Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
I p !:~ ,. j i~ ;1\' 4 Os usosda diversidade A antropologia,minhaftõhlicheWissenschaft,temseenvolvidofatalmente,no cursodetodasuahistória(umalongahistória,separtirmosdeHeródoto,ou muitocurta,separtirmosdeTaylor),coma enormevariedadedemaneiras comqueoshomensemulherestentamviversuasvidas.Emcertosmomentos, elaprocuroulidarcomessavariedadecaptando-aemalgumaredeteóricauni- versalizante:estágiosevolutivos,idéiasou práticaspan-humanas,ou formas transcendentais(estruturas,arquétipos,gramáticassubterrâneas).Em outros, insistiunaparticularidade,naidiossincrasia,naincomensurabilidade- repo- lhosereis.Mas,recentemente,elaseviudiantedealgonovo:apossibilidade dequeavariedadeestejarapidamentesesuavizandonumespectromaispálido emaisestreito.Podemosver-nosconfrontadoscomummundonoqualsim- plesmentejá nãoexistammaiscaçadoresdecabeças,estruturasmatrilineares oupessoasquefazemaprevisãodotempopelasvíscerasdoporco.Asdiferen- çassemdúvidacontinuarãoaexistir- osfrancesesjamaiscomerãomanteiga comsal.Masosbonsevelhostemposdelançarviúvasnafogueiraedocaniba- lismonãovoltammais. Emsimesmo,comoquestãoprofissional,esseprocessodesuavizaçãodo contrastecultural(supondo-sequesejareal)talveznãosejatãoperturbador. Os antropólogossimplesmenteterãoqueaprenderacompreenderdiferenças maissutis,eseustextostalvezsetornemmaissagazes,aindaquemenosespeta- culares.Maselelevantaumaquestãomaisampla,aomesmotempodeordem moral,estéticaecognitiva,queémuitomaisperturbadoraequeestánocentro deváriasdiscussõesatuaissobrecomojustificarosvalores:o quechamarei, llpenasparaterumnomequefiquegravadonamente,deo FuturodoEtno- centrismo. Retomareimaisadiantealgumasdessasdiscussõesmaisgerais,poisépara . elasquesevoltao meuinteresseglobal;mas,comoformadeabordaroproble- Os usosda divmidtuk 69 ma,querocomeçarapresentandoumatese,ameuverincomumeumbocado desconcertante,queo antropólogofrancêsClaudeLévi-Straussdesenvolveno iníciodasuarecentecoletâneadeensaios,provocadoramenteintitulada(pro- vocadoramenteaomenosparaumantropólogo)O olhardistanciado.' A tesedeLévi-Strausssurgiu,antesdemaisnada,emrespostaaumconviteda UnescoparaqueproferisseaconferênciadeaberturadoAno Internacionalde CombateaoRacismoeàDiscriminaçãoRacial,que,casovocêstenhamesque- cido,foi 1971."Fui escolhido",disseele, porquevinteanosantestinhaescrito[umpanfletointitulado]"Raçae história" paraaUnesco,[noqual]afirmaraalgumasverdadesfundamentais [Em] 1971, logopercebiqueaUnescoesperavaqueeu[simplesmente]asrepetisse.Mas,vin- teanosantes,paraatenderàsinstitUiçõesinternacionais,queeujulgavaterque apoiarmaisdoquecreiohoje,euhaviaexageradoumpoucominhasconclusões em "Raça e história".Talvez por minha idade ecertamentegraçasa reflexõesins- piradaspelasituaçãoatualdo mundo,nãogosteidessasolicitudeemeconvenci deque,paraserútil à Unescoecumprircomhonestidadeo meucompromisso, deveriafalarcomabsolutafranqueza.' Comodehábito,issonãosereveloupropriamenteumaboaidéia,provo- candoumaespéciedefarsa.AlgumasmembrosdadiretoriadaUnescoficaram consternadospor"euhaverquestionadoumcatecismo[cujaaceiração]Ihesper- mitiraascenderdeempregosmodestosnospaísesemdesenvolvimentoparares- peiráveisposiçõesde executivosnumainstituiçãointernacional".3O então diretor-geraldaUnesco,outrofrancêsdecidido,pediuinesperadