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TEXTO - Marcelo Piazzetta - Função Social e Boa-Fé Objetiva , A Análise Jurisprudencial dos Princípios no Direito dos Contratos (LEITURA COMPLEMENTAR P/ CONTRATOS)

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FUNÇÃO SOCIAL E BOA-FÉ OBJETIVA: A ANÁLISE JURISPRUDENCIAL 
DOS PRINCÍPIOS NO DIREITO DOS CONTRATOS 
 
 
MARCELO PIAZZETTA ANTUNES 
In: CORTIANO JUNIOR, Eroulths; MEIRELLES, Jussara Maria Leal de; FACHIN, Luiz 
Edson; NALIN, Paulo. (Org.). Apontamentos Críticos para o Direito Civil Brasileiro 
Contemporâneo: anais do projeto de pesquisa Virada de Copérnico. 1ed. Curitiba: Juruá, 
2009, v. 2, p. 293-316. 
 
 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
 Na imensa maioria das vezes em que necessita decidir algum litígio 
contratual em que a melhor solução para o caso não está nas expressas 
disposições da avença, a jurisprudência brasileira invoca os princípios da função 
social e da boa-fé objetiva. A conjunção aditiva não é por acaso, eis que muito 
raramente se verificam os princípios dissociados, o que significa que dificilmente 
os julgados não façam uso de ambos para posicionar-se acerca da mesma 
matéria1. 
 Tal fato pode levar a entendimentos equivocados: o primeiro, no 
sentido de que os princípios não possuem qualquer diferença e o segundo, 
totalmente contrário, pautado na diferença conceitual entre ambos, como se 
houvesse uma linha divisória a demarcar os limites entre os dois princípios. 
 
1
 “(...)A previsão contratual de responsabilidade até a entrega das chaves cede ante a boa-fé 
objetiva, justiça contratual, função social do contrato. Pensar o contrário seria agravar a injustiça no 
seio da sociedade.(...)” (PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível 
344591-0. Relatora: Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes. Curitiba, 13 dez. 2006. Disponível em: 
www.tj.pr.gov.br. Acesso em: 15 dez. 2008.) 
“(...)A análise da relação contratual existente entre as partes, bem como da conduta de cada uma 
nesse âmbito, necessariamente deve ser norteada pelos ditames da concepção da ciência jurídica 
contratual marcada pelas noções de boa-fé objetiva e função social do contrato.(...)” (RIO 
GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 70023567076. 
Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira. Porto Alegre, 20 nov. 2008. Disponível em: www.tj.rs.gov.br. 
Acesso em: 15 dez. 2008) 
 Diante disso, as linhas seguintes buscarão verificar - partindo de uma 
primeira análise acerca da realidade jurídica que tornava quase imutável um 
acordo de vontades, ocasião em que se tinha uma principiologia vertente sobre os 
contratos adjetivada como “clássica” -, qual é a ligação entre a função social e a 
boa-fé objetiva como princípios “contemporâneos” do direito contratual e como foi 
a evolução jurisprudencial em relação a ambos. 
 
2. PRINCÍPIOS CLÁSSICOS DE DIREITO CONTRATUAL 
 
 “Toute justice est contractuelle; qui dit contractuel, dit juste”, esta 
frase, dita pelo “mestre mais escutado, quiçá, da filosofia oficial de então” 2 , 
demonstra com clareza o ideário vertente sobre a concepção do contrato ao final 
do século XIX. O cânone filosófico traduz uma principiologia advinda da Revolução 
Francesa de 1789, que, erguendo a bandeira da liberdade, igualdade e 
fraternidade, trouxe à lume um modelo contratual caracterizado, filosoficamente, 
pelo individualismo e economicamente, pelo liberalismo. 
 Assim, contrapondo-se ao absolutismo vivenciado nos séculos 
anteriores, a realidade então verificada era de uma tentativa de findar qualquer 
espécie de desigualdade social, havendo que se analisar todos as classes e 
indivíduos de modo igualitário perante a lei. 
 Coerentemente com o entendimento acima descrita é o liberalismo 
que passou a verter sobre as relações econômicas. Assim, não apenas os 
indivíduos não poderiam sofrer qualquer discriminação, como também sua 
liberdade de contratar deveria ser resguardada e respeitada, na medida em que 
era esta liberdade de contratar que se constituía no principal fundamento de 
justiça do contrato, retomando-se, aqui, a frase que iniciou o presente estudo3. 
 
2
 SAVATIER, René, Les métamorphoses économiques et sociales du droit civil d`aujourd`hui. 
2. ed. Paris:LGDJ, 1949, p. 38 apud NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus 
Princípios Fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994. 
p. 65 
3
 “Efetivamente, essa era o tempo em que Kant, o grande filósofo da nova era, insistia sobre a 
vocação fundamental do direito no sentido de permitir a coexistência das liberdades individuais, 
enunciava o seu “princípio universal do direito”, de acordo com o qual “é justa toda ação que 
permite ou cuja máxima permite que a liberdade do arbítrio de cada um coexista com a liberdade 
 Verifica-se, portanto, nessa realidade acerca do direito dos contratos, 
consagrada primeiramente no Code Napoleon de 1804 e, após, no BGB de 1896, 
que o elemento nuclear do contrato era a vontade, a qual, exarada de forma livre, 
sem vícios, constituía, por si só, conforme termos de Noronha: “o fundamento de 
vinculatividade do contrato4” 
 
 “A vontade passa a ser o cerne do contrato, e este, o cerne do Direito 
objetivo como um todo e do próprio Estado. O cenário jurídico-filosófico 
do século XVIII – o século das Luzes da liberdade, do indivíduo e do 
contrato – vai espraiar-se na teoria jurídica desenvolvida ao longo do 
século XIX, resultando na formulação de princípios, categorias e valores 
que, em torno da autonomia privada, até hoje governam correntes 
significativas do pensamento civilístico5” 
 
 Foi essa valorização da igualdade formal e da liberdade individual 
como caracterizadores da justiça do contrato que fez com que os princípios 
contratuais “clássicos”, fossem decorrentes do princípio da autonomia da vontade6 
(denominado do “dogma” em razão de sua importância). 
 Como corolários da autonomia da vontade, tem-se o princípio da 
liberdade contratual lato sensu; o princípio da obrigatoriedade dos efeitos do 
contrato, ao qual se denomina também de pacta sunt servanda e, ainda, o 
princípio da relatividade dos efeitos contratuais (res inter alios acta tertio neque 
nocet neque prodest7). 
 
de cada um dos outros segundo uma lei universal”, e afirmava que “quando alguém decide alguma 
coisa em relação a outro, é possível que faça a este alguma injustiça, mas nenhuma injustiça é 
possível naquilo que se decide para si próprio” (NORONHA, 1994, p. 65) 
4
 NORONHA, 1994, p. 87. 
5
 NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 
2006. p. 25 
6
 A distinção entre os termos “autonomia privada” e “autonomia da vontade” encontra-se detalhada 
de forma bastante clara e específica à nota de rodapé nº 2 da obra de Teresa Negreiros 
(NEGREIROS, 2006, p. 2-4) 
7
 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Princípios do Novo Direito Contratual e Desregulamentação do 
Mercado – Direito de Exclusividade nas Relações Contratuais de Fornecimento – Função Social do 
Contrato e Responsabilidade Aquiliana de Terceiro que Contribui para Inadimplemento Contratual. 
Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, v. 750, p. 113-120, abr 1998. p. 115. 
 A “liberdade contratual lato sensu” afigura-se como a possibilidade 
da parte, sem qualquer interferência “externa”, escolher o outro pólo contratante, o 
objeto e a forma do contrato8. 
 Analisando a disparidade conceitual atribuída doutrinariamente à 
liberdade contratual e liberdade de contratar9, verifica-se que a distinção possui 
como referência o momento, na celebração do contrato, que se está analisando, 
sendo que a segunda refere-se a opção por contratar ou não e a primeira liga-se 
ao conteúdo da composição contratual. 
 O Pacta sunt servanda, ou princípio da obrigatoriedade dos efeitos 
do contrato ou mesmo força obrigatóriados contratos, encontra-se positivado no 
artigo 1.134 do Code Napoleon10, e consiste na atribuição de vinculatividade ao 
acordo de vontades, demonstrando de forma patente a força que a manifestação 
volitiva possuía com relação aos contratos, eis que o fundamento da necessária 
observância do acordo era única e exclusivamente a vontade avessa a qualquer 
interferência externa (tampouco estatal11) exposta perante a outra parte. 
 Por fim, tem-se como princípio contratual “clássico” a chamada 
relatividade dos efeitos do contrato12, decorrente do dogma da vontade porque “se 
as partes só se obrigam na medida de sua liberdade, então os contratos não 
podem beneficiar nem prejudicar terceiros; estes nunca poderiam ser atingidos por 
efeitos jurídicos de atos estranhos à sua vontade13.” 
 
8
 “As partes podem convencionar o que querem, e como querem, dentro dos limites da lei” 
(AZEVEDO, abr 1998, p. 115). 
9
 “A liberdade de contratar ainda é aquela mesma liberdade facultada a todos os indivíduos de 
realizarem, materialmente, suas avenças, sem a indagação a respeito do conteúdo mais ou menos 
restritivo, imposto pela ingerência estatal. Em outras palavras, revela a plena liberdade que cada 
um tem de realizar contratos, ou não os realizar, de acordo com a sua exclusiva vontade. Mas, 
diferentemente, apresenta-se a liberdade contratual que no dizer de Álvaro Villaça Azevedo, é 
“considerada como a possibilidade de livre disposição de interesses, pelas partes, no negócio”. 
Enfoca o momento em que as partes cuidam de discutir e acomodar o conteúdo do contrato e 
definem suas cláusulas. (HIRONAKA, Giselda M. Fernandes Novaes. A função social do contrato. 
Revista de Direito Civil (Imobiliário, Agrário e Empresarial). São Paulo, a. 12, n. 45, p. 141-152, 
jul./set. 1988. p. 147). 
10
 “o contrato faz lei entre as partes – princípio da obrigatoriedade dos efeitos contratuais (art. 
1.134 do Código Civil francês)” (AZEVEDO, abr 1998. p. 115.) 
11
 Fala-se que a atuação do Estado era “tanto mais legítima quanto menos repressora do livre 
exercício da vontade individual” (NEGREIROS, 2006, p. 13.) 
12
 “O contrato somente vincula as partes, não beneficiando nem prejudicando terceiros” (AZEVEDO, 
abr 1998. p. 115) 
13
 NORONHA, 1994, p. 43. 
 Facilmente se extrai dos princípios regentes da teoria contratual no 
período clássico que, pelo fundamento filosófico e econômico que embasavam o 
denominado individualismo e liberalismo nos contratos, não poderia a lei ter 
caráter cogente em face das vontades individuais, havendo que ser, quando muito, 
supletiva às avenças privadas. Portanto, numa realidade onde a justiça da relação 
contratual estava na autonomia da vontade, verifica-se que o Código Civil 
preocupava-se em garantir a livre manifestação volitiva, “regulando, do ponto de 
vista formal, a atuação dos sujeitos de direito14”, não havendo como a Constituição 
Federal adentrar à esta seara15. 
 
