Buscar

A Contribuição da Psicologia para os Operadores do Direito SIDNEY SHINE

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 11 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 11 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 11 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

A Contribuição da Psicologia para os Operadores do Direito 
Publicado seg, 15/03/2010 - 00:00 
Autor: Sidney Shine, 
Autor: judiciário, psicanalista e professor do curso “Saúde Mental e Justiça” / Faculdade 
de Medicina da USP 
Pretendo endereçar a vocês o que penso ser a contribuição deste campo de 
conhecimento (Psicologia) através de um recorte específico (atuação na clínica e na 
instituição judiciária) aos operadores do direito no exercício de sua profissão. Incluo aí 
todos que, a partir da formação básica em Direito, ocupam posições diferenciadas no 
exercício profissional ligado à Justiça: advogados, promotores, juízes e 
desembargadores. Procurarei discriminar algumas formas de atuação do psicólogo e, em 
particular, na atuação em Vara da Família. Enfocarei os reflexos no psiquismo dos 
operadores do direito que entram em contato com os dasos de Vara de Família. Para tal 
utilizarei a minha própria experiência como psicólogo judiciário, trabalhando há 14 anos 
em perícia psicológica nas Varas da Família e Sucessões do Fórum Central João 
Mendes Jr. de São Paulo e como psicoterapeuta individual e de casal e família em 
outros locais. 
 
O CONTEXTO 
Em primeiro lugar, cabe esclarecer que a Psicologia não é um campo homogêneo com 
uma hierarquia clara e histórica de teorias e técnicas. Como se trata da abordagem do 
ser humano, a própria concepção do que é este humano varia conforme os princípios e 
valores daquele que estuda. Ou seja, trata-se de um campo do saber onde o objeto do 
estudo é outro sujeito (ser humano), portanto a separação sujeito do conhecimento do 
objeto do conhecimento não é algo estanque. Um exemplo, um tanto chocante, pode ser 
retirado do livro Perspectivas Radicais em Psicologia. O autor americano, que eu não 
me recordo o nome, compara o experimento de um pesquisador na área da Química com 
a atuação do psicólogo. O autor imagina uma situação em laboratório na qual o 
pesquisador mistura distintos elementos em um tubo de ensaio. Enquanto aguarda a 
reação química esperada, ele pode se masturbar tranqüilamente que não produzirá 
nenhuma alteração no fenômeno químico. 
 
Peço desculpas se o exemplo foi um pouco chulo, mas eu o escolhi porque traz à tona 
aquilo que pode ser considerado uma das áreas mais privadas de nossa experiência 
pessoal: a sexualidade. Costumamos pensar que áreas privadas da nossa subjetividade 
estão sãs e salvas em nosso íntimo quando operamos no nosso trabalho diário. Para a 
grande maioria das profissões isto é a regra e, obviamente, não seria nada adequado 
expormos nossa intimidade ou permitir que o outro o faça no exercício dos vários 
intercâmbios sociais. 
 
O mesmo não pode ser dito na minha área de atuação. Quando estou no consultório, a 
pessoa que me procura quer e precisa dizer das coisas mais íntimas e que lhe causam 
embaraço, vergonha, aflição e culpa para que eu possa fazer alguma coisa pela pessoa. 
E o cliente, mesmo sabendo disso e concordando, tem dificuldades de assim proceder. 
O que eu disser ou fizer também estará influenciando na continuação da nossa interação. 
Por isso que existem certas normas técnicas de procedimento em entrevistas com a 
finalidade de facilitar a expressão do sujeito que está na nossa frente contra aquilo que 
denomino resistências (que são dele próprio). Ao mesmo tempo, procuro me abster de 
fornecer dados pessoais que seriam normais em outras interações sociais (estado civil, 
ausência ou não de filhos, preferências quanto ao time de futebol etc.). Esta conduta tem 
uma finalidade técnica clara de permitir que o outro se exponha com a maior liberdade 
possível sem que se sinta ainda mais constrangido ou receoso de professar idéias e 
valores que, porventura, possam ser contrários aos meus. 
 
Aqui cabe também diferenciar o campo de trabalho ao qual me refiro (consultório) 
comparando com o outro campo ao qual fiz alusão (laboratório de pesquisa). Ou seja, 
uma coisa é atuar em pesquisa, tomando todos os cuidados técnicos e éticos para não 
viesar o resultado da mesma, outra coisa é já atuar na clínica (consultório) onde a 
própria pesquisa do problema (por que esta pessoa sofre?) se imbrica com o propósito 
de solucioná-la (alívio do sofrimento). É isto que vou denominar de uma ética 
terapêutica, ou seja, o trabalho clínico busca um fim específico que redunde em 
benefício mesmo daquele que o procura. É isto exatamente que vai garantir que o 
cliente aposte em fazer um atendimento comigo e que outros clientes me busquem para 
o mesmo fim. E a terapêutica pode estar baseada em teorias cujos pressupostos sobre o 
homem são diferentes. Daí termos as diversas linhas (teorias) tais como Psicanálise, 
gestalt, psicodrama, abordagem reichiana, junguiana etc. Como explicitei acima, o 
ponto de vista que adoto e a partir do qual vou tecer as minhas considerações sobre o 
efeito do trabalho sobre os operadores do Direito é da teoria psicanalítica. 
 
A VERDADE ESTÁ NO ÍNTIMO: O IMAGINÁRIO SOCIAL E O PSICANALISTA 
Uma idéia generalizada no meio social é que o psicólogo sempre está analisando o 
outro. É comum ouvir algum comentário do tipo, nos momentos mais fortuitos de 
interação social, numa festa, por exemplo: "Ah! Você é psicólogo? Psicanalista? Então, 
vou tomar cuidado com o que falo!" He, he, he... (sorrisos amarelos). Costumo dizer 
que a pessoa não precisa se preocupar, pois só analiso mediante os meus honorários. E 
lá se vai mais um par de sorrisos amarelos (he, he, he). 
 
A idéia que eu gostaria de ressaltar desta piada doméstica é de que não é prerrogativa do 
psicanalista analisar (daqui para frente eu usarei indistintamente o termo psicólogo e 
psicanalista ). Veja, segundo a interpretação do meu interlocutor na estória que lhes 
contei está, primeiro, a idéia de que “psicólogo analisa” e que “possui instrumental que 
o habilita para tanto”. Portanto, a idéia de base é que nós teremos acesso ao âmago do 
outro, à verdade subjetiva e íntima do outro. 
 
De certa forma, a demanda da instituição Direito para a Psicologia sempre foi neste 
sentido: fornecer instrumental para descobrir a Verdade. SIGMUND FREUD, o criador 
da Psicanálise, vai abordar exatamente esta questão para uma platéia, na faculdade de 
Direito de Viena, explicando como o método psicanalítico se diferencia de um 
instrumento “detector de mentiras”. Este interesse dos agentes do Direito em utilizar a 
Psicanálise para a pesquisa da verdade datava já de 1906. FREUD é bastante cuidadoso 
e crítico quanto à aplicação da teoria psicanalítica para a prática judiciária. Ele alerta, 
por exemplo, que o psicanalista trabalha contando com a aliança terapêutica do paciente 
(ele quer se tratar e colabora ativamente com o analista) e luta contra suas resistências 
inconscientes, enquanto que o operador do direito busca uma verdade que pode estar 
sendo omitida conscientemente pelo sujeito, possível criminoso. As técnicas e 
conclusões de um campo não podem ser transpostas a outro, ignorando-se as diferenças 
de motivação (colaboração X oposição), natureza do trabalho (terapêutico X policial), 
natureza da verdade (inconsciente X consciente) e da resistência em jogo (inconsciente 
X consciente). 
 
