Buscar

Psicologia no contexto hospitalar

Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original

PSICOLOGIA NO CONTEXTO HOSPITALAR
Profª Drª Priscilla M Moraes
*
*
BREVE PERCURSO HISTÓRICO
Historicamente, a atuação do psicólogo brasileiro consolidou-se prioritariamente na esfera privada, tendo a prática psicoterápica como principal instrumento de trabalho. 
Logo, era compreensível que a área clínica consistisse na principal fonte de interesse profissional da grande maioria dos psicólogos ingressantes e concluintes dos cursos de Psicologia, desde a década de 60 (Gonçalves & Bock, 1996).
 Entretanto, a partir da década de 80, a área da saúde pública passou a constituir-se em mais uma possibilidade de absorção profissional.
*
*
Observa-se que, desde a década de 1960, a atuação do psicólogo na saúde pública brasileira esteve ligada à área da saúde mental, principalmente junto aos hospitais psiquiátricos, sendo o enfoque clínico o modelo de atuação priorizado. 
Lo Bianco (1994) aponta que, nesse espaço, o psicólogo ocupava um papel secundário - considerando a primazia do tratamento médico - e a avaliação psicodiagnóstica consistia na principal forma de atuação desse profissional.
*
*
A inserção da Psicologia junto aos hospitais gerais iniciou-se entre os anos de 1954 e 1957, através da implantação do Serviço de Psicologia no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Sebastiani, 2000). 
Ressalta-se que esta data é anterior a regulamentação da profissão de psicólogo no país, o que só veio ocorrer, quase uma década depois – 1962.
O trabalho teve início com a psicopedagoga e psicóloga clínica Mathilde Neder e consistia na preparação psicológica de crianças para a realização de cirurgia do aparelho locomotor, mas constituía-se em uma iniciativa isolada no cenário nacional.
O QUE É PSICOLOGIA HOSPITALAR?
*
*
Segundo o Conselho Federal de Psicologia (2003a), o psicólogo especialista em Psicologia Hospitalar tem sua função centrada nos âmbitos secundário e terciário de atenção à saúde, atuando em instituições de saúde e realizando atividades como: atendimento psicoterapêutico; grupos psicoterapêuticos; grupos de psicoprofilaxia; atendimentos em ambulatório e unidade de terapia intensiva; pronto atendimento; enfermarias em geral; psicomotricidade no contexto hospitalar; avaliação diagnóstica; psicodiagnóstico; consultoria e interconsultoria.
*
*
Para que possamos entender o surgimento e a consolidação do termo Psicologia Hospitalar em nosso país, é importante ressaltar que as políticas de saúde no Brasil são centradas no hospital desde a década de 40, em um modelo que prioriza as ações de saúde via atenção secundária (modelo clínico/assistencialista), e deixa em segundo plano as ações ligadas à saúde coletiva (modelo sanitarista). 
Nessa época, o hospital passa a ser o símbolo máximo de atendimento em saúde, idéia que, de alguma maneira, persiste até hoje. Muito provavelmente, essa é a razão pela qual, no Brasil, o trabalho da Psicologia no campo da saúde é denominado Psicologia Hospitalar, e, não, Psicologia da Saúde (Sebastiani, 2003).
*
*
Essa denominação é inexistente em outros países além do Brasil (Sebastiani, 2003; Yanamoto, Trindade & Oliveira, 2002). 
Yanamoto, Trindade e Oliveira (2002) e Chiattone (2000), inclusive, explicam que o termo Psicologia Hospitalar é inadequado porque pertence à lógica que toma como referência o local para determinar as áreas de atuação, e não prioritariamente às atividades desenvolvidas.
Psicologia Hospitalar
*
*
A APA (2003) demarca o trabalho do psicólogo em hospitais como um dos possíveis locais em que atua o psicólogo da saúde. 
Especificamente na Espanha, Rodríguez-Marín (2003) e Besteiro e Barreto (2003) definem que o marco conceitual da Psicologia da Saúde é o que deve servir de base para a Psicologia Hospitalar. Entretanto, definição parecida a essa é a da brasileira Chiattone (2000), que diz que a Psicologia Hospitalar é apenas uma estratégia de atuação em Psicologia da Saúde, e que, portanto, deveria ser denominada “Psicologia no contexto hospitalar
*
*
Chiattone (2000) ressalta que, muitas vezes, o próprio psicólogo não tem consciência de quais sejam suas tarefas e papel dentro da instituição, ao mesmo tempo em que o hospital também tem dúvidas quanto ao que esperar desse profissional. 
*
*
A PSICOLOGIA E O TRANSPORTE DO MÉTODO CLÍNICO PARA O HOSPITAL
Apesar de assemelhar-se às outras áreas da psicologia em vários aspectos, a psicologia clínica é distinta das demais áreas pela maneira de pensar e atuar, pois o estudo do comportamento, personalidade, normas de ação e desvios, relações interpessoais, processos grupais, evolutivos e de aprendizagem constituem-se objeto de estudo de muitos campos da psicologia e também das ciências humanas em geral.
*
*