“Ora, se o contrato era necessariamente justo, pois decorrente de um 
acordo de vontade entre duas partes iguais e livres, não havia motivo 
para se defender uma atuação estatal sobre esses vínculos que não 
fosse para garantir que o contrato seria cumprido. Impensável seria uma 
intervenção para a correção de algum desvio, pois este era praticamente 
impossível e teoricamente desnecessário dentro do quadro de 
pressupostos construído pelo legislador civil.16” 
 
 Esta segurança jurídica gerada pela plena vinculação com o 
acordado foi uma das poucas “vantagens” do modelo contratual clássico, a qual 
não se sustenta em face das conseqüências sociais daí geradas. Aliás, não é à 
toa se percebe o sentir social em relação aos princípios clássicos, pois foi 
justamente a sociedade a principal esfera “esquecida” pela ideologia individualista 
e liberal. 
 
14
 “Afirmava-se, significativamente – e afirma-se ainda hoje nos cursos jurídicos -, que o Código 
Civil Brasileiro, como os outros códigos de sua época, era a Constituição de direito privado.” 
(TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. 
In:____. Temas de Direito Civil. 3. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Renovar, p. 1-22, 2004. p. 2-3) 
15
 Fernando Noronha traz exemplo bastante interessante acerca do necessário resguarde da 
liberdade contratual frente até à própria legislação ao mencionar decisão da Suprema Corte norte-
americana que declarou a inconstitucionalidade de lei que versava sobre duração máxima de 
jornada de trabalho e sobre salário mínimo, “argumentando trata-se de injustificada interferência 
com a liberdade e a propriedade”. Cita ainda, o autor paulista, comentário de Carvalho de 
Mendonça sobre lei brasileira que garantia quinze dias de férias a trabalhadores do comércio: “É 
indefensável querer obrigar os estabelecimentos comerciais a conceder férias pagas aos seus 
empregados”, asseverando que além de não ser constitucional, a medida era “inovação temerária 
que não encontra similar nem na liberal Inglaterra, nem mesma na Rússia bolchevista!” 
(NORONHA, 1994, p. 66.) 
16
 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Reconstrução do Conceito de Contrato: do clássico ao 
atual. In: _____ HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flavio (Coord.). Direito 
Contratual: Temas Atuais. São Paulo: Método, p. 19-40, 2007. p. 24 
 Em outros termos, ao consagrar a igualdade formal entre os 
indivíduos como cânone ensejador de uma necessária e justa relação contratual 
fundamentada apenas e tão-somente na livre manifestação de vontade, a teoria 
contratual clássica expõe uma visão do indivíduo desvinculado da realidade 
social. 17 Com isso, verifica-se que o reverso da moeda desse “mundo de 
segurança 18 ” gerado pela ampla liberdade contratual, foi a consumação do 
“darwinismo jurídico, com a hegemonia dos economicamente mais fortes, sem 
qualquer espaço para a justiça contratual19”. 
 
“Manifestamente, o culto pela liberdade estava levando a conseqüências 
inadmissíveis. A liberdade sem freios estava esmagando outros valores 
tão fundamentais como ela própria. O protesto do Padre Lacordaire 
ressoava nas consciências: Entre lê fort et lê faible c´est la liberte qui 
opprime et la loi qui affranchit, entre o forte e o fraco, é a liberdade que 
oprime e a lei que liberta20” 
 
A verdade é que, fundamentada na igualdade (formal) dos indivíduos, 
a teoria clássica, absorvendo-os do contexto social, acabou por fomentar (e, o pior, 
legitimar com validade constitucional21) a desigualdade entre as classes. Uma 
nova Revolução, agora a industrial, fez iluminar a realidade na qual estavam 
inseridos os cidadãos, demonstrando a disparidade fática entre os contratantes e, 
mais, revelando que, em várias circunstâncias, o consenso da parte efetivamente 
inexistia num plano fático 22. 
Fato é que as transformações geradas pela Revolução Industrial23 
fizeram impulsionar o crescimento dos contratos de adesão, onde não há uma 
 
17
 “Com efeito, nesta etapa da evolução do direito civil, as relações do indivíduo frente à sociedade 
e frente ao Estado são, respectivamente, de indiferença e de resistência. (...) Refletindo um projeto 
político de índole burguesa, a codificação civil apreende este indivíduo abstratamente considerado 
como titular de vontade e garante-lhe proteção patrimonial.”(NEGREIROS, 2006, p. 15.) 
18
 “Os chamados riscos do negócio, advindos do sucesso ou do insucesso das transações, 
expressariam a maior ou menor inteligência, a maior ou menor capacidade de cada indivíduo” 
(TEPEDINO, 2004. p. 3). 
19
 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria Geral das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 4. 
20
 NORONHA, 1994. p. 66. 
21
 É bem verdade que a Constituição não possuía a força verificadahodiernamente, força essa que, 
aliás, é decorrência do Estado social (LÔBO, 2005, p. 5.). 
22
 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime 
das relações contratuais. 5. ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: RT, 2005. p. 163. 
23
 “Dessas transformações ligadas à Revolução Industrial, merecem destaque aqui, pelas suas 
repercussões jurídicas, os fenômenos, aliás interligados, da urbanização e da concentração 
verdadeira manifestação de vontade ou mesmo discussão quanto às obrigações 
assumidas e contratadas. As figuras do contratante e do contratado, nesta espécie 
de contrato, ganham contornos diferentes, eis que “há um autor efetivo das 
cláusulas; outro, simples aderente24”. Assim, nas palavras de Noronha: “só quando 
o fenômeno da massificação chegou ao campo jurídico é que se sentiu a 
necessidade de rever concepções25”. 
Afora os contratos “de massa”, também os contratos ditos 
necessários e os coativos26 influenciaram na visão acerca da necessária alteração 
da principiologia contratual clássica, pois no primeiro a manifestação de vontade 
era compulsória, e no segundo era irrelevante27. 
 
3. PRINCÍPIOS CONTEMPORÂNEOS DO DIREITO CONTRATUAL 
 
 À impossibilidade de se manter, com o mesmo status hegemônico, o 
dogma da autonomia da vontade em face das transformações iniciadas com a 
Revolução Industrial, contrapôs-se um crescente discurso de necessidade de 
reconhecimento dos direitos sociais. A busca pelo Estado social, intensificada 
após o fim da segunda guerra mundial, com a política estatal assistencialista que o 
acompanha (e lhe delimita o conteúdo, é bem verdade), transformou 
profundamente o direito dos contratos. 
 
capitalista: a urbanização é conseqüência do crescimento exponencial da população, da migração 
do campo para as cidades, das melhores condições de vida que o desenvolvimento econômico (de 
base industrial) propicia; a progressiva concentração capitalista é essencialmente conseqüência da 
concorrência econômica – e da luta, por esta engendrada, pela competitividade, pela 
racionalização, por melhores condições de produção e distribuição” (NORONHA, 1994. p. 70.) 
24
 MARQUES, 2005, p. 163. 
25
 NORONHA, 1994, p. 69. 
26
 O contrato “coativo”, também qualificado como ditado, imposto, forçado, “é como se as partes 
houvessem dado vida à relação jurídica mediante acordo de vontades espontâneo. Na verdade, 
porém, são obrigadas a constituí-la.” Tal modelo contratual busca, por meio da imposição, atingir 
“objetivos da política econômica do Estado, ou para facilitar a sua ação financeira” (GOMES, 
Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. São Paulo: RT, 1967. p. 19/20). 
Quanto aos contratos necessários, Orlando Gomes já preconizava, em 1967, a sua crescente 
difusão em razão do aumento do intervencionismo estatal nas relações econômicas: “Inúmeros 
organismos particulares são obrigados a contratar com as pessoas que precisam dos serviços que 
se encarregam. Tais são, dentre outros, as companhias de transportes, de eletricidade, de telefone 
e, em geral, as empresas que se incumbem da prestação de serviços de utilidade pública” 
(GOMES, 1967, p. 22). 
27
 GOMES, 1967, p. 24. 
 Um dos exemplos dessa transformação foi a preocupação 
constitucional em tutelar direitos privados outrora totalmente avessos a qualquer 
ingerência estatal, eis que como “o Estado social, no plano do direito, é todo 
aquele que tem incluída na Constituição a regulação da ordem econômica e 
social 28 ”, a ascendência desse modelo político fez com que o Código Civil 
perdesse “assim, definitivamente, o seu papel de Constituição de direito privado.29” 
 
“Os textos constitucionais, paulatinamente, definem princípios relacionados 
a temas antes reservados exclusivamente ao Código Civil e ao império da 
vontade: a função social da propriedade, os limites da atividade econômica, 
a organização da família, matérias típicas de direito privado passam a 
integrar uma nova ordem pública constitucional30” 
 
 Não há que se entender, todavia, essa tutela constitucional dos 
direitos privados como uma única e simples alteração do corpo normativo a 
regular as condutas intersubjetivas. A mudança foi muito maior, pois se operou, no 
direito civil, “a substituição do seu centro valorativo – em lugar do indivíduo surge 
a pessoa31”. Pessoa que, nos termos do artigo 1º da Declaração Universal dos 
Direitos Humanos de 1948, deveria ter sua dignidade tutelada. 
 O princípio da dignidade da pessoa humana passa a ser o vetor 
imprescindível para todo o sistema jurídico, e, dada a necessidade de garantir a 
“todos” uma subsistência digna, não mais se pode conceber o indivíduo como ser 
desvinculado da realidade social e, antes de ser uma simples “soma aritmética da 
satisfação de interesses particulares32”, o interesse público ganha autonomia e 
importância para se impor até em face da própria vontade individual. 
 