Esta advertência não invalida a possibilidade de se buscar ferramentas no campo da 
Psicanálise para instruir um processo judicial. É este campo que recebe o nome de 
Psicologia Forense ou Jurídica, na qual dentro de uma especificidade na área do direito 
de Família existe a perícia psicológica. O objetivo da perícia psicológica é exatamente 
trazer ao magistrado subsídios da área da Psicologia no que diz respeito à dinâmica 
familiar, efeitos sobre a(s) criança(s) de fatos específicos (separação dos pais, abuso 
sexualetc.) e aferição de habilidades e capacidades dos adultos (maternagem e 
paternagem). Percebam que este subsídio vem no sentido de suprir um conhecimento 
específico que está fora da competência original do operador do direito em questão 
(juiz). Uma vez apresentado o laudo psicológico nos autos como o resultado de tal 
avaliação, tal laudo constituir-se-á em mais uma das provas (técnica, no caso) que o 
julgador apreciará para formação de sua convicção. 
 
Esta é a primeira contribuição específica e direta da Psicologia aos operadores do 
Direito em Vara de Família: uma atuação a partir de dentro do processo judicial 
enquanto perito. É claro que existe uma contribuição maior dentro da qual esta 
participação específica se coloca que é o corpo de conhecimento da área da Psicologia 
que vai se formando através de pesquisas e atividades na área. Cito a contribuição do 
próprio FREUD que em 1916 escreveu sobre um tipo de caráter que está ligado à 
Psicologia do crime e, portanto ao Direito Penal. É nesta área que encontramos um 
grande número de trabalhos de outros psicanalistas seja na linha de estudo de caso 
quanto na aplicação do método psicanalítico como forma de tratamento de certos 
desvios de personalidade que caem na realização de atos anti-sociais, em especial o 
quadro conhecido como psicopatia ou dentro da terminologia psiquiátrica atual 
"transtorno de personalidade anti-social". 
 
Mas se nos voltamos à área de Família podemos citar, por exemplo, toda a ênfase que se 
deu no início do desenvolvimento do bebê ao seu relacionamento com a mãe, como 
figura primordial de cuidados que contribuiu para a doutrina que os americanos chamam 
de “tender year”. Ou seja, que crianças muito pequenas devem permanecer com a mãe 
em função da importância desta figura para o saudável desenvolvimento da criança nos 
primeiros meses de vida. Ora, um pesquisador como DERDEYN vai mostrar que no 
início do século não se colocava de maneira nenhuma esta pressuposição. O Direito no 
mundo ocidental, fortemente influenciando pela lei romana, dava controle absoluto ao 
pai sobre os seus filhos, a quem ele podia vender ou condenar à morte quase que 
impunemente. Esta concepção vai vigorar, quase sem alteração sobre a lei inglesa até o 
século XIV. Nos Estados Unidos, cujas decisões sobre guarda de filhos refletiam a 
tendência da lei inglesa, o pai tinha precedência na guarda baseado em sua competência 
financeira em prover as necessidades dos filhos durante o século XIX. Não podemos 
desconsiderar que o julgamento vai refletir os valores e códigos vigentes de uma 
determinada sociedade em um determinado tempo e lugar. E neste sentido, o que é 
verdadeiro hoje pode não o ser amanhã. 
 
Mas existiriam outras formas de participação direta do psicólogo na lide de Família? 
Sim. A psicóloga carioca LEILA TORRACA DE BRITTO em seu livro de Separando – 
Um estudo sobre a atuação dos psicólogos nas Varas de Família relata o caso de um 
escritório de advocacia que utilizava os serviços de um psicólogo para realizar 
entrevistas com o cliente que vinha solicitar representação legal. Era a partir da 
avaliação que este profissional fazia sobre a pertinência psicológica do caso que o 
escritório aceitava ou não o caso. Parece ser um caso único, desconheço qualquer outro 
escritório de advocacia que tenha este tipo de cuidado com os aspectos psicológicos em 
jogo. 
 
Eu definiria a atuação do profissional acima descrito como o de um consultor. Alguém 
especializado em uma área que é ouvido a fim de subsidiar uma ação específica mais 
qualificada na área do Direito. Esta incursão no judiciário também pode ocorrer quando 
alguém reconhecidamente especializado em determinado assunto pode ser chamado 
para dar um parecer. Penso que dentro da área de vocês se chama a figura do parecerista 
que me parece igual ao do consultor, talvez a diferença esteja no fato de que aquele não 
tem uma interação direta com partes ou com a especifidade do caso fazendo uma análise 
documental. FREUD (1930) também desempenhou tal papel em suas raras incursões 
nas questões judiciais. Ele foi chamado em um caso de assassinato a examinar o laudo 
realizado com o réu. FREUD chamou atenção quanto ao cuidado necessário à aplicação 
da teoria psicanalítica nos problemas jurídicos. FREUD critica o uso ingênuo da 
Psicanálise para explicar, a posteriori, o fenômeno do crime. Ele associa este viés a uma 
estória que ele conta na referida palestra a advogados em Viena (1916): "Houve um 
arrombamento e um homem foi detido por ter consigo um pé-de-cabra. No julgamento, 
onde foi lhe imputada a culpa, o juiz pergunta se ele teria algo a declarar antes de ouvir 
a sentença. O homem se levanta e pede que também seja condenado por estupro, pois 
igualmente possuía o instrumento apropriado para tal crime". 
 
Uma outra figura, mais comum em casos de família é a do assistente técnico, um 
profissional psicólogo (mas que poderia ser de qualquer outra área de atuação na qual se 
configure uma perícia) contratado pela parte para assisti-lo. Sua função seria 
acompanhar o trabalho pericial garantindo uma boa conduta técnica e ética do perito. Na 
prática, no entanto, tem se transformado num profissional que defende o seu cliente 
utilizando-se de argumentos psicológicos. Muitas vezes antagonizando com o perito 
quando este é contrário à sua parte. Portanto, o trabalho técnico vem fazer parte da 
própria estratégia judiciária do advogado na defesa. A lógica que embasa a prerrogativa 
das partes em contratar assistentes técnicos é a da plena defesa que cabe no 
contraditório da ação. Da mesma forma que o magistrado supre uma carência de 
informação técnica através de seu perito, o advogado se “municia” da informação de seu 
assistente técnico para melhor advogar para a sua parte. 
 
Retomando, as possibilidades de subsídio da Psicologia ao Direito de Família seriam de 
quatro naturezas: a primeira, mais geral, através do seu corpo de conhecimento, 
fornecendo melhores condições de apreciar o estágio de desenvolvimento psicossocial 
da criança, a natureza dos seus relacionamentos com os pais e quaisquer problemas 
psicológicos ou emocionais importantes da criança ou dos pais; a segunda, através da 
consulta pelo advogado do profissional especializado para que ele aprecie no caso 
específico as questões pertinentes de sua área, dando condições do advogado perceber 
melhor a dinâmica do caso que defende ou até mesmo utilizar tal conhecimento para 
abrir mão de um caso; a terceira, utilizada pelo poder público (Tribunal de Justiça) que 
através de concurso específico criou o cargo de psicólogo judiciário, chamando-o para 
atuar como perito em casos específicos determinados pelo magistrado (cumpre lembrar 
que a figura do psicólogo que não faz parte do quadro do Tribunal e de confiança do 
juízo, que atua mediante pagamento das partes, não está extinta); e a quarta atuação 
possível, complementar e paralela ao do perito, seria através da figura do assistente 
técnico, profissional parcial e de confiança da parte, contratado por este para melhor 
subsidiá-lo ou ao seu advogado no enfrentamento da prova pericial. 
 
EXPLICANDO ALGUMAS DIFERENÇAS 
Até aqui abordei as formas de atuação do psicólogo que tenham estreita relação com os 
operadores do direito. Penso que seria importante qualquer advogado que milite nesta 
área tomar conhecimento destas possibilidades para poder lançar mão delas em seu 
trabalho. Até para contactar o profissional competente é necessário um mínimo de 
conhecimento geral da área de atuação do outro profissional. Na minha atuação vejo que 
é muito comum, por exemplo, os advogados e até mesmo juízes confundirem a área de 
atuação do psicólogoe do assistente social. 
 
Muitas vezes quesitos são apresentados para um tendo em vista a área do outro e vice-
versa. Uma forma didática de distingüir tal diferença é pensar que o assistente social, 
como o próprio nome já indica, estará preocupado em levantar o em-torno (o social), ou 
seja, as condições físicas de moradia e sustento dos pais e seu círculo social no que 
concerne aos valores e códigos de conduta (moral). 
 
O psicólogo se debruçará sobre os aspectos do mundo interno, ou seja, qual é ou quais 
são as imagens que os pais têm da(s) criança(s) e vice-versa, como estas imagens são 
influenciadas por conflitos emocionais e de que naturezas são tais emoções (medo, ódio, 
amor, culpa etc.). Pretende-se a partir do mundo interno individual, pensar naquilo que 
se chama dinâmica familiar, ou seja, dado que as pessoas são assim e vivenciam assim 
as outras pessoas de seu grupo quais as características básicas dos relacionamentos que 
se constroem a partir disto (existe competição, colaboração, alianças, segredos, conluios 
etc.). Bem como avaliar as características desenvolvimentais da(s) criança(s) bem como 
as habilidades dos pais (maternagem e paternagem). Penso que fazer a distinção destes 
dois campos permite ao profissional do direito interrogar de forma mais pertinente o 
profissional para obter o subsídio de que precisa. 
 
Um outro erro que advogados podem cometer é confundir técnica e objetivo da técnica 
de um psicólogo. Como já mencionei anteriormente, o trabalho básico do psicólogo é 
analisar. Pois bem, penso que ao demandar um trabalho ao psicólogo possa-se 
especificar o que, exatamente, gostar-se-ia que se analisasse. Estabelecendo o que, 
penso que se deveria deixar ao critério do profissional o como ele fará para chegar a tal 
objetivo. Eu já vi, inúmeras vezes, petições de advogados solicitando, em vez de uma 
análise do perfil psicológico de fulano, que se aplique o Teste de Rorschach em fulano. 
 
Ou que, para discriminar se há influência dos adultos sobre o que pensa(m) a(s) 
criança(s), solicita-se que se façam entrevistas individuais com o(s) menor(es) e não na 
presença do adulto. Penso que um profissional de outra área, por mais bem informado 
que esteja, não tem competência e nem a legitimidade de escolher a técnica que o 
profissional competente deveria usar para se atingir tal e tal objetivo. Sinto-me entre 
incomodado e embaraçado quando tal situação ocorre comigo. E sempre procuro 
informar da maneira mais discreta possível que o pedido está formulado de maneira 
equivocada. 
 
E pensando um pouco sobre a psicopatologia do trabalho em Vara de Família. Será que 
o contato diário com casos de pais em litígio, com questões de guarda e visita de filhos, 
com ameaças de prisão por falta de pagamento de pensão alimentícia etc. não impõe 
certo ônus sobre os profissionais do direito? De que forma os operadores do direito 
poderiam ser afetados a partir do contato contínuo com esta clientela, com tais 
problemas de ordem familiar? De que forma os advogados, juízes e promotores são 
preparados para enfrentar o stress e o ônus psíquico de lidar com tais casos? 
 
Em primeiro lugar, esclareço que desconheço trabalhos sistemáticos nesta área, mais 
ligado à Medicina do Trabalho ou Psicologia do Trabalho. O que vou lhes trazer hoje 
parte da minha experiência e de minhas observações a partir da minha atuação como 
psicólogo judiciário e do que observo nos juízes, promotores e advogados com quem 
tenho contato. Peço licença, então, para me reportar às minhas experiências sem grandes 
pretensões de generalização. 
 
Vou lhes contar um caso que me foi relatado por uma amiga advogada desempenhando 
sua função em um Serviço de Assistência Judiciária. 
 
