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Eric Voegelin - Estudos de Idéias Políticas

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ESTUDOS DE IDEIAS POLÍTICAS
Textos on-line de Eric 
Voegelin
ESTUDOS DE IDEIAS POLÍTICAS 
ERIC VOEGELIN
**
A Idade Média 
- Dos Nibelungos a Jerónimo Bosch -
• A . O Crescimento do império
• 1 Estrutura Geral da Idade Média
• 2 Os Povos Germânicos Migrantes
• 3 O Novo Império
• 4 A Primeira Reforma
• B. A ESTRUTURA DO SÉCULO
• 5 Introdução
• 6 João de Salisbúria
• 7 Joaquim de Fiora
• 8 S. Francisco de Assis
http://www.terravista.pt/PortoSanto/1139/SHIP%20índice%20da%20idade%20média.htm (1 of 2) [27/03/2002 07:18:19]
ESTUDOS DE IDEIAS POLÍTICAS
• 9 Frederico II
• 10 O Direito
• 11 Sigério de Brabante
• C. O CLÍMAX
• 12 S. Tomás de Aquino
• D. A IGREJA E AS NAÇÕES
• 13 Carácter do Período
• 14 Ultramontanos e Egídio Romano
• 15 Monarquia Francesa
• 16 Dante
• 17 Marsílio de Pádua
• 18 Guilherme de Ockham
• 19 Política Nacional Inglesa
• 20 Da Cristandade Paroquial 
à Cristandade Imperial
• 21 A Área Imperial
• 22 O Movimento Conciliar
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Capítulo 7
ERIC VOEGELIN 
ESTUDOS DE IDEIAS POLÍTICAS
**
A época medieval 
Capítulo 7. Joaquim de Fiora
1. O progresso na história
Era geral na época o sentimento de que o crescimento 
das ordens significava um progresso da espiritualidade, 
inaugurando uma nova fase da vida cristã. A experiência 
revelatória de Joaquim accionou estas potencialidades e 
criou uma nova configuração da história. O passo 
decisivo foi a concepção do Terceiro Reino não como um 
sabbath eterno mas como a idade derradeira da história 
da humanidade que se segue à eleição do filho.
O decurso de um reino abrange um período preparatório 
(de Adão a Abraão, 21 gerações) seguido pela initiatio, 
(Abraão a Uzias, 21 gerações) e a fructificatio (Uzias a 
Zacarias, 21 gerações) a última das quais é ao mesmo 
tempo o período preparatório para o próximo reino. Os 
reinos têm, pois, 42 gerações; e como a duração das 
gerações para o reino de Cristo é de 30 anos, o segundo 
reino terminaria em 1260. A data é antecedida para 1200 
porquanto o próprio Segundo Reino é precedido por um 
curto período preparatório das duas gerações 
precursoras de Zacarias e João Baptista de modo que 
Joaquim está no final do Segundo reino e pode ser o 
profeta do Terceiro. O começo de cada reino é marcado 
por uma trindade de dirigentes, dois precursores e o 
dirigente do próprio reino com os seus doze filhos 
(Abraão, Isaac, e Jacob com os seus doze filhos carnais; 
Zacarias, João Baptista e Cristo o homem, com seus doze
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Capítulo 7
filhos espirituais). O Terceiro Reino, a seguir a Joaquim, 
começará, portanto, com dois precursores a serem 
seguidos na terceira geração por um novo dirigente, um 
Dux e Babylone, que será o fundador do Reino do 
Espírito.
2. O significado da história
O primeiro símbolo “é a concepção da história como uma 
seqüência de três eras, das quais a última é claramente o 
terceiro reinofinalw.[1] Entre as variantes de notória
relevância política, estão a partição da história em 
épocas antiga, do cativeiro e dos santos na terra que 
marcou a revolução puritana; a doutrina Iluminista da 
sucessão de fases teológica, metafísica e enciclopédica 
marca a revolução de 1789; a dialéctica marxista com os 
três estádios de liberdade inconsciente, alienação e reino 
da liberdade findou em 1989; o ciclo formado por santo 
império, império do Kaiser e terceiro império inspirou o 
Reich nacional-socialista dos mil anos que findou em 
1945.[2]
3. Os elementos constantes da nova especulação política.
a. A concepção de Joaquim resultou num conjunto de 
elementos formais para a interpretação do saeculum que, 
desde então, permanecerá, isolado ou em combinação, 
parte integrante da especulação política ocidental.
b. A Função do Pensador Político
O terceiro símbolo é o do profeta da nova Era, que pode 
surgir confundido com o dirigente. O próprio Joaquim de 
Fiora representa o primeiro modelo do intelectual que 
presume ter uma visão do curso da história como um 
todo acessível ao conhecimento. Sucessivas vanguardas 
iluminadas irão reclamar-se de idêntico conhecimento da 
marcha do tempo e propor as suas especulações como a 
lógica da história.
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Capítulo 7
c. O dirigente do terceiro Reino
O terceiro símbolo é o de dux, o dirigente cuja erupção é 
constante em todos os movimentos revolucionários. Este 
dirigente desdobra-se por paráclitos agnósticos e ateus 
conforme a sensibilidade e as categorias de análise da 
época em que se faz anunciar. O símbolo ressurge nos 
príncipes novos da Renascença, nos iluminados do 
século das Luzes, nos revolucionários de 1789, nos 
génios do Socialismo e nos dirigentes totalitários do 
século XX.
d. A irmandade das pessoas autónomas
O quarto símbolo é o da irmandade ou fraternidade que 
se estabelece entre os que participam no Espírito. A 
noção de uma comunidade de perfeitos que vivem sem 
autoridade institucional e sem a mediação da Graça 
presta-se, segundo Voegelin, a inúmeras variações 
históricas. Ressurgiu nas Igrejas puritanas dos santos e 
em numerosas ideologias da modernidade em cujos 
autores a razão se incarnara tão perfeitamente que 
consideram a própria mente como critério de verdade; 
alguns, como Lenine e Hitler, desceram à arena política 
para canalizar os movimentos de massa para a acção 
destrutiva.
Nos três reinos predominam sucessivamente a lei, a 
graça e o espírito. No primeiro reino desenvolveu-se a 
vida do leigo, no segunda a vida do sacerdote, no terceiro 
a contemplação espiritual perfeita do monge. No nível da 
história espiritual a intelligentia spiritualis irá proceder 
do Velho e do Novo Testamentos, tal como o Espírito 
procede do Pai e do Filho. O Espírito irá manifestar-se 
socialmente através de uma nova ordem. A perfeição da 
vida é dada através dos três elementos de contemplação, 
liberdade e espírito. O novo aparecimento do Espírito 
está fora da história dos Evangelhos que constituem o 
segundo reino; os quatro evangelhos serão seguidos por 
um quinto, o evangelium eternum anunciado em
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Capítulo 7
Apocalipse, 14, 6. Não será um evangelho escrito mas o 
Espírito na sua actualidade, transformando os membros 
da Ordem em membros do Reino, (evangelium regni 
Mateus, 4,23) sem mediação sacramental. A Igreja 
deixará de existir no Terceiro reino porque os dons 
carismáticos necessários para a vida perfeita, alcançarão 
o homem sem administração sacerdotal de sacramentos.
Estas construções simbólicas criam uma evocação de 
uma nova ideia do homem como uma pessoa espiritual 
autónoma e livre, capaz de formar uma comunidade de 
solidariedade fraterna, independente da organização 
eclesiástica e feudal da sociedade. O homem, dotado de 
poderes espirituais amadurecidos surge como o 
organizador potencial da comunidade. Podemos ver a 
linha que liga o protestantismo intelectual dos York 
Tracts, com o individualismo tiranicida de João de 
Salisbúria como a ideia joaquimita de libertação do 
homem de formas sociais, eclesiásticas ou profanas, e 
uma época que está morrer. Podemos ainda reconhecer 
as camadas sociais portadoras do novo sentimento; 
cresceram para além da população urbana da Pataria e 
de intelectuais isolados da população rural; Joaquim 
talvez fosse de origem rural.
Mas também são óbvias as limitações da ideia. O terceiro 
reino é constituído por uma elite religiosa. Perdeu-se o 
compromisso civilizacional que confereeficácia ao 
cristianismo. O novo reino não tem lugar para as 
fraquezas do homem nem para a variedade dos seus 
dotes naturais. A riqueza humana da ideia de corpo 
místico perde-se no igualitarismo aristocrático de 
pessoas espiritualmente maduras. A evocação de 
Joaquim pode originar um seita mas não um povo. A sua 
construção é a fórmula mais geral para o problema da 
era porque emana do centro espiritual mas o conteúdo 
social restrito deixa a ideia a flutuar. O homem 
espiritualmente maduro de Joaquim segue-se ao 
indivíduo político de João de Salisbúria e ao intelectual
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Capítulo 7
independente dos York Tracts. O leque de possibilidades 
intramundanas está a crescer mas não existe uma 
síntese à vista.
A concordância tradicional entre os dois numa sequência 
a exigir um terceiro momento, o da plena manifestação 
do Santo. Às três pessoas da Trindade correspondem três 
fases da humanidade.
Na era do Pai com temor e tremor, até ao nascimento de 
Jesus Cristo.
Na era do Filho, anunciada por Uzias, em fé e humildade, 
desenvolveu-se
A terceira era, a do Espírito Santo, já anunciada por S. 
