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1 DISCIPLINA: ECONOMIA E ÉTICA ANOTAÇÕES PARA UM LIVRO DE TEXTO RESUMO O presente material didático foi elaborado com o intuito de introduzir aos graduandos do curso de economia ao estudo dos fundamentos da ética aplicados ao comportamento dos seres humanos na atividade economia Prof. Dr. Lazaro Camilo Recompensa Joseph 2 ECONOMIA E ÉTICA: ANOTAÇÕES PARA UM LIVRO DE TEXTO AUTOR: LAZARO CAMILO RECOMPENSA JOSEPH DOUTOR EM CIENCIAS ECONÔMICAS DEPARTAMENTO DE ECONOMIA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA 3 O presente material didático foi elaborado com o intuito de introduzir aos graduandos do curso de economia ao estudo dos fundamentos da ética aplicados ao comportamento dos indivíduos na atividade economia, motivo pelo qual é necessário e útil esclarecer o alcance teórico, metodológico e prático deste material para o entendimento: (...)da inclusão da ética nas avaliações e nas decisões econômicas. Por exemplo Samuel Brittan(1995), jornalista do Financial Times, afirmou que “a idéia de uma economia tecnocrática e livre de valores já teve seus dias”; o prêmio Nobel Amartya Sen (2002), por sua vez, observou que “a natureza da economia moderna tem se empobrecido substancialmente devido ao crescimento do fosso entre economia e ética”. Outro prêmio Nobel, Joseph Stiglitz(2000) foi além, dizendo que “interesse pessoal e o paradigma de mercado não apenas falharam em gerar resultados mais eficientes, mas mesmo quando estes ocorrem, não concorrem com a justiça social” (...) Ver. Paulo Paiva1. Sobre Ética, Economia e Boa Governança. 2002 Sendo assim, o material tem como objetivo desenvolver as habilidades teóricas e metodológicas dos alunos para a compreensão dos problemas éticos na atividade econômica, aprimorando instrumentais, tanto específicos quanto genéricos, necessários para a análise crítica e buscando alternativas para as relações dos indivíduos entre si, com a comunidade e com a sociedade. (...) Sabemos que um dos desafios a enfrentar é o de conseguir promover o desenvolvimento econômico e social; vale dizer, tratar da produção e da distribuição dos bens e serviços materiais para elevar a qualidade de vida de todos os cidadãos. Para garantir a todos acesso à uma atividade que lhes permita ser também cidadãos, na sua plenitude (...) Exercer a profissão de economista não é simplesmente um ato individual. Mais do que isto, é uma atitude solidária e coletiva. O exercício da profissão do economista requer, também, a busca do bem- estar de todos” (...) Idem Deve-se alertar que qualquer cópia, uso indevido, publicação ou reprodução do mesmo está terminantemente proibida, por ser de uso exclusivamente didático do Curso de Economia da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Santa Maria. O autor. 1 Vice-Presidente de Planejamento e Administração. Banco Interamericano de Desenvolvimento 4 INDICE CAPITULO I: Os fundamentos da ética geral e profissional 1.1 Conceitos básicos: O significado da palavra ética. 1.2 Ética e moral. 1.3 A história da ética: Teorias éticas, breve comentário 1.4 A mutabilidade da vivência ética. 1.5 O princípio fundamental da ética. 1.6 O objeto de estudo da própria ética. 1.7 A ética profissional. CAPITULO II: Economia e Ética. 2.1 Teoria econômica e ética 2.2. Atividade econômica e ética 2.3 Ética e moral no Brasil. A hibridez no caso do Brasil 2.4 A Profissão do Economista e o Código de Ética do Economista. CAPITULO III. A ética empresarial numa economia globalizada. 3.1 Ética Empresarial e Moral da Responsabilidade Social: Aspectos Históricos – Globais; 3.2 Concessões de ética nos negócios internacionais; 3.3 A cultura como um fator de negócios; 3.4 A empresa multinacional; 3.5 Um código de ética universal; 3.6 Princípios de ética empresarial aprovados pela Mesa Redonda de Caux; 3.7 Problemas éticos ao redor do globo. CAPITULO IV. Crime Econômico, Crime Organizado e sua eventual relação com os profissionais da área. 4.1 Crime organizado e econômico: definições 4.2 A lavagem de dinheiro. 4.3 Princípios básicos da lavagem dinheiro 4.4 Métodos de lavagem de dinheiro. 4.5 Os efeitos e o combate à lavagem de dinheiro. CAPITULO V. Paraísos Fiscais e Judiciários no mundo: para que e para quem servem. 5) Paraísos Fiscais e Judiciários: Breve introdução. 5.1) Capitais múltiplos e de origem diversa. 5.2) Os efeitos catastróficos de estes capitais (independentemente das origens) os resultados da sua presença nos paraísos fiscais são os mesmos. 5.3) Definição e caraterísticas dos paraísos fiscais. 5 5.4) Pequena história dos PFJ 5.5) Paraísos que nos levam para o inferno. 5.6) A introdução dos paraísos fiscais no próprio sistema financeiro internacional. 5.7) Que faz a comunidade internacional? 5.8) Acabar com o escândalo é possível 5.9) Sobre os Trusts ou fidúcias. Conceitos e tipos. 5.10)Paraísos Fiscais pilares do capitalismo. 6 CAPITULO I: Os fundamentos da ética geral e profissional 1.1. Conceitos básicos. Introdução. A ética é uma característica inerente a toda ação humana e, por esta razão, é um elemento vital na produção da realidade social. Todo homem possui um senso ético, uma espécie de "consciência moral", estando constantemente avaliando e julgando suas ações para saber se são boas ou más, certas ou erradas, justas ou injustas. Existem sempre comportamentos humanos classificáveis sob a ótica do certo e errado, do bem e do mal. Embora relacionadas com o agir individual, essas classificações sempre têm relação com as matrizes culturais que prevalecem em determinadas sociedades e contextos históricos. A ética está relacionada à opção, ao desejo de realizar a vida, mantendo com os outros relações justas e aceitáveis. Via de regra está fundamentada nas idéias de bem e virtude, enquanto valores perseguidos por todo ser humano e cujo alcance se traduz numa existência plena e feliz. O estudo da ética talvez tenha se iniciado com filósofos gregos há 25 séculos atrás. Hoje em dia, seu campo de atuação ultrapassa os limites da filosofia e inúmeros outros pesquisadores do conhecimento dedicam-se ao seu estudo. Sociólogos, psicólogos, biólogos e muitos outros profissionais desenvolvem trabalhos no campo da ética. Ao iniciar um trabalho que envolve a ética como objeto de estudo, consideramos importante, como ponto de partida, estudar o conceito de ética, estabelecendo seu campo de aplicação e fazendo uma pequena abordagem das doutrinas éticas que consideramos mais importantes para o nosso trabalho. Problemas morais e problemas éticos A ética não é algo superposto à conduta humana, pois todas as nossas atividades envolvem uma carga moral. Idéias sobre o bem e o mal, o certo e o errado, o permitido e o proibido definem a nossa realidade. Em nossas relações cotidianas estamos sempre diante de problemas do tipo: Devo sempre dizer a verdade ou existem ocasiões em que posso mentir? Será que é correto tomar tal atitude? Devo ajudar um amigo em perigo, mesmo correndo risco de vida? Existe alguma ocasião em que seria correto atravessar um sinal de trânsito vermelho? Os soldados que matam numa guerra, podem ser moralmente condenados por seus crimes ou estão apenas cumprindo ordens? Essas perguntas nos colocam diante de problemas práticos, que aparecem nas relações reais, efetivas entre indivíduos. São problemas cujas soluções, via de regra, não envolvem apenas a pessoa que os propõe, mastambém a outra ou outras pessoas que 7 poderão sofrer as consequências das decisões e ações, consequências que poderão muitas vezes afetar uma comunidade inteira. O homem é um ser-no-mundo, que só realiza sua existência no encontro com outros homens, sendo que, todas as suas ações e decisões afetam as outras pessoas. Nesta convivência, nesta coexistência, naturalmente têm que existir regras que coordenem e harmonizem esta relação. Estas regras, dentro de um grupo qualquer, indicam os limites em relação aos quais podemos medir as nossas possibilidades e as limitações a que devemos nos submeter. São os códigos culturais que nos obrigam, mas ao mesmo tempo nos protegem. Diante dos dilemas da vida, temos a tendência de conduzir nossas ações de forma quase que instintiva, automática, fazendo uso de alguma "fórmula" ou "receita" presente em nosso meio social, de normas que julgamos mais adequadas de serem cumpridas, por terem sido aceitas intimamente e reconhecidas como válidas e obrigatórias. Fazemos uso de normas, praticamos determinados atos e, muitas vezes, nos servimos de determinados argumentos para tomar decisões, justificar nossas ações e nos sentirmos dentro da normalidade. As normas de que estamos falando têm relação como o que chamamos de valores morais. São os meios pelos quais os valores morais de um grupo social são manifestos e acabam adquirindo um caráter normativo e obrigatório. A palavra moral tem sua origem no latim "mos"/"mores", que significa "costumes", no sentido de conjunto de normas ou regras adquiridas por hábito. Notar que a expressão "bons costumes" é usada como sendo sinônimo de moral ou moralidade. A moral pode ser definida como: Moral - Conjunto de regras de conduta consideradas como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada (Aurélio Buarque); Moral - Parte da filosofia que trata dos costumes, deveres e modo de proceder dos homens para com os outros homens (Caldas Aulete); Moral - É um sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual são regulamentadas as relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal maneira que estas normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam acatadas livre e conscientemente, por uma convicção íntima e não de uma maneira mecânica, externa ou impessoal (Adolfo Sánchez Vázquez). Em sínteses a moral pode então ser entendida como o conjunto das práticas cristalizadas pelos costumes e convenções histórico-sociais. Cada sociedade tem sido caracterizada por seus conjuntos de normas, valores e regras. São as prescrições e proibições do tipo "não matarás", "não roubarás", de cumprimento obrigatório. Muitas vezes essas práticas são até mesmo incompatíveis com os avanços e conhecimentos das ciências naturais e sociais. A moral tem um forte caráter social, estando apoiada na tríade cultura, história e natureza humana. É algo adquirido como herança e preservado pela comunidade. 