O cliente veio ao serviço de assistência em busca de orientação sobre cálculos 
trabalhistas.Entrou na sala e antes de se sentar ou dizer qualquer coisa educada disse 
que estava ali muito contrariado, que sempre tinha problemas com os advogados, "essa 
raça", “mentirosos que sempre levavam seu dinheiro e nunca resolviam o problema”. 
Pedi então que ele se sentasse, expliquei como funcionava o serviço e disse que 
teríamos que preencher uma ficha (geralmente deixo o cliente falar e depois anoto os 
dados e histórico do caso, mas com esse achei que seria importante pará-lo).Ele estava 
muito impaciente e não parava de falar, me lembrei que não tinha dito meu nome e me 
apresentei no meio de uma fala.Bem, ai aconteceu a mágica.O homem se calou, abriu 
um sorriso imenso, prestou atenção em tudo que eu disse dali por diante, até que 
expliquei a ele que não poderíamos fazer a ação pelo fato dele ter renda maior que três 
salários mínimos.O homem ficou desesperado, disse que se não fosse eu não daria certo, 
afinal eu tinha o mesmo nome de sua primeira esposa, com quem ele tinha sido muito 
feliz e que aquilo era um sinal dado por ela e sendo assim eu não poderia fazer aquilo 
com ele.Expliquei de novo a situação, mas reiterei que não poderia ajudá-lo no tocante a 
ação além das informações que já tinha dado a ele.O cliente foi embora muito bravo, 
mas dois dias depois, pra minha surpresa retornou ao serviço querendo falar 
comigo.Atendi e ele veio de novo com a conversa de que era um sinal, que a ex-mulher 
sempre cuidou dele e etc...Percebi que seria inevitável repetir o que já tinha dito, ele 
realmente acreditava que era um sinal e, então, embora fosse contra as regras do estágio, 
indiquei a ele um advogado particular conhecido meu. Ele então saiu muito satisfeito e 
meu amigo me contou que ele chegou ao escritório emocionado, contando toda aquela 
história da mulher, do sinal e pasme falando bem de advogados! 
 
Eu gostaria de chamar a atenção para o fato, em primeiro lugar, de que não se trata de 
um caso de Direito de Família (é um caso trabalhista), mas este atendimento ilustra 
muito bem as questões que estão presentes nos casos de Família. Gostaria de lhes 
relembrar o que disse, logo no início da minha exposição, sobre as questões íntimas de 
cada um. Vejam que neste exemplo, a minha amiga disse somente seu nome (algo de 
maneira nenhuma da alçada da esfera íntima) que teve um efeito “mágico” de detonar 
toda uma explicação mítico-religiosa que dava um novo sentido àquela interação 
profissional. É óbvio que ninguém está a salvo de encontrar sujeitos “loucos” pela 
frente (e em algumas profissões o risco só aumenta), mas a questão não é essa. Na vida, 
encontramos um número enorme de pessoas. Existem aquelas das quais nos 
aproximamos, sentimos empatia e simpatia, outras não. 
 
O fato de sentirmos positivamente ou negativamente em relação a alguém é explicado 
pela Psicanálise. 
 
Acreditamos que exista um processo psíquico em que estamos constantemente 
revivendo aspectos passados e significativos de nossos relacionamentos nos e através 
dos relacionamentos atuais. Por isso as escolhas afetivas que fazemos estão permeadas 
pela nossa necessidade de revivermos certas emoções, sejam prazerosas ou não. A este 
processo a Psicanálise chama de transferência que pode ser de duas naturezas, positiva 
ou negativa. Foi através desta “ferramenta de trabalho” que FREUD desenvolveu a 
técnica terapêutica da Psicanálise, modalidade na qual o profissional exerce sua 
influência sobre o psíquico do seu cliente e vice-versa. 
 
No exemplo acima, o sujeito chegar já amaldiçoando os advogados: é uma amostra da 
transferência negativa. O sujeito nem bem conhece a pessoa à sua frente, mas baseado 
em sabe se lá qual experiência negativa ou até mesmo, um receio ou fantasia, ele já se 
coloca na defensiva. Se havia pouco fundamento para tal atitude, poder-se-ia dizer o 
mesmo da atitude contrária. O fato de a advogadater o mesmo nome que sua falecida 
esposa não quer dizer, do ponto de vista profissional, absolutamente nada. Mas a 
“mágica” está feita, quase sem querer. Acredito que todos tenham exemplos pessoais de 
algo parecido. Quem já não viveu uma situação na qual uma coincidência fortuita não 
trouxe uma boa ou, então, uma má impressão? Quem não se apaixonou por um nome, 
um corpo, um jeito sem sequer saber mais sobre a pessoa a quem pertence tal atributo? 
O que a Psicanálise nos ensina é que forças afetivas poderosas estão em jogo em todas 
as interações humanas. Mas o que a situação do advogado que assume um caso de 
Família teria em particular? 
 
Penso que o advogado de Família é chamado a atuar em um momento muito especial da 
família, principalmente nos casos de separação e questões envolvendo filhos. É 
sabidamente um momento de crise, de transição, onde há muita confusão e emoção à 
flor da pele. O advogado vai receber o impacto de um pedido de ajuda com toda a carga 
emocional atrelada a ela. Entrar em contato com um ser humano carregado de emoções 
e angústia pode ser uma experiência muito difícil e estressante. 
 
Estou me lembrando de uma mulher que me solicitou uma entrevista e começou a 
chorar no telefone, sem ao menos me dar uma chance de marcar um horário para 
conversarmos devidamente. É importante o advogado (ou advogada) saber que, muitas 
vezes, será depositário de muitas expectativas e esperanças que podem assustá-lo(a) 
pela enormidade daquilo que se quer. Penso que há uma analogia possível com a minha 
situação de receber clientes em consultório quando a demanda de ajuda pode ser 
simplesmente “me transforme em uma pessoa completamente diferente”. Aí é 
necessário preparo para acolher tal cliente e prestar informações claras e precisas sobre 
as possibilidades reais de tais demandas frente à realidade. Nesta hora é preciso suportar 
estar sendo colocado no lugar de “salvador da pátria”, “justiceiro” etc. e dosar 
esclarecimento e continência. 
 
Como os casos de Família mexem com conflitos e emoções de alto grau de intensidade 
e mobilização (amor, ódio, tristeza para citar os mais comuns) é preciso também estar 
preparado para ser “mexido” internamente. Ou seja, nunca ouvimos problemas 
familiares impunemente, sempre algum conteúdo vai nos atingir em relação aos nossos 
entes queridos. Lembro-me de um assistente social, já aposentado do Forum João 
Mendes que me alertou: “Cuidado com estes casos. Se você ficar trabalhando muito 
aqui, você não vai querer se casar”. Era uma brincadeira, mas como em toda 
brincadeira, havia um lado verdadeiro neste aviso. 
 
A idéia de que pode haver algum tipo de “contaminação” é mais comum do que se 
imagina. Uma psicanalista americana chamada JUDITH WALLERSTEIN (1990) 
comenta este fenômeno através das palavras de uma outra psicanalista sob sua 
supervisão, sobre o impacto de trabalhar com casais em divórcio. “Aqui estão duas 
pessoas que em algum momento se amavam, tocavam-se um ao outro, acariciavam-se, 
tinham relações sexuais e, tudo isto transformou-se agora em ódio do outro. Isto me dá 
uma certa desesperança em acreditar que possa haver algum amor duradouro no mundo, 
algo com que se possa contar, alguma confiança nos relacionamentos humanos.” 
 
WALLERSTEIN me fez pensar sobre a ansiedade que tenho que conter em mim 
quando trabalho com casais em alto grau de conflito. Foi de certa maneira reassegurador 
encontrar uma outra profissional que era capaz de veicular pensamentos que já 
reconheci em mim, que revelavam o medo do “contágio” do outro. Pensamentos tais 
como: “Puxa, fico contente que não sou casado, portanto eu não tenho que me 
preocupar. Não estou nem namorando agora!” Ou exatamente o contrário, “Eu me sinto 
muito mais seguro do meu próprio casamento depois que comecei a trabalhar aqui”. O 
que tanto um quanto o outro pensamento revelam é o medo de ficar igual a quem se 
atende, de perder o distanciamento necessário para trabalhar – são formas de se 
defender da idéia: “Será que é contagioso? Será que algo assim pode acontecer 
comigo?” É o que a Psicanálise chama de identificação. Ou seja, pela proximidade e 
pela força da comunicação afetiva algo acontece que me transformo no outro. Para que 
isto não aconteça, eu reafirmo a minha diferença através do meu estado civil ou do 
estado do meu casamento, etc. Mas o que é importante, é isto que quero enfatizar, é a 
percepção do próprio medo e da angústia na interação com o cliente. Sentimentos que 
terão que ser “suportados” em função da tarefa que nos cabe. Vou lhes trazer um 
exemplo disto. 
 
