apresenta jungido à hermenêutica, uma vez que 
a sua existência depende da concretização ou da aplicação da lei em cada caso concreto. Como toda obra 
humana, que corresponde a um processo de criação, o direito também tem a sua marca valorativa.
Importante
Desse modo, o direito tem como sentido não só os valores representativos da intenção 
ou da vontade de quem faz a lei, como também os valores incorporados à tradição 
histórica na qual a lei se insere. Por isso, a interpretação jurídica encontra referência 
tanto na vontade do autor da lei, quanto na vontade do seu intérprete, enquanto seres 
humanos pertencentes a épocas históricas muitas vezes distintas.

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