Bento trará a
Perante esta nova escatologia tornava-se secundário que, 
conforme especulações numerológicas correntes, Fiora 
calculasse que a “terceira era” principiaria em 1260 ao 
manifestar-se o dux ex Babylone, dirigente apocalíptico 
da nova época.[6]
34 A re-interpretação do saeculum cristão
Para Huizinga a inserção de Joaquim de Fiora como 
grande precursor da Renascença assenta numa corrente 
de ideias definida com precisão. Para Spengler, ele foi "o 
primeiro pensador de estatura hegeliana a abalar a 
configuração mundial dualística de Agostinho, um 
formulador da Nova Cristandade com o seu intelecto 
essencialmente gótico". Norman Cohn descreveu Fiora 
como"inventor do novo sistema profético que haveria de 
ser o mais influente de todos os conhecidos na Europa até 
ao aparecimento do marxismo". Embora as edições 
críticas destes textos estejam ainda hoje incompletas, os 
materiais historiográficos são abundantes graças a uma 
sequência de estudiosos como Denifle, Renan, Fournier, 
Grundmann, Benz, Buonaiuti, Tendelli e Taubes, activos 
desde finais do século passado. Mas, lembrava Friedrich
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Capítulo 7
Heer em 1953 "ainda estamos longe no início de uma 
interpretação de Fiord'.
Voegelin seleccionou Joaquim de Fiora como criador do 
"conjunto de símbolos que preside, até hoje, à 
auto-interpretação da sociedade moderna".[3] Compostos 
nos fins do séc. XII, os escritos joaquimitas foram 
publicados pela primeira vez em Paris em meados do séc. 
XIII, tendo o editor escolhido para título da colecção das 
obras principais a expressão nelas frequente "um novo 
Evangelho Eterno''. Reconhecidas como obras autênticas 
são a Concordia Novi ac Veteris Testamenti (1184-89), 
Expositio in Apocalypsim (1184-1200) e Psalterium decem 
Chordarum (1184-1200). Entre as obras menores depois 
coleccionadas encontram-se Tra,ctatus super Quatuor 
Evangelia, De Articulis Fidei, Adversus Iudeos e o tratado 
perdido De Essentia seu Unitate Trinitatis. É ainda 
relevante o Liber Figurarum, atribuído a um discípulo, 
cujos diagramas representativos - três círculos enleados 
e parcialmente sobrepostos e cruzados pelo 
Tetragrammaton - correspondem a cada uma das épocas 
da Trindade e acrescentam um dinamismo temporal à 
ênfase habitual na revelação do Deus uno e trino.[4] A 
originalidade resulta mais evidente se confrontada com 
os escritos do seu tempo e com as respostas às 
interrogações filosóficas sobre as características do ser 
divino.[5]
Seguindo esta via, Voegelin atribui a Fiora o símbolo 
culminante da imanentização do eschaton: "O primeiro 
símbolo é a concepção da história como uma sequência de 
três era,s, da,s quais a última é claramente o terceiro reino 
final".[7] Entre as variantes notórias, contam-se a 
partição da história em antiga, medieval e moderna; as 
doutrinas iluministas e positivistas acerca da sucessão 
de fases teológica, metafísica e científica; as dialécticas 
hegeliana e marxista com três estádios de liberdade 
inconsciente, alienação e reino da liberdade; e enfim, o 
ciclo formado por Santo Império, Império do Kaiser e
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Capítulo 7
Dritte Reich nacional-socialista.[8] Nesta leitura 
voegeliniana entrelaçam-se motivos positivos e negativos 
que revelam uma relação muito complexa que quase 
poderíamos classificar de edipiana. Voegelin denuncia a 
falsificação fiorita do carácter trinitário numa gnose que 
rebate o ser divino sobre o tempo histórico. Rejeita que a 
idade do espírito, identificada por símbolos como 
consummatio, renovatio, reformatio, recreatio e 
ressurrectio seja a de uma nova era da humanidade. 
Rejeita o primado do futuro sobre as idades do presente e 
passado, expresso na preferência concedida a símbolos 
tais como proficere, ascendere, progressio, mutatio, 
processus, sucessio. Rejeita que o alvo final da história 
humana na terra seja a liberdade do mútuo 
reconhecimento trazida por uma nova fraternidade, 
baseada na comunidade de monges. Rejeita que tenha 
qualquer sentido, pura e simplesmente, falar de um 
desenlace terreno da existência humana. A censura é 
radical. Mas até que ponto esconde Voegelin as 
diferenças profundas entre o pneumatismo de Joaquim e 
o imanentismo moderno que afirma ser sua 
consequência obrigatória ? Como se comprova pela 
movimentação dos franciscanos espirituais em ordem à 
terceira era, tal visão não conduz necessariamente às 
construção imanentistas da modernidade.
Acresce que, ao anunciar o advento de um mundo novo, 
Fiora interpreta o seu tempo como época de colapso e 
desarticulação apocalíptica. Poder temporal e poder 
espiritual combatiam-se sem tréguas corrompendo a 
ordem cristã que se deveria reger pelo equilíbrio entre os 
dois poderes. Está a acabar o período do Filho e o 
momento é propício para pregar o abandono do mundo 
velho. A desarticulação da ordem cristã imperial viabiliza 
o anúncio de uma nova ordem, sem Império nem Igreja e 
com uma religião desmundanizada. Donde o anúncio da 
terceira era a ser instaurada pelos monges, os santos 
cidadãos da cidade de Deus. O que levou Voegelin a este 
nexo entre profetismo e imanentismo ? Por que razão
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Capítulo 7
pensou que a Idade Média floresceria contra a 
auto-interpretação cristã ? Porque concebeu a tensão 
medieval entre o “reino de Deus” e a sociedade 
dessacralizada seguida pela mais grave das quedas? E 
que civilização poderia desenvolver-se contra a sua 
própria ideia directiva ?
[1] NSP, p.115.
[2] Moeller van den Bruck criou o símbolo do Dritte Reich em 
obra com idêntico título, editada em Hamburgo, em 1923, ao 
trabalhar na edição das obras de Dostoievski sobre a Terceira 
Roma. A sua intenção claramente nacionalista mas romântica 
era incompatível com a ideologia nacional-socialista que se 
apropriou do termo.
[3] NSP, pp.110-113. Lembre-se o verso que Dante lhe dedica na 
Divina Comédia , Paraíso, XII, 139-141: "...e lucemi da dato/ Il 
Calabrese abate Gioacchino/Di spirito profetico dotato". Na sua 
interpretação, Voegelin tem presente TAUBES 1947, em 
particular pp.192-4, para o qual a história espiritual do Ocidente 
é a da dinâmica e dialéctica da alienação existencial; cita ainda 
LÕWITH 1949, GRUNDMANN 1927 e BUONAIUTI 1931.
[4] Cf. bibliografia joaquimita in RUSSO 1954.
[5] Para MURRAY 1970, pp.102-104, a consciência historiográfica 
no séc.XII, depende da interpretação da restauratio ou 
reformatio, tratadas quer como retorno a um passado modelar 
quer como criação de um futuro inaudito.
[6] Cf. LÕWITH 1949,pp.148-9:"The first dispensation is 
historically an order of the married, dependent on the Father; the 
second an order of clerics, dependent on the Son; the third an 
order o f monks dependent om the Spirit o f Truth The first age is 
ruled by labor and work, the second by learning and discipline, 
the third by contemplation and praise, The first sta.ge possesses 
scientia, the second sapientia ex parte, the third. plenitudo 
intellectus".
[7] NSP, p.115.
http://www.terravista.pt/PortoSanto/1139/SHIP%202%20Joaquim_Fiora.htm (8 of 9) [27/03/2002 07:18:34]
Capítulo 7
[8] Moeller van den Bruck criou o símbolo do Dritte Reich em 
livro com idêntico título, editada em Hamburgo, em 1923, ao 
trabalhar na edição das obras de Dostoievski sobre a Terceira 
Roma. A sua intenção nacionalista não coincide com a ideologia 
nacional-socialista que se apropriou do termo.
http://www.terravista.pt/PortoSanto/1139/SHIP%202%20Joaquim_Fiora.htm (9 of 9) [27/03/2002 07:18:34]
Francisco de Assis
Estudos de Ideias Políticas - II. A Idade média - Capítulo 
8.
São Francisco de Assis
Como figuras simbólicas da sua época, as personalidades 
de São Francisco de Assis e de Joaquim de Fiora estão 
intimamente ligadas. São Francisco não teria sido visto 
pelos Espirituais como a figura decisiva que inaugurava 
uma época nova na história cristã, se as profecias de 
Joaquim não fornecessem o padrão simbólico para a sua 
interpretação; e as profecias de Joaquim não poderiam 
ter exercido a sua forte influência no séc. XII, e em 
Dante, a menos que a aparecimento de São Francisco 
confirmasse a previsão do Dux de uma nova era.
Tal como no caso de Joaquim, na interpretação de São 
Francisco, temos de atentar na peculiar relação 
dialéctica entre as suas ideias e as suas acções. A 
doutrina de São Francisco é um evangelho de amor 
fraterno, de pobreza, obediência e submissão. A acção de 
São Francisco é revolucionária; dimana de uma vontade 
auto-afirmadora, inflexível e dominante, e cria um estilo 
de vida para o simples leigo, o idiota, sem grau feudal 
nem eclesiástico, mas equiparado às duas grandes 
ordens da autoridade temporal e espiritual. O 
denominador comum da acção evocativa neste tempo é o 
impulso de forças humanas para encontrar o seu lugar 
num mundo cristão preocupado com os poderes 
estabelecidos.
A necessidade trágica da criação de uma Ordem, mesmo 
de amor, e que exige uma dureza daimoníaca de acção 
que ofende os circunstantes, matiza a página franciscana 
do Louvor das Virtudes. A virtude da obediência tem 
como função a completa submissão do corpo à lei do 
espírito; o homem está submetido aos seus 
companheiros e mesmo aos animais selvagens: O 
pacifismo radical de não-resistência em São Francisco 
parece ser o oposto da violência tiranicida em João de
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Francisco de Assis
Salisbúria.
