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32 ST 1 – IMAGENS E HISTÓRIA DA ARTE BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA E INTERNET: A PESQUISA DE DOCUMENTOS IMAGÉTICOS SOBRE A DANÇA DE CORTE FRANCESA NOS SÉCULOS XVI E XVII NATIONAL LIBRARY OF FRANCE AND INTERNET: RESEARCH OF IMAGETIC DOCUMENTS ABOUT COURT FRENCH DANCE IN XVI AND XVII CENTURIES Bruno Blois Nunes5 Mestrando em História (UFPEL) bruno-blois@hotmail.com Resumo: O trabalho, ora apresentado, aborda o uso da tecnologia da Internet para a viabilização de uma pesquisa histórica, cujas fontes não estão disponíveis no Brasil. Esta pesquisa tem como foco o estudo das imagens das danças de corte francesa nos séculos XVI e XVII além dos tratados de dança editados no mesmo período. Por meio desse acesso tecnológico, na Biblioteca Nacional da França, foram encontrados manuscritos, livros, tratados e imagens referentes à temática em questão. As bibliotecas, instituições que tem o dever de preservar seu acervo histórico, também se utilizam da Internet como meio de disponibilizar seus documentos ao público em geral e com isso reduzir o manuseio decorrente da pesquisa in loco. Foi o avanço da tecnologia que permitiu a disponibilização desses trabalhos por meio da reprodução digitalizada dos mesmos. O uso do scanner, copiando os documentos para um espaço online, evita o manuseio excessivo de obras bastante deterioradas pela ação do tempo. Algumas dessas obras têm, no seu original, difíceis interpretações seja por serem manuscritas, pela fonte tipográfica ser de tamanho reduzido ou pela dificuldade na tradução do idioma. Entretanto, a maioria delas possui condições de tradução e pesquisa. Dessa maneira, a Biblioteca Nacional da França será nosso principal local para a pesquisa de fontes primárias sobre o assunto. Palavras-chave: Internet, Biblioteca Nacional da França, Dança de Corte Abstract: The work, presented here, discusses the use of Internet technology to make possible a historical research whose sources are not available in Brazil. This research focuses on the study of images of the French court dances in the sixteenth and seventeenth centuries beyond the dance treatises published during the same period. Through this technological access, in the National Library of France, were found manuscripts, books, treatises and images related to the topic in question. Libraries, institutions have had the mission to preserve its historical record also use the Internet as a means of making available its documents to the general public, and thereby reduce handling resulting from the on-site research. It was the advancement of technology that allowed the release of these works through reproduction scanned them. Using the scanner, copying documents for an online space, avoid excessive handling works quite deteriorated by time. Some of these works have, in their original, difficult interpretations because they are handwritten, by the typeface be reduced in size or by the difficulty in 5 Orientadora Profª. Drª. Elisabete Leal - Doutora em História (UFRJ) - elisabeteleal@ymail.com 33 translating the language. However, most have conditions of translation and research. Thus, the National Library of France will be our main site for research of primary sources on the subject. Keywords: Internet, National Library of France, Court Dance Introdução Está sendo realizada uma pesquisa histórica sobre as danças de corte na França, cujas fontes não se encontram no Brasil. Esse é o principal desafio a ser superado no decorrer do estudo. O trabalho em questão tem seu foco nos séculos XVI e XVII e se utiliza, essencialmente, de fontes primárias encontradas no site da Biblioteca Nacional da França. Graças a Internet, hoje podemos acessar documentos, arquivos, fotos, músicas, vídeos dos mais diversos locais do mundo. Interessa-nos, nessa apresentação, mostrar a potencialidade do uso da Internet em pesquisas históricas cujas fontes primárias não se encontram próximas do local do pesquisador. Internet Nos dias de hoje, temos acesso a uma infinidade