8 Quando os valores e costumes estabelecidos numa determinada sociedade são bem aceitos, não há muita necessidade de reflexão sobre eles. Mas, quando surgem questionamentos sobre a validade de certos costumes ou valores consolidados pela prática, surge a necessidade de fundamentá-los teoricamente, ou, para os que discordam deles, criticá-los. Adolfo Sánchez VASQUEZ (1995, p. 15) coloca isso de forma muito clara: A este comportamento prático-moral, que já se encontra nas formas mais primitivas de comunidade, sucede posteriormente - muitos milênios depois - a reflexão sobre ele. Os homens não só agem moralmente (isto é enfrentam determinados problemas nas suas relações mútuas, tomam decisões e realizam certos atos para resolvê-los e, ao mesmo tempo, julgam ou avaliam de uma ou de outra maneira estas decisões e estes atos), mas também refletem sobre esse comportamento prático e o tomam como objeto da sua reflexão e de seu pensamento. Dá-se assim a passagem do plano da prática moral para o da teoria moral; ou, em outras palavras, da moral efetiva, vivida, para a moral reflexa. Quando se verifica esta passagem, que coincide com os inícios do pensamento filosófico, já estamos propriamente na esfera dos problemas teóricos- morais ou éticos. Ou como bem nos coloca Otaviano PEREIRA (1991, p. 24): O velho se contrapondo ao novo é o que podemos esperar como conflito saudável para o avanço da moral. Ora, a vida das pessoas não deve ser como uma geladeira para conservas. O ideal é evitar o "congelamento" da moral em códigos impessoais, que vão perdendo sua razão de ser, dado o caráter dinâmico das próprias relações. Como podemos entender então o conceito de ética? A ética, tantas vezes interpretada como sinônimo de moral, aparece exatamente na hora em que estamos sentindo a necessidade de aprofundar a moral. Geralmente a ética apoia-se em outras áreas do conhecimento como a antropologia e a história para analisar o conteúdo da moral. Seria o tratamento teórico em torno da moral e da moralidade. Uma disciplina originária da filosofia, há muito discutida pelos filósofos de todas as épocas e que se estende a outros campos do saber como teologia, ciências e direito. 9 Definições de ética: Ética - Estudo do juízo de apreciação que se refere à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira). Ética: Ramo da ciência da axiologia2 que pretende compreender a natureza da moralidade, distinguindo entre o certo e o errado, o bem e o mal, a virtude e a não virtude, o justo e o injusto (Gonçalves da Silva) Ética - A ciência da moral; moral (Caldas Aulete). Ética - É a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade (Adolfo Sánchez Vázquez). Ética: Ciência do que o homem deve ser em função daquilo que ele é (Sertillanges, 1916: 35). Ética: segundo Aristóteles, (a ética) não é alguma coisa para ficar no campo da intenção e do pensamento de cada indivíduo, mas é sim um produto coletivo e social para guiar a ação humana3. Outras palavras também poderiam ser lembradas, e como se pôde constatar entre as que foram acima escritas, algumas atitudes ou significado contrário à Ética, e, portanto tudo aquilo que vier a ser entendido como o oposto do ÉTICO acaba sendo classificado como ANTIÉTICO. A ética estabelece um dever, uma obrigação, um compromisso. Mas qual é o seu fundamento? É o próprio ser do homem: é, da sua natureza que surge a fonte de seu comportamento. Aliás, isto acontece com todas as coisas: o agir depende do ser; cada coisa se comporta de acordo com elementos que a compõem, formando sua unidade. O que esperamos de um giz? Que ele escreva, pois é de sua natureza escrever. O que esperamos do sol? Que ele brilhe, pois isto é de sua natureza. Assim, podemos dizer de tudo o que existe: em cada ser há um conjunto de energias para produzir determinadas ações, acarretando como consequência certos deveres: o dever do giz é ser e agir como giz; o dever do sol é ser e agir como sol; ao contrário, o único mal do giz é não ser e não agir como giz, o único mal do sol é não ser e não agir como sol. Igualmente vale para ser humano: a única obrigação do homem é ser e agir como homem; como, ao contrário, o único mal do homem é não ser e não agir como homem. Voltando então à definição de ética, podemos dizer que esta brota de dentro do ser humano, daqueles elementos que o caracterizam na sua essência como humano, diferenciando-o dos outros seres; ela exige antes a determinação de sua realidade ontológica para, a partir daí, estabelecer a forma de comportamento.2 Ramo do conhecimento que tem por objeto o estudo da noção de valor em geral. 3 Aristóteles, que viveu entre os anos de 384 e 322 antes do nascimento de Cristo trata do sentido social da Ética em seu livro Ética a Nicômaco. 10 Partindo destas premissas, qualquer situação específica da pessoa deve embasar- se na realização do fundamental; assim; o economista, antes de ser economista, ele é uma pessoa humana, e só vai realizar-se como economista na medida em que realizar-se como pessoa. O mesmo poderíamos afirmar de outras possibilidades: ser pai, mãe, enfermeiro, professor, advogado, político, etc., exige antes de tudo ser pessoa, ser gente, ser "homem". Deste modo, a construção da ética parte das exigências ou necessidades fundamentais da natureza humana; estas não são aleatórias, mas existem no ser humano, limitando-o e identificando-o para que ele possa descobrir-se a satisfazer o que lhe é solicitado para sua realização. Assim atesta Pessini (1997: 76): "Ética vem do vocábulo grego “ethos” que em primeiro lugar significa “morada". Daí Heidegger dar ao "ethos" o significado de "morada do ser".' Portanto é uma questão ética o desenvolvimento das potencialidades humanas, um deslanchamento de suas virtualidades. Antes de o homem perguntar: O que devo fazer? Como devo me comportar?, Deve perguntar: o que sou? Quais são minhas energias humanas que não podem ficar represadas, mas devem ser impulsionadas? Como descobrir isto? Da mesma maneira como descobre qualquer outra coisa: usando de sua racionalidade. Por esta o homem descobre a essência dos metais, a essência da eletricidade, a essência dos vegetais, etc., e a partir disto estabelece para que servem. Assim, usando sua racionalidade, deve descobrir sua essência, seus valores e princípios universais, suas faculdades ou capacidades, determinando também como vivê-las. Estas constatações mostram que o objetivo da ética é apontar rumos, descortinar horizontes para a realização do próprio ser humano; ela é a construção constante de um "sim" a favor do enriquecimento do ser pessoal; por isso que a ética deve ser pensada como eminentemente positiva e não proibitiva; por exemplo: o mais importante é "respeitar a vida" do que "não matar". Desta maneira, a ética não se torna uma imposição ou obrigação aleatória e até extrínseca ao ser humano: seus fundamentos objetivos têm que ser assimilados ou conscientizados pelo indivíduo humano concreto. Por isso a ética antecede códigos, normas ou lei se analisa a mesma validade destas para o ser humano. Por isso afirma Silva (1994: 6): "De um modo geral a ética é a ciência que tem por objeto a finalidade da vida humana e os meios para que isto seja alcançado”. Esta idéia é bem complementada por Martins (1990: 24): "Vejo a ética como caminho para a busca do aperfeiçoamento humano". Resumindo, o que está em jogo na ética é o ser humano, é a pessoa em todas as suas dimensões, perfazendo, porém uma, unidade no seu ser e no seu dever. Magistralmente Jolivet (1966: 22) sintetiza: ''As leis morais são necessariamente função da natureza humana, porque o fim e o bem do homem como tal não podem ser determinados senão em referência à natureza humana". 11 Assim a ética é o resultado da capacidade dos seres humanos escolherem e avaliarem racionalmente e com responsabilidade suas condutas e a dos outros, avaliando suas possíveis consequências e lhes atribuindo valor de certo ou errado, de justo e injusto, em decorrência do uso que fazemos da nossa razão4, tendo como base a investigação sobre nossa moral, isto é, nossos costumes e valores. Da capacidade de fazermos a escolha racional entre o certo e o errado decorre a necessidade de se instituir um código que oriente as condutas a serem seguidas por determinado grupo de pessoas, bem como as penalidades para quem comete erros e, eventualmente, incentivos para quem faz o que é certo. Em sintese a ética é o conjunto de princípios e valores que guiam e orientam as relações humanas. Esses princípios devem ter características universais, precisam ser válidos para todas as pessoas e para sempre. 