Certa vez, atendendo a um senhor separado de seus trinta e poucos anos, e brigando 
para ver a filha de oito anos, ouvi ataques verbais terríveis dirigidos à sua ex-mulher. 
Nem me lembro mais do teor das críticas, mas me impressionou a força e a virulência 
de seu ódio àquela que antes tinha sido seu objeto de amor e com quem teve uma filha 
linda. Saí da entrevista e, sem me dar conta, liguei para minha esposa, sem ter um 
motivo aparente. Quando desliguei, eu me dei conta que o meu ato tinha sido uma 
reação em resposta ao ataque que este homem fizera. Eu simplesmente tive que me 
certificar que o meu objeto de amor ainda estava intacto! 
 
Poder-se-ia pensar ainda na identificação que sentimos em relação às crianças que se 
encontram no meio de uma disputa entre os pais. Não corremos o risco de nos sentirmos 
mais atingido quando tais crianças nos lembram as nossas próprias? A lógica é a 
mesma. O estresse e a falta de uma postura mais neutra e profissional ocorrem quando 
não há um distanciamento psicológico suficiente entre mim e aquele a quem atendo. 
Quando de certa maneira, o outro me envolve e me faz representar alguém ou algo de 
sua própria experiência passada, aquilo ao qual denominei de transferência. Voltemos 
ao exemplo de minha cara amiga advogada, a quem sou grato pela permissão de usar 
este exemplo e com quem tenho aprendido coisas muito interessantes. 
 
Vocês se lembram que aquele cliente em potencial se vinculou à minha amiga pela 
coincidência do nome de sua falecida esposa. A sua crença é que “aquilo era um sinal”, 
portanto somente ela, MÁRCIA, poderia ser a resposta para a sua necessidade. A 
falecida esposa estava provendo-o do além, assim como deve ter feito quando ainda em 
vida. Uma vez estabelecida a transferência, não podemos ignorá-la. O psicanalista 
RENATO MEZAN faz uma comparação com uma passagem em FREUD que compara 
a mobilização da transferência com a evocação de espíritos das profundezas. MEZAN 
nos lembra que uma vez que eles aparecem, não podemos simplesmente mandá-los de 
volta! Então, minha amiga também não conseguiu mandar seu cliente embora. Mas 
vejam a solução interessante que ocorreu: frente ao impasse (não poder atendê-lo 
diretamente em função das normas do serviço), ela “deu um jeitinho” e fez um 
encaminhamento direto a um colega conhecido. E parece que isto resolveu o problema. 
Agora, chamo a atenção de vocês para o fato de que, ao fazer este movimento, de enviá-
lo a um endereço certo, MÁRCIA “agiu” como a falecida MÁRCIA. Ela (minha amiga) 
fez exatamente aquilo que este senhor esperaria de MÁRCIA (sua falecida), que ela 
“desse o sinal e lhe achasse um advogado”. Não é interessante? Eu diria que MÁRCIA 
agiu transferencialmente respondendo a um pedido não explícito deste senhor. 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 
BRITO, L.T. Separando – Um estudo sobre a atuação do psicólogo nas Varas de Família. Rio de Janeiro, 
Relume-Dumará, 1993. 
 
DERDEYN, A.P. “Child custody contests in historical perspective”. In: Am. J. Orthopsychiatry, 133:12, Dec. 
1976. 
 
FREUD, S. “A Psicanálise e a determinação dos fatos nos processosjurídicos”(1906). In: FREUD, S., Edição 
Eletrônica Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, vol. IX. 
 
FREUD, S. “Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho psicanalítico” (1916). In FREUD, S., Edição 
Eletrônica Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, vol. IX. 
 
FREUD, S. “O parecer do perito no caso Halsmann (1931[1930]). In: FREUD, S., Edição Eletrônica 
Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago, vol. IX. SHINE, S.K. Psicopatia. 
São Paulo, Casa do Psicólogo, 2000. 
 
WALLERSTEIN, J. “Transference and coutertransference in clinical intervention with divorcing families” In: 
Am. J. Orthopsychiatry, 60(3), July 1990. 
 
São Paulo, 18 de março de 2002.

Outros materiais