“A sociedade – ou, ao menos a comunidade jurídica – se dá conta da 
importância das relações intersubjetivas e da necessidade de se 
considerar os interesses de toda a coletividade, de forma a evitar, ou 
 
28
 LÔBO, 2005, p. 5. 
29
 TEPEDINO, 2004. p. 7. 
30
 TEPEDINO, 2004. p. 7. 
31
 NEGREIROS, 2006. p. 11. 
32
 NEGREIROS, 2006. p. 15. 
neutralizar, possíveis conflitos entre os homens, necessariamente 
inseridos em um contexto social33” 
 
 Resta indubitável, portanto, a impossibilidade de subsistência – ao 
menos não com o status que outrora detinham – dos princípios clássicos de direito 
contratual, sendo imprescindível, como forma de adequação à nova realidade, 
limitar-lhes a eficácia, por meio de diretrizes que venham a se coadunar com o 
vetor maior da dignidade da pessoa humana34. 
Nos termos da importantíssima obra do professor Luiz Edson Fachin, 
o princípio em comento “ganha concretização por meio de outros princípios e 
regras constitucionais formando interno harmônico, e afasta, de pronto, a idéia de 
predomínio do individualismo atomista do Direito.35” Desta asseverada “harmonia 
interna”, Maria Celina afirma que do princípio maior de tutela da subsistência digna 
decorrem “os princípios jurídicos da igualdade, da integridade física e moral – 
psicofísica, da liberdade e da solidariedade”. 
E é em razão das alterações sociais até o momento descritas que se 
verifica a funcionalização36 dos institutos jurídicos, funcionalização que implica 
 
(...) na sua positivação normativa, no estabelecimento de limites que o 
ordenamento jurídico, ou alguns de seus princípios vinculantes, 
estabelecem ao exercício das faculdades subjetivas (em face de 
situações concretas) que possa caracterizar abuso de direito(...)37. 
 
 
 
33
 COSTA, Pedro Oliveira da. Apontamentos para uma visão abrangente da função social dos 
contratos. In: _____ TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil-
constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, p. 45-68, 2005, p. 48. 
34
 Maria Celina “decompõe” o princípio da dignidade da pessoa humana nos “princípios jurídicos da 
igualdade, da integridade física e moral – psicofísica -, da liberdade e da solidariedade” (MORAES, 
Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. 
Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 85) 
35
 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo: a luz do novo código civil 
brasileiro e da Constituição Federal. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 190. 
36
 A funcionalização dos institutos jurídicos significa que o direito em particular e a sociedade em 
geral começaram a interessar-sepela eficácia das normas e dos institutos vigentes, não só no 
tocando ao controle ou disciplina social mas também no que diz respeito à organização e direção 
da sociedade, através do exercício de funções distributivas, promocionais ou inovadoras. Daí falar-
se na função econômico-social dos institutos jurídicos inicialmente em matéria de propriedade e, 
depois, de contrato. (AMARAL, Francisco dos Santos. A autonomia privada como princípio 
fundamental da ordem jurídica: perspectivas estrutural e funcional. Revista de Informação 
Legislativa, Brasília, Diretoria de Informação Legislativa, n. 102, p. 207-230, abr/jun. 1989. p. 228.) 
37
 AMARAL, abr/jun. 1989, p. 228. 
E, neste contexto, consagra-se o princípio da função social do 
contrato, o qual, no Brasil, faz-se assegurado pela Constituição Federal de 1988 
quanto esta coloca no rol dos fundamentos da República o “valor social da livre 
iniciativa” (art. 1º, IV, CF) e prevê a livre iniciativa como princípio geral da ordem 
econômica “conforme os ditames da justiça social” (Art. 170, caput, CF)38. 
Importante salientar desde já que nova principiologia contratual 
emergente com o ideário funcionalista não fez abolir os princípios contratuais 
clássicos, ou seja, “não suprimiu o Estado Social, em seu todo, o princípio da 
autonomia da vontade. Na verdade, o que houve foi uma redução de sua 
importância”39 
 
3.1. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO 
 
Justamente com o intuito de não mais considerar o indivíduo 
dissociado de sua realidade social, onde a livre manifestação volitiva era requisito 
bastante para conferir juridicidade ao contrato40, a função social é medida que se 
impõe para fazer do contrato não um meio de concretização de vontades 
individuais tuteladas pelo direito, mas como instrumento que transcende a simples 
 
38
 Além dos dispositivos constitucionais já citados, não se pode olvidar a funcionalização do 
contrato também encontra albergue no artigo 5º, XXIII da Carta Magna (Art. 5º, XXIII - a 
propriedade atenderá a sua função social;), eis que “o reconhecimento da função social do contrato 
é mero corolário dos imperativos constitucionais relativos à função social da propriedade e à justiça 
que deve presidir à ordem econômica” (REALE, Miguel. O Projeto de Código Civil: situação atual 
e seus problemas fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 32.) 
39
 “O contrato, portanto, transforma-se, para adequar-se ao tipo de mercado, ao tipo de 
organização económica em cada época prevalecente. Mas justamente, transformando-se e 
adequando-se do modo que se disse, o contrato pode continuar a desempenhar aquela que é – e 
continua a ser – a sua função fundamental no âmbito das economias capitalistas de mercado: isto 
é, a função de instrumento da liberdade de iniciativa econômica. Está agora claro que as 
transformações do instituto contratual, que designamos em termos da sua objectivação, não 
contrariam, mas antes secundam, o princípio da autonomia privada(...)” (ROPPO, Enzo. O 
contrato. Tradução de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 1988. p.310) 
40
 Este aspecto é tido por Noronha como a Função Social conferia ao contrato no período liberal. O 
posicionamento é criticado por Paulo Nalin: “O que realiza Fernando Noronha, em verdade, é 
sobrepor a função social do contrato à idéia de justiça contratual” (NALIN, Paulo. Do contrato: 
Conceito Pós-Moderno (em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional). Curitiba: 
Juruá, 2001. p. 230) 
circulação de riquezas, passando a se constituir, também, instituto de 
desenvolvimento social. “Isso mesmo: de desenvolvimento social41”. 
Portanto, o princípio da função social, conforme Junqueira de 
Azevedo 
 “trata-se de preceito destinado a integrar os contratos numa ordem 
social e harmônica, visando impedir tanto aqueles que prejudiquem a 
coletividade (por exemplo, contratos contra o consumidor) quanto os que 
prejudiquem ilicitamente pessoas determinadas42” 
 
A própria denominação do princípio em tela demonstra a 
preocupação com a coletividade, a qual haverá de ser analisada prioritariamente 
quando se busca conferir eficácia jurídica a um acordo de vontades43. Por essa 
razão, não se pode entender a função social como um dos vários outros princípios 
modernos que buscam se contrapor ao voluntarismo jurídico. A verdade é que, se 
o voluntarismo tinha como eixo central uma vontade ilimitada (ou, melhor dizer, 
“tendecialmente ilimitada”), a principal ruptura desse dogma deu-se com a 
concessão de uma função social aos institutos (no presente estudo, o contrato), 
porquanto conferir juridicidade a um contrato não requer apenas uma livre 
manifestação volitiva, mas requer, antes, uma observância aos interesses sociais. 
Veja-se adução de Nalin acerca do assunto. 
 
o contrato, como visto, também merece um novo desenho esquemático, 
gerando, aliás, um novo conceito, pois, assim como a propriedade, o 
contrato (a atuação dos contratantes e os efeitos jurídicos pretendidos) 
somente pode ser merecedor de tutela se for cumpridor de uma função 
social44. 
 
Assim, como forma de não diminuir a importância do cânone 
funcionalista, deve-se acautelar, quando de sua invocação, para não se o tenha 
como um “simples” outro princípio decorrente da quebra do voluntarismo jurídico. 
Mais que isso, é, a funcionalização do contrato, a diretriz principiológica da qual 
 
41
 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil: contratos. 3 
ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007. v. IV. p. 47. 
42
 AZEVEDO, abr 1998, p. 116. 
43
 “Função social significa não individual, sendo critério de valorização de situações jurídicas 
conexas ao desenvolvimento das atividades da ordem econômica. Seu objetivo é o bem comum, o 
bem-estar econômico coletivo.” (AMARAL, abr/jun. 1989, p. 229). 
44
 NALIN, 2001, p. 222. 
decorrem os outros princípios45, dentre os quais se destaca, no presente estudo, a 
boa-fé objetiva. 
Explica-se o dito “acautelamento”, com o fato de que, a depender do 
posicionamento jurisprudencial sobre o assunto, facilmente poder-se-ia denotar a 
função social como princípio destoante da boa-fé objetiva, como algo totalmente 
diferente desta, como se pudesse existir, por exemplo, um contrato que não 
cumprisse a boa-fé mas cumprisse com a sua função social. 
Note-se que os julgados abaixo ensejam o entendimento que acima 
se afirmou acerca da delimitação dos princípios contemporâneos de direito 
contratual. 
(...)eventual abusividade de determinadas cláusulas acessórias do 
contrato não tem relevância para o deslinde desta ação. Ainda que, em 
tese, transgridam os princípios da boa-fé objetiva, da probidade e 
da função social do contrato ou imponham ônus excessivo ao 
recorrido, tais abusos não teriam o condão de contaminar de maneira 
irremediável o contrato, de sorte a resolvê-lo46. (grifo nosso) 
 
 
Todavia, não se pode olvidar que a generalidade do cânone 
funcionalista torna imprecisas as suas bases conceituais, fazendo-se com que se 
tenha a função social “ora amarrada à cláusula geral de solidariedade, ora à 
quebra do individualismo, tendo em vista a igualdade substancial, ora à tutela da 
confiança dos interesses envolvidos e do equilíbrio das parcelas do contrato47”. 
E é como forma de “objetivar” a cláusula geral da função social, ou 
seja, a fim de precisar a sua base conceitual que parcela da doutrina defende a 
existência de uma dupla eficácia do princípio funcionalista. 
 