1.2. Ética e moral Uma vez definidas ética e moral conceituaremos termos relacionados ao tema, como: Deontologia - O estudo dos princípios, fundamentos e sistemas de moral. Tratado de deveres (Aurélio Buarque). Deontologia - Ciência dos deveres (Caldas Aulete). Deontologia - Teoria da obrigação moral quando não se faz depender a obrigatoriedade de uma ação exclusivamente das conseqüências da própria ação ou da norma com a qual se conforma (Adolfo Sánchez Vázquez). Tendo em vista tais definições, verificamos que, em linhas gerais, a Ética é a Norma, enquanto a Moral é a ação. Ou, em outras palavras, a Moral é o que acontece e a Ética é o que deveria ser. A Deontologia é o conjunto codificado das obrigações impostas aos profissionais de uma determinada área, no exercício de sua profissão. São normas estabelecidas pelos próprios profissionais, tendo em vista não exatamente a qualidade moral de suas ações, mas a “correção” das mesmas, tendo em vista a relação entre profissão e sociedade. O primeiro Código de Deontologia foi feito exatamente na área médica, nos Estados Unidos, em meados do século passado. 4 Empregada em filosofia, a palavra razão comporta vários significados: a) A razão como característica da condição humana, quando se define o homem, por exemplo, como animal racional, ou se diz que alguém está no uso da razão ou a perdeu; b) Princípio ou fundamento, a razão pela qual as coisas são como são ou ocorrem os fatos desta ou daquela maneira, c) A razão não é uma instância transcendente, dada de uma vez por todas, mas um processo que se desdobra ou realiza ao longo do tempo. Dir-se-ia que, assim como o homem é a história do homem, a razão é a história da razão. 12 Já o termo BIOÉTICA surgiu em 1971, também naquele país, não objetivando repetir o que já existia na área médica, mas abrangendo todo o inter-relacionamento com as diferentes formas de vida que em última análise afeta profunda e decisivamente o Ser Humano. Etimologia da palavra Etica Há duas palavras gregas, parecidas, que explicam o sentido etimológico de Ética: ethos e éthos. Ethos significa costume. Refere-se a usos e costumes de um grupo. Nos grupos humanos primitivos os costumes são decisivos para a conduta dos indivíduos. Nesse estágio, a moral e o direito são os costumes. A Ética do grupo é também a Ética dos indivíduos, O modo de ser do grupo é o modo de ser de cada indivíduo. Costumes, plural, em latim é mores. De mores vem Moralis - Moral, palavra com que Cícero (De Fato, II, 1) traduziu a palavra grega éthikós. Ética é Moral. O grupo impõe os seus costumes ao indivíduo visando à exterioridade da Ética. A sociedade dita as normas de conduta intersubjetiva. Ao inculto, é preciso que se lhe diga o que deve fazer e o que não deve fazer para o bem estar social. A norma, originada dos costumes, visa a ação exterior; por exemplo: não mate, não roube, não estupre. Quando a consciência moral dos indivíduos for mais cultivada, quando os indivíduos possuírem critério interior próprio, a Ética interiorizar-se-á; por exemplo: "Ama o teu próximo como a ti mesmo", que para um santo (S. Agostinho) se reduz a uma palavra: - “Ama, et fac quod vis” - Ama e faz o que quiseres. Éthos significa domicílio, moradia. É a morada habitual de alguém, o país onde alguém habita. Passou a designar a maneira de ser habitual, o caráter, a disposição da alma. Caráter é marca, sigilo, timbre ou disposição interna da vontade que a inclina a agir habitualmente de determinada maneira. Hábito,para o bem ou para o mal, virtuoso ou vicioso, é quase segunda natureza, fonte de atos. (Hábito é efeito de atos, pois a repetição de atos causa o hábito; mas uma vez adquirido, o hábito toma-se causa de atos). Pois bem, etimologicamente, Ética, seja de ethos seja de éthos, as duas palavras são parentas, chega-se ao mesmo sentido - via costumes ou via morada habitual. Os dois caminhos levam à conduta humana. Há uma tendência de separar ou diferenciar o sentido destas palavras. Uma primeira forma é referir a moral a um estudo de como os costumes devem ser numa determinada época ou lugar; por exemplo: como o economista ao fazer uma análise de balanço deve resguardar os interesses da firma. A ética ao contrário, seria um julgamento da moral enquanto distingue o bem do mal. Assim usando mesmo exemplo acima, a ética julgaria se sonegar impostos é justo, num momento de crise da firma. Ora, esta distinção, além de não ser muito clara, contradiz o sentido constante da moral que é um dever, contendo em si já um julgamento do bem e do mal, que portanto se confunde com a ética. Uma segunda forma é querer sistematizar a moral como, parte teórica do estudo do comportamento, e a ética como parte prática ou concreta que detalha como deve ser o 13 comportamento; assim, a moral estudaria o que significa a honestidade, enquanto que a ética estudaria as situações reais em que pessoa demonstra que é honesta. Esta distinção também não subsiste, porque tanto a moral como a ética, através dos séculos, sempre trataram de questões tanto teóricas como práticas. Uma terceira posição pretende situar a moral como comportamentos que abrangem a todas as pessoas e a ética seria a moral de um grupo organizado; como exemplo, a moral prescreve que todo ser humano deve respeitar a verdade e a ética: aplicaria esta afirmação ao economista, ao enfermeiro, ao administrador, etc., relativa aos casos de segredo profissional. Também esta distinção é fraca, pois basta ver que hoje em dia se clama a ética como necessidade até mundial para todas as pessoas, enquanto que a moral se preocupa inclusive de situações bem específicas como o próprio segredo profissional acima referido. Uma última distinção é proposta aplicando à moral uns fundamentos teológicos, baseados numa revelação divina, por exemplo: a judaica, a cristã ou a muçulmana, e a ética uns fundamentos filosóficos, baseados exclusivamente na razão, por exemplo, de acordo com Aristóteles, Tomás de Aquino ou Kant. Isto, porém, de novo não se firma, pois são correntes afirmações como "moral filosófica" e "ética teológica". Concluindo, pode-se afirmar que as palavras "moral" e "ética" são sinônimas, podendo uma substituir integralmente a outra; assim, nada impede que em vez de "código de ética profissional" seja chamado de "código de moral profissional". Nas últimas décadas, talvez por exagero de prescrições descabidas da moral no chamado falso moralismo, criou-se a tendência de preferir a palavra "ética"; porém, mais do que se preocupar com palavras, o importante é aprofundar a razão de ser, o conteúdo, os valores que tanto a moral ou a ética nos apresentam. 1.3) A história da ética: Teorias éticas, breves comentários A história da ética é um assunto complexo e que exige alguns cuidados em seu estudo. Ou seja, a existência de idéias morais e de atitudes morais não implica, porém, a presença de uma disciplina filosófica particular. Assim, por exemplo, podem estudar-se as atitudes e idéias morais de diversos povos primitivos, ou dos povos orientais, ou de judeus, ou dos egípcios, etc., sem que o material resultante deva forçosamente enquadrar- se na história da ética. Em nossa opinião, por conseguinte, só há história da ética no âmbito da história da filosofia. Ainda assim, a história da ética adquire, por vezes, uma considerável amplitude, por quanto fica difícil, com freqüência, estabelecer uma separação rigorosa entre os sistemas morais - objeto próprio da ética - e o conjunto de normas e atitudes de caráter moral predominantes numa dada sociedade ou numa determinada fase histórica. As teorias éticas nascem e desenvolvem-se em diferentes sociedades como resposta aos problemas resultantes das relações entre os homens. Os contextos históricos são pois elementos muito importantes para se perceber as condições que estiveram na origem de certas problemáticas morais que ainda hoje permanecem atuais. 14 Para facilitar o estudo das doutrinas éticas, ou teorias acerca da moral, preferimos dividi-las nos seguintes segmentos, correlacionados historicamente: ética grega, ética cristã medieval, ética moderna e ética contemporânea. Ética grega: As teorias éticas gregas, entre o século V e o século IV a.C. são marcadas por dois aspectos fundamentais: Polis. A organização política em que os cidadãos vivem - as cidades-estados -, favorecem a sua participação ativa na vida política da sociedade. As teorias éticas apontam para um dado ideal de cidadão e de Sociedade. Cosmos. Algumas destas teorias ético-políticas procuram igualmente fundamentarem-se em concepções cósmicas. Teorias Éticas Fundamentais Sócrates (470-399 a.C). Defende o caráter eterno de certos valores como o Bem, Virtude, Justiça, Saber. O valor supremo da vida é atingir a perfeição e tudo deve ser feito em função deste ideal, o qual só pode ser obtido através do saber. Na vida privada ou na vida pública, todos tinham a obrigação de se aperfeiçoarem fazendo o Bem, sendo justos. O homem sábio só pode fazer o bem, sendo as injustiças próprias dos ignorantes (Intelectualismo Moral). Para ele ninguém pratica voluntariamente o mal. Somente o ignorante não é virtuoso, ou seja, só age mal, quem desconhece o bem, pois todo homem quando fica sabendo o que é bem, reconhece-o racionalmente como tal e necessariamente passa a praticá-lo. Ao praticar o bem, o homem sente-se dono de si e consequentemente é feliz. A virtude seria o conhecimento das causas e dos fins das ações fundadas em valores morais identificados pela inteligência e que impelem o homem a agir virtuosamente em direção ao bem. Platão (427-347 a.C.). Defende o valor supremo do Bem. O ideal que todos os homens livres deveriam tentar atingir. Para isto acontecesse