Ressalta-se que a natureza da psicologia clínica relaciona-se com a capacidade de compreensão e intervenção diante dos problemas do homem, objetivando seu bem estar individual e social. 
Nesse sentido, a psicoterapia vincula-se ao fazer do psicólogo clínico.
Classes privilegiadas tem acesso ao tratamento psicoterápico, ao contrário das classes menos favorecidas. O tratamento clínico gratuito, em instituições públicas ou clínicas-escolas, ainda é limitado devido ao esgotamento das taxas de ocupação, o que se reflete nas filas de espera.
*
*
Transpor o modelo da clínica tradicional para o contexto hospitalar é um erro e pode cair na situações do psicólogo ser convocado atuar nas diversas modalidades das especialidades médicas e não atingir seu esperado. 
 Essa tradução por outros profissionais do contexto pode levar o nome de incompetência.
*
*
Neste sentido, o próprio profissional pode duvidar da eficiência e cientificidade de sua tarefa, desqualificando-a por não se enquadrar em qualquer das atividades aprendidas nos cursos de formação. Por isso, faz-se interessante diferenciar a atuação clínica da prática psicoterapêutica.
*
*
A atuação psicoterápica que se constitui como um dos braços da psicologia clínica é, muitas vezes, vivenciada pelos psicólogos da área como sinônimo dela, no entanto, mesmo exercendo uma perspectiva clínica dos fenômenos no contexto hospitalar, a atuação dentro do modelo tradicional da clínica é considerada inadequada para os hospitais por não atenderem às necessidades da instituição e o tipo de serviço, por vezes, esperado do profissional.
*
*
INSTITUIÇÃO: LIMITES E RESISTÊNCIAS
*
*
O psicólogo no hospital, deve inserir-se nas equipes de saúde, não em um movimento de simplesmente incluir-se, mas sim de fixar-se, afirmar-se, interagir. 
Nessa medida, há uma urgente necessidade de delimitação e readequação das ações do psicólogo, bem como do estabelecimento de novos fluxos de comunicação. 
*
*
É interessante apontar que a entrada do psicólogo no hospital, ao pressupor adaptações teórico-práticas, pode induzir o profissional a correr o risco de ser "aceito" (por ser minoria), de moldar-se ao modelo médico tradicional.
Mesmo sabendo dos benefícios da presença do psicólogo nos hospitais tanto para o paciente e seus familiares, quanto para equipe de saúde, no sentido de atenção aos aspectos psicológicos das doenças orgânicas, essa inserção e mudança não aconteceu sem obstáculos.
ATENÇÃO
*
*
Não devemos desconsiderar que o psicólogo pode encontrar um espaço institucional resistente, na medida em que o psicólogo no hospital não era um elemento previsto, dada a valorização do aspecto orgânico das doenças e dos doentes, em detrimento do aspecto psíquico, refletindo a força do modelo biomédico, em detrimento do modelo biopsicossocial.
*
*
Anteriormente, as equipes de saúde podiam compartilhar de determinado referencial assistencial, baseado em paradigma predominantemente biológico, calcado no saber biomédico. 
Com a entrada do profissional de saúde mental no hospital, os profissionias de saúde passaram a atuar em contextos comuns,
mas com modelos divergentes. 
Dessa forma, a entrada do profissional de saúde mental no hospital geral pode resultar em relação tensa, onde, apesar de os modelos assistenciais poderem enriquecer, também poderão entrar em conflito ao competir pela hegemonia teórica e prática das ações de saúde.
*
*
Portanto, mesmo nas instituições que conferem um valor positivo ao atendimento psicológico, a possibilidade de realização de um trabalho melhor ou pior sofre a influência da "cultura psicológica" de cada serviço. 
Esta dependerá da equipe médica, de seu grau de conhecimento sobre psicologia e psiquiatria e de reações inconscientes de aceitação ou de rejeição de fatores emocionais 
*
*
Então a principal função do psicólogo é de auxiliar dos médicos em diagnósticos diferenciais?
*
*
A função de realizar diagnósticos diferenciais faz parte da assistência psicológica exercida no hospital geral.
 Isso não é um aspecto pejorativo da profissão, nem deve esgotar a função da psicologia como auxiliar da medicina, mas lembrar que essa tarefa pressupõe um ligação entre ambas áreas, onde ao lidar com doentes orgânicos, os psicólogos defrontam-se com a sobreposição de alterações psicológicas decorrentes das doenças. 
Através do diagnóstico diferencial, o psicólogo hospitalar tem condições mais precisas de estabelecer uma hipótese diagnóstica e definir focos de atendimento psicológico.
*
*
Os aspectos psicológicos podem estar subjacentes às doenças orgânicas, configurando-se como fatores desencadeadores ou se apresentarem como consequências do próprio tratamento, internação ou doença em si. 