Afinal, as virtudes têm a função militante de 
confundirem os vícios do mundo. É impossível 
compreender a atitude franciscana se as categorias 
éticas de virtude e vícios forem referidas apenas ao 
carácter individual. No contexto dos escritos, virtudes e 
vícios são forças que emanam dos poderes supremos do 
bem e do mal, de Deus e do satã e que se apoderam dos 
homens. A luta das virtudes contra os vícios é uma 
empresa colectiva. Sem alcançar a rigidez maniqueísta, 
existe aqui uma matiz de imanentismo maniqueísta. A 
simplicidade tem que confundir a sabedoria deste 
mundo; a pobreza luta contra os cuidados mundanos; a 
humildade contra o orgulho. Possuir as virtudes exige 
atacar o mundo e as instituições de família, propriedade, 
herança, autoridade governamental e civilização 
intelectual. O ataque reveste-se da forma social de uma 
pregação das virtudes.
Ao sentir-se demasiado doente para pregar, São 
Francisco utilizou a forma da carta aberta divulgando a 
sua mensagem aos fiéis. A mais importante destas 
cartas, e a mais notável pela sua dignidade é a carta de 
1215 ”A todos os Cristãos” (Opusculum commonitorium et 
exhortatorium (epistola quam misit omnibus fidelibus).
2. O estilo da pobreza
O ataque ao mundo em nome dos conselhos evangélicos 
parece revigorar a expectativa escatológica de um reino 
que não é deste mundo. Contudo, é uma força e uma 
fraqueza de S. Francisco a criação da ideia de uma vida 
em conformidade com Cristo como modo de existência. 
Tentou realizar o que Joaquim de Fiora projectara; 
estabelecer uma nova ordem do espírito no mundo. A 
sua atitude e linguagem sofrem desta dualidade. Quando 
ataca o mundo (mundus ou saeculum ) utiliza o
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Francisco de Assis
vocabulário evangélico mas com um novo significado 
evangélico. O homem não é chamado a arrepender-se 
porque o reino de Deus está próximo ( Mateus, 3, 2) mas 
porque a vida de pobreza e obediência é aconselhada 
como a constituição permanente do mudo em 
conformidade com a vida do Salvador. Os escritos de São 
Francisco apresentam assim elementos que se 
contradizem flagrantemente. A primeira Regra delineia a 
"vita evangelii' para a qual São Francisco obteve 
permissão oral de Inocêncio III; aconselha a romper com 
pai e mãe e à quebra rude com a família e as suas 
obrigações, a fim de tomar a cruz e seguir o Senhor. 
Retoma-se a dureza escatológica de Cristo não só nas 
palavras dessa regra como na sua atitude para com os 
pais. Por outro lado, aceita incondicionalmente a 
existência da Igreja sacramental como única evidência 
corpórea mundana do Filho de Deus. Não só pretende 
basear a vida de perfeição evangélica directamente no 
Evangelho como mantém um sentimento para com a 
Igreja a lembrar o dito de Santo Agostinho de que não 
acreditaria em Cristo se não fosse a Igreja.
3. A submissão à Igreja.
Estes conflitos profundos ajudam-nos a determinar de 
modo mais preciso a posição e a função de São 
Francisco. O espírito de revolta contra os poderes 
estabelecidos espalhava-se por todo o mundo ocidental, 
dos intelectuais, aos burgueses e camponeses. O 
movimento era cada vez mais dirigido contra a 
organização feudal da sociedade, incluindo a Igreja 
sacramental. Quando o movimento encontrava apoio de 
massas, adoptava a forma de seitas fundamentalistas, 
desenvolvendo fricções com a Igreja, quer 
intencionalmente quer por pressões circunstanciais; o 
regresso ao ideal evangélico de perfeição era o único 
simbolismo revolucionário disponível para a civilização 
cristã desse tempo.
http://www.terravista.pt/PortoSanto/1139/SHIP%202%20Francisco%20de%20Assis.htm (3 of 7) [27/03/2002 07:18:39]
Francisco de Assis
Não temos que nos preocupar demasiado com a questão 
de saber se a glorificação franciscana da Irmã Pobreza foi 
ou não influenciada pelo conhecimento dos ideais dos 
Pobres de Lião. Em qualquer caso, o ideal de pobreza, 
juntamente com outros conselhos evangélicos, estava 
destinado a ser o símbolo da revolução.
O que separava São Francisco de dirigentes sectários, e o 
tornou um santo em vez de um heresiarca, era a sua 
sinceridade convincente, a sua realização exemplar dos 
ideais que ensinava, o seu encanto, a sua humildade, 
uma ingenuidade que não era deste mundo.
Para a sua submissão à Igreja e para a sua crença de 
que a fraternidade dos pobres em Cristo poderia persistir 
sem institucionalização, não temos outra explicação 
senão uma cegueira para as vias do mundo, originada 
pela grande pureza do seu coração. Os desapontamentos 
inevitáveis que experimentou podem ser fortemente 
sentidos nas admoestações aosirmãos no Testamento: 
manter a simplicidade da Regra, não a acrescentar nem 
diminuir, não fazer glosas nem interpretar o Testamento 
como uma nova regra e não procurar privilégios de 
qualquer tipo da Cúria.
O mundo não cedeu ao seu ataque mas por seu turno, 
penetrou a sua irmandade. A santidade do seu carácter 
teve consequências de grande alcance no domínio da 
política. Ao mesmo tempo que conduzia a cruzada contra 
os Albingenses, Inocêncio III confirmava a Regra de São 
Francisco. Se considerarmos o apelo de São Francisco, a 
rápida difusão da Ordem e em particular, o influxo 
maciço na Ordem Terceira, é difícil imaginar que formas 
a revolução social teria adoptado, se a Igreja não 
captasse o movimento através da pessoa de São 
Francisco, e a integrasse na sua organização graças, 
sobretudo, à acção do Cardeal Ugolino de Ostia, futuro 
papa Gregório X.
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Francisco de Assis
4. A Igreja dos leigos
A vida de São Francisco permite diagnosticar a doença 
que afligia o corpo místico da Igreja. O império cristão 
transferira o cristianismo do ambiente urbano para a 
sociedade rural. A dinâmica da vida cristã passou das 
comunidades para as hierarquias, espirituais e 
temporais. O surgimento do idiota, desde o sec.XII é uma 
força nova que assinala a reentrada da comunidade 
urbana como força social no mundo cristão. O 
significado original de ecclesia é de comunidade-Igreja.
No império romano a ecclesia local era uma ilha do 
populus christianus num mar de paganismo. No império 
carolíngio, a autoridade temporal fora integrada no 
sistema dos carismas cristãos de modo que as duas 
ordens do corpo único de Cristo cooperavam na tarefa 
difícil (e que hoje seria considerada totalitária) de criar 
um povo cristão uniforme com base em hierarquias 
pré-existentes.
Agora, no séc. XII, a ecclesia corre o risco de se reduzir a 
uma organização sacerdotal enquanto os idiotae, os 
leigos, formam uma comunidade que tenta viver em paz 
com o clero. Na linguagem de S. Francisco 
(Testamentum,3) o leigo vive em conformidade com Cristo 
e o sacerdote em conformidade com a Igreja Romana. 
Assim nasce uma nova necessidade de ajustamento da 
ecclesia. A ecclesia Franciscana é apenas um começo. Os 
problemas reaparecerão quando novas ecclesiae 
nascerem de cidades, classes e nações e tiverem que 
lutar por um lugar no sistema dos velhos poderes.
5. A conformidade com Cristo e a natureza
A pessoa e a religião de São Francisco constituíam forças 
intramundanas em oposição ao imperium, dotado de 
princípios gelasianos, facto obscurecido pela linguagem
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Francisco de Assis
do ideal de vida em conformidade com Cristo. A 
religiosidade franciscana poderá parecer apenas um 
retorno às ideias do cristianismo primitivo. Mas não é 
assim.
Os fiéis das primeiras comunidades seguiam o Messias e 
queriam o reino de Deus para participar na Sua glória. 
São Francisco imita o homem Jesus a partir de uma 
nova compreensão do sofrimento sacrificial e da 
humildade na terra. Trata-se de um novo entendimento 
da dignidade do sofrimento e da criação sem voz. São 
Francisco é espantosamente sensível à criação divina 
onde ela é mais “criada” e menos auto-afirmativa: 
sofredores, pobres, doentes e moribundos, animais, 
flores e a ordem silenciosa do cosmos. É uma nova 
atenção que agora floresce a um reino de ser já 
observada nos York Tracts, a penetração do Espírito no 
reino da natureza. Francisco utiliza fórmulas 
escatológicas duras mas o sentimento que o move não 
renega o mundo; pelo contrário, adiciona-lhe uma 
dimensão até então silenciada no cristianismo.
A alegria da existência das criaturas e a expansão alegre 
da sua alma, alcançando em amor fraterno essa parte 
muda do mundo que glorifica Deus apenas pela 
humildade de ser criado, a alegria simples na 
comunidade recém-descoberta da criação divina, torna 
São Francisco o grande Santo. Através da descoberta e 
aceitação do estrato mais baixo da criação como parte 
significante do mundo, tornou-se uma das figuras 
relevantes da história ocidental. Tomou os humildes pela 
mão e conduziu-os à sua dignidade, não para um reino 
de Deus no outro mundo, mas num reino de Deus que é 
deste mundo. Conferiu à natureza a sua alma cristã e 
com ela a dignidade que a torna objecto de observação.
A expressão sublime deste sentimento são os Louvores 
das criaturas. O cântico abre com o louvor de Deus, 
depois louva os corpos celestiais, os elementos, a terra 
que cria frutos e flores, os humildes que perdoam e
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Francisco de Assis
vivem em paz, e a morte corpórea; encerra com o aviso de 
que todos sirvam a Deus “com grande humildade”.