deveriam ser reunidas, pelo menos duas condições: 1. Os homens deviam seguir apenas a razão desprezando os instintos ou as paixões; 2. A sociedade devia de ser reorganizada, sendo o poder confiado aos sábios, de modo a evitar que as almas fossem corrompidas pela maioria, composta por homens ignorantes e dominados pelos instintos ou paixões. Para Platão “a alma” - princípio que anima ou move o homem - se divide em três partes: razão, vontade (ou ânimo) e apetite (ou desejos). As virtudes são função desta alma, as quais são determinadas pela natureza da alma e pela divisão de suas partes. Na verdade ele estava propondo uma ética das virtudes, que seriam função da alma. 15 Pela razão, faculdade superior e característica do homem, a alma se elevaria mediante a contemplação ao mundo das idéias. Seu fim último é purificar ou libertar-se da matéria para contemplar o que realmente é e, acima de tudo, a idéia do Bem. Para alcançar a purificação é necessário praticar as várias virtudes que cada parte da alma possui. Para Platão cada parte da alma possui um ideal ou uma virtude que devem ser desenvolvidos para seu funcionamento perfeito. A razão deve aspirar à sabedoria, a vontade deve aspirar à coragem e os desejos devem ser controlados para atingir a temperança. Cada uma das partes da alma, com suas respectivas virtudes, estava relacionada com uma parte do corpo. A razão se manifesta na cabeça, a vontade no peito e o desejo baixo-ventre. Somente quando as três partes do homem puderem agir como um todoé que temos o indivíduo harmônico. A harmonia entre essas virtudes constituía uma quarta virtude: a justiça. Platão de certa forma criou uma "pedagogia" para o desenvolvimento das virtudes. Na escola as crianças primeiramente têm de aprender a controlar seus desejos desenvolvendo a temperança, depois incrementar a coragem para, por fim, atingir a sabedoria. A ética de Platão está relacionada intimamente com sua filosofia política, porque para ele, a polis (cidade estado) é o terreno próprio para a vida moral. Assim ele buscou um estado ideal, um estado-modelo, utópico, que era constituído exatamente como o ser humano. Assim, como o corpo possui cabeça, peito e baixo-ventre, também o estado deveria possuir, respectivamente, governantes, sentinelas e trabalhadores. O bom estado é sempre dirigido pela razão. CORPO ALMA VIRTUDE ESTADO Cabeça Razão Sabedoria Governantes Peito Vontade Coragem Sentinelas Baixo-ventre Desejo Temperança Trabalhadores É curioso notar que, no Estado de Platão, os trabalhadores ocupam o lugar mais baixo em sua hierarquia. Talvez isto tenha ligação com a visão depreciativa que os gregos antigos tinham sobre esta atividade. A ética platônica exerceu grande influência no pensamento religioso e moral do ocidente, como teremos oportunidade de ver mais adiante. Aristóteles (384-322 a.C.). não só organizou a ética como disciplina filosófica mas, além disso, formulou a maior parte dos problemas que mais tarde iriam se ocupar os filósofos morais: relação entre as normas e os bens, entre a ética individual e a social, relações entre a vida teórica e prática, classificação das virtudes, etc. Sua concepção ética privilegia as virtudes (justiça, caridade e generosidade), tidas como propensas tanto a provocar um sentimento de realização pessoal àquele que age quanto simultaneamente beneficiar a sociedade em que vive. A ética aristotélica busca valorizar a harmonia entre a moralidade e 16 a natureza humana, concebendo a humanidade como parte da ordem natural do mundo, sendo portanto uma ética conhecida como naturalista. Segundo Aristóteles, toda a atividade humana, em qualquer campo, tende a um fim que é, por sua vez um bem: o Bem Supremo ou Sumo Bem, que seria resultado do exercício perfeito da razão, função própria do homem. Assim sendo, o homem virtuoso é aquele capaz de deliberar e escolher o que é mais adequado para si e para os outros, movido por uma sabedoria prática em busca do equilíbrio entre o excesso e a deficiência: A Ética de Aristóteles - assim como a de Platão - está unida à sua filosofia política, já que para ele a comunidade social e política é o meio necessário para o exercício da moral. Somente nela pode realizar-se o ideal da vida teórica na qual se baseia a felicidade. O homem moral só pode viver na cidade e é portanto um animal político, ou seja social. Apenas deuses e animais selvagens não tem necessidade da comunidade política para viver. O homem deve necessariamente viver em sociedade e não pode levar uma vida moral como indivíduo isolado e sim no seio de uma comunidade. Ética cristã medieval (Mundo Helenístico e Romano): Com o domínio da Grécia por Alexandre Magno, e os Impérios que lhe seguiram, altera-se os contextos em que o homem vive sendo assim. a) As cidades-Estados são substituídas por vastos Impérios constituídos por uma multiplicidade de povos e de culturas. Os cidadãos sentem que vivem numa sociedade na qual as questões políticas são sentidas como algo muito distante das suas preocupações. As teorias éticas são nitidamente individualistas, limitando-se em geral a apresentar um conjunto de recomendações (máximas) sobre a forma mais agradável de viver a vida. b) A relação do homem com a cidade é substituída pela sua relação privilegiada com o cosmos. Viver em harmonia com ele é a suprema das sabedorias. Assim o estoicismo e o epicurismo surgem no processo de decadência e de ruína do antigo mundo greco-romano. Teorias Éticas Fundamentais Para Epicuro (341-270 a.C) o prazer é um bem e como tal o objetivo de uma vida feliz. Estava lançada então a idéia de hedonismo5 que é uma concepção ética que assume o prazer como princípio e fundamento da vida moral. Mas, existem muitos prazeres, e nem todos são igualmente bons. É preciso escolher entre eles os mais duradouros e estáveis, para isso é necessário a posse de uma virtude sem a qual é impossível a escolha. Essa virtude é a prudência, através da qual podemos selecionar aqueles prazeres que não nos trazem a dor ou perturbações. Os melhores prazeres não são os corporais - fugazes e imediatos - mas os espirituais, porque contribuem para a paz da alma. 5 No epicurismo, significa a busca de prazeres moderados, únicos que não terminam por conduzir a sofrimentos indesejados. 17 Para os estóicos (por exemplo, Zenão, Sêneca e Marco Aurélio) o homem é feliz quando aceita seu destino com imperturbabilidade e resignação. O universo é um todo ordenado e harmonioso onde os sucessos resultam do cumprimento da lei natural racional e perfeita. O bem supremo é viver de acordo com a natureza, aceitar a ordem universal compreendida pela razão, sem se deixar levar por paixões, afetos interiores ou pelas coisas exteriores. O homem virtuoso é aquele que enfrenta seus desejos com moderação aceitando seu destino. O estóico é um cidadão do cosmo não mais da pólis. Idade media O Cristianismo se eleva sobre o que restou do mundo greco-romano e no século IV torna-se a religião oficial de Roma. Com o fim do "mundo antigo" o regime de servidão substitui o da escravidão e sobre estas bases se constrói a sociedade feudal, extremamente estratificada e hierarquizada. Nessa sociedade fragmentada econômica e politicamente, verdadeiro mosaico de feudos, a religião garantia uma certa unidade social. Por este motivo a política fica dependente dela e a Igreja Católica passa a exercer, além de poder espiritual, o poder temporal e a monopolizar também a vida intelectual. Evidentemente a ética fica sujeita a este conteúdo religioso. Assim o longo período que se estende entre o século IV e o século XV, é marcado pelo predomínio absoluto da moral cristã. Deus é identificado com o Bem, Justiça e Verdade. É o modelo que todos os homens deviam procurar seguir. Neste contexto dificilmente se concebe a existência de teorias éticas autônomas da doutrina da Igreja Cristã, dado que todas elas de uma forma ou outra teriam que estar de concordo com os seus princípios. A ética cristã é uma ética subordinada à religião num contexto em que a filosofia é "serva" da teologia. Temos então uma ética limitada por parâmetros religiosos e dogmáticos. É uma ética que tende a regular o comportamento dos homens com vistas a um outro mundo (o reino de Deus), colocando o seu fim ou valor supremo fora do homem, na divindade. É curioso notar que ao pretender elevar o homem de uma ordem natural para outra transcendental e sobrenatural, onde possa viver uma vida plena e feliz, livre das desigualdades e injustiças do mundo terreno, ela introduz uma idéia verdadeiramente inovadora, ou seja, todos seriam iguais diante de Deus e são chamados a alcançar a perfeição e a justiça num mundo sobrenatural, o reino dos Céus. Teorias Éticas Fundamentais Santo Agostinho (354-430). Fundamentou a moral cristão, com elementos filosóficos da filosofia clássica. O objetivo da moral é ajudar os seres humanos a serem felizes, mas a felicidade suprema consiste num encontro amoroso do homem com Deus. Só através pela graça de Deus podemos ser verdadeiramente felizes. Ou seja, a purificação da alma, em Platão, e sua ascensão libertadora até elevar-se ao mundo das idéias tem correspondência na elevação ascética até Deus exposta por Santo Agostinho.18 St. Tomás Aquino (1225-1274). No essencial concorda com Santo Agostinho, mas procura fundamentar a ética tendo em conta as questões colocadas na antiguidade clássica por Aristóteles, como aquela da busca através de contemplação e de conhecimento alcançar o fim último, que para ele era Deus. Ética moderna: Entre os séculos XVI e