45
 “(...)a função social se configura como princípio superior ordenador da disciplina da propriedade 
e do contrato, legitimando a intervenção legislativa do Estado e a aplicação de normas 
excepcionais, operandoainda como critério de interpretação das leis. A função social é, por tudo 
isso, um princípio geral de atuação jurídica, um verdadeiro standard jurídico, uma diretiva mais ou 
menos flexível, uma indicação programática que não colide nem ineficaciza os direitos subjetivos, 
apenas orienta o respectivo exercício em direção mais consentânea com o bem comum e a justiça 
social. (AMARAL, abr/jun. 1989, p. 229). 
46
 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 783404. Relatora: Ministra Nancy 
Andrighi. Brasília, 13 ago. 2007. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em: 15 dez. 2008. 
47
 NALIN, 2001, p. 221. A imprecisão conceitual do tema é visto pelo autor paranaense como 
“natural para o estádio de desenvolvimento do tema, ao menos no Brasil, impulsionado que foi, 
recentemente, pela Carta de 1988, com a expressa funcionalização da propriedade” (NALIN, 2001, 
p. 221) 
Em outros termos, sendo a função social uma cláusula geral, o seu 
âmbito de aplicação e, ainda, o preenchimento de seu conteúdo há que ser 
realizado casuisticamente e, a fim de “solucionar” tal generalidade, afirma-se a 
divisão do princípio em sua eficácia intrínseca e extrínseca. 
 
“No atual estádio de compreensão da doutrina nacional acerca da 
função social do contrato, evidenciada a completa indefinição sobre o 
tema, apresenta-se oportuna uma sugestão. No meu pensar, divide-se a 
função social em intrínseca e extrínseca.48” 
 
3.1.1. Função Social Externa 
 
 Quando se fala em função social externa49, está-se a analisar de 
forma verticalizada o princípio; em outros termos, está-se a verificar a influência do 
instituto no meio social, demonstrando uma preocupação do direito transcendente 
às partes contratantes, mas, como uma diretriz que, em sua essência, busca 
desatomizar o indivíduo contratante, não mais se absorvendo o contrato à 
sociedade. 
 Desta forma, os efeitos do contrato não ficam mais circunscritos 
apenas aos contratantes, mas também os terceiros alheios ao contrato são 
abarcados pela “normatividade exógena50” do princípio em tela, o que se justifica 
ao argumento de que o terceiro afetado também é componente do corpo social 
onde está inserido o contrato e seus sujeitos. 
 Fazendo-se um confronto entre o princípio epigrafado com a 
principiologia clássica/liberal, mostra-se patente a contraposição entre a diretriz 
contemporânea com o princípio da relativização dos efeitos contratuais. O 
 
48
 NALIN, 2001, p. 223. 
49
 Há quem prefira denominar de função social de eficácia externa (TARTUCE, Flávio. Função 
Social dos Contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: 
Método, 2007. p. 248), função social extrínseca (NALIN, 2001, p. 223), o contrato para além do 
contrato (NEGREIROS, 2006, p. 206). A denominação escolhida neste trabalho parte de Nelson 
Rosenvald (ROSENVALD, Nelson. A Função Social do Contrato. In _____ HIRONAKA, Giselda 
Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flavio (Coord.). Direito Contratual: Temas Atuais. São 
Paulo: Método, p. 81-111, 2007. p. 88) 
50
 SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Princípios de direitos das obrigações no novo Código Civil. In: 
_____ SARLET, Ingo Wolfgang. O novo Código Civil e a Constituição. 2. ed. rev. e ampl. Porto 
Alegre: Livraria do Advogado. P. 119-146. 2006. p. 135 
professor Luiz Edson Fachin, ao expor sobre o princípio em um de seus 
excelentes discursos, exemplificou sua concepção com a seguinte asserção: 
“Quem contrata, não contrata mais apenas com quem contrata51”. 
 Sobre o assunto, Rosenvald. 
 
“O princípio da relatividade dos contratos não pode mais ser elevado à 
condição de dogma. (...) A necessidade de preservar a ordem 
econômica e a fidelidade às convenções demanda que terceiros se 
abstenham de violar contratos em andamento.52” 
 
 Por óbvio, as obrigações contratuais assumidas entre os contratantes 
não vinculam terceiros alheios à avença no sentido de haver uma imposição das 
mesmas condutas insertas no instrumento avençatório. A conduta imputada aos 
terceiros não é a de cumprir todas as cláusulas de um contrato que sequer 
participaram, mas sim e de não “se comportar como se o contrato não existisse53”. 
 De outra forma, na medida em que assumem o dever de não agir de 
forma completamente alheia ao contrato, o terceiro também possui o direito de se 
opor ao mesmo quando verificar a ocorrência de prejuízos54. Um exemplo desses 
direito do terceiro está no reconhecimento, pelo Superior Tribunal de Justiça, da 
legitimidade passiva da segurada em ação indenizatória, ainda que inexista 
litisconsórcio com o segurado. Senão veja-se. 
 
Processual civil. Recurso Especial. Prequestionamento. Acidente de 
trânsito. Culpa do segurado. Ação indenizatória. Terceiro prejudicado. 
Seguradora. Legitimidade passiva ad causam. Ônus da sucumbência. 
Sucumbência recíproca. (...) 
- A ação indenizatória de danos materiais, advindos do atropelamento e 
morte causados por segurado, pode ser ajuizada diretamente contra a 
seguradora, que tem responsabilidade por força da apólice securitária e 
não por ter agido com culpa no acidente. (...)55. 
 
51
 FACHIN, Luiz Edson. Palestra proferida no UNICURITIBA, Curitiba, 12 set. 2008. 
52
 ROSENVALD, 2007. p. 95. 
53
 AZEVEDO, abr 1998, p. 117. 
54
 “Efetivamente, se um contrato deve ser considerado como fato social, como temos insistido, 
então a sua real existência há de impor-se por si mesma, para poder ser invocada contra terceiros, 
e, às vezes, até para ser oposta por terceiros às próprias partes.” (NORONHA, 1994, p. 119) 
55
 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 444716. Relatora: Ministra Nancy 
Andrighi. Brasília, 31 mai. 2004. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em: 15 dez. 2008. 
Ressalta-se a expressa menção ao princípio da função social no voto, o qual afirma que o 
entendimento esposado “abraça o princípio constitucional da solidariedade (art. 3º, I, da CF), em 
que se assenta o princípio da função social do contrato, este que ganha enorme força com a 
 
 Outro exemplo da aplicação da função social externa é encontrado 
no importante parecer de lavra do professor Antonio Junqueira de Azevedo, o qual, 
analisando a conduta de distribuidoras de combustíveis que comercializam seus 
produtos a postos que já ostentam a “bandeira” de outra distribuidora, foi 
categórico ao afirmar a existência de ato ilícito não apenas por parte dos postos 
que compram combustível de distribuidora alheia à contratada, ferindo, assim, a 
cláusula contratual de exclusividade, mas também, e em caráter solidário, da 
própria distribuidora56. 
 Trata-se, portanto, da “tutela externa do crédito”, cuja aplicabilidade 
se fez sentir, por exemplo, no “caso Zeca Pagodinho57”, e, ainda a título apenas 
exemplificativo, no caso Penzoil vs. Texaco58, os quais, segundo Judith Martins 
Costa fundam-se numa mesma racionalidade jurídica: “a necessidade do 
afastamento da “razão cínica”, a fim de resguardar o nível mínimo de confiança no 
tráfico negocial, para assegurar, no capitalismo, a própria funcionalidade das 
práticas comerciais.59” 
 
3.1.2. Função Social Interna 
 
 Apesar de não adotada por alguns autores, que vêem a função social 
apenas em seu aspecto extrínseco (em que pese não comungarem esta 
denominação) – fato que, aliás, acaba por reduzir a importância do princípio 
 
vigência do novo Código Civil (art. 421). De fato, a interpretação do contrato de seguro dentro 
desta perspectiva social autoriza e recomenda que a indenização prevista para reparar os danos 
causados pelo segurado a terceiro, seja por este diretamente reclamadada seguradora.” 
56
 “As distribuidores que vendem combustíveis a postos “Oil”, quebrando a exclusividade 
contratualmente assegurada, estão, pois, a cometer ato ilícito (art. 159 do Código Civil); são elas 
solidariamente responsáveis pelas conseqüências do inadimplemento contratual praticado pelos 
postos “Oil”. (AZEVEDO, abr 1998, p. 119). 
57
 “O cantor Zeca Pagodinho havia firmado um contrato com a agência de publicidade Fischer 
América para fazer um comercial na TV, em favor da cerveja Nova Schin. Intrometeu-se nessa 
relação contratual a agência África (titular da conta publicitária da cerveja Brahma), em razão do 
que Pagodinho violou o contrato com a primeira, passando a fazer publicidade para a segunda, 
concorrente da primeira” (COSTA, Judith Martins. Zeca Pagodinho, a razão cínica e o novo 
Código Civil Brasileiro. Disponível em: www.voxnews.com.br/dados_artigos.asp?CodArt=141 
Acesso em 15 dez. 2008) 
58
 Ibid., Acesso em 15 dez. 2008. 
59
 Ibid., Acesso em 15 dez. 2008. 
funcionalista e dá ensejo ao entendimento já afirmado acerca da concepção de 
princípios totalmente diferentes quando se fala em função social e boa-fé objetiva, 
quando, nos moldes expostos, aquele se configura a diretriz normativa de toda a 
principiologia contratual moderna, na qual se insere também a boa-fé objetiva – a 
eficácia intrínseca da função social, com doutrina pioneira de Nalin, refere-se “à 
observância de princípios novos ou redescritos (igualdade material, equidade e 
boa-fé objetiva) pelos titulares contratantes, todos decorrentes da grande cláusula 
constitucional de solidariedade60”. 
 Até mesmo quanto ao preenchimento conceitual da função social 
interna não há concordância doutrinária – fato que não se verifica com a 
concepção externa do princípio 61 -, senão veja-se que, diferindo da concepção 
exposta pelo doutrinador paranaense, Rosenvald afirma que “a boa-fé é endógena, 
a função social do contrato é exógena62” e, assim, aduz que internamente à 
relação contratual nada obsta a existência de uma observância da boa-fé objetiva 
concomitante à afronta a função social. 
 Apesar de ambos de fundamentarem no princípio da solidariedade, 
diferentemente de Nalin, Rosenvald não vê a boa-fé objetiva como preenchimento 
conceitual da função social interna, mas afirma que, internamente, a função social 
se faz analisar pela idéia de causa do contrato. Senão veja-se. 
 