§6. O Cristo intramundano
A preocupação com estas novas descobertas resultou, 
porém, numa limitação da experiência cristã. São 
Francisco alargou o nosso mundo mas a sua tónica na 
nova dimensão negligenciou outras dimensões. Traz a 
irrupção de novas forças intramundanas; não traz a 
síntese; a espiritualização da natureza é um naturalismo. 
A fórmula da vida em conformidade com Cristo é 
conformidade com o sofrimento de Cristo, não com 
Cristo-rei em sua glória. Na conformidade com Cristo o 
homem alcança a eleição suprema através dos estigmas 
na noite de La Verna. Mas como se conformar com o 
Messias?
A evocação de São Francisco criou o símbolo do Cristo 
intramundano que absorve a parcela pessoal do salvador 
que se conforma com os humildes e sofredores. Mas o 
Cristo dos pobres não é o Cristo da hierarquia sacerdotal 
e régia, nem a cabeça do corpo místico de Cristo e da 
humanidade. A evocação de São Francisco desestabiliza 
o compromisso com o mundo, característico do período 
imperial ocidental e a diferenciação dos homens e o 
estabelecimento das duas ordens como funções do corpo 
místico. O mundo rompe-se quando Cristo deixa de ser a 
cabeça do corpo diferenciado da cristandade e se torna o 
símbolo de uma sua parte. A evocação de São Francisco 
é o símbolo mais impressionante da desintegração do 
sacrum imperium. Enquanto o Santo atingia o seu clímax 
com os estigmas, subia a estrela do imperador que era 
considerado o Anticristo, e que pela primeira vez desde a 
Antiguidade se apresentava como a lei animada, nomos 
empsychos, fora da ordem carismática do corpo místico.
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ERIC VOEGELIN
ERIC VOEGELIN 
ESTUDOS DE IDEIAS POLÍTICAS
**
A época medieval
Capítulo 9 
Frederico II
Dominus Mundi
1. A deslocação do império
2. A constituição de Melfi
3. Cristandade Cesárea
1. A deslocação (Peripateia ) do império
O último imperador medieval foi o fundador do primeiro 
estado moderno. Em ordem a compreender o seu papel e 
o seu desempenho consciente, tem que se observar a 
estrutura política em mutação do mundo Ocidental que 
foi o horizonte da sua vida e perceber que a crise da 
época encontrou nele um símbolo estupendo.
O factor que determinou a transformação e a 
desintegração da ideia imperial foi o surto de unidade 
políticas periféricas. No séc. XI essa franja de principados 
ganhara importância suficiente para inspirar a Gregório 
VII com a visão de uma comunidade de reinos nacionais, 
dependentes da autoridade semi-feudal e semi-espiritual 
do papado como contrapeso ao próprio império. Entre
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esses eventos, conta-se a expansão normanda dos 
séculosX e XI, a fundação dos reinos ilhas da Sicília e da 
Inglaterra e a expansão dos poderes insulares para o 
continente, A expansão normanda para Sicília, Itália do 
Sul e Inglaterra adicionou dois poderes consideráveis; a 
conquista permitiu aos duques normandos organizar o 
poder como uma grande racionalidade até então 
desconhecida. Basta mencionar que Guilherme o 
Conquistador e os seus sucessores desenvolveram uma 
administração régia centralizada, e puderam manter à 
distância os poderes e os senhores feudais e a 
concentração do poder nas mãos do rei foi a base de 
desenvolvimento da gentry inglesa e da classe média, e 
consequentemente da evolução recente das formas 
constitucionais de governo. Na Sicília Frederico II 
aperfeiçoará o Estado de Rogério II (1130-1154) facilitado 
pela tradição da administração muçulmana e bizantina.
Este escrutínio dos factos principais é extremamente 
incompleto mas serve para mostrar a modificação 
completa da cena política. A importância relativa do 
sacrum imperium diminui porque os novos poderes 
surgem na periferia e fazem inflectir o centro da política 
para Ocidente e para Sul. A ascensão destes poderes 
desintegra a ideia imperial e suplanta-a com novas 
evocações adaptadas a um mundo de poderes rivais: o 
princípio Gelasiano como evocação dominante do 
Ocidente decresce e emerge o problema do equilíbrio do 
poder, no sentido moderno. A irrupção de forças 
intramundanas no campo da evocação imperial 
exprime-se através de três formas principais: o 
aparecimento da arte do Estado, o aparecimento do 
estadista e o crescimento da consciência nacional como 
factor determinante na política. O aparecimento da razão 
de estado nota-se nas conquistas normandas. A situação 
de conquista teve um efeito semelhante entre o séc. XI e 
XIII semelhante ao da revolução no período posterior ao
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dos estados nacionais; varridos os interesses dominantes 
estabelecidos, tornava-se possível uma reconstrução 
racional da organização governamental. A melhoria da 
administração financeira e militar aumentou 
enormemente o poder político. A Sicília era cobiçada 
porque tinha um sistema de impostos que fazia do seu 
monarca o mais rico da Europa. A racionalização militar 
permitiu a derrota da cavalaria feudal pela infantaria 
burguesa ou o triunfo da cavalaria profissional e da 
milícia burguesa de Filipe II de França como as forças 
feudais em Bouvines (1214). Frederico II apoiava-se em 
tropas mercenárias sarracenas.
Em segundo lugar, surgem os mestres do poder político. 
Mesmo o imperador Henrique VI e o papa Inocêncio III 
são representantes dos velhos poderes são homens de 
estilo novo. Significativo é o Testamento do Imperador 
Henrique VI que abandona as suas pretensões imperiais 
sobre todo o Ocidente reconhecendo-se como o Império 
como uma unidade política entre outras. (Testamentum, 
Monumenta Germaniae Historia, Constitutiones et Acta 
Publica Imperatiorum et Regum, vol. 1, n° 397). e 
finalmente, a consciência nacional é a pressão colapso 
ao império Angevino com a formação das nacionalidade 
francesa e inglesa. A consciência nacional espanhola 
cristaliza rapidamente sob o esforço da reconquista; em 
1135 Afonso VII de Castela é coroado imperador, título 
sem efeito prático mas indicativo do sentido de igualdade 
em grau como a cabeça do sacrum imperium.
2. A constituição de Melfi.
A posição de Frederico II tornou-o um Salvador para os 
amigos, um Anticristo para os inimigos O título de 
dominus mundi, atribuído pelos seus cortesãos, oscila 
entre o significado de senhor imperial do orbis terrarum 
e de príncipe satânico deste mundo. O fascínio luciferino 
do imperador ainda dificulta actualmente a sua imagem.
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A tentação é grande de o ver à luz do renascimento de 
um governante clássico ideal e pré-cristão; e também é 
possível vê-lo como o primeiro homem moderno; alguns 
consideram-no um espírito forte que não acreditava na 
imortalidade da alma; outros descreveram-no como um 
bom católico; enalteceram-no como herói; historiadores 
nacionalistas alemães condenaram-no pela sua falta de 
empenho na germanização do império; uns admiraram a 
sua majestade imperial; outros a sua evocação de um 
colégio de príncipes europeus.
Não tencionamos adoptar como definitivo qualquer 
destes retratos. A grandeza do Imperador não reside nem 
na força de um carácter firme e claro, nem nos méritos 
de uma política, nem na consistência com que a 
empreende. Reside, antes, na força e vastidão de uma 
alma igual às tensões da época. Reaparece a expectativa 
entre a evocação antiga e a irrupção de forças 
intramundanas característica das teorias de João de 
Salisbúria, agora com a escala e a responsabilidade da 
acção imperial. A experiência da plenitude dos tempos 
que determinou a construção apocalíptica de Joaquim de 
Fiora exprime-se no jogo de Frederico com o símbolo de 
Augusto, o iniciador da Idade de Ouro. É uma figura da 
história profana em paralelo com Crist; a Quarta Écloga 
de Virgílio parece ter sido aplicada pela primeira vez na 
história cristã, não a Jesus, mas a um governante. E a 
conformidade franciscana ao Cristo sofredor tem paralelo 
na conformidade do Imperador ao Messias vitorioso, a 
um ponto tal que confina com a evocação do Deus feito 
homem.
Quando tentamos recuar até aos papéis desempenhados, 
em busca da qualidade da pessoa que os reúne, 
encontramos uma vitalidade e sensualidade abundantes, 
uma capacidade sempre pronta a desempenhar o papel 
sugerido pelas circunstâncias da situação; uma vontade 
alegre de investigar, até aos limites, a estrutura da 
realidade tal como esta se apresenta; seja nos problemas
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empíricos da caça ao falcão, nos problemas intelectuais 
das Questões Sicilianas, na técnica dos procedimentos 
da corte, ou em contra-manifestos apocalípticos às 
acusações papais. Ele, é impossível traçar uma linha 
entre o homem de acção e o actor, entre a selvajaria da 
sua vontade e a ironia do seu jogo. Liga-se aos seus actos 
a qualidade da representação; na pompa barroca da 
linguagem, no seu sentido do ritual, na representação 
plástica e arquitectónica do culto da Justiça na porta de 
Cápua e na consciência representativa da sua majestade. 
Também é impossível demarcar a sua curiosidade 
intelectual da sua descrença dogmática. Quando na 
Carta a Jesi se refere-se ao seu local de nascimento em 
termos de Belém e à sua mãe como uma theotokos, não 
sabemos quanto seja um jogo com símbolos 
representativos e quanto seja conformidade ao Messias 
com a finalidade política, e quanto talvez apenas 
ingenuidade. Quando o papa o designa de Besta 
apocalíptica oriunda do Mar e ele dá o troco, chamando o 
Papa de “corcel vermelho do Apocalipse” não podemos 
saber até que ponto a réplica seja política, convicção 
religiosa ou pura brincadeira. Temos de atender a estas 
tensões na alma em ordem a compreender a impressão 
que o imperador exerceu sobre os contemporâneos. 
Estavam assustados porque ninguém poderia prever o 
que um homem desta capacidade faria a seguir e a que 
extremos o conduziria um temperamento duro e 
selvagem. A visão nietzscheana de Cesare Borgia como 
Papa está perfeitamente dentro das possibilidades da 
alma de Frederico II.
Abundam os materiais para a interpretação de Frederico
II. O mais importante documento para o presente 
propósito é o Proemium das Constituições de Melfi, de 
1231, o acto conclusivo da reorganização política da 
Sicília. Proclamadaspelo imperador, codificam o direito 
constitucional, administrativo, penal e processual para a 
Sicília. Estamos no início da transformação das 
categorias políticas imperiais em categorias políticas
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modernas O imperator in regno suo é uma transição entre 
o imperador e o príncipe soberano. Também importante é 
a mistura de categorias cristãs e romanas imperiais, para 
transformar a lei da humanidade cristã na lei do estado 
secular. Os princípios orientadores são a paz e a justiça 
cristãs mas rodeadas dos símbolos de Augusto e 
Justiniano. As constituições fora chamadas Liber 
Augustalis e o próprio Proemium imita a introdução do 
Corpus Juris, no estilo imperial de Justiniano. Os 
símbolos romanos servem a descrição do sacro império, 
instituindo para uma província do império categorias que 
deveriam ficar reservadas para a totalidade.
O Proemium teoriza a função régia da legislação, segundo 
uma interpretação decorrente do símbolo cristão da 
origem do poder após o pecado. Com a criação, Deus fez 
do homem a criatura máxima, impondo-lhe tão só a 
observância da lei. A transgressão foi punida com a 
perda de imortalidade. Para não destruir a ordem da 
criação, a perda da imortalidade foi compensada com o 
dom da fertilidade e os governantes foram providenciados 
para preservar a ordem da humanidade.
Esta descrição não é a narrativa do Génesis mas antes 
uma selecção de elementos nela presentes e fundidos 
numa nova unidade. Desapareceu o problema moral da 
Queda, bem como a redenção através de Cristo. A Queda 
é apenas uma ofensa legal que continua a ter que ser 
punida, como se não houvesse redenção. Ademais o 
mundo tem uma enteléquia quando o resto do mundo 
perde a sua forma A comunidade de homens mortais 
substitui o homem imortal e este tipo de criação atinge o 
seu pleno com a figura do governante. A alma deste 
desce da necessitas rerum; as suas acções resgatam o 
significado da criação. Sem dúvida que existe um apelo 
entre esta teorização e certas correntes da primitiva 
filosofia cristã do direito natural. Mas enquanto esta 
abordava o problema da comunidade humana em ligação 
com a história sagrada, o proemium usa o símbolo
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cristão ao serviço de uma doutrina naturalista do poder, 
derivando a função de governar das estruturas da 
realidade intramundana. A necessitas rerum é uma 
primeira forma da futura raison d’état.
Enfim surge o elemento averroístico. O casal do paraíso 
foi substituído pelas gerações humanas. A imortalidade 
colectiva sucedeu à imortalidade individual. Embora o 
Proemium não elabore as implicações desta posição, certo 
é que a interpretação colectivista da humanidade se opoe 
à ideia cristã do corpo místico. A ideia colectivista 
absorve a personalidade homem no espírito de grupo. O 
homem e individuação de um intelecto genérico e a morte 
é apenas a despersonalização. Tal como Averróis colocou 
a teoria da alma segundo Aristóteles
A antropologia averroísta pode tornar-se em síntese, a 
base filosófica de uma organização colectivista da 
sociedade .
No caso do Proemium não vai tão longe. É pouco provável 
que a doutrina averroísta tenha sido conscientemente 
incorporada porque o averroismo só surge consciente em 
meados do séc. XIII. Mas é importante perceber que as 
Constituições de Melfi representam um estádio avançado 
da situação política que permitiu a receptividade das 
ideias averroistas. A consciência da unidade espiritual do 
povo surgiu em ligação com heresias populares. A 
primeira legislação civil contra heresias surgiu com a 
Assize de Clarendon (1166). A questão tornou-se 
premente com o pontificado de Inocêncio, a cruzada 
contra os Albigenses e o estabelecimento da Inquisição.
O processo inquisitorial culminava com a selecção de
........e julgamento sem queixa privada. Melfi faz
desaparecer a linha entre heresia religiosa e 
insubordinação política. O artigo 1° trata da perseguição 
de heréticos e patarenos. A protecção da fé e integrada 
na guerra contra as ideias lombardas dominadas pelo 
Patarenos; a guerra contra os heréticos faz parte da 
campanha contra os movimentos populares que desafiam
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o Príncipe. Acusa-se os patarenos de romperem a 
“indivisível unidade da fé” como muito mais tarde se 
falará da “indivisível soberania da nação” da revolução 
francesa. A queixa de que os Patarenos destróem-se a si 
mesmos ao terem que ser queimados pelos governantes 
faz lembrar Hobbes e Hitler.
O Artigo IV estabelece que a discussão das leis, decisões 
e nomeações régias seria sacrilégio, pelo que devem ser 
proibidas. Esta medida que datava já de Rogério II 
mostra a nova dignidade sacramental de que se pretende 
revestir o governo secular.
A receptividade crescente das ideias colectivistas deve-se 
a factores diversos. Primeiro, a desintegração do corpo 
místico. através da emergência das novas comunidade 
heréticas. Os movimentos populares heréticos acarretam 
uma contracção da substância da fé por parte das forças 
tradicionais que elaboram posições ortodoxas, processos 
inquisitoriais e estrita obediência a critérios. Em segundo 
lugar, a tensão crescente entre hierarquias espiritual e 
temporal que agudiza a respectiva luta pelo poder. 
Terceiro é o crescimento das nações como subdivisões 
organizadas do populus christianus.
Este três factores apontam para uma ecclesia política 
intramundana. Uma comunidade de seres mortais 
reúne-se pela evocação da continuidade das gerações 
assegurada por um governante. A substância espiritual é 
fornecida pelo rei; a fé deriva a sua validade de uma 
autorização estatutária; os ditames régios equivalem a 
um credo religioso; qualquer dissensão é sacrilégio. A 
humanidade divide-se em massa e governante. Esta 
irrupção da força intramundana do governante no reino 
do cristianismo; este corpo místico de mortais sob a 
direcção do governante teria de precipitar uma crise, 
como veio a suceder quando Frederico II passou aos 
actos.
3. Cristandade Cesárea
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ERIC VOEGELIN
Assim designou den Steinen a tendência do imperador 
em assimilar a sua função imperial ao de Messias. 
Francisco transformou Cristo humilde em Jesus sofredor 
com a consequência de que as hierarquias ficaram 
decapitadas da cabeça messiânica. Frederico II 
representa a tentativa de criar uma imagem de governo 
em conformidade com o Cristo cosmocrator, com o 
Messias em sua glória.
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ERIC VOEGELIN - São 
Tomás de Aquino
Compactação e tradução de Mendo Castro Henriques
A publicar em "Estudos de Ideias Políticas" ** A Idade 
Média" 2001
C . O clímax. São Tomás de Aquino 
§1 História
a. Verdade e Ser
A obra de São Tomás de Aquino (1225-1274) absorveu-o 
literalmente - morreu exausto antes de perfazer 50 anos - 
e absorveu-o existencialmente porque foi a expressão de 
uma vida ao serviço da investigação e ordenamento dos 
problemas da sua época. Afirmar que foi um grande 
pensador sistemático é uma meia-verdade. Sabia aplicar 
a sua mente imperial à multiplicidade de assuntos que o 
atraíam e distinguia-se por ter uma personalidade rica 
em sensibilidade, magnanimidade, energia intelectual e 
espírito sublime. A exclusiva vontade de ordenamento 
poderia produzir um sistema que fosse mais notável pela 
coerênciado que pela captação da realidade. A grande 
receptividade poderia ter originado uma enciclopédia.
Mas as duas faculdades combinaram-se num sistema 
que assinala o impulso dinâmico de Deus para o mundo 
através da causalidade criadora, e do mundo para Deus 
através do desiderium naturale: A origem desta 
combinação deve-se ao sentimento que fez de Tomás um 
santo: a experiência da identidade entre a verdade de 
Deus e a realidade do mundo. "A ordem das coisas na 
verdade é a ordem das coisas no ser". Esta frase da 
Summa Contra Gentiles significa que o intelecto divino 
está impresso na estrutura do mundo; que a descrição 
ordenada do mundo resultará num sistema que descreve
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a verdade de Deus: que cada ser tem a sua razão e 
sentido na hierarquia da criação divina; que cumpre a 
finalidade da existência ordenando-se ao fim último que 
é Deus. A frase tambem se aplica ao homem individual. 
Ontologicamente, o intelecto humano veicula a marca do 
intelecto divino. Metodologicamente, o uso do intelecto 
revela a verdade de Deus manifesta no mundo. 
Praticamente, a tarefa do pensamento significa a 
orientação da mente para Deus.
b. O intelectual cristão
O melhor dos auto-retratos do Santo surge nos capítulos 
de abertura da Summa Contra Gentiles. São Tomás de 
Aquino concebe a filosofia como arte de ordenar as coisas 
para um fim. Entre todas as artes, a filosofia é a superior 
porque contempla a finalidade do universo, ou seja Deus, 
e apresenta os conteúdos do mundo a Ele ordenados.
Ora Deus é Intelecto. A finalidade da filosofia é o bem do 
intelecto, que é a verdade. No termo veritas fundem-se os 
três sentidos da verdade: a fé revelada pela incarnação 
(João, 18,37); a auto-manifestação da Deus na criação; o 
trabalho intelectual que é a manifestação do intelecto 
divino. Ao invés do intelectual averroista, Tomás dignifica 
a autoridade intelectual porque o intelecto humano é a 
ratio da existência humana criada por Deus. Através da 
vida intelectual o homem aproxima-se da divindade. O 
intelectual sabe mais que o homem comum mas este não 
é um vilis homo. ao qual se aplica o termo idiota ou 
então rudis homo. com o duplo sentido de leigo cristão e 
leigo no saber. Tudo o que o filósofo sabe através da 
actividade do intelecto, o leigo sabe através da revelação 
de Deus em Cristo. A manifestação sobrenatural da 
Verdade em Cristo ao homem comum identifica-se à 
manifestação natural da verdade no sabedor.
c. Fé e razão
Fé e razão não entram em conflito porque o intelecto 
humano veicula a marca do intelecto divino. Deus não
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decepciona o intelecto com resultados que contradigam a 
fé revelada. O intelecto pode errar mas consegue 
alcançar verdades como a existência de Deus, deixando 
para a fé revelada verdades inacessíveis à razão, tais 
como o carácter trinitário da divindade. Este dinamismo 
teórico separa as esferas da teologia natural e 
sobrenatural. A esfera sobrenatural está removida do 
debate intelectual e pertence à revelação e às decisões 
dogmáticas da Igreja. A parte natural fica livre para ser 
integrada num sistema de conhecimento humano sob a 
autoridade da razão. Esta magnífica harmonização de fé 
e razão influenciou decisivamente o destino da ciência no 
mundo ocidental, resultado tanto mais admirável 
quanto, na época, a evolução da ciência estava nas mãos 
de clérigos e as célebres Condenações de 1277 ainda 
consideravam heréticas algumas teses tomistas. O 
avanço da compreensão empírica e intelectual do mundo 
requer uma permanente redifinição da separação entre 
verdade sobrenatural e natural, problema difícil para a 
Igreja e para os intelectuais, mas a que Tomás deu a 
melhor formulação e solução possível no seu tempo. O 
retrato do Santo que emerge da sua metafísica é o do 
descobridor de uma síntese das forças intramundadas 
que poderiam destruir o cristianismo, se ficassem 
entregues a si mesmas. O intelecto não é uma autoridade 
independente. A orientação transcendental do intelecto 
torna-se uma expressão legítima do homem natural e 
não uma rival intramundana da fé. O seu sentimento de 
valor intelectual não é inferior ao de um Sigério de 
Brabante como se depreende da descrição da filosofia 
como arte ordenadora e da justaposição do filósofo em 
que se manifesta a verdade natural com o Cristo que é a 
verdade incarnada espiritualmente; mas é um 
sentimento de valor temperado pela espiritualidade que 
aceita a revelação.
d. Propaganda intelectual
A mesma vontade de harmonia é patente na síntese
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tomista dos problemas suscitados por Fiora, S.Francisco 
e pelos Espirituais franciscanos. S.Tomás pertence a 
uma Ordem mendicante que louva o esforço missionário 
e pregador. Mas o seu Cristo não é apenas para os 
pobres em espírito e em bens; é um Cristo que expande o 
Seu reino através da propaganda intelectual. A Summa 
Contra Gentiles foi escrita para que as missões 
dominicanas em Espanha enfrentassem a influência 
intelectual muçulmana. Tomás afirma no Proemium que 
é possível argumentar com os Judeus com base no 
Antigo Testamento, e com heréticos com base no novo 
Testamento; com os maometanos, contudo, é preciso 
apelar à autoridade do intelecto, tal como os pagãos nos 
estádios da lei segundo S. Paulo. E o intelecto que 
produz resultados cristãos torna-se o instrumento da 
propaganda inter-civilizacional, fundando a pretensão 
que a civilização ocidental é racionalmente obrigatória 
para a humanidade. Tal pretensão sobreviveu à perda de 
conexão com a espiritualidade cristã e tornou-se 
agressiva na Idade da razão secular. As raízes da 
dinâmica internacional da civilização ocidental residem 
no tomismo cuja força duradoura resulta da harmonia 
das operações intelectuais com a espiritualidade Cristã. 
Quando se esquecem estas raízes, perde validade a 
pretensão de validade da razão autónoma e a razão fica 
enigmática. E sempre que declina o ímpeto Cristão do 
intelecto, a revolta contra a razão clama insensatamente 
por uma nova espiritualidade qualquer.
e. As hierarquias
A abordagem tomista da relação entre os dois poderes é 
mais ampla que a franciscana. O retrato do príncipe em 
De Regimine Principum - desenvolvido com o aparato da 
Política de Aristóteles - mostra a impressão causada por 
Frederico II e a importância de que se reveste o fundador 
e governante de uma comunidade. Já quanto ao poder 
espiritual, a posição é muito semelhante à franciscana. A 
Igreja é uma instituição que ministra sacramentos; na
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hierarquia de poderes, tem o primado sobre o temporal. 
Contudo, Tomás não escreveu um tratado sobre a Igreja. 
A Summa Theologica tem uma parte volumosa sobre 
governo temporal (ST I,ii,qq.90-114) mas não explicita 
uma doutrina da Igreja e menos ainda do Direito 
Canónico. Sendo possível apresentar uma doutrina 
tomista da Igreja - como fez Grabmann - é significativo 
que a falta de ênfase tomista se deva à época de 
interregno em que vive: o Sacrum Imperium está a 
desaparecer, crescem múltiplos poderes políticos com 
estrutura natural imanente e o poder espiritual está a 
tornar-se a super-estrutura espiritual da multidão de 
civitates.
f. Evangelium Aeternum - Imperialismo Ocidental
A adaptabilidade de Tomás às exigências da realidade 
histórica é patente no modo como distribui as tónicas 
espirituais e políticas do seu tempo. Condena como 
insensata a ideia de um terceiro reino do Espírito 
-stultissimum est dicere quod Evangelium Christi non sit 
Evangelium regni (ST,I, ii, quaestio 106, art.4). A vida 
sob a lei nova é a mais perfeita que se pode conceber. O 
Evangelium foi todo anunciado ao universo de uma só 
vez, sendo necessária a pregação até que a Igreja se 
estabeleça em todas as nações.(ST I-II 106 4 ad.4 ). A era 
de Cristo diversifica-se conforme o espaço, o tempo e as 
pessoas, e conforme a presença da graça do Espírito. 
Tomás vive entre duas épocas: morreu a unidade 
medieval do Império mas ainda não nasceu o mundo dos 
estados nacionais. Talvez tenham razão os que o acusam 
de não possuir uma filosofia da história, caso estiverem a 
considerar a história política. Mas o seu sentido histórico 
permitiu-lhe exprimir a vontade imperial da civilização 
cristã. Em vez de simbolizar o cumprimento da história 
cristã por uma nova descida do Espírito numa 
irmandade elitista, abraça todo os conteúdos naturais do 
mundo e do intelecto humano e da sociedade, organizada 
numa pluralidade de comunidades. A sua filosofia da
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história contempla a expansão da Cristandade em todo o 
orbe através das actividades de missionação. Neste 
sentido, Tomás representa a vontade de domínio imperial 
do homem maduro, intelectual e espiritualmente. Esta 
evocação permaneceu uma componente do imperialismo 
no período do estado nacional. Reaparece no sec. XVI em 
Espanha com Francisco de Vitória; reaparece na 
Inglaterra Elizabetina; reaparece no sec. XVII em 
combinação com o imperialismo comercial de Grócio; e 
reaparece nas lutas subsequentes por impérios coloniais 
que impliquem uma ideia providencial do domínio do 
Ocidente sobre o resto do mundo.
g. O espírito histórico
Se por teoria entendermos a ordenação sistemática de 
uma problemática não-histórica, Tomás não era um 
teórico. Para ele, a relação entre fé e razão é uma 
harmonização de forças históricas. A verdade de Deus 
manifesta-se num mundo cheio de dinamismo das forças 
históricas. O trabalho da filosofia não se esgota em 
especulaçãos aprioristas; deve recrear num sistema a 
unidade do mundo historicamente concreto. A forma das 
Questões da Summa Theologica é ideal para executar 
esta tarefa porque permite organizar o material num 
enquadramento estável e oferece oportunidades de 
descer ao detalhe histórico em notas polémicas que 
precedem e prosseguem o corpo da quaestio. A Summa 
não é um tratado sistemático: contém transições 
frequentemente obscuras ou omissas e, por vezes, 
digressões excessivas. Este sistema muito pouco rígido é 
o símbolo perfeito de uma mente que não é apriorista 
nem empirista e que exprime um indivíduo que 
experimenta a sua harmonia com a manifestação de 
Deus no mundo histórico.
§2. Política
Na apresentação da política tomista topamos, pela 
primeira vez desde a recepção de Aristóteles, com a
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maldição da teoria política ocidental - a maldição de não 
sabermos exactamente o que os nossos símbolos 
significam. As categorias aristótelicas reportam-se 
evidentemente à polis helénica dos secs. VI a IV a.C. A 
sendo que a sua adopção posterior é um exercício 
humanista com escassa relevância para os novos 
problemas políticos. Por exemplo, Tomás traduz polis por 
civitas, mas também por gens, regnum, provincia. Gens e 
regnum são organizações políticas muito diversas. 
Provincia provém do vocabulário imperial romano. Todo 
este suspense em relação ao tipo de organização política 
contemplada mostra que a teoria tomista do governo não 
é suficientemente geral para captar os elementos de 
todas as formas políticas nem suficientemente específica 
para se aplicar a uma unidade política concreta. E ainda 
hoje não ultrapassámos a vagueza humanística que 
atribui validade geral às categorias intermédias 
resultantes da recepção de Aristóteles.
b. A dedicatória ao rei de Chipre
Muita da força da teoria política helénica resultou do 
facto de que as poleis mais antigas se empenhavam em 
fundar novas cidades e colónias. A possibilidade de 
selecção do espaço, do planeamento da cidade e do 
esboço da constituição são o pano de fundo para a 
construção de Estados ideais, em Platão e Aristóteles, tal 
como a partir do sec.XVI , a descoberta da América e o 
estabelecimento de colónias abriu horizontes 
semelhantes. No sec.XIII uma situação algo comparável 
resultou das migrações normandas e do movimento das 
Cruzadas. Em particular, a fundação de novos 
principados nos domínios bizantinos e arábes invadidos 
pelos Cruzados foi uma tentativa de expansão da 
civilização ocidental entre as gentes, tentativa cujo 
fracasso não era ainda previsível na época de Tomás.
Este escreveu em 1265-66 o De Regimine Principum, 
dedicando-o precisamente a Guy de Lusignan, rei 
cruzado de Chipre, e não a um poderoso monarca ou
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imperador do Ocidente.
c. O Príncipe como análogo divino.
No teoria política de Tomás, a ideia de fundação substitui 
o lugar da evolução da família para a aldeia e para a 
polis em Aristóteles, regressando assim à ideia platónica 
da cidade fundada pelo espírito. A série de analogias 
entre Deus como criador e governante do universo, a 
alma governante do corpo, e o príncipe como fundador e 
governante da civitas (RG, I,13) subvertem a visão 
aristótelica de que a cidade tem uma evolução 
estritamente natural. Perde sentido a sequência 
obrigatória de comunidades - família, aldeia, polis. A 
sequência é traduzida por familia, civitas, provincia, 
interessando sobretudo o chefe de família e o rei que 
pode ser de civitas ou provincia. A função régia é de 
ordem natural e não espiritual. O dom da regia virtus 
recebido por um indivíduo (RP,I,9) não é a autoridade 
espiritual de Platão nem a arete de Aristóteles; é apenas 
uma virtú mas sem o elemento demoníaco de tipo 
maquiavélico. Mantém-se a evidência natural da 
sociedade porque o homem isolado não poderia 
desenvolver as suas capacidades ("Naturale autem est 
homini ut sit animal sociale et politicum, magis etiam 
quam omnia alia animalis; quod quidem naturalis 
necessitas declarata /(I,1); mas permanece 
indeterminada como seria uma comunidade perfeita que 
satisfizesse as carências naturais e a vida intelectual.
d. A comunidade de cristãos livres
A grande novidade em relação a Platão e Aristóteles é de 
que o rei funciona como governante da comunidade dos 
livres (liberorum multitudo R.P. I,1). Liberdade e servidão 
tornam-se critérios do bom e mau governo, Se os 
membros da comunidade cooperam livremente nas 
tarefas da existência comum, o governo é bom, tenha 
forma de monarquia, aristocracia ou politeia. Se um ou 
alguns homens exploram os restantes em proveito
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próprio, o governo é mau. Aliás, mesmo o bom regime de 
Aristóteles seria mau porque continha escravos. A 
antropologia tomista opera com a ideia do homem cristão 
livre e maduro, ideia magnânima semelhante à do 
igualitarismo aristocrático de S. Francisco. Tomás 
experimenta a liberdade do cristão mas não coloca o 
homem numa comunidade natural com obrigações 
próprias. Os livres são apenas uma multitudo resultante 
da livre cooperação criadora. Não apresenta uma teoria 
do contrato social que institui obrigações nem uma teoria 
da organização política do povo. Interessa-lhe apenas o 
populus christianus. Na Summa Contra Gentiles quando 
ainda não adoptou as categorias de Aristóteles, 
apresenta o homem como naturaliter animal sociale, e 
vive inclinado para o amor mútuo e a solidariedade (SCG, 
III 117,). Mas a finalidade social não reside a esfera 
natural; o que constitui a comunidade humanaé a 
finalidade comum de amor a Deus e a ordenação da vida 
para a felicidade eterna. Os laços de afeição que que têm 
que existir entre os que se estimam (III,117) exigem 
regras de comunidade dadas por Deus (III,111-146). Na 
Summa Theologica (ST I ii 90,2) em que desenvolve a 
mesma posição, Tomás deixa cair do céu a citação de que 
a polis é a comunidade perfeita porque conduz à 
felicidade. Contudo, para Aristóteles, a polis histórica é 
um absoluto em que se insere a acção contemplativa; na 
Summa a felicidade é o absoluto que atrai a si uma vida 
de comunidade sem qualificação política. Também a 
recepção do termo de Aristóteles animale politicum não 
significa adopção do sentido. O homem de Aristóteles 
realiza-se na polis e nada mais é do que politikon 
enquanto o homo christianus está orientado para a 
finalidade transcendental espiritual, sendo tambem 
político. A figura central da política tomista é o homo 
christianus (RG,I,14) e não o zoon politikon. A sequência 
de analogias - Deus no universo, príncipe na civitas, a 
alma no corpo - não é a palavra final na politica tomista 
porquanto a multidão de cristãos tem que viver sob
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Cristo, rei espiritual. O ministério deste reino espiritual é 
confiado aos sacerdotes - separados dos assuntos 
mundanos - e em particular ao pontífice romano, ao qual 
todos os reis e povos estão subordinados (RP I,14).
Assim, a velha dicotomia de poderes - espiritual e 
temporal - é substituída pela dicotomia moderna de 
religião e política. A esfera política no sentido moderno 
ainda está completamente orientada para o espiritual; 
mas começa a evolução para a privatização de religião (à 
maneira de Locke), o monopólio da esfera pública pela 
política e a possibilidade de uma integração totalitária da 
espiritualidade intramundana na esfera pública da 
política.
e. Teoria do governo constitucional Tão forte é o carácter 
humanístico da teoria de São Tomás de Aquino que mal 
refere a existência de um sistema da instituição do 
governo, sendo que os princípios desenvolvidos com 
referência às instituições israelitas e helénicas são pouco 
adaptados ao sec.XIII. Cada comunidade perfeita tem 
que ser estruturada nos três reinos de optimates, 
populus honorabilis, populus vilis, (ST I 108, 2), modelo 
inspirado na nobilitá, popolo grasso, popolo minuto das 
cidades italianas. A partir da liberdade cristã, é possível 
desenvolver instituições governamentais para o homo 
christianus enquanto homem político. Não sabemos o 
que Tomás pensaria sobre a evolução nas cidades 
italianas onde as revoltas dos Ciompim em Florença, e 
dos Patarenos, em Milão, exigiam a integração do terceiro 
estado no governo; nem sabemos como aplicaria o seu 
princípio na Iglaterra que atingia então o 
Parlamentarismo, e menos ainda na França, feudal e 
comunal. No Regimine Principum, que permaneceu 
incompleto, a teoria do governo constitucional surge em 
ligação com o problema da tirania (II,6). O tiranicídio é 
condenado, sendo da responsabilidade da auctoritas 
publica a deposição do governante injusto. O melhor 
seria a prevenção da tirania através da delimitação do 
poder régio. Na ST I ii q.95,4 o regimen conmixtum é
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apresentado como a melhor forma de governo. A 
propósito das instituições do povo Hebreu (I ii 105,1) 
afirma Tomás que a monarquia (análoga da divinidade) é 
a melhor forma de governo mas está mais sujeita à 
tirania. Esta nonchalance na definição da melhor forma 
de governo parece provir da democracia primordial de 
Israel, em que o Senhor recebeu com desagrado o desejo 
popular de ter um rei como as demais nações(loc. cit. 
ad.2). Tomás adopta o princípio orientador de que cada 
um deve ter a sua parte no governo. A politeia deveria ter 
por magistrados o rei, a nobreza e os representantes dos 
povos, contribuindo assim para a prevenção da tirania, 
provocada pela compra de votos, pela eleição de 
personalidades indignas, (I,ii, 97,1) e pela expoliação dos 
proprietários. As fontes principais do pensamento 
politico tomista são a teoria aristotélica da política, a 
constituição romana, a democracia original e monarquia 
de Israel, a democracia das cidades italianas e o 
sentimento da liberdade cristã. Estes elementos não 
estão integrados; co-existem no estilo harmonizador do 
pensamento tomista. A síntese possível é a ideia de 
governo constitucional baseada em dois princípios: a 
estabilidade de governo que depende da participação do 
povo e o princípio espiritual cristão da liberdade do 
homem maduro. A evocação é humanistica porque as 
operações intelectuais com a terminologia de Aristóteles 
ainda não penetrara suficientemente nos problemas 
concretos da política. Esta síntese de natureza e 
espiritualismo cristão dominou a evolução da política 
ocidental, até hoje.
§ 3. Os quatro tipos de Direito
a. A teoria do Direito
Uma compreensão adequada da teoria do direito, tem 
que atender ao lugar em que ela é tratada na ST. A 
primeira parte da Summa trata de Deus e da Sua 
criação, a segunda do Homem e a terceira de Cristo. A 
Prima Secundae (I,IIae) trata das acções humanas.
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Primeiro aborda a beatitude como a finalidade da vida 
humana (qq.1-5) e depois os meios para a atingir; os 
meios consistem em acções humanas que se subdividem 
em acções voluntárias especificamente humanas 
(qq.6-21) e as paixões que são tipos de acção comum aos 
animais (qq.22-48). Os princípios internos da acção 
humana são subdivididos em poderes e hábitos 
(qq.48-89). O princípio externo que move o homem para 
o bem é Deus, operando através do Direito (qq.90-108) 
ou com a assistência da Graça (qq.109-114). A teoria da 
lei é a instrução dada por Deus ao homem para motivar 
os seus actos para a beatitude. Este esboço da teoria da 
direito aplica princípios ontológicos. O mundo é uma 
criação de Deus e, como tal, portador da marca do divino 
intelecto; o significado da existência criada é o 
movimento de retorno a Deus. A regra que motiva a 
acção humana de retorno a Deus é a ratio da criação no 
intelecto do próprio Deus. A criação imprime no homem 
esta ratio divina que é a Lex aeterna, pelo que o direito 
natural é o ditame da razão que vive no homem. Como o 
homem é imperfeito, a adaptação da lei natural às 
contingências humanas é chamada de direito humano. 
Como o homem não é apenas um ser natural mas 
orienta-se para o espírito transcendente é necessária 
uma revelação especial que constitui a direito divino, 
apresentado no Antigo e Novo Testamento.
b. Definição de Direito
O direito é definido como ordenamento da razão para o 
bem comum, feito pelo governante e promulgado (90.4).
A definição soa como uma definição do direito positivo 
mas pretende ser uma definição dos quatro tipos de 
direito. A tónica recai sobre a comunidade politica e os 
órgãos de legislação mas a problemática da autoridade 
legislativa não está ainda separada da autoridade da 
ordem por virtude da justeza dos seus conteúdos. Os 
elementos da razão e bem comum são especulativos e 
comuns aos quatro tipos de lei. O elemento de
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promulgação pode adaptar-se à manifestação da lei 
divina na lei natural (90,4,ad 1) a lei divina é 
promulgação da lei eterna, e lei humana é promulgação 
pelos governantes. As dificuldades surgem com a feitura 
da lei pelo representante da comunidade. O elemento 
refere-se a Deus, e ao príncipe (91,1) Mas a analogia 
quebra porque a lei eterna não pode ser feita mas existe 
desde a eternidade na mente divina.Por outro lado, (90 
art. 3) Tomás refere apenas a feitura da lei em 
comunidade nacional perfeita. Tomás está a tentar criar 
uma teoria do direito positivo que leva a conflito com a 
teoria dos conteúdos da ordem jurídica dada na 
classificação das quatro variedades. Toda a lei é criada 
por Deus com excepção da lei eterna incriada. Os 
homens participam nessa criação através da feitura da 
lei humana. Mas esta feitura humana consiste em 
encontrar os elementos rectos da lei de acordo com lei 
divina e natural. A lei feita faz parte do retorno do 
homem a Deus. A feitura da lei tem a estrutura dialéctica 
de fazer lei por Deus através do instrumento da acção 
humana, ou orientação do homem para Deus através de 
regras de acção conforme a vontade legislativa divina. A 
dialéctica da lei positiva resultante da posição ontológica 
nunca é tratada adequadamente. Em vez disso 
encontramos identificação da lei posta com a essência da 
lei (90, 4) e com lei humana em 95, 1 e 2) A confusão 
neste ponto corresponde a falha no sistema: a 
comunidade perfeita a constituição e acção legisladora 
são recebidas factualmente no sistema mas Tomás não 
criou um enquadramento teórico satisfatório para elas.
c. A teoria do direito natural
A força da filosofia jurídica tomista reside na teoria dos 
conteúdos da lei natural. A lei eterna induz nas pessoas 
uma inclinação para as acções justas. É esta 
participação da criatura racional na lei eterna que se 
chama de lei natural. A luz da razão natural que 
distingue o bem do mal é reflectido na refracção da luz
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divina em nós. (91,2). Toda a lei é derivada da lei eterna 
(93,3) Os princípios gerais são auto-preservação. 
Preservação da espécie através de procriação e educação, 
preservação da natureza racional através do desejo de 
conhecimento de Deus, e inclinação para a ideal da vida 
em comunidade (94,2). A construção assemelha-se a 
teoria estóica de lei natural, koinos nomos e participa 
nela atrrvés de apospasme, a centelha do nomos no 
homem individual. Mas a antropologia é cristã. A 
concepção estóica poderia conduzir a teoria da 
iluminação como em Santo Agostinho ou a teoria 
colectivista da anima intellectiva como em Averroes. A 
participação tomista é objectiva na medida em que não 
depende da iluminação individual (Agostinho) e confere 
peso à singularidade da pessoa porquanto concebe a 
comunidade como o esforço cooperativo de homines 
Christiani livres. A fundamentação tomista é talvez a 
única sustentável posição para uma filosofia do direito. 
Caso não existir uma fundação ontológica temos a 
seguinte alternativa: ou não ter fundação ontológica e 
aceitar como válida qualquer ordem jurídica positiva que 
possa compelir à submissão ou erigir como absolutos 
elementos intramundanos tais como instintos, desejos, 
carências, razão secular, vontade de poder, ou 
sobrevivência dos mais aptos. A primeira opção é niilista 
a segunda positivista e não permite integrar a 
experiência transcendental religiosa na filosofia da 
Direito. A clássica solução tomista fornece uma fundação 
religiosa e uma ordem jurídica que respeita a estrutura 
ôntica da existência humana; harmoniza a personalidade 
espiritual cristã com a comunidade natural perfeita que 
pode corresponder a povos ou federações, desde que 
dotados de identidade espiritual. A solução tomista surge 
quando instituições tradicionais estão a desaparecer, 
sendo depois absorvida pela teoria da interpretação 
natural do período dos estados nacionais.
d. Lei humana - lei positiva
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Tanto a lei humana como a lei divina possuem conteúdos 
contingentes. O debate na q.95 identifica a lei humana 
com a lei positiva. A confusão resulta de Tomás não 
distinguir suficientemente entre o conteúdo da ordem 
jurídica e a autoridade legislativa e o poder de sanção. 
Enquanto lex ab hominibus adinventa (91, 3) a lei 
humana cria detalhes e regras que aplicam a lei natural 
a situações concretas. Tomás segue o conselho de Isidoro 
(Etimologias, 5, 21) de que os princípios de direito 
natural não devem exigir o que é humanamente 
impossível nem contradizer as tradições locais; devem 
servir o bem comum e ser claros e adaptados ao tempo e 
ao espaço. Enquanto lex humanitus posita (q.95) a lei 
humana é corpo de regras feitas pelos órgãos legislativos 
e garantida pela sanção governamental. Trata-se da 
generalidade e da obrigatoriedade da lei. É preferível 
providenciar regras gerais redigidas de modo 
desinteressado e competente e genérico. A 
obrigatoriedade é necessária porque a natureza humana 
é fraca; força e temor ajudam a virtude a agir 
correctamente.
e. A Lei Antiga -
A sociedade de proprietários A lei divina surge porque a 
finalidade sobrenatural do homem exige uma orientação 
que o juiz incerto humano não encontra sozinha. A lei 
humana não abrange intenções, já que a proibição do 
mal também destruiria o bem da vida comunitária e 
porque a lei divina lei que regula e sanciona o mal escapa 
à regulamentação humana (91, 4). A lei divina, no Antigo 
e Novo Testamento, é uma só, correspondente a dois 
estádios espirituais da humanidade, infância e 
maturidade. O Antigo Testamento ordena o homem a 
bens terrenos, regulando actos externos e compelindo à 
obediência por temor do castigo. O Novo Testamento 
dirige o homem para bens celestes, ora regulando actos 
intrínsecos induzindo obediência através de amor divino 
que a Graça instila nas criações humanas. Esta relação
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entre conteúdo de uma ordem jurídica e estádio 
civilizacional de um povo é uma filosofia da cultura. A 
discussão do Antigo Testamento permite tratar Israel 
numa monografia abrangendo a análise da ordem 
cerimonial política e civil (qq. 98-205) o que, segundo 
Dempf, é o primeiro tratado sobre uma civilização antiga 
concebida no espírito humanístico. Na teoria da 
propriedade privada, Tomás distingue dois tipos de 
relações: a relação entre príncipe e súbditos, e as 
relações privadas e civis entre os próprios súbditos. A 
autoridade governamental sobre súbditos manifesta-se 
em compelir à ordem jurídica. (105,2 ) As relações 
privadas entre súbditos resultam da autoridade do 
cidadão sobre os seus bens privados, res possessae. A 
teoria pode, hoje, parecer trivial mas, na época, era 
revolucionária; punha de parte a estrutura feudal dos 
direitos de propriedade, e promovia a sociedade de 
proprietários e suas relações comerciais. Tal teoria tem 
um toque intemporal de humanismo e teve portentosas 
consequências na evolução futura do pensamento 
político.
f. A Nova Lei -
Justificação pela fé O tratamento da Nova Lei é 
surpreendentemente curto (qq. 106-108), ocupando 
cerca de um quinto da Antiga. A lei Nova é inscrita pela 
Graça do Espirito nos corações dos fiéis; apenas 
secundariamente é lei escrita. Sem mencionar a Igreja, a 
essência da Cristandade é colocada na "lei da fé" no 
sentido paulino. Para excluir qualquer outro princípio de 
justificação, Tomás cita Romanos 3, 27 (I, IIae, 106, 1) 
passagem que precede "porque cremos que o homem é 
justificado pela fé, e pelas obras segundo a lei". Dentro 
do quadro da teologia católica esta é talvez a expressão 
mais forte do princípio da livre espiritualidade Cristã. 
Tomás está a salientar o espiritual elemento de fé a 
expensas da mediação institucional da Igreja mas não 
pretende fazer inovações doutrinárias. Temos que
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atender ao espiritualismo independente de Tomás para 
compreender a força dos sentimentos que

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