XVIII, a sociedade Européia é varrida por profundas mudanças que alteram completamente as concepções anteriores. A história da ética complica-se a partir do Renascimento Europeu e podemos chamar de ética moderna às diversas tendências que prevaleceram desde momento até o início do século XIX. Renascimento. Em Itália a partir do século XIV desenvolve-se um movimento filosófico e artístico que retoma explicitamente idéias da Antiguidade Clássica. O homem ocupa nestas idéias o lugar central (antropocentrismo). Este movimento acaba por ser difundir por toda a Europa a partir do século XVI. Descobertas Geográficas. A aventura iniciada em 1415 pelos espanhóis e portugueses, teve um profundo impacto na sociedade européia. Em conseqüência destas descobertas as concepções sobre a Terra e o Universo tiveram que ser alteradas. Copérnico foi o primeiro a retirar todas as ilações do que estava a acontecer. O universo deixa de ser concebido com um mundo fechado para ser encarado como espaço infinito. A terra, o Sol, mas também o Homem perderam neste processo a sua importância e significado. As descobertas revelaram igualmente a existência de outros povos, culturas, religiões até aí desconhecidas. A realidade tornou-se muitíssimo mais complexa e plural. Divisões na Igreja. O século XVI é marcado por diversos movimentos de ruptura no cristianismo, que provocam o aparecimento de novas igrejas, cada uma reclamando para si a interpretação mais correta da palavra divina. Não admira que este período seja marcado por numerosos e sangrentos conflitos religiosos. O resultado global foi o aumento da descrença, o desenvolvimento do ateísmo. Desenvolvimento da Ciência Moderna. O grande critério do conhecimento deixa de ser a tradição, a autoridade e passa a ser a experiência. Fato que coloca radicalmente em causa crenças milenares. Não é fácil sistematizar as diversas doutrinas éticas que surgiram neste período, tamanha sua diversidade, mas podemos encontrar, talvez como reação à ética cristã descêntrica e teológica uma tendência antropocêntrica. Evidentemente essa mudança de ponto de vista não aconteceu ao acaso. Fez-se necessário um entendimento sobre as mudanças que o mundo sofreu, nas esferas econômica, política e científica para entendermos todo o processo. A forma de organização social que sucedeu à feudal, traz em sua estrutura mudanças em todas as ordens. A economia, por exemplo, viu crescer de forma muito intensa o relacionamento de suas forças produtivas com o desenvolvimento científico que começara a fundamentar a ciência moderna - são dessa época os trabalhos de Galileu e Newton - e desse relacionamento se desenvolvem as relações capitalistas de produção. 19 Essa nova forma de produção fortalece uma nova classe social - a burguesia - que luta para se impor política e economicamente. É uma época de grandes revoluções políticas (Holanda, França e Inglaterra) e no plano estatal assistimos o desaparecimento da fragmentada sociedade feudal e o fortalecimento dos grandes Estados Modernos, únicos e centralizados. Nessa nova ordem vemos a razão se separando da fé (a filosofia separa-se da religião), as ciências naturais dos pressupostos teológicos, o Estado da Igreja e o homem de Deus. Essa ruptura fica muito evidente quando, entre a Idade Média e a Modernidade, o italiano Nicolau Maquiavel (1469-1527) provoca uma revolução na ética ao romper com a moral cristã, que impõe os valores espirituais como superiores aos políticos, quando defendeu a adoção de uma moral própria em relação ao Estado. O que importa são os resultados e não a ação política em si, sendo legítimos os usos da violência contra os que se opõe aos interesses estatais. (...) Examinando as outras qualidades atrás enumeradas, direi que todo o príncipe deve desejar ser tido como piedoso, e não como cruel; não obstante, deve cuidar de não usar mal a piedade. Cesar Borgia6 era tido como cruel; entretanto, essa sua crueldade havia posto ordem na Romanha, promovido a sua união e a sua pacificação e inspirando confiança, o que, bem considerado, mostra ter sido ele muito mais piedoso do que os florentinos, os quais, para esquivarem da reputação de cruéis deixaram que Pistóia fosse destruída. Deve um príncipe, portanto, não se importar com a reputação de cruel, a fim de poder manter os seus súditos em paz e confiantes, pois que, com pouquíssimas repressões, será mais piedoso do que aqueles que, por muito clementes, permitem as desordens das quais resultem assassínios e rapinagens. Estas atingem a comunidade inteira, enquanto que os castigos impostos pelo príncipe atingem poucos. (MAQUIAVEL, sd, p.107)(...) Na verdade o que estamos presenciando é uma extraordinária sugestão para a aplicação de novos valores. A obra de Maquiavel influenciará, como veremos mais tarde, outros pensadores modernos como o inglês Thomas Hobbes e Baruch de Epinosa, extremamente realistas no que se refere à ética. Teorias Éticas Fundamentais Thomas Hobbes7 (1588-1679) consegue sistematizar esta ética do desejo, que existe em cada ser, de própria conservação como sendo o fundamento da moral e do direito. Para Hobbes, a vida do homem no estado de natureza - sem leis nem governo - era "solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta", uma vez que os 6 César Bórgia, Duque de Valentinois, (Setembro de 1475 - 12 de Março de 1507), foi um príncipe italiano da Renascença européia. Filho de Rodrigo Bórgia, futuro Papa Alexandre VI, com Vanozza Cattanei. César Bórgia tornou-se modelo para o livro O Príncipe, de Maquiavel. Calculista e violento tentou, com o apoio do pai, constituir um principado na Romanha em 1501. No dia 31 de dezembro de 1502, para se livrar de seus inimigos (entre eles, Oliverotto de Fermo), convidou-os para seu palácio de Senigallia, depois aprisionou-os e assassinou-os. 7 É impossível entender o sistema de Hobbes desconsiderando o momento histórico no qual viveu. Ele vivenciou a guerra civil inglesa do século XVII, com o fim dramático de uma monarquia e a emergência de uma tirania que veio a controlar a dissolução do Estado e da sociedade inglesa. Ademais dos conflitos religiosos que temperaram tal guerra levaram-no a refletir sobre quais seriam as consequências para a sobrevivência e a preservação dos homens de deixá-los à própria sorte. 20 homens são por índole agressivos, autocentrados, insociáveis e obcecados por um "desejo de ganho imediato". (...) O principal dos bens é a conservação de si mesmo. A natureza, com efeito, proveu para que todos desejem o próprio bem, mas afim de que possam ser capazes disso, é necessário que desejem a vida, a saúde e a maior segurança dessas coisas para o futuro. De todos os males porém, o primeiro é a morte, especialmente se acompanhada de sofrimento. Já que os males da vida podem ser tantos que senão se prever como próximo o seu fim, fazem contar a morte entre os bens. (De hom., XI , 6) Para Hobbes, indivíduos que decidem viver em sociedade não são melhores ou menos egoístas do que os selvagens: são apenas mais clarividentes, percebendo que, se cooperarem, podem ser mais ricos e mais felizes. Seu bom comportamento deriva do seu egoísmo. Em outras palavras, o que leva dois homens pré-históricos a se unirem numa caçada a um tigre dente-de-sabre, é o fato de que, juntos, têm mais chances de matá-lo sem se ferirem. A característica básica do estado de natureza em Hobbes é a anomia8,a inexistência de regras e de garantia das mesmas e o não respeito aos diretos em geral. Seria por tanto, uma lei da natureza, porque estaríamos falando da natureza humana, do conflito e da possibilidade de autodestruição: os homens, na busca insaciável de poder, da realização de seus interesses, criariam uma situação na qual a aniquilação do outro ou dos outros se tornaria inevitável. Daí deriva a famosa citação atribuída a Hobbes segundo a qual “o homem é lobo do homem” Portanto, o comportamento dos homens obedeceria a uma lei natural, a sua autopreservação na busca de objetivos individuais sem limites, ademais mesmo que procurando essa autopreservação o resultado desse jogo social é a guerra civil permanente. Em tal situação não há como diferençar o justo do injusto, o certo do errado, o virtuoso do não virtuoso. Assim sob tais circunstancias, seria desejável, para agentes racionais, abrir mão de parte de suas liberdades individuais e transferir a fiscalização sobre o cumprimento do contrato social e das leis para um terceiro agente o Estado. Nesse sentido só a moralidade sob a tutela do Estado do soberano. Baruch de Espinosa (1632-1677) afirmava que os homens tendem naturalmente a pensar apenas em si mesmos, que em seus desejos e opiniões as pessoas são sempre conduzidas por suas paixões, as quais nunca levam em conta o futuro ou as outras pessoas. Essa tendência a conservação, à consecução de tudo que é útil é muitas vezes colocada na obra de Espinosa como sendo a própria ação necessitante da Substância Divina. (...) Uma vez que a Razão não pede nada que seja contra a Natureza, ela pede, por conseguinte, que cada um se ame a si mesmo, procure o que lhe é útil, mas o que lhe é útil de verdade; deseje tudo o que conduz, de fato, o homem a uma maior perfeição; e, de uma maneira geral, que cada um se esforce por conservar o seu ser, tanto quanto 8 Ausência de lei ou regra; anarquia. Estado da sociedade no qual os padrões normativos de conduta e crença têm enfraquecido ou desaparecido. 21 lhe é possível. Isto é tão necessariamente verdadeiro como o todo ser maior que a sua parte.