“A função social se converte na própria ratio de qualquer ato de autonomia 
privada, não mais como um limite externo e restritivo à liberdade do 
particular, mas como um limite interno hábil a qualificar a disciplina da 
relação negocial a partir da investigação das finalidades empreendidas 
pelos parceiros por meio do contrato63” 
 
 Desta forma, “sem que isso provoque um abalo no sentido da boa-fé 
objetiva” – abalo que, segundo o autor, é ocasionado caso se entenda uma função 
social interna vinculada à boa-fé objetiva64 - Rosenvald relaciona a função social 
 
60
 NALIN, 2001, p. 224. 
61
 “há relativo consenso entre os doutrinadores acerca da função social externa do contrato” 
(ROSENVALD, 2007. p. 88). 
62
 ROSENVALD, 2007, p. 90. 
63
 ROSENVALD, 2007, p. 87. 
64
 “Os dois princípios atuam em caráter de complementariedade. Em comum, ambos são 
emanações do princípio da solidariedade nas relações privadas como limites positivos ao 
interna à própria causa do contrato, concluindo, com citação de importante artigo 
de Maria Celina Bodin de Moraes que “teoria o legislador exteriorizado, através 
dos termos da cláusula geral do artigo 421, o princípio da “causalidade negocial”. 
Embora nós talvez continuemos a dizer, simplesmente, que determinado negócio 
“não cumpre a sua função social65”. 
 Apesar de não fazer de forma expressa, a doutrina de Flavio Tartuce 
não deixa, assim como faz Nalin, de vincular, numa relação de dependência, a 
boa-fé objetiva à função social interna, pois ao discursar sobre a Súmula 302 do 
Superior Tribunal de Justiça66, assevera a consagração do efeito inter partes da 
função social 67 e, após, afirma que a imposição da cláusula declarada como 
abusiva pela Corte Superior “desrespeita o dever anexo de lealdade e, com isso, a 
boa-fé objetiva que se espera nas relações negociais68”, afirmando a existência do 
abuso de direito. 
 
3.2. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA 
3.2.1. A Boa-Fé nos Sistemas Francês e Alemão 
 
 Ao contrário do que uma análise acerca do discurso da boa-fé 
objetiva como princípio contemporâneo do direito contratual poderia ensejar, a 
figura da boa-fé não se afigurou omissa nos sistemas jurídicos vigentes durante o 
voluntarismo jurídico. Todavia, isso não significa qualquer equívoco doutrinário 
quanto a contemporaneidade do princípio, porquanto a concepção vertente 
 
absolutismo da autonomia privada. Enquanto a boa-fé é uma cláusula geral que permite o influxo 
do solidarismo constitucional no perfil interno das relações patrimoniais, a função social captura o 
momento cooperativo na interação dos contraentes com o corpo social que os rodeia” 
(ROSENVALD, 2007, p. 90). 
65
 MORAES, Maria Celina Bodin. A Causa dos Contratos. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio 
de Janeiro: Padma, n. 21, p. 95-119, jan-mar 2003. p. 119. 
66
 Súmula 302: “é abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo o 
internação hospitalar do segurado” 
67
 “Partindo-se para a análise principiológica da referida súmula, observa-se, de imediato, que a 
mesma traz aplicação direta do princípio da função social dos contratos, relativizando a força 
obrigatória (efeito inter partes).” (TARTUCE, Flávio. A Função Social dos Contratos, a Boa-Fé 
Objetiva e as Recentes Súmulas do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: 
www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigos/Tartuce_Funsocial.doc. Acesso em: 15 dez. 2008.) 
68
 Ibid. Acesso em: 15 dez. 2008. 
hodiernamente sobre a boa-fé efetivamente difere da encontrada no período em 
que a vontade . 
 Os dois modelos de diploma legal que absorveram o ideário 
voluntarista não silenciaram diante da boa-fé. O Artigo 1143,369 do Code Napeleon 
e também o parágrafo 24270 do BGB71 faziam menção à boa-fé, mas sem que se 
pudesse imputar a tal menção a concepção hoje existente acerca do princípio. 
 Com relação ao código francês, apesar de ter o artigo mencionado a 
finalidade de transformar o juiz num “ator da solidariedade contratual”72, tal não foi 
possível por razão “de um evento fundamental, que se segue à instauração do 
Code: o caráter positivista traduzido na interpretação moldada pela Exegese”73. 
Assim, sem desvirtuar do voluntarismo vigente à época, a boa-fé é subjetivada74, é 
tida como matéria de foro íntimo, antagônica ao dolo, à mentira e à má-fé. “Há 
 
69
 “Art. 1134. Lês conventions légalement formées tinnent lieu de loi à ceux qui lês ont faites. Elles 
ne peuvent être révoquées que e leur consentement mutuel, ou pour les causes que la loi autorise. 
Elles doivent être exécutées de bonne foi.” Tradução livre: “As convenções legalmente formadas 
têm força de lei entre as partes. Elas não podem ser revogadas senão por consentimento mútuo, 
ou por causas autorizadoras pela lei. Elas devem ser executadas de boa-fé” 
70
 “§ 242. lê débituer doit exécuter la prestation comme l´exige la bonne foi foi eu égard aus 
usages”. Tradução livre: “o devedor deve executar a prestação como exige a boa-fé em 
consideração aos usos” 
71
 Menciona-se especificamente o §242 por ser esta a normativa a despontar como figura “na qual 
a boa-fé objetiva está prevista sob as vestes de uma cláusula geral” (PINHEIRO, RosaliceFidalgo. 
Percurso Teórico da Boa-fé e sua Recepção Jurisprudencial no Direito Brasileiro. 2004. 375 f. 
Tese (Doutorado em Direito) – Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná, p. 
113). Todavia, afora o parágrafo já mencionado, a boa-fé encontra-se prevista no BGB em mais 
quatro oportunidades. (CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no direito 
civil. Coimbra: Almedina, 2001. p. 325-326) 
72
 “No artigo 1143,3, a boa-fé erige-se como um princípio geral: a válvula de temperamento dos 
rigores do individualismo dos códigos modernos, com vistas e transportar o julgador do lugar de 
mero espectador a ator da solidariedade contratual” (PINHEIRO, 2004, p. 109) 
73
 PINHEIRO, 2004, p. 110. “A aplicação judicial do código dispensa a colaboração do intérprete, 
afastando-se, por isso, qualquer possibilidade de mitigação judicial de suas regras, por mais injusto 
seja o resultado de sua aplicação, por mais mutáveis sejam as condições do entorno social, onde 
se acelera o processo de industrialização e emerge o mundo do trabalho operário” (COSTA, Judith 
Martins. A boa-fé no Direito Privado: sistema e tópica do processo obrigacional. 1 ed., 2. tir. São 
Paulo: RT, 2000. p. 206-207) 
74
 “(...)enquanto na boa-fé subjetiva se tutela a confiança de quem acredita numa situação 
aparente, na objetiva tutela-se a de quem acreditou que a outra parte procederia de acordo com os 
padrões de conduta exigíveis. Como se vê, em ambas existe um elemento subjetivo, representado 
pela confiança de alguém que acreditou em algo, mas só na boa-fé objetiva existe um segundo 
elemento, que é o dever de conduta de outrem” (NORONHA, 1994, p. 136). 
nisto o esvaziamento da boa-fé contratual: é entendida como mera regra moral, 
que não se constitui em ‘instituto jurídico’”75. 
 Recebida por transferência cultural da cortesie76, a boa-fé em sentido 
objetivo surge, por meio da jurisprudência, no direito comercial germânico. Este 
sentido exprime “um modo de exercício das posições jurídicas, uma fórmula de 
interpretação objectiva dos contratos, ou, até, uma fonte de deveres, 
independentemente do fenômeno contratual”77, conforme julgados abaixo. 
 
Em 17-jul.-1822, o OAG Lübbeck aceitou a boa-fé como norma geral de 
conduta, independentemente da vontade das partes. Com base nela, 
condenou um comerciante a uma indenização por, apesar de não ser ter 
chegado à conclusão de um contrato válido, haver danos contra bonam 
fidem à contraparte à contraparte78. 
 
 
A decisão do OAG Lübeck 14-mai.-1850 reporta-se a uma boa-fé 
objectiva, condicionante do modo de exercício de posições jurídicas. 
Fora movida uma acção para o pagamento de mercadorias 
encomendadas e entregues. O R. responde alegando determinados 
vícios nas coisas vendidas que, por isso, quer devolver. Entre vários 
outros aspectos, o OAG entendeu que o destinatário de mercadorias, 
quando, por qualquer razão, não queira aceitá-las, deve comunicá-lo 
quanto antes ao vendedor; não existe, para tanto, uma regra legal ou 
consuetudinária, sendo apenas ‘...uma conseqüência da bona fides e da 
diligência que as partes se devem mutuamente no tráfego comercial’.79 
 
 Não contando com o apoio doutrinário80, a jurisprudência comercial 
alemã não conseguiu impedir que, também neste direito, em torno do qual estava 
 
75
 PINHEIRO, 2004, p. 111. Este esvaziamento do conteúdo da boa fé decorre da impossibilidade 
de subsistência conjunta deste princípio com o da autonomia da vontade, a qual reinava absoluta 
neste período. Diante deste fato, afirma-se a hipertrofia da autonomia da vontade em decorrência 
da atrofia da boa-fé: “Sob os comentários de Bauddry-Lacanteneria et Bard; Abry et Rau e 
Demolombe, o artigo 1134 é “parafraseado e deformado”: em sua primeira alínea enuncia que as 
convenções legalmente formadas têm força de lei entre as partes, restando aos tribunais assegurar 
a execução das convenções (hipertrofia da autonomia da vontade); e em sua terceira alínea, que é 
dever do juiz interpretar a convenção conforme a vontade das partes (atrofia da boa-fé)” 
(PINHEIRO, 2004, p. 118). 
76
 PINHEIRO, 2004, p. 114. “Nas tradições cavalheirescas medievais encontram-se os juramentos 
de horna, pelos quais os cavalheiros empenhavam sua palavra, não sob a égide do próprio 
interesse, mas do interesse do outro, a dama, o soberano, a coletividade, visualizando a 
destituição de subjetividade e a preença de uma feição objetiva, afeta à confiança geral. Eis a ética 
da cortesie, designada por lealda contratual” (PINHEIRO, 2004, p. 114). 
77
 CORDEIRO, 2001, p. 317. 
78
 CORDEIRO, 2001, p. 319. 
79
 CORDEIRO, 2001, p. 318. 
80
 CORDEIRO, 2001. p. 319. 
a emergir a Jurisprudência dos Conceitos, a boa-fé constante no BGB fosse 
atrofiada, “subtraída em proveito de saídas que operam tão-somente no plano da 
lógica conceitual”81. 
 
