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Direito Tributário I – Panorama geral da disciplina. Frederico Menezes Breyner O estudo da disciplina do Direito Tributário tem como objeto os conceitos de tributo e obrigação tributária, a ponto de podermos falar que o Direito Tributário é o ramo do direito que regula a imposição, exigência e extinção da obrigação tributária. O conceito que dá autonomia à disciplina é o conceito de tributo, que recebe o primeiro delineamento na Constituição pelos seguintes elementos: a) vinculação da tributação à arrecadação de dinheiro junto aos particulares, resultando no seu caráter de ser um dever de entregar dinheiro ao Estado; b) previsão específica da legalidade para a instituição e majoração de tributos, atribuindo característica ex lege da obrigação tributária; c) proibição de tratamento desigual para contribuintes situações equivalentes e atribuição da atividade de exigência à órgãos públicos, o que torna incompatível a exigência tributária com juízos discricionários do servidor público competente; d) discriminação dos fatos tributáveis pelos entes da federação por meio de descrição de situações lícitas perante o ordenamento jurídico, somado ao estabelecimento de critérios a serem observados na mensuração dos tributos (capacidade econômica nos impostos e demais tributos de fato gerador alheio à atividades estatais referidas aos contribuintes, retributividade nas taxas e benefícios nas contribuições), que afastam os tributos da atividade sancionatória do Estado. Esses elementos são previstos no art. 3º do CTN que, com algumas falhas e omissões, principalmente quanto ao fim público do dever tributário, estabelece o conceito de tributo em vigor. A obrigação de pagar tributo é uma das obrigações tributárias, mas não esgota seu conteúdo. O CTN prevê ainda como obrigação tributária principal, ao lado do tributo, a obrigação de pagar multas em razão do descumprimento da legislação tributária. Tanto a obrigação de pagar tributo quanto a obrigação de pagar multa tributária são coincidentes quanto ao seu conteúdo patrimonial (obrigação de pagar dinheiro) o que permite um regime jurídico comum procedimental e processual de exigência, cobrança e execução. Contudo, no plano do direito material tributo e multa são absolutamente distintos quanto ao fato gerador (fato lícito no primeiro e ilícito na segunda) e suas características (submissão aos princípios próprios das espécies tributárias no primeiro e ao juízo de reprovabilidade do legislador na segunda). A partir da compreensão desses conceitos, deve ser analisada quais são as espécies tributárias e quais entes federativos tem competência tributária para instituí-las (competência tributária é a competência legislativa para criar tributos por meio de lei). Antes, contudo, cabe lembrar que a competência tributária é atribuída em razão do tributo, mas a ele não se resume: o ente federativo competente pode também instituir penalidades tributárias e obrigações tributárias acessórias relativas aos tributos de sua competência. Aqui é importante conhecer a teoria dos fatos geradores vinculados (taxas e contribuições) e não vinculados (impostos), utilizada para a repartição da competência tributária entre os entes federativos. É ainda importante apreender o conteúdo das regras de competência para definir quais fatos são tributáveis, o que demanda um estudo do art. 110 do CTN e da jurisprudência do STF, que se encontra em franca evolução na matéria. Nesse contexto, uma regra que sustenta a repartição de competência tributária entre os entes da federação é a do art. 145, §2º da Constituição, que veda que as taxas tenham base de cálculo próprias de impostos, ou seja, na medida em que são tributos retributivos de uma atividade estatal específica e diretamente referida ao contribuinte, as taxas não podem ser graduadas de acordo com a capacidade econômica dos contribuintes ou a partir de critérios que desviem o montante devido do custo da atividade estatal. Com isso, preserva-se a repartição de competência, impedindo que um ente federativo, a pretexto de chama-lo formalmente de taxa e definir seu fato gerador como sendo de uma taxa, termine por fazer incidir o tributo sobre uma manifestação de riqueza do contribuinte, instituindo imposto fora das regras de competência tributária. No âmbito dos impostos, fora dos fatos tributáveis descritos nas regras de competência, apenas a União Federal tem competência tributária residual e extraordinária (art. 154 da Constituição), cujo exercício depende de circunstâncias, requisitos e espécie normativa próprios. Além dessas espécies e sua divisão de competência tributária, existem outros tributos topicamente atribuídos aos entes federativos com regimes jurídicos específicos, como os empréstimos compulsórios e as contribuições dos art. 149, caput; 149, §1º; 149-A e art. 195 da Constituição. A separação dos empréstimos compulsórios e contribuições como espécies tributárias autônomas, distintas dos impostos, leva à classificação quinquipartite, e suscita diversas dúvidas, tais como: a) a instituição dessas contribuições, quando não tenham fato tributável expressamente descrito na Constituição (como ocorre com as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico por força do art. 149, §2º, III e art. 195 da Constituição), depende da prévia edição de lei complementar definindo seu fato gerador nos termos do art. 146 III, ‘a’ da Constituição, ou esse dispositivo só se aplica aos impostos, e não às contribuições, que são espécies distintas? b) é necessário que todas as contribuições, com exceção daquelas do art. 195 da Constituição, tenham alguma referibilidade aos contribuintes, como ocorre na contribuição de melhoria, diferenciando-se