(...) (ESPINOSA, 1973, p.244). Jonh Locke (1632-1704) atrela a tendência à conservação e satisfação à uma concepção de "felicidade pública". Dizia Locke: (...) Como Deus estabeleceu um liame indissolúvel entre a virtude e a felicidade pública, e tornou a prática da virtude necessária à conservação da sociedade humana e visivelmente vantajosa para todos os que precisam tratar com as pessoas de bem, ninguém se deve maravilhar se cada um não só aprovar essas regras, mas igualmente recomendá-las aos outros, estando persuadido de que, se as observarem, lhe advirão vantagens a ele próprio. (...) (Ensaio, I, 2, 6) David Hume (1711-1776) seguindo essa linha nos coloca que o fundamento da moral é a utilidade, ou seja, é boa ação aquela que proporciona "felicidade e satisfação" à sociedade. A utilidade agrada porque responde a uma necessidade ou tendência natural que inclina o homem a promover a felicidade dos seus semelhantes. Ao invés de limitar os desejos humanos àqueles determinados apenas pelo interesse pessoal (comida, dinheiro, glória, etc), Hume percebeu que muitas das nossas paixões estão baseadas no que ele chamava de simpatia - a capacidade de sentir em si mesmo os sofrimentos e até mesmo as alegrias de outrem. Essa visão do ser humano como criatura simpática tornava impossível traçar, à maneira de Hobbes, uma nítida linha divisória entre o interesse pessoal e o interesse alheio, uma vez que agora é possível encarar o interesse alheio como se ele fosse um interesse pessoal. Hume estava propondo uma espécie de razão emocional para o comportamento altruísta. Para Jean Jaques Rousseau (1712-1778) o homem é bom por natureza e seu espírito pode sofrer um aprimoramento quase ilimitado e atribui a causa de todos os males à sociedade e à moral que o corromperam. O Homem sábio é aquele que segue a natureza e despreza as convenções sociais. Ética contemporânea Se quisermos estabelecer um começo para a Idade Contemporânea, temos recuar até aos finais do século XVIII. O que então se iniciou na Europa veio a contribuir de forma decisiva para formar o mundo em que vivemos. Revoluções. A Revolução Francesa (1789) marcou uma ruptura deliberada e radical com o passado. Depois dela muitas outras ocorreram até aos nossos dias com idênticos propósitos. Quase sempre foram iniciadas em nome da libertação do povo da opressão (ditaduras, regimes colonialistas, etc). Prometeram criar novas sociedades e homens, mas o que produziram foi frequentemente novas matanças. Guerras Mundiais. A partilha do mundo, a conquista de recursos naturais, o saques de riquezas acumulados foram sempre uma constante ao longo da história da Humanidade. A grande novidade na Idade Contemporânea assentou-se num 22 aspecto essencial: a crescente eficiência da barbárie praticada por poderosas máquinas de guerra que passaram a operar numa escala cada vez mais global. A França napoleônica, no início do século XIX, mostrou o caminho que outros países ou alianças de países haviam de prosseguir na guerra e no saque de povos. A dimensão desta barbárie colocou os causa os fundamentos da racionalidade e moralidade do mundo ocidental. Progresso científico e tecnológico. A ciência substituiu o lugar que antes era ocupado pela religião na condução dos homens. Os cientistas foram apontados como os novos sacerdotes. O balanço desta substituição continua a ser objeto de enormes polêmicas, mas três coisas são hoje evidentes: a) A ciência e a tecnologia mudaram o mundo possibilitando uma melhoria muito significativa da vida de uma parte significativa da humanidade. Apesar do imenso bem estar por proporcionado, a verdade é que as desigualdades a nível mundial não diminuíram antes se acentuaram. Uns não sabem o que fazer a tanto desperdício, outros lutam diariamente por obter restos que lhes permitam sobreviver; b) Não parecem existir limites para o desenvolvimento da ciência e da técnica. Aquilo que era antes impensável tornou-se hoje banal: manipulações genéticas, clonagem de seres, inseminação artificial, morte assistida, etc. Valores tidos por sagrados são agora quotidianamente aniquilados por experiências científicas. c) O progresso humano fez-se mais lentamente que o progresso científico e tecnológico, ou dito de outro modo, o progresso moral não acompanhou o científico. Ao longo de todo o século XX inúmeras foram as figuras do mundo da ciência e da técnica envolvidas em intermináveis de atos de pura barbárie, em nada se distinguindo dos antigos "selvagens". O século XIX e XX foi por tudo isto marcado pelo aparecimento de um enorme número de teorias éticas, mas também pela própria crítica dos fundamentos da moral. Esta pluralidade revela igualmente a enorme dificuldade que os homens têm sentido em estabelecer consensos sobre as normas em que devem de assentar as suas relações. Teorias Éticas Fundamentais. Immannuel Kant (1724-1804). A preocupação maior da ética de Kant era estabelecer a regra da conduta na substância racional do homem. Ele fez do conceito de dever ponto central da moralidade. Hoje em dia chamamos a ética centrada no dever de deontologia. Kant dizia que a única coisa que se pode afirmar que seja boa em si mesma é a "boa vontade" ou boa intenção, aquilo que se põe livremente de acordo com o dever. O conhecimento do dever seria consequência da percepção, pelo homem, de que é um ser racional e como tal está obrigado a obedecer o que Kant chamava de "imperativo categórico", que é a necessidade de respeitar todos os seres racionais na qualidade de "fins em si mesmo". É o reconhecimento da existência de outros homens(seres racionais) e a exigência de comportar-se diante deles a partir desse reconhecimento. Deve-se então tratar a humanidade na própria pessoa como na do próximo sempre como um fim e nunca só como um meio. 23 A ética kantiana busca, sempre na razão, formas de procedimentos práticos que possam ser universalizáveis, isto é, um ato moralmente bom é aquele que pode ser universalizável, de tal modo que os princípios que eu sigo possam valer para todos. "Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal." (KANT, 1984, p.129) Analisando a questão da tortura, por exemplo, me questiono se tal procedimento deveria ser universalizado ou não. Se não posso querer a universalização da tortura, também não posso aceitá-la nem aqui nem agora. Friedrich Hegel (1770-1831) pode ser considerado como sendo o mais importante filósofo do idealismo alemão pós-kantiano. Para ele, a vida ética ou moral dos indivíduos, enquanto seres históricos e culturais é determinada pelas relações sociais que mediatizam as relações pessoais intersubjetivas. Hegel dessa forma transforma a ética em uma filosofia do direito. Ele a divide em ética subjetiva (ou pessoal) e em ética objetiva (ou social). A primeira é uma consciência de dever e a segunda é formada pelos costumes, pelas leis e normas de uma sociedade. O Estado, para Hegel, reúne esses dois aspectos numa "totalidade ética". Assim, a vontade individual subjetiva é também determinada por uma vontade objetiva, impessoal, coletiva, social e pública que cria as diversas instituições sociais. Além disso, essa vontade regula e normatiza as condutas individuais através de um conjunto de valores e costumes vigentes em uma determinada sociedade em uma determinada época. O ideal ético estava numa vida livre dentro de um Estado livre, um Estado de Direito que preservasse os direitos dos homens e lhes cobrasse seus deveres, onde a consciência moral e as leis do direito não estivessem nem separadas e nem em contradição. Dessa maneira, a vida ética consiste na interiorização dos valores, normas e leis de uma sociedade, condensadas na vontade objetiva cultural, por um sujeito moral que as aceita livre e espontaneamente através de sua vontade subjetiva individual. A vontade pessoal resulta da aceitação harmoniosa da vontade coletiva de uma cultura. O alemão Karl Marx (1818-1883) também via a moral como uma espécie de "superestrutura ideológica", cumprindo uma função social que, via de regra, servia para sacramentar as relações e condições de existência de acordo com os interesses da classe dominante. Numa sociedade dividida por classes antagônicas a moral sempre terá um caráter de classe. Até hoje existem diferentes morais de classe e inclusive numa mesma sociedade podem coexistir várias morais, já que cada classe assume uma moral particular. Assim, enquanto não se verificarem as condições reais para uma moral universal, 24 válida para toda a sociedade, não pode existir um sistema moral válido para todos os tempos e todas as sociedades. Para Marx, sempre que se tentou construir semelhante sistema no passado estava- se tentando imprimir um caráter universal a interesses particulares. Se entendermos a moral proletária como sendo a moral de uma classe que está destinada historicamente a abolir a si mesma como classe para ceder lugar a uma sociedade verdadeiramente humana, serve como passagem a uma moral universalmente humana. Os homens necessitam da moral como necessitam da produção e cada moral cumpre sua função social de acordo com a estrutura social vigente. Torna-se necessária então uma nova moral que não seja o reflexo de relações sociais alienadas, para regular as relações entre os indivíduos, tanto em vista das transformações da velha sociedade como para garantir a harmonia da emergente sociedade socialista. Tudo isso, a transformação da antiga moral e a construção da nova, exigem a participação consciente dos homens. A nova moral, com suas novas virtudes transforma-se numa necessidade. O homem portanto, deve interferir sempre na transformação da sociedade. Para John Stuart Mill (1806-1873), representante da ética utilitarista9, a felicidade reside na busca do máximo prazer e do mínimo de dor. O Bem consiste na maior felicidade e a virtude é um meio de se atingir essa felicidade, fundamento de toda filosofia moral. (...) O credo que aceita a Utilidade ou Princípio da Maior Felicidade como fundamento da moral, sustenta que as ações são boas na proporção com que tendem a produzir a felicidade; e más, na medida em que tendem a produzir o contrário da felicidade. Entende-se por felicidade o prazer e a ausência de dor; por infelicidade, a dor e a ausência de prazer . [...] O prazer e a isenção de dor são as únicas coisas desejáveis [...] como fins; e [...] todas as coisas desejáveis [...] o são pelo prazer inerente a elas mesmas ou como meios para a promoção do prazer e a preservação da dor. (MILL, 1960, p. 29- 30) Da idéia de bem como sendo o que traz vantagens para muitos se deduziu até mesmo uma matemática ou cálculo moral. Estas tendências aparecem em muitas formulações éticas, principalmente numa corrente conhecida como pragmatismo. 