A auto-suficiência do ordenamento jurídico por meio de conceitos, 
revela-se justamente na presença de mecanismo de integração, em 
razão dos quais constitui-se como autônomo e fechado. Por conseguinte, 
forma-se uma trama na qual conceitos geram conceitos, garantindo a 
reprodução do Direito à revelia de valores extra-sistemáticos e dos 
fatos.82 
 
 Portanto, a verdade é que apesar da menção à boa-fé nos sistemas 
francês e alemão, em ambos o princípio (qualificado como tal apenas 
contemporaneamente) apresentou-se como fórmula vazia, atrofiada em virtude da 
hipertrofia da autonomia da vontade, ocorrendo uma verdadeira “domesticação da 
boa-fé”83, gerada, nos moldes expostos, pelo ideário positivista encontrado na 
Exegese e no Conceitualismo84. 
 Todavia, ao longo do século XX, especialmente após o período Pós-
guerra, o direito alemão, antagonicamente ao francês, testemunha “uma 
reviravolta na interpretação da cláusula geral de boa-fé, erigindo-se como 
verdadeira criação jurisprudencial do Direito”85, a qual consistia principalmente na 
verificação da dualidade entre os caracteres subjetivos e objetivos da cláusula 
geral em tela. 
 Tal movimento, que nada mais é do que fruto da já exposta 
jurisprudência comercial alemã 86 , fez surgir, sob a égide da boa-fé objetiva, 
 
81
 PINHEIRO, 2004, p. 122. 
82
 PINHEIRO, 2004, p. 115 
83
 PINHEIRO, 2004, p. 117. 
84
 “Em ambos os sistemas, nas entrelinhas dessa racionalidade, que revela sua incapacidade em 
lidar em lidar com juízos de valor, segue-se o propósito de preservar o individualismo. Deste modo, 
os juristas da Exegese e da Pandectística desviam sua atenção da boa-fé, tornado-a uma fórmula 
vazia, cujo sentido perde-se em um positivismo que não lhe confere um tratamento adequado.” 
(PINHEIRO, 2004, p. 116). 
85
 PINHEIRO, 2004, p. 122 
86
 “Para além de todo um complexo de contributos culturais e científicos que confluíram nesse 
sucesso, assistiu-se apenas a uma continuidade de práticas judiciais assentes numa experiência 
extensa: a da jurisprudência comercial alemão”(CORDEIRO, 2001. p. 315.) 
“figuras como a exceptio doli, a inalegabilidade de nulidade formais, a supressio, a 
adaptação às circunstâncias e a interpretação contratual complementadora87.” 
 
3.2.2. A “Tipificação” da Boa-Fé 
 
 A existência de vários fatos sociais que não se enquadravam nas 
fattispecies criadas pelo idéio formalista conceitual do século XIX – gerando 
fattispecies imperfeitas88 , que se traduzem em “situações de fato, às quais o 
ordenamento nega efeitos jurídicos89” – ocasionou uma verdadeira “revolta dos 
fatos contra o código90.” 
 Esta “revolta” não foi negada pela jurisprudência, que, influenciada 
pela ascensão do ideário funcionalista dos institutos privados – e aqui a 
importância da caracterização da função social como diretriz hermenêutica dos 
princípios contemporâneosde direito contratual -, passou a conferir eficácia a 
relações fáticas, o que causou não apenas um abalo nas fontes das obrigações 
(lei e vontade) mas demonstrou uma crise no método dedutivo representado pela 
subsunção dos fatos à norma91 e, neste contexto 
 
...a boa-fé objetiva apresenta-se como um canal de comunicação entre 
os fatos e o Direito, um instrumento flexível, que transita dos laços de 
uma domesticação idealizada pelo formalismo para a abertura de sua 
livre investigação, possibilitada pela passagem de um Estado de direito 
liberal para um Estado de direito e de um sistema fechado para sistema 
aberta92. 
 
 
87
 CORDEIRO, 2001. p. 314. 
88
 FRANCESCHELLI, Vicenzo. I raporti di fatto. Milano: Giuffrè, 1984. p. 8 e 10. apud PINHEIRO, 
2004, p. 174. 
89
 PINHEIRO, 2004, p. 174. “Certas relações não são ditas jurídicas porque pertencem ao não-
direito: estão na dobra do Direito, não fazem parte do continente, não integram a fotografia que 
está circunscrita pela moldura” (FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de 
Janeiro: Renovar, 2000. p. 183) 
90
 “Em meados do século XX, Gaston Morin proclamava a “revolta dos fatos contra o Código” em 
razão da falta de harmonia entre o direito positivo e as necessidades econômicas e sociais, 
sucedendo-lhe uma antinomia entre o “direito atual e o espírito do Código Civil” (PINHEIRO, 2004, 
p. 173) 
91
 PINHEIRO, 2004, p. 175-176. 
92
 PINHEIRO, 2004, p. 178. 
 Além disso, a “revolta” já aludida faz clamar uma mobilidade do 
sistema jurídico, fato que é levado a efeito pela jurisprudência por meio das 
cláusulas gerais (dentre as quais se ressalta a boa-fé objetiva), as quais, em razão 
de sua “incompletude 93 ”, exigem uma análise jurisprudencial sistemática ou 
cotejada com “padrões, valorativos ou de comportamento, que, num primeiro 
momento ,são extra-sistemáticos.94” 
 Tendo em vista que “a cláusula geral permite um espaço de 
intervenção criativa ao promover a construção de uma norma individual95”, o papel 
da jurisprudência, neste contexto, é de extrema importância, afigurando-se, 
inclusive, uma verdadeira fonte de direito, o que lhe rende uma leitura crítica96, 
gerada principalmente pelo temor de arbitrariedades e de insegurança jurídica. 
 No que toca à cláusula geral da boa-fé objetiva, o que se verifica, 
diante das aludidas preocupações – de cunho positivistas, eis que órfãos de 
premissa objetiva para realização do juízo silogístico – é uma verdadeira 
tipificação 97 da cláusula, operada pela sua “subdivisão” em três funções: 
integrativa, interpretrativa, de equilíbrio e controle ao exercício de direitos. 
 Ademais, o processo de “tipificação” não cessa nessa tripartição da 
boa-fé, visto que a generalidade das funções não afasta por completo os temores 
positivistas, sendo imprescindível, para o juízo lógico-dedutivo, a objetivação ainda 
maior das funções, o que se verifica, por exemplo, com a função integrativa, com a 
 
93
 COSTA, 2000, p. 332. 
94
 COSTA, 2000, p. 332. 
95
 AGUIAR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Disponível em: 
http://bdjur.stj.gov.br/jspui/handle/2011/411. Acesso em 15 dez. 2008. “Por isso, a tarefa do juiz 
não se limita a uma subsunção lógica sob os conceitos legais; ele tem de averiguar, também, a 
situação de interesses tida em vista pelo legislador. Esse cotejo, sempre necessário, pode levar a 
um de cinco resultados: à subsunção lógica, à delegação – os casos em que o legislador, por meio 
de cláusulas gerais, remeta para o juiz a ponderação de interesses, de acordo com valorações 
reconhecíveis pelo legislador – à complementação de lacuna, à contradição de normas – portanto 
a uma lacuna de colisão ou alternativa – e à rectificação da regra – nos casos excepcionais em 
que exista tal contradição entre a solução encontrada e as necessidades da vida que assim se 
justifique.” (CORDEIRO, 2001. p. 361). 
96
 PINHEIRO, 2004, p. 182. 
97
 “A tripartição das funções atribuídas ao princípio da boa-fé obedece a uma classificação em 
“tipos ideais”. Na prática, estas funções complementam-se, sendo por vezes difícil definir, num 
caso concreto, sob que “tipo” a boa-fé está sendo invocada; qual, enfim, a função específica que o 
princípio está desempenhando naquela hipótese em particular.” (NEGREIROS, 2006, p. 140) 
“tipificação98” desta em deveres de lealdade, de proteção e de esclarecimento ou 
informação99. 
 Com o abuso do direito verifica-se semelhante tipificação, eis que tal 
figura, inicialmente acomodada sob a égide da responsabilidade civil no direito 
francês (abarcado pelo instituto da faute100) e alemão101, foi – influenciada pelo 
finalismo de Josserand que fez encerrar a abusividade na mitigação à função 
social dos direitos e, ainda, por obra da jurisprudência alemã que, em razão do 
contexto econômico e social do país no início do século XX, buscava 
desamalgamar-se do voluntarismo por meio de cláusulas gerais – ligada à boa-fé. 
Tal fato aumentou a amplitude da cláusula, pois lhe conferiu o caráter objetivo102. 
 
Por obra de uma sedimentação jurisprudencial, delimitam-se situações 
tipicamente abusivas que, uma vez confiadas ao labor da doutrina, 
resultam na cientificação do abuso do direito. Não pelo caminho da 
dedução, mas da indução, subfiguras são reconduzidas e agrupadas, 
sob a denominação de fallgruppen, encontrando por fundamento a boa-
fé103. 
 