de volume de dados que cresce exponencialmente devido a uma ferramenta chamada Internet. Podemos achar praticamente de tudo quando se pesquisa online. Se não tivermos acesso à informação, poderemos, ao menos, contatar que possa fornecê-la sem precisar sair de casa (LÉVY, 1999, p. 88). A cada dia que passa, a navegação na Internet torna-se cada vez mais acessível principalmente após o desenvolvimento da World Wide Web no início dos anos 90 (LÉVY, 1999, p. 131 e 237). Com o avanço da Internet e a facilidade de navegação cada vez maior, foi encontrada uma solução para a pesquisa de fontes primárias de uma maneira inovadora: através da utilização da tecnologia das bibliotecas virtuais, do acesso ao site da Biblioteca Nacional da França, foram encontrados manuscritos, livros e imagens produzidos nos séculos em questão que servirão de fontes primárias para meu trabalho. Mesmo com todas as vantagens que essa nova maneira de pesquisa nos proporciona, a Internet tem também suas desvantagens. A maior dificuldade enfrentada durante a pesquisa de documentos foi a extrema dificuldade na obtenção de trabalhos de complementação desse artigo como os artigos internacionais sobre a dança, a corte francesa, o Renascimento e imagem que não se encontram na Biblioteca Nacional da França. A visualização desses textos é limitada, sua compra é dificultada pelo valor elevado e o acesso a esses documentos fica restrito a um número reduzido de pesquisadores. 34 Esse tipo situação pode acabar impossibilitando o acesso as informações necessárias para as complementações de muitos trabalhos acadêmicos que necessitem desses materiais o que acarreta numa elitização do conhecimento. Bibliotecas e Mundo Moderno As bibliotecas, instituições que tem o dever de preservar seu acervo histórico, também se utilizam dos navegadores como meio de disponibilizar seus documentos ao público em geral e com isso reduzir o manuseio decorrente da pesquisa in loco. Com poucos cliques, obras do século XVI e XVII, por exemplo, podem ser acessadas em instituições de acervos históricos espalhadas pelo mundo todo. Uma das últimas Bibliotecas que entrou na era digital foi a Biblioteca Apostólica Vaticana, em janeiro de 2013.6 O emprego de uma ferramenta de acesso (a Internet) para a pesquisa de fontes que se encontram muito distantes do local de estudo do pesquisador, não resulta sempre em êxito. Embora a pesquisa online possua muitas de vantagens (acesso as fontes de forma mais rápida, possibilidade de pesquisa 24 horas por dia e muito dos materiais requisitados sejam obtidas de forma gratuita), alguns problemas são enfrentados pelo caminho como: valores de aquisição de artigos científicos a preços elevados e uma grande quantidade de informação acessível aos pesquisadores sem as referências necessárias. Biblioteca Nacional da França A Biblioteca Nacional da França possui um vasto acervo para pesquisas de caráter histórico. Atualmente, de acordo com o próprio site, a ferramenta Gallica possui mais de 2,5 milhões de documentos disponíveis para pesquisa. Foi como uma forma de facilitar o acesso a esses documentos que essa ferramenta de busca foi criada. No site da Biblioteca Nacional da França é exposta uma definição explicando o aplicativo: Gallica se définit comme une bibliothèque numérique à vocation encyclopédique constituée à partir des collections existantes, 6Informações sobre a abertura da Biblioteca Apostólica Vaticana foram encontrados no link: <http://www1.folha.uol.com.br/tec/2013/01/1223635-biblioteca-do-vaticano-e-aberta-a-internautas.shtml>. Acessado em: 10/05/2015. 