9 Uma outra corrente dentro da ética é o utilitarismo, segundo o qual o objetivo da moral é o de proporcionar o máximo de felicidade ao maior número de pessoas. 25 O pragmatismo, como doutrina ética, parece estar muito ligado ao pensamento anglo-saxão, tendo se desenvolvido muito nos países de fala inglesa, particularmente nos Estados Unidos, no último quarto do século passado. Seus principais expoentes são o filósofo e psicólogo William James (1842-1910) e o filósofo educador John Dewey. O pragmatismo deixa de lado as questões teóricas de fundo, afastando-se dos problemas abstratos da velha metafísica e dedicando-se às questões práticas vistas sob uma ótica utilitária. Procura identificar a verdade com o útil, como aquilo que melhor ajuda a viver e conviver. O Bom é algo que conduz a obtenção eficaz de uma finalidade, fim esse que nos conduz a um êxito. Dessa forma os valores, princípios e normas perdem seu conteúdo objetivo e o bem passa a ser aquilo que ajuda o homem em suas atividades práticas, variando conforme cada situação. O pragmatismo pode bem ser o reflexo do progresso científico e tecnológico alcançado pelos Estados Unidos no apogeu de sua fase capitalista onde o "espírito de empresa", o "american way of life", criaram solo fértil para a mercantilização das várias atividades humanas. Existe um grande perigo embutido no pragmatismo, que é a redução do comportamento moral a atos que conduzam apenas ao êxito pessoal transformando-o numa variante utilitarista marcada apenas pelo egoísmo, rejeitando a existência de valores ou normas objetivas. Uma distorção muito comum em nossa sociedade capitalista é a busca da vantagem particular, onde o bom é o que ajuda meu progresso e o meu sucesso particular. Henri Bergson10 (1859-1941). Bergson distinguiu uma moral fechada e uma moral aberta. A fechada é o conjunto do que é permitido e do que é proibido para os indivíduos de uma sociedade, tendo em vista a autoconservação da mesma. Ela é imposta aos indivíduos e tem como finalidade tornar a vida em comum possível e útil a todos. "Ela corresponde no mundo humano ao que é instinto em certas sociedades animais, isto é, tende ao fim de conservar as próprias sociedades." Do outro lado encontramos a moral aberta, nascida de um impulso criador suprarracional. É a moral do amor, da liberdade e da humanidade universal, que resulta de uma emoção criadora. Enquanto tal, torna possível a criação de novos valores e de novas condutas em substituiçãoàquelas vigentes segundo a moral fechada. 10 Filósofo francês. 26 É a moral dos profetas, dos inovadores, dos místicos, dos sábios e dos santos. Graças sempre a eles, foi, e é possível, a instauração de uma nova ética em face da moral vigente. Na filosofia contemporânea, os princípios do liberalismo influenciaram bastante o conceito de ética, que ganha fortes traços de moral utilitarista. Os indivíduos devem buscar a felicidade e, para isso, fazer as melhores escolhas entre as alternativas existentes. Jurgem Habermas, filósofo alemão nascido em 1924, é professor da Universidade de Frankfurt. Sua obra pretende ser uma revisão e uma atualização do marxismo, capaz de dar conta das características do capitalismo avançado da sociedade industrial contemporânea. Faz uma crítica à racionalidade dessa sociedade, caracterizando- a em termos de uma "razão instrumental", que visa apenas estabelecer os meios para se alcançar um fim determinado. Segundo sua análise, o desenvolvimento técnico e a ciência voltada apenas para a aplicação técnica acarretam na perda do próprio bem, que estaria submetido às regras de dominação técnica do mundo natural. É necessário então a recuperação da dimensão humana, de uma racionalidade não- instrumental, baseada no "agir comunicativo" entre sujeitos livres, de caráter emancipador em relação à dominação técnica. Habermas percebeu a distorção dessa possibilidade de ação comunicativa, que produziu relações assimétricas e impediu uma interação plena entre as pessoas. A proposta de Habermas formula-se em termos de uma "teoria da ação comunicativa", recorrendo inclusive à filosofia analítica da linguagem para tematizar essas condições do uso da linguagem livre de distorção como fundando uma nova racionalidade. Habermas busca uma teoria geral da verdade, segundo a qual o critério da verdade é o consenso dos que argumentam e defende a idéia de que argumentar é uma tarefa eminentemente comunicativa. Por isso, o "discurso intersubjetivo" é o lugar próprio para a argumentação. Somente se poderia aceitar como critério de verdade aquele consenso que se estabelece sob condições ideais, que Habermas chama de "situação ideal de fala". Ou seja, a razão é definida pragmaticamente de tal modo que um consenso é racional quando é estabelecido numa condição ideal de fala. Para que isso seja possível, definiu uma série de regras básicas, cuja observação é condição para que se possa falar de um discurso verdadeiro. Essas regras são, em primeiro lugar, que todos os participantes tenham as mesmas chances de participar do diálogo, em segundo, que devem ter chances iguais para a crítica. São formas de, quando uma argumentação tem lugar entre várias pessoas, a eliminação dos fatores de poder que poderiam perturbar a argumentação. 27 Uma terceira condição seria que todos os falantes deveriam ter chances iguais para expressar suas atitudes, sentimentos e intenções. A quarta e decisiva condição afirma que serão apenas admitidos ao discurso falantes que tenham as mesmas chances enquanto agentes para dar ordens e se opor, permitir e proibir, etc. Um diálogo sobre questões morais entre senhores e escravos, patrões e empregados, pai e filho, violaria, portanto as condições da situação ideal da fala. Lembramos que o "discurso autêntico" é aquele que ocorre com pessoas em situação igual, sob condições igualitárias do ponto de vista de participação no discurso. Habermas ainda defende o projeto iniciado pelo Iluminismo como algo ainda a ser desenvolvido e significativo para nossa época, desde que a razão seja entendida criticamente, no sentido do agir comunicativo. John Rawls, em sua "Teoria da Justiça" (1971) afirma que a justiça não é um resultado de interesses, por públicos que sejam. Ele fala de uma justiça distributiva partindo de um "estado inicial" por meio do qual se pode assegurar que os acordos básicos a que se chega num contrato social sejam justos e eqüitativos. A justiça é entendida como eqüidade por ser eqüitativa em relação a uma posição original que está baseada em dois princípios: a) cumpre assegurar para cada pessoa numa sociedade, direitos iguais numa liberdade compatível com a liberdade dos outros; b) deve haver uma distribuição de bens econômicos e sociais de modo que toda desigualdade resulte vantajosa para cada um, podendo além disso ter cada um acesso, sem obstáculos, a qualquer posição ou cargo. A concepção geral de sua teoria afirma que, todos os bens sociais primários - liberdade e oportunidade, rendimentos e riquezas, e as bases de respeito a si mesmo devem ser igualmente distribuídas, a menos que uma distribuição desigual desses bens seja vantajosa para os menos favorecidos. 1.4. A mutabilidade da vivencia ética. a) Divergências de comportamento O ser humano na sua essência é imutável, pois se mudar sua essência, deixa de ser humano e torna-se um outro ser; é neste sentido que se indaga quando o homem começou a existir ou como o evolucionismo estuda quando ocorreu o processo de humanização; deve ter ocorrido um momento em que a natureza se definiu como "humano"; só para ficarmos com dados historicamente claros, lembramos os "homens" primitivos (5000 aC), os "homens" egípcios (3000 aC), os "homens" romanos (750aC), os "homens" índios americanos (1500 dC). Ora, se podemos chamá-los de "homens", a natureza, na sua essência, é a mesma, e, como conseqüência, seu comportamento deveria ser o mesmo. Todavia é mais do que notória a diversidade de atitudes tanto em termos de tempo como de espaço; porém, 28 mesmo no meio desta diversidade, o que o homem procura é a realização do seu ser, que é imutável. Podemos apontar: algumas razões das divergências do comportamento humano, sem entrar no mérito do julgamento da consciência individual. b) Razões das divergências Uma primeira razão encontra-se no próprio conhecimento, que o homem tem de si mesmo tanto individualmente como coletivamente. Assim, até a Baixa Idade Média, era desconhecida a existência de óvulo na mulher; inclusive os medievais afirmavam; que no ato sexual o homem já colocava um "homenzinho" pronto na mulher, cuja função era de fazer crescer este homenzinho; daí exigir-se da mulher uma atitude passiva ou receptiva. Outro exemplo, também na esfera sexual, é que na masturbação o homem jogava fora energias provindas de sua alimentação, que o tornaria mais fraco e até impotente. Ainda serve como exemplo o uso da mão; esquerda em detrimento da direita, o que revelaria problemas; mentais. Também o homossexualismo teria sua origem no próprio órgão genital, daí o costume ainda bastante recente de dar choque elétrico no mesmo como "terapia". Ora, na medida em que a humanidade vai se conhecendo melhor, ela tem a possibilidade de modificar seus comportamentos. Uma segunda razão provém do conhecimento que o homem tem de outras realidades no seu sentido para o próprio homem. Assim, para vários povos, incluindo os judeus no tempo de Cristo, a carne de porco era impura não só biologicamente, mas até espiritualmente para o homem. Outro exemplo refere-se ao dinheiro que até o fim da Idade Média era considerado como um simples meio de troca, daí dinheiro não podia gerar dinheiro, proibindo-se não a usura, mas até o juro. Ora, aqui vale a mesma reflexão feita anteriormente: é importante o homem cada vez mais descobrir o sentido das coisas para ele. Uma terceira razão engloba tradições e culturas com princípios, preconceitos e tabus que se cristalizam como uma segunda natureza; assim existem fatos que se perdem no passado, mas que tiveram uma razão de ser num determinado momento e continuam ainda como paradigmas de comportamento. Por exemplo, é conhecido o costume de mulheresafricanas que 1 usam argolas no pescoço para torná-lo mais comprido e elas serem mais elegantes; em Biafra é tradição os jovens ajudarem os velhos morrer, fazendo- os subir num coqueiro, que é sacudido logo em seguida para os velhos cair. No Brasil há uma tribo de índios, que fazem os pais colocarem formigas no corpo pelado do filho aos quatro anos de idade para que este mostre que já é homem suportando as picadas. O machismo teve sua origem quando o homem teve que trabalhar a terra e criar animais, impondo-se pelo poder econômico à mulher. Uma quarta razão é fornecida pelo avanço das ciências e da tecnologia, que derruba mitos e conceitos do passado, mas cria novos. Um exemplo típico encontramos com relação à família: por muitos séculos o ideal foi uma prole numerosa; com a descoberta dos períodos férteis da mulher e dos anticoncepcionais, bem como das influências da macroeconomia na vida familiar, hoje criou-se o ideal de prole pequena, até com o mito de se ter só dois filhos. Estas razões mostram que a vida humana é muito mais dinâmica do que os enquadramentos que são feitos dela; mas ao mesmo tempo parece claro que o homem está sempre à procura de si, detectando razões para de fato sentir-se e viver como ser humano. 29 c) Mutabilidade na ética profissional Estas quatro razões de mutabilidade de vivência ética estão presentes também na existência profissional. Assim, Platão distingue três classes sociais a partir das três almas: os filósofos: onde domina a alma racional, os guerreiros, onde domina ai alma irascível os operários, onde domina a alma apetitiva; logicamente estes últimos eram subordinados aos anteriores; desta maneira se justificava também a escravidão. Também os hindus criaram as castas em ordem decrescente: sacerdotes, reis e guerreiros, artesãos, súditos e párias; dentro deste contexto é: que se orientavam as relações de trabalho. Entre os medievais muitos ensinavam que Deus já criara um grupo de ricos e a grande maioria de pobres para trabalhar para os primeiros. Aliás,o sistema capitalista na prática mantém a mesma idéia: os burgueses são para dirigir e dominar a economia, enquanto o operário é só para trabalhar e não para pensar. Existem alguns provérbios que escondem fundamentos éticos: por exemplo, "a quem cedo madruga, Deus ajuda", que serve para justificar a grande jornada dura do trabalhador, especialmente agrícola, que é dominado por intermediários, financiadores e outros que trabalham bem menos e ganham bem mais; outro provérbio: "O trabalho dignifica o homem", parte do pressuposto que qualquer atividade que a pessoa faça a torna mais valiosa, vindo, portanto a dignificação de fora do próprio homem, justificando a imposição de tarefas alheias tanto à vontade como à capacidade do sujeito à medida que interessa ao jogo de lucro fácil. Lembramos ainda que os europeus, especialmente portugueses e espanhóis, quando quiseram escravizar os índios e os negros, encaminharam um documento ao Papa solicitando que: fosse declarada a existência de uma alma inferior aos brancos nestes povos. Diante destas reflexões, percebemos que a ética no exercício profissional está dependendo de variações culturais, interesses imediatistas, manutenção de poder; no fundo o, que está em jogo de novo é: o que é o ser humano? Será que todos são fundamentalmente iguais ou temos que separá-los entre os intelectuais e os humildes, os patrões e os escravos, os superiores e os inferiores, etc.?. 1.5. O princípio fundamental da ética. Mesmo diante da mutabilidade da existência ética deve-se reconhecer um princípio fundamental, que é evidente por si mesmo para todas as pessoas, assim enunciado: "É necessário fazer o bem e evitar o mal". Como foi descrito anteriormente, é pode ocorrer uma discrepância na compreensão concreta do que é o bem, mas toda pessoa sabe que deve procurar o bem. Mas o que é o bem? Bem é tudo aquilo que está de acordo com a natureza em geral e especialmente com a humana, perfazendo uma integridade ou harmonia no todo; assim, pensar em progredir na profissão pode ser um bem enquanto favorece o encadeamento das próprias energias para melhorar de vida; tomar um remédio contra reumatismo pode ser um bem porque reintegra uma parte do corpo consigo mesma e com o todo do ser humano; namorar pode ser um bem enquanto favorece o equilíbrio afetivo da pessoa. "Na medida em que uma coisa está de acordo com nossa natureza é necessariamente boa" (Spinoza, citado em Sá, 1996: 27). 30 Além disto, o bem é baseado numa relação especial e constituída por esta entre duas ou mais realidades; assim, trabalhar pode ser um bem enquanto a pessoa se vê relacionada à produção de um valor e ao mesmo tempo melhora as relações com seus familiares garantindo seu sustento; uma relação sexual e pode ser um bem enquanto um meio de manifestação de amor conjugal, fortificando a relação entre ambos. E o mal o que é? É uma negação, uma falta de um bem, uma desarmonia causada num todo pela ausência de algo. Assim, matar outra pessoa é um mal, porque priva alguém da vida que é um bem; ser desonesto no preço de uma mercadoria é um mal, porque tira algo de bom de outrem; ser adúltero é um mal, porque realiza um ato que por si pertence a outra pessoa; sonegar impostos é um mal, porque desvia um bem da posse de quem é de direito. Todas as questões éticas no fundo se resolvem a esta pergunta: o que favorece ou não favorece à natureza do ser humano? Assim, o bem e o mal, o certo e o errado, embora possam e, devam ser determinados em si, concretamente exigem uma reflexão constante, especialmente diante de novas situações; um simplismo muito rígido pode impedir de vislumbrar realisticamente o que de fato é bom para o ser humano. Critérios auxiliares A fim de facilitar a concretização do princípio fundamental, existem três critérios auxiliares. Os primeiros princípios são aqueles mais genéricos de fácil compreensão e aceitação por qualquer pessoa; são "vazios", isto é, sem se referir ainda a determinada situação; são universais, isto é, independentes de culturas ou ideologias específicas; são valores, que antecedem leis feitas por autoridades, que regem as relações entre as pessoas; fazem parte do senso comum. Por exemplo: respeitar a vida humana, respeitar as coisas alheias, proferir a verdade, viver a honestidade e a sinceridade, ser fiel, na vida conjugal. Os segundos princípios são concretizações em situações mais específicas dos primeiros com mais dificuldades para aceitação unânime; normalmente dependem de culturas, ideologias, tradições, costumes e interesses; assim, nem sempre se apresentam como uma dedução lógica e racional dos primeiros princípios, havendo divergências entre os grupos humanos. Assumindo os mesmos exemplos anteriores, é só acrescentar um novo elemento a cada item: respeitar a vida humana de um feto, respeitar as coisas alheias de um rico, proferir a verdade a um doente, viver a honestidade e a sinceridade na declaração de impostos, ser fiel na vida conjugal no caso de ter sido traído. As conclusões remotas são aplicações dos segundos princípios em situações especialíssimas e bem definidas; a unanimidade é bem mais difícil ainda; aqui entram em jogo problemas ou -realidades pessoais, especialmente de ordem emocional. Para esclarecer é só especificar um novo dado aos exemplos anteriores: respeitar a vida humana de um feto descerebrado, respeitar as coisas alheias de um rico que ganhou na loteria, viver a honestidade e a sinceridade na declaração de impostos em épocas de crise financeira, ser fiel na vida conjugal no caso de ser traído pelo melhor amigo, proferir a verdade a um doente em fase terminal de vida. A partir destes três critérios auxiliares é que cada pessoa procura responder para si
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