 Dentre os tipos que foram abarcados sob a égide da boa-fé como 
limitadora do abuso de direitos, destacam-se a exceptio doli generalis, o venire 
contra factum proprium104, a inalegabilidade de nulidades formais, a supressio, o 
 
98
 “Os deveres acessórios têm sido objeto de tipificações várias. Tal como ocorre com o estudo dos 
deveres in contrahendo, pode conseguir-se uma panorâmica satisfatória com recurso à tripartição 
entre deveres de proteção, de esclarecimento e de lealdade.” (CORDEIRO, 2001, p. 603-604) 
99
 Os autores Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber criticam esta “tipificação”, asseverando que 
os deveres anexos “não têm conteúdo fechado. De fato, qualquer tipificação dos deveres anexos é 
inviável, porque derivam da relação obrigacional concreta, e inconvenientemente, porque limitaria 
uma cláusula que se pretende geral” (TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Gustavo. A Boa-fé 
Objetiva no Código de Defesa do Consumidor e no Novo Código Civil. In: _____ TEPEDINO, 
Gustavo (Coord.) Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar. 
p. 29-43, 2005. p. 36). Rosalice Fidalgo prefere a denominação “sistematização exemplificativa” 
com relação a função integrativa (PINHEIRO, 2004, p. 208). 
100
 PINHEIRO, 2004, p. 220. 
101
 PINHEIRO, 2004, p. 221. 
102
 PINHEIRO, 2004, p. 221-222. 
103
 PINHEIRO, 2004, p. 223. 
104
 “Em AG Münster, 21-Mar.-1972 decidiu-se haver exercício inadmissível do direito por parte do 
senhorio que, depois de ter afirmado, ao inquilino, a possibilidade de ele permanecer no local 
arrendado até a certa data mínima veio, antes dela, rescindir o contrato de arrendamento.” 
(CORDEIRO, 2001, p. 747). 
tu quoque 105 e o desequilíbrio no exercício jurídico, que se constituem em 
verdadeiro “tratamento típico de exercícios inadmissíveis106”. 
 
3.2.3. A Realidade Brasileira Acerca da Boa-Fé 
 
 O Código Civil de 1916 não fez qualquer previsão expressa acerca 
da boa-fé em seu sentido objetivo, eis que elaborado por uma parcela da 
sociedade cujo interesse imediato era a afirmação do ideário de produção 
capitalista107. 
 Diante do silêncio da codificação e sem perder de vista a 
mentalidade positivista vigente, a via utilizada pelos aplicadores órfãos de 
premissas legais para realizaçãoda subsunção fática foi o recurso a figuras típicas 
do código mas analisadas de forma subjetivada, fato também que – trazido da 
tradição jurídica francesa108 - foi levado a efeito com relação à boa-fé. 
 
No cenário jurídico nacional, sob esses contornos, restou reduzido papel 
à boa-fé: circunscrita aos limites traçados pelo dogma da vontade, é 
tomada em sua vertente subjetiva. (...) Limitando-se a escassas 
referências, a doutrina presta pouca atenção à sua vertente objetiva.(...) 
Projetado para a jurisprudência, o silêncio sobre a boa-fé mostra-se 
ainda maior: igualam-se os casos de “confiança própria” e “confiança no 
outro”, dissipando-se todo o dever de lealdade. Nesse contexto, 
 
105
 Decidiu-se, por exemplo, em RG 10-Dez.-1935, que <<a violação positiva do contrato dá, 
segundo o § 325 BGB, um direito à rescisão do contrato. Mas, antes dessa violação, praticada pelo 
A., já a R. estava em mora, pois não tinha efectuado as prestações vencidas. Isto tem por efeito 
que ela não tenha qualquer direito à rescisão do contrato pela violação positiva; tal direito, segundo 
jurisprudência constante do RG, assiste apenas à parte que tenha, ela própria, cumprido 
exactamente o contrato e lhe seja fiel” (CORDEIRO, 2001, p. 840) 
106
 CORDEIRO, 2001, p. 719. 
107
 “A classe média, que o preparou por seus juristas, embora forcejasse por lhe imprimir um cunho 
liberal e progressista, estava presa aos interesses dos fazendeiros, que, embora coincidentes 
imediatamente com os da burguesia, não toleravam certas ousadias.” (GOMES, Orlando. Raízes 
históricas e sociológicas do código civil brasileio. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 31). 
Sobre o tema, Junqueira de Azevedo afirma: “Há, nessa omissão do Código Civil brasileiro, um 
reflexo da mentalidade capitalista da segunda metade do século XIX, mais preocupada com a 
segurança da circulação e desenvolvimento das relações jurídicos do que com a justiça material 
dos casos concretos(...)(AZEVEDO, Antonio Junqueira de. A boa-fé na formação dos contratos. 
Revista da Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo. São Paulo, v. 87, p. 79-90, 1992. p. 
81) 
108
 “Eis a singularidade da boa-fé na tradição jurídica francesa projetada para os tribunais 
brasileiros: apresenta-se subjetivada, sob a égide de uma “boa intenção”. (PINHEIRO, 2004, p. 303) 
desenrola-se o primeiro percurso do princípio nos tribunais brasileiros: 
hipertrofia da autonomia da vontade, e conseqüente atrofia da boa-fé109. 
 
 
 Exemplo da asseverada subjetivação da boa-fé encontra-se no 
seguinte julgado. 
 
DIREITO CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - CONTRATO DE SEGURO 
- CERCEAMENTO DE DEFESA - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA - 
SEGURADO PORTADOR DE CÂNCER NO ESTÔMAGO - DOENÇA 
PRÉ-EXISTENTE - OMISSÃO - MÁ-FÉ CARACTERIZADA - 
INDENIZAÇÃO INDEVIDA - AÇÃO JULGADA PROCEDENTE - 
RECURSO PROVIDO. Sem o componente da álea resta 
descaracterizado o contrato de seguro, que sem ela não se justifica.110 
 
 
 O aresto descrito reformou sentença que havia condenado a 
seguradora ao pagamento de prêmio de seguro de vida à parte recorrido em razão 
da morte de seu cônjuge. A decisão entendeu que a omissão acerca da existência 
de doença antes da formalização do contrato de seguro fez caracterizar a má-fé 
do segurado e, assim, não teria direito ao prêmio. Em outros termos, o acórdão 
preferiu invocar o dolo do contratante ao fazer uso do dever de esclarecimento 
decorrente da boa-fé objetiva111. 
 
109
 PINHEIRO, 2004, p. 302-303. 
110
 PARANÁ. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Cível n. 0279957-5. Relator: 
Desembargador Ronald Schulman. Curitiba, 10 mai. 2005. Disponível em: www.tj.pr.gov.br. Acesso 
em 15 dez. 2008.. Trecho do voto: “Não resta dúvida, portanto, que o segurado agiu de má-fé 
quando contratou o seguro e declarou estar em perfeito estado geral de saúde, quando já tinha 
conhecimento de que era portador de câncer no estômago, que foi a causa de sua morte, 197 
(cento e noventa e sete) dias após a contratação do seguro.” 
111
 O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul recentemente decidiu questão muito similar 
aplicando a boa-fé como fonte de deveres de informação: “(...) O CONJUNTO PROBATÓRIO 
SINALIZA QUE O CONSORCIADO ERA PORTADOR DE CARDIOPATIA ISQUÊMICA SEVERA 
COM REVASCULARIZAÇÃO DO MIOCÁRDIO (CINCO PONTES DE SAFENA) HÁ MAIS DE 15 
ANOS ANTES DA CONTRATAÇÃO DO CONSÓRCIO E DO SEGURO DE VIDA. AUSÊNCIA DE 
BOA-FÉ CONTRATUAL CONFIGURADA NA ESPÉCIE. IN CASU, O DIREITO À INFORMAÇÃO 
ADEQUADA E CLARA (ART. 6º, III DO CDC), TAMBÉM EXIGE COMPORTAMENTO 
SEMELHANTE DO CONSUMIDOR, SOB PENA DE SUFRAGAR-SE O DESEQUILÍBRIO 
CONTRATUAL E A INSEGURANÇA JURÍDICA DAS CONTRATAÇÕES, NA MEDIDA EM QUE O 
DEVER DE PRESTAR DECLARAÇÕES VERDADEIRAS FAZ-SE NECESSÁRIO EM SE 
TRATANDO DE CONTRATO DE SEGURO ANTE AS DISPOSIÇÕES DO ART. 1443 E 1444 DO 
CCB/1916, APLICÁVEIS AO CASO EM TELA. (...). (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do 
Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 70022798540. Relator: Angela Terezinha de Oliveira Brito. 
Porto Alegre, 23 out. 2008. Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 15 dez. 2008.) 
 Esta concepção imprecisa de boa-fé, intimamente ligada ao ideário 
voluntarista 112 , fê-la uma verdadeira “formula vazia 113 ” dentro da realidade 
contratual. Esta realidade passou a ser vista de modo diferente, de forma crítica, 
com a consagração constitucional da dignidade da pessoa humana, a qual, diante 
dos princípios que lhe foram decorrentes, os já aduzidos princípios da igualdadade, 
da liberdade e da solidariedade114, acabou por assentar constitucionalmente o 
princípio da boa-fé na “cláusula geral de tutela da pessoa humana115”. 
 E é neste contexto que se verifica o “processo de objetivação da 
tutela contratual116”, momento onde se verifica 
 
...o esforço de obter-se um equilíbrio mínimo nas relações contratuais, 
em nome da igualdade substancial; impõe deveres de conduta às partes 
em nome da lealdade, da informação e proteção, que deve presidir a 
relação obrigacional, desde os seus primeiros aos últimos instantes, 
reputada pela solidariedade; limitam-se as prerrogativas contratuais na 
medida em que atentem contra a reciprocidade; ou ainda, quando 
suscitem quebra de confiança, ultrapassando-se os limites da liberdade 
individual para ater-se ao outro, em homenagem à justiça social, eis que 
a liberdade conforma-se ao dever de solidariedade social117. 
 
 Verifica-se, nesta realidade, o enfraquecimento dos postulados 
positivistas, e, por obra da doutrina (principalmente de Clóvis do Couto e Silva118), 
a boa-fé objetiva adentra ao direito brasileiro como forma de proceder a abertura 
do sistema jurídico. E é nesse contexto, onde a jurisprudência brasileira procura 
valer-se de princípios, cláusulas gerais e standards para atingir a finalidade móvel 
 
112
 “Nestes termos, a abstração caracterizada restou insubsistente sua aplicação, reclamando a 
delimitação de seu conteúdo, de tal modo que a boa-fé resta imprecisa para ser utilizada pelos 
tribunais, mantendo-se nos limites do voluntarismo jurídico”(PINHEIRO, 2004, p. 309). 
113
 PINHEIRO, 2004, p. 309. 
114
 MORAES, jan-mar 2003, p. 85. 
115
 NEGREIROS, 2006, p. 117. 
116
 MUSIO, Antonio. L abona fede nei contratti dei consumatori. Roma: Edizioni Scientifiche 
Italiane, 2001. p. 64, apud PINHEIRO, 2004, p. 295. 
117
 PINHEIRO, 2004, p. 295. 
118
 “Delineando a obrigação como processo, demonstrou o “deslocamento do eixo do Direito 
Obrigacional”da autonomia da vontade para a boa-fé. Em uma época na qual, legislação, doutrina 
e jurisprudência teciam um silêncio profundo sobre a boa-fé, Clóvis do Couto e Silva proclamou-a 
como “... uma vigorosa reação às concepções do positivismojurídico”, atentando para o Direito 
como um sistema aberto.”(PINHEIRO, 2004, p. 311). 
do ordenamento119, que se verifica a “modelagem da boa-fé” 120 pelos tribunais 
pátrios. 
 Todavia, este fato não conferiu uma autonomia completa ao princípio 
da boa-fé, de forma que se possa afirmar que a boa-fé objetiva totalmente 
dissociada do ideário positivista de subsunção do fato à norma, ideário este que, 
aliás, guarda relação com o voluntarismo jurídico. 
 Em razão da generalidade do princípio, a jurisprudência brasileira, 
em um contexto de transferência cultural do direito alemão (e também do direito 
português) 121 , acaba por tipificá-lo, utilizando-se de figuras já existentes para 
preencher-lhe o conteúdo122. Senão veja-se. 
 
AÇÃO DE COBRANÇA - CONTRATO DE COMISSÃO - EFEITOS - 
EFICÁCIA SUSPENSIVA - NÃO VERIFICAÇÃO DO EVENTO - 
INDEVIDA A COMISSÃO. (...) 2. As partes contratantes devem manter a 
boa-fé no cumprimento do contrato. 3. A conduta da apelada, de não 
apresentar proposta e documentos no dia, hora e local indicados no 
edital, dando ensejo à deserção do procedimento licitatório, para, em 
seguida, celebrar contrato com a Administração Pública valendo-se de 
dispensa da licitação, opondo tal fato ao apelante, fere o princípio da 
boa-fé objetiva, expressado, in casu, pelo instituto do tu quoque. 4. 
Não pode a apelada se aproveitar de uma situação que ela mesma criou 
para se beneficiar, negando o pagamento da comissão ajustada com o 
apelado123. (grifo nosso) 
 
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SITUAÇÃO 
VEXATÓRIA PROVOCADA POR FISCAIS DE CAIXA. 
IMPOSSIBILIDADE DE ASSINATURA DO CARTÃO DE CRÉDITO 
PELO TITULAR. PERMISSÃO À REALIZAÇÃO DE PARTE DAS 
COMPRAS FEITAS. PROIBIÇÃO DE RECEBIMENTO DO MESMO 
MEIO DE PAGAMENTO PARA A COBRANÇA DAS MERCADORIAS 
REGISTRADAS NO SEGUNDO CARRINHO DE COMPRAS. 
VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA QUE VEDA A 
 
119
 PINHEIRO, 2004, p. 310. 
120
 PINHEIRO, 2004, p. 310. 
121
 PINHEIRO, 2004, p. 327. 
122
 PINHEIRO, 2004, p. 281. Não se pode olvidar, todavia, que antes de tipificar o princípio nos 
intitutos codificados, doutrina e jurisprudência já haviam feito uma primeira “subdivisão” da boa-fé 
em “tipos ideais” (vide nota 97) que consistem na aplicação do princípio “como norma de conduta 
(artigo 422), critério de interpretação (artigo 113) e estabelecendo limites ao exercício de 
prerrogativas individuais (artigo 187)” (PINHEIRO, 2004, p. 276). 
123
 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0223.03.119401-
0/002(1)., Relator: Jose Afonso da Costa Cortes. Belo Horizente, 24 jun. 2008. Disponível em: 
www.tjmg.gov.br. Acesso em: 15 dez. 2008. 
CONDUTA CONTRADITÓRIA, OU SEJA, O VENIRE CONTRA 
FACTUM PROPRIUM. (...). Recurso provido124. (grifo nosso) 
 
DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO ORDINÁRIA 
CONDENATÓRIA. Contrato de compra e venda. Fumo. Pleito de 
pagamento de diferenças advindas de supostamente errônea 
classificação do fumo. Agir do autor vai de encontra à boa-fé objetiva 
e sua função limitadora. Instituto da supressio. Apelação 
improvida125. (grifo nosso) 
 
 Historicamente, já se asseverou o temor gerado em relação à boa-fé, 
principalmente no que toca à segurança jurídicas e à vedação de 
arbitrariedades126 . Sendo que a tipificação da boa-fé é, em verdade, a forma 
encontrada pela jurisprudência para conferir segurança e previsibilidade às 
decisões, na medida em que os tipos que lhe são decorrentes passam a figurar 
como premissas objetivas para realização do juízo silogístico. 
 Em outros termos, “tornam-se precisos os limites à aplicação da boa-
fé, convertendo-a em norma passível de ser aplicada por subsunção127”. Neste 
contexto emerge uma “renovada domesticação da boa-fé”, verificada pela 
autonomia dos tipos em relação ao princípio128, fato que, inclusive, já vem sendo 
sentido na jurisprudência brasileira. 
 Veja-se importante julgado que demonstra como o processo de 
tipificação da boa-fé acaba por relegá-la a um nível subsidiário, verificando-se uma 
forte influência da metodologia positivista nos tribunais. 
 
124
 RIO GRANDE DO SUL. Turma Recursal Cível. Recurso Inominado n. 71001661818. Relator: 
Ricardo Torres Hermann. Porto Alegre, 07 ago. 2008. Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 
15 dez. 2008. 
125
 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 
70019571983. Relator: Glênio José Wasserstein Hekman. Porto Alegre, 18 jul. 2007. Disponível 
em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 15 dez. 2008. 
126
 “considera-se a liberdade de decisão contida na cláusula geral de boa-fé uma porta aberta às 
manifestações de convicções pessoais do julgador, traduzidas em escolhas políticas, sociais e 
econômicas. Semelhante temor deve-se ao fato de que as cláusulas gerais supõem o reenvio aos 
valores, rompendo a neutralidade que se pensava garantida pela subordinação do juiz ao 
legislador, constituindo-se em fator de insegurança” (PINHEIRO, 2004, p. 331). 
127
 PINHEIRO, 2004, p. 333. 
128
 “A boa fé originou uma série de novos institutos jurídicos: provavelmente, as mais estimulantes 
e avançadas criações jurídicas dos últimos séculos. Consumada essa criação, os institutos novos 
agrupam-se e ordenam-se, no sistema, de acordo com as realidades a que respeitem, adquirindo 
um tratamento cada vez mais próximo do Direito estrito. A boa fé mantém-se, apenas, num núcleo 
apertado, onde ainda não foi possível uma intervenção normalizadora da Ciência do Direito” 
(CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. A boa-fé nos finais do século XX. Revista da 
Ordem dos Advogados. Ano 56, III, Lisboa, dez. 1996, p. 887-912 apud PINHEIRO, 2004, p. 334) 
 
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARRENDAMENTO MERCANTIL. AÇÃO 
REVISIONAL. DEVER DE INFORMAÇÃO. CÓDIGO DE PROCESSO 
CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. – (...). DEVER 
ACESSÓRIO DE ESCLARECIMENTO. "A doutrina mostra que a 
experiência de ponta nesse controle é representada por uma lei alemã 
de 1976, regulamentando as condições negociais gerais, conhecida pela 
sigla AGBG (Gesetz zur Regelung des Rechts der Allgemeinen 
Geschäftsbedingungen), consolidando toda uma jurisprudência baseada 
no princípio da boa-fé. Desenvolveu-se então frutuosa produção teórica 
em torno dos deveres acessórios nos contratos. Destes, três são 
largamente reconhecidos: o de proteção, o de esclarecimento e o de 
lealdade. Através deles, concretiza-se a atuação de boa-fé. Ao caso, 
interessa especialmente o dever acessório de esclarecimento, pelo qual 
as partes contratantes estão obrigadas a prestarem-se reciprocamente 
informações sobre todos os aspectos e ocorrências relacionados ao 
contrato, e ainda sobre os efeitos que possam advir de sua execução. 
Mas a aplicação do princípio da boa-fé, concretizado nesses 
deveres acessórios, tem lugar somente na ausência de normas 
legais específicas. (...)129 (grifo nosso) 
 
 Há, inclusive, decisões que remetem aos institutos corolários da boa-
fé sem qualquer referência ao princípio, o que demonstra de forma clara a 
concepção subsidiária que a boa-fé tomou em relação aos tipos que lhe 
preenchiam o conteúdo. 
 
APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS AGRÁRIOS. DESPEJO. 
INADIMPLÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. 
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. CERCEAMENTO DE DEFESA. Não 
há cerceamento de defesa quando a prova testemunhal, além de 
requerida de maneira genérica, em nada contribuiria para o deslinde do 
feito. De mais a mais, verifica-se que o réu, no curso da lide, não 
efetuou o pagamento do aluguel no prazo supostamente acordado 
verbalmente, o que configura verdadeira conduta contraditória (ne 
venire contra factum proprium), não havendo, assim, qualquer motivo 
para a produção da prova testemunhal requerida. 2. ÔNUS

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