35 composées de documents écrits imprimées (livres, revues, journaux, partitions) et d’images imprimées (estampes, cartes, photographies), ansi que d’enregistrements sonores.7 Pela ferramenta de busca Gallica existe a possibilidade de fazer o download gratuito dessas fontes primárias sejam elas livros, manuscritos, poemas, partituras. Também é possível executar o download de uma página em específico caso o pesquisador não necessite do documento completo. O acesso a distância e as transferências de dados (tanto o upload como o download) são uma das principais funções conquistadas pelas pessoas quando se utilizam de ferramentas tecnológicas para a pesquisa (LÉVY, 1999, p. 93 e 94). Foi possível encontrar livros como, por exemplo, Orchésographie et traicté en forme de dialogue, par lequel toutes personnes peuvent facilement apprendre et practiquer l'honneste exercice des dances de Thoinot Arbeau de 1589. Além do seu conteúdo descritivo, as aproximadamente 40 xilogravuras, as explicações dadas quanto aos passos de dança, aborda também a etiqueta necessária num salão de baile durante um evento que envolva dança. Além desse tratado, Apologie de la danse et la parfaicte méthode de l’enseigner tant aux cavaliers qu’aux dames de F. de Lauze publicado em 1623 e um documento que trata da Implantação da Académie Royale de Danse (1661) também foram encontrados. Foi o avanço da tecnologia que permitiu a disponibilização dessas fontes primárias, possivelmente, reprodução realizada por meio de scanner. O uso do mesmo, copiando os documentos para um espaço online, evita o manuseio excessivo de obras bastante prejudicadas pela ação do tempo. Fontes Primárias Há uma infinidade de livros, manuscritos, imagens e partituras que podemos acessar através do site da Biblioteca Nacional da França. Entre as obras escritas entre o século XVI e XIX que servirão futuramente de fontes primárias foram encontradas: 1) De arte saltandi et choreas ducendi de Domenico da Piacenza (ou Ferrara) [1401-1500], 55 páginas: Domenico da Piacenza foi professor de futuros maîtres de danse como Antonio 7 “Gallica se define como uma biblioteca digital de missão enciclopédica constituída a partir de coleções existentes, compostas de documentos escritos impressos (livros, revistas, jornais, partituras) e de imagens impressas (estampas, cartas, fotografias), assim como gravações sonoras” tradução do autor do artigo. 36 Cornazzano e Guglielmo Ebreo. Seu tratado é um dos primeiros registros escritos sobre dança que chegaram até nós. 2) S’ensuit l’art et instruction de bien dancer de Michel Toulouze [1496-1501], 24 páginas: obra reeditada em fac-símile em Londres no ano de 1936 e não possui capa. Trata em particular da basse danse, possui diversas partituras e no seu final apresenta uma imagem. 3) Ad suos compagnones studiantes... de Antonius Arena (1538), 95 páginas: poema cômico escrito em latim macarrônico que fazia parte de uma coleção de ensaios dirigida aos seus colegas estudantes de direito na Universidade de Avignon (ARCANGELI, 2008, p. 288; NEVILE, 2008, p. 19). O autor dava instruções sobre a arte da dança e considerava a mesma como única maneira de jovens ganharem respeito de jovens mulheres (ARCANGELI, 2008, p. 288; WILSON, 2008, p. 173). 4) Il Ballarino de Fabritio Caroso (1581), 424 páginas: manual de dança dedicado a grã-duquesa Bianca Capello de Medici. Em 1600 ele edita Nobilità di Dame uma versão com uma maior variedade de passos. 5) Traité de danses: auquel est amplement résolue la question, à savoir s’il est permis aux chrestiens de danser de Lambert Daneau (1582), 98 páginas: trata-se de uma crítica quanto à degeneração da corte pelo fato da mesma permitir práticas como dança e jogo. A obra apresenta alguns sonetos no seu início, não possui imagens e o índice encontra-se no final do livro. Daneau comentava que a inconveniência de homens e mulheres dançando juntos davam maldosos testemunhos de concupiscência deixando claro que a dança era uma invenção do diabo (1582, p. 32). O autor chegava a comparar os dançarinos a bêbados cambaleantes e, até mesmo, desprovidos da razão (DANEAU, 1582, p. 15). Por causa disso, os homens cristãos não tinham nenhuma razão para amá-la (1582, p. 12). O pastor não considerava todo divertimento como sendo proibido, mas a dança era algo ilícito, condenável (FÉLICE, 1881, p. 195). 37 6) Balet Comique de la Royne de Baltasar Beaujoyeulx (1582), 166 páginas: Realizado em torno da fábula de Circé descrita por Homero em sua Odisséia, (BEAUJOYEULX, Baltasar, 1582, p. 74d)8, a preocupação do ballet era de representar, alegoricamente, a atual situação política da França (McGOWAN, 2008b, p. 105). Sua intenção principal era provar que a ordem (representada pelo rei e seus colegas divinos Júpiter, Minerva e Mercúrio) vence a batalha contra a desordem (representada por Circé) através da dança, da música e do verso (McGOWAN, 2008a, p. 115). 7) Orchésographie et traicté en forme de dialogue, par lequel toutes personnes peuvent facilement apprendre et practiquer l'honneste exercice des dances de Thoinot Arbeau (1589), 210 páginas: uma das obras mais importantes sobre as danças de corte. Contém partituras musicais que trazem uma explicação do posicionamento de pés em cada nota musical, em diferentes danças da época. 8) Trois Dialogues de l'exercice de sauter et voltiger en l'air de Arcangelo Tuccaro (1599), 408 páginas: foi uma das fontes italianas encontradas que conta com o auxílio de diversas imagens, algumas coloridas. Entretanto, a obra do acrobata é pouco referida nas pesquisas acadêmicas que envolvem dança.9 9) Nuove Inventioni di balli de Cesare Negri (1604), 309 páginas: é considerado o primeiro texto que menciona o uso da posição en dehors dando início à elaboração das cinco posições básicas do ballet definidas por Pierre Beauchamps. Na verdade, foi lançada uma edição menos completa dois anos mais cedo que se chama Le Grazie d’Amore. 10) Traitté contre les danses de Jean Boiseul (1606), 50 páginas: um dos críticos do período quanto a arte da dança. Boiseul, que era um pastor, censurava o comportamento dissimulado que se sincroniza, perfeita e estranhamente, ao som da música (ARCANGELI, 2008, p. 287). Para o pastor a dança continha “movimentos atraentes para o pecado” de afeição 8 No final do texto do Balet la comique de la Royne há quatro comentários sobre a peça nas páginas 74 e 75. 9Para um maior entendimento da pouca referência a obra do italiano ver Renaissance Dance and Writing: the case of Arcangelo Tuccaro de Alessandro Arcangeli. 38 desordenada e efeito pernicioso que incitavam a luxúria e desejos horríveis (BOISEUL, 1606, p. 15, 21 e 49). 11) Apologie de la danse et la parfaicte méthode de l’enseigner tant aux cavaliers qu’aux dames de F. de Lauze (1623), 77 páginas: tratado de dança divido em duas partes (uma para os cavalheiros e outra para as damas), o qual não possui nem ilustração nem notas musicais das danças comentadas. 12) Apologie pour la danse aux dames de Mastrecht de Manley (1662), 26 páginas: trata-se de uma resposta dada pelo Monsieur R. de Manley a uma carta do Monsieur Barão de Languedoc sobre questões envolventes à dança. 13) Etablissement de l’Académie royale de danse en la ville de Paris (1663), 11 páginas: documento sobre a criação da Academia Real de Dança na França. Fundada em 1661, comsede em Paris, a Académie Royale de Danse exprimia o objetivo de desenvolver uma dança polida e cortesã (BURKE, 1994, p. 62; KASSING, 2007, p. 104). Sua fundação era dada pelo fato do rei Luís XIV desejar que a França mantivesse elevados padrões de dança (PREST, 2008, p. 238). Além das fontes que continham como conteúdo a dança, uma das fontes essenciais para a compreensão da idealização de um íntegro cortesão chama-se Il Cortegiano, escrito pelo italiano Baltasar Castiglione. Na Biblioteca Nacional da França, se encontra uma tradução em francês chamada Le Parfait Courtisan de 1585. Esse livro foi de grande repercussão na corte francesa e teve um enorme impacto na formação do perfeito homem cortês (McGOWAN, 2008b, p. 96). Outra fonte interessante encontrada no mesmo período foi Le cérémonial françois (1649) de Theodore Godefroy. Nessa imensa fonte (2 tomos de mais de 1000 páginas cada um) podemos localizar assuntos destinados a coroações, casamentos reais, extratos de discurso, atos de sermões dos reis, procissões solenes. Muito embora, muitas das fontes encontradas (tanto antes quanto após a finalização do anteprojeto de pesquisa) não reúnam imagens, elas são de grande auxílio para o entendimento do grupo social estudado: a sociedade de corte francesa dos séculos XVI e XVII. 39 Tratados de Dança e suas Imagens Os registros coreográficos de dança na corte francesa nos séculos XVI e início do XVII possuem um grande problema. Na sua grande maioria temos somente a revelação do posicionamento dos bailarinos em lugares determinados e carece de informações acerca das mudanças de posicionamento dos mesmos e tempo gasto para locomoção de um lugar ao outro do lugar (NEVILE, 2008, p. 24). Tuccaro10 estava ciente da dificuldade existente para captar uma imagem em movimento pelo fato que era de extrema necessidade a visualização do movimento sendo realizado (McGOWAN, 2008a, p. 39). Talvez seja esse fato, que tenha feito o autor utilizar imagens mais elaboradas e com auxílios diversos para que o observador fosse mais apto na compreensão da mesma. Figura 1 - Salto com as duas mãos sobre o cavalete. Fonte: Imagem do tratado Trois Dialogues de l’exercice de sauter et voltiger en l’air de Arcangelo Tuccaro (1599). Biblioteca Nacional da França. 10 Arcangelo Tuccaro autor da obra Trois Dialogues de l’exercice de sauter et voltiger em l’air (1599). 40 Talvez seja em vista disso que em algumas de suas imagens, como a apresentada acima, é notória a utilização da adição de aspectos geométricos em suas ilustrações na tentativa de tornar o movimento da imagem mais compreensível aos olhos dos leitores de sua obra. Contudo, mesmo com aplicação de desenhos mais elaborados, não creio que seja o melhor recurso para a leitura imagética do movimento, apenas um novo auxílio. Muitas imagens encontradas na obra do acrobata italiano são coloridas e possuem um acabamento muito satisfatório para um trabalho da época. Figura 2 - Salto passando dentro dos círculos. Fonte: Imagem do tratado Trois Dialogues de l’exercice de sauter et voltiger en l’air de Arcangelo Tuccaro (1599). Biblioteca Nacional da França. Todavia, ao vermos a imagem de uma pessoa parada no ar, temos a percepção que aquele indivíduo não está de fato parado. A forma repentina de retirada do tempo da cena, constrói a representação do instante que foi ocultado (ENTLER, 2007, p. 36). Outro tratado que também possui reproduções imagéticas bem elaboradas é Nuove inventioni di balli (1604) do autor italiano Cesare Negri. 41 Figura 3 - Aprendizagem da capriuola in terzo com utilização de apoio Fonte: Imagem do livro Nuove inventioni di balli de Cesare Negri (1604). Biblioteca Nacional da França. A imagem acima mostra um indivíduo utilizando de objetos apoiadores para a realização de um movimento. As ilustrações possuem uma clareza visível se comparadas as xilogravuras do tratado escrito por Thoinot Arbeau. Arbeau em seu tratado Orchésographie (1589) faz valer o uso de xilogravuras em sua obra na demonstração de tambores, música militar, passos de uma dança chamada gaillarde,11 les bouffons,12 além de partituras musicais. Talvez, possamos chamá-lo de um tratado, no 11 Dança que deveria consistir de seis passos e seus movimentos deveriam ser executados graciosamente (ARBEAU, 1589, p. 40e). Traduzido pelo autor do artigo. 12Dança para comemorar os feriados sagrados de março, os dançarinos executavam gesticulações militares vestidos com ricos cintos e chapéus e traz consigo pequenas espadas na mão direita e pequenos escudos na mão esquerda (ARBEAU, 1589, p. 97d e 98e). Traduzido pelo autor do artigo. 42 mínimo, inovador na medida que partituras de danças com notas musicais dispostas verticalmente vinham acompanhadas dos seus respectivos passos. Figuras 4, 5 – Passos de Gaillarde, Tablatura de branle. Fonte: Imagens do livro Orchésographie de Thoinot Arbeau (1589). Biblioteca Nacional da França. A imagem à esquerda possui uma explicação de marcações dos pés em uma dança muito executada no período (a Gaillarde). Já na imagem à direita, temos uma dança que conta com o auxílio de uma partitura musical para sua melhor compreensão. Embora mesmo com uma melhor explicação dos passos realizados através das imagens colocadas na obra, as mesmas ainda estão em um formato bem rudimentar (McGOWAN, 2008a, p. 36 e 37). Apesar do auxílio do texto junto a imagem como complemento da explanação didática, o leitor da fonte necessita um alto grau de compreensão visual sobre o conteúdo retratado (MARCONI; SOUZA; DYSON, 2007, p. 5). As Imagens dos Bailes de Corte Muitas representações dos bailes da corte podem ser encontradas em locais que tratam sobre o assunto. Encontram-se imagens sobre os bailes das cortes do século XVI e XVII que são reproduzidas por artistas do mesmo período em que as festas são realizadas. 43 Muito do que está colocado na imagem vem da experiência do artista e seu entendimento por um determinado assunto. Nas representações de bailes, coroações, nascimentos, casamentos e outros eventos importantes temos que compreender que muito do aprendizado e experiência do autor, possivelmente, podem ser passados para o seu instrumento de trabalho durante a realização de suas obras. A imagem de Luís XIV, provavelmente, foi uma das mais representadas de todos os tempos. Sua imagem era produzida das mais distintas formas: em pedra, bronze, terracota, pintura, tapeçaria além de ser projetada em poemas, peças teatrais, óperas, ballets (BURKE, 1994, p. 13 e 28). Como um exemplo de ballet, nós temos o famoso Ballet de la Nuit de 1653. Figura 6 – Traje do Ballet de la Nuit - Rei Louis XIV fantasiado de sol. Fonte: Collection: Michel Hennin. Estampes relatives à l'Histoire de France. Biblioteca Nacional da França. Na última cena do ballet, o rei Luís XIV aparecia representando o sol. Era uma metáfora que significa a vinda de um período próspero e radiante que acabaria com a escuridão francesa do período (PREST, 2008, p. 234) [grifo do autor]. 44 Embora o rei Luís XIII também tenha adotado a utilização do sol como simbolismo nas cerimônias de Royal Entrées, em ballets, e medalhas (PREST, 2008, p. 232), foi o seu filho que acabou aclamado como o Rei Sol. As fantasias de músico também se fizeram presentes nesse famoso balletdemonstrando a relevância de determinado assunto para o período. Figura 7 – Traje do Ballet de la Nuit – Fantasia de um tocador de alaúde. Fonte: Collection: Michel Hennin. Estampes relatives à l'Histoire de France. Biblioteca Nacional da França. Na imagem acima, vemos a fantasia de um tocador de alaúde. Os alaúdes, as liras, harpas e flautas acompanhavam a parte musical vocal dos espetáculos enquanto o acompanhamento da dança começou a ser feito pelos violinos que, desde a metade do século XVI, estavam sendo usado na substituição de outros instrumentos (McGOWAN, 2008a, p. 78).13 Outra imagem bem interessante é, a comumente chamada, Bal du duc de Joyeuse instalada em Londres. A pintura representa um baile oferecido pelo rei Henrique III para a 13Para maiores informações sobre essa separação, McGowan indica a leitura da página 166 do livro Music in the English Courtly Masque (1604-1640) de Peter Walls, editado em 1996. 45 celebração do casamento do duque Anne de Joyeuse (duc de Joyeuse) e Marguerite de Lorraine em setembro de 1581. Na representação, o casal parece se preparar para dançar uma pavane com todo requinte e elegância que são necessários à essa dança (McGOWAN, 2008b, p. 104). Figura 8 - Bal du duc de Joyeuse. Fonte: Artista francês anônimo do século XVI (1581 – 1582). Site da Biblioteca Nacional da França. O que temos diante dos olhos trata-se de uma representação de um casamento, uma representação de uma dança, uma representação à maneira de um autor, acima de tudo, desconhecido. A grande maioria dos espectadores do baile parecem, estranhamente, não prestar atenção no casal executando uma dança (McGOWAN, 2008b, p. 104). O autor da obra parece ter um objetivo muito maior na representação do acontecimento em si (do casamento e baile dos noivos) do que encarregar-se de transmitir com sua imagem uma representação da dança. 46 A imagem abaixo mostra um baile na corte dos Valois. O desconhecimento do seu autor pode dificultar um pouco a análise da imagem, mas, mesmo assim, ela transparece uma questão bem interessante: a sensação de movimento na cena. Figura 9 – Bal à la cour des valois. Fonte: Artista francês anônimo do século XVI (1580). Site da Biblioteca Nacional da França. O movimento da dança é, provavelmente, um dos assuntos de maior dificuldade da escrita não importando o quão apropriado o seu método (WILDEBLOOD, 2010, p. 13). O movimento, embora ausente, é idealizado. Muitas vezes, “um instante-síntese do movimento” manifesta a ação não presente na imagem (ENTLER, 2007, p. 38). Alguns elementos podem dar “pistas visuais” para indicar se determinado objeto representa estar em movimento: gestos, postura corporal, objetos em suspensão, dispositivos gráficos indicadores de movimentos são alguns deles (MARCONI; SOUZA; DYSON, 2007, p. 5) A conclusão da presença de mobilidade dentro de uma obra que envolva a representação do movimento dependerá da capacidade do observador de perceber o movimento (MARCONI; SOUZA; DYSON, 2007, p. 5). 47 Abaixo nós temos uma imagem que retrata um baile na corte de Henrique IV realizada por Louis de Caullery. Figura 10 - Bal sous Henri IV Fonte: Louis de Caulerie (primeiro quarto do século XVII). Biblioteca Nacional da França. O local utilizado para a dança é um pouco maior. Ao fundo, há um longo corredor que parece não fazer parte do espaço da dança. A interpretação do leitor conta com grande parcela do uso de sua imaginação e entendimento da época para uma leitura visual mais adequada. O observador pode até ser conduzido para a cena, mas essa percepção envolverá falhas. O espectador não poderá olhar ao redor da cena nem se mover na mesma, do mesmo modo que os objetos da cena não se moverão, causando uma ilusão de realidade incompleta (GIBSON, 1960, p. 224). A inexatidão das descrições de muitas formas de dança exige da nossa capacidade de análise das variadas danças do passado. A reconstrução dos gestos, as durações dos movimentos são irreproduzíveis pelos padrões oferecidos dos tratados de dança da época. A 48 falta de uma linguagem técnica nesses tratados termina prejudicando os pesquisadores da área (McGOWAN, 2008a, p. 32). Considerações Finais A imagem possui um objetivo primordial: servir como instrumento de ligação entre o passado e o presente na tentativa de aproximar a experimentação daquele período representado. Para o estudo de uma série de danças, em um espaço de tempo vai desde o reinado de Francisco I até a consolidação do Estado por Luís XIV, as quais não possuem registros audiovisuais, os documentos iconográficos e o texto que ajudam no entendimento dos passos encontradas nas fontes primárias são a principal ferramenta para elaboração de um estudo focado nas danças de corte. Algumas obras possuem somente a descrição textual do movimento o que faz com que a imaginação do pesquisador se evidencie na tentativa da melhor conexão possível entre o texto lido e o movimento executado sem imagem. Por outro lado, também temos obras descritivas das danças desse período com imagens e partituras. Imagens que tem como seu principal objetivo representar a maneira como essas danças de corte eram executadas. Os resultados finais ainda não são conclusivos, pois farão parte de um projeto de pesquisa mais aprofundado e que levará um tempo maior de pesquisa na área. Contudo, os resultados encontrados até agora são satisfatórios, pois demonstram rápido acesso a essas obras originais e o custo zero para obtenção dessas fontes. Todos os livros, manuscritos e documentos, até então obtidos por download, estão num bom estado de conservação o que facilita para o historiador na sua tradução e utilização como fonte primária dessas obras que são, acima de tudo, patrimônio cultural francês. Referências Bibliográficas ARCANGELI, Alessandro. Moral Views on Dance. In: NEVILE, Jennifer (Ed.). Dance, Spectacle, and the Body Politick 1250 – 1750. Indianapolis: Indiana University, 2008, p. 282-291. Biblioteca do Vaticano é aberta a internautas. Folha de S. Paulo. São Paulo, 31 de jan. 2013. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/tec/2013/01/1223635-biblioteca-do-vaticano- e-aberta-a-internautas.shtml>. 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