Além disso, várias doenças exibem rica sintomatologia psicológica, como é comum se verificar em pacientes com insuficiência renal crônica, lúpus, diabetes, tumores cerebrais, traumatismos cranianos, encefalopatias, hepatopatias, pneumopatias, cardiopatias, endocrinopatias, entre outros.
*
*
Com isso, entende-se que, realizar um diagnóstico diferencial nesses casos transcede, em muito, o auxílio da equipe médica em seu diagnóstico. 
Define com precisão a avaliação e a evolução do tratamento psicológico.
*
*
Mas, é preciso reconhecer que há psicólogos que aceitam a tarefa de "auxiliares", "ajudantes", "assistentes", como reflexo do seu despreparo e insegurança. Ajudantes: nos centros cirúrgicos, nos ambulatórios ou nas visitas médicas… buscam prontuários, exames, material dos pacientes… colegas distanciados da psicologia hospitalar
*
*
A MULTIPLICIDADE DE ENFOQUES E SOLICITAÇÕES
Espiritual
Onde uma esfera interdepende e se interrelaciona à outra, mantendo o ser doente, intercâmbios contínuos com o meio em que vive, devendo-se considerar a abrangência multidisciplinar no campo da saúde. 
*
*
É comum conflitos entre as várias especialidades - deverá haver bom senso na compreensão da outra área, no sentido de ser algo potencial ao trabalho e não como um aspecto de invasão ou falha no saber.
*
*
Apresentações psicológicas de doenças orgânicas (p. ex. transtornos de ansiedade causados por epilepsia temporal ou hipertireoidismo);
Complicações psiquiátricas de doença orgânica (p. ex. síndrome organocerebral devida ao uso de corticóides ou quimioterápicos);
Reações psicológicas a doenças orgânicas ( p. ex. reações de depressão ao diagnóstico de câncer ou a necessidade de realização de tratamento hemodialítico); 
Apresentação somática de distúrbios psiquiátricos ou psicológicos (p. ex. doenças fictícias, hipocondria); 
Complicações somáticas de distúrbios psicológicos ou psiquiátricos (p.ex. síndrome de abstinência alcoólica, anorexia nervosa, tentativas de suicídio); 
Distúrbios psicossomáticos (p. ex. asma brônquica, retocolite ulcerativa).
Entre outros…
A atuação do psicólogo hospitalar é permeada pela multiplicidade de solicitações. 
*
*
Uma vez doente, o indivíduo passa a debater-se entre sentimentos ambivalentes decorrentes do choque de seu mundo de valores e sua realidade atual, tornando-se psicologicamente frágil, pois se defronta com uma das questões mais angustiantes da existência humana revelada nos conflitos entre a vida e a morte.
*
*
O medo frente à doença e à morte estimula a produção de fantasias irracionais que delimitam o comportamento do ser doente. 
Ao ser hospitalizado, o paciente interrompe sua forma habitual de vida, vivenciando uma ruptura em sua história, clima de "estresse" constante, isolamento frente às figuras que geram segurança e conforto, relação com aparelhos intra e extracorpóreos, clima de morte iminente, perda da noção do tempo e espaço, perda da privacidade e da liberdade, perda da identidade e participação direta ou indireta no sofrimento alheio.
*
*
Somado a isto, ainda se vivencia a perda da aptidão e plenitude de raciocínio, que determina o fracasso da razão, pois a situação em si, de doença e hospitalização, altamente ameaçadora, é intensamente marcada por questões sem respostas:
"por que isso aconteceu comigo?", "quais são minhas verdadeiras chances?", "conseguirei suportar?"
Perda do controle de si mesmo, marcado pelo próprio tratamento, internações, condutas terapêuticas, evolução e intercorrências clínicas a que o paciente deve se submeter, no verdadeiro sentido da palavra.
*
*
Complementando esses aspectos, é possível enumerar vários fatores biológicos e psicossociais que podem desencadear alterações psicológicas e/ou psiquiátricas:
 frustração na realização de desejos e necessidades,
 agravamento de conflitos intrapsíquicos, 
perda de sentimento de autoestima, 
alteração na imagem corpora, 
procedimentos invasicos, 
ruptura do ciclo sono-vigília, 
isolamento social, etc.
*
*
"A branda fala da morte não nos aterroriza por nos falar da morte. Ela nos aterroriza por falar da vida. Na verdade, a morte nunca fala sobre si mesma. Ela sempre fala sobre aquilo que estamos fazendo com a própria vida, as perdas, os sonhos que não sonhamos, os riscos que não tomamos (por medo), os suicídios lentos que perpetramos (Rubem Alves, 1991)".
*
*
Responder a toda essa amplitude de situações e solicitações pressupõe disponibilidade e preparo profissional. Isto é o desafio desta disciplina: Clínica em Saúde III
*
*
REFERÊNCIAS:
Angerami- Camon, V. A. (Org.) (2004). Atualidades em psicologia da saúde. São Paulo: Pioneira Thomson Learning.
Angerami- Camon, V. A. (Org.) (2014). Psicologia da saúde: um novo significado para a prática clínica. 2ª ed. São Paulo: Cengage Learning.
*

Teste o Premium para desbloquear

Aproveite todos os benefícios por 3 dias sem pagar! 😉
Já tem cadastro?

Outros materiais