dos impostos, ou podem ser desvinculadas, diferenciando-se dos impostos não pela característica do seu fato gerador, mas sim pela afetação da sua receita? c) os empréstimos compulsórios podem adotar como fato gerador fatos descritos nas regras de competência tributária dos Estados, Distrito Federal e Municípios quando a circunstância que o justifica seja o investimento público de caráter relevante (art. 148, II)? Ou por ser espécie distinta do imposto não é necessário observar as regras de competência tributária para instituição de impostos? d) o exercício da competência residual para instituição de novas contribuições sociais para além daquelas previstas nos incisos I a IV do art. 195, com fundamento no art. 195, §4º da Constituição pode resultar na tributação de fatos geradores e base de cálculo já previstos para os impostos, ou por serem as contribuições espécie tributária distinta não é necessário o respeito às regras de competência tributária relativas aos impostos, bastando a destinação de sua arrecadação à seguridade social? Avançando no estudo do direito tributário disciplinado na Constituição, verificamos que, ao lado de regras que atribuem competência tributária, temos regras constitucionais que negam a competência tributária sobre determinadas situações. São as imunidades tributárias. A Constituição não utiliza a expressão “imunidade” no âmbito do direito tributário, sendo esta uma expressão criada para designar uma categoria de normas que têm a mesma estrutura: são normas constitucionais que, conjugadas com as regras que atribuem a competência tributária, operam sua delimitação negativa, negando a competência tributária para algumas situações. Disso decorre que a competência tributária resulta, em verdade, da conjugação das regras atributivas de competência tributária e das imunidades (regras que negam competência tributária). Definido o âmbito da competência tributáriados entes federativos, verificamos que diversos ordenamentos tributários conviveram no país: federal, distrital, estaduais e municipais. Disso decorre a possibilidade de que os entes federativos atribuam regulamentações diversas aos diversos temas e conceitos básicos da tributação, bem como entrem em conflito para tributar o mesmo fato. Para evitar essa situação, algumas dessas matérias e conceitos básicos foram colocadas a cargo da União Federal, competente então para impor normas de caráter nacional, a serem observadas por todos os entes federativos, uniformizando essas matérias e conceitos. Disso decorre que a lei complementar tributária de caráter nacional se situa em uma posição de superioridade hierárquica sobre as leis tributárias dos entes federativos, inclusive as leis ordinárias que regem a tributação federal. Por isso a competência para legislar sobre direito tributário (que é a competência para regular temas e conceitos que demandam uniformidade, distinta da competência tributária que é a aptidão para criar tributos) é concorrente (art. 24, I da Constituição), cabendo à União estabelecer normas gerais (art. 24, §1º), que no direito tributário terão caráter nacional e deverão ser veiculadas por lei complementar (art. 146, III da Constituição). Essa uniformidade, harmonia e coerência mínima da tributação são as características comuns dos três objetos genéricos da lei complementar previstos nos incisos I, II e III do art. 146 da Constituição. Compreendidas as normas constitucionais que definem a competência tributária (regras de competência tributária e de imunidade tributária) e o instrumento normativo para sua regulamentação em caráter nacional, o objeto de estudo passa a ser as normas que regram o exercício da competência tributária e que, portanto, também são limitações ao poder de tributar, que são os chamados princípios tributários. A Constituição prevê os princípios tributários tanto de forma específica para alguns tributos (a exemplo da não-cumulatividade para o ICMS, IPI, PIS, COFINS e imposto residual), bem como princípios gerais da tributação, que são o objeto da disciplina aqui tratada. Esses princípios gerais estão concentrados no art. 145 e 150 da Constituição, mas o caput deste último dispositivo deixa claro que outros princípios e normas que outorgam direitos e garantias ao contribuinte são aplicáveis ao direito tributário, a exemplo da livre concorrência. Dentre os princípios gerais da tributação temos o princípio da legalidade tributária, anterioridade tributária, irretroatividade tributária, igualdade tributária, tributação conforme a capacidade econômica, vedação ao efeito de confisco e liberdade de tráfego. Terminada, pelo menos para os fins dessa disciplina, o estudo do direito tributário que está na Constituição, vamos nos voltar para as normas gerais de direito tributário previstas no Código Tributário Nacional, que foi editado como lei ordinária, mas recepcionado par regular as matérias que hoje demandam lei complementar. Seguindo as disposições do art. 146, III da Constituição, o CTN estabelece normas gerais acerca da legislação tributária, definindo-a (arts. 96 a 100) e determinando sua vigência, aplicação e interpretação (arts. 101 a 112). Em seguida, o CTN estabelece normas gerais acerca do fato gerador e da obrigação tributária nos arts. 113 a 118, que já foram estudadas logo após o conceito de tributo. Em matéria de obrigação tributária, o estudo se resumiu à estrutura e espécies da obrigação tributária, não abrangendo de forma específica dois elementos a seguir regulados pelo CTN: os sujeitos da obrigação tributária e sua responsabilidade (art. 119 a 138) e o crédito tributário (art. 139 a 182), que são estudados em seguida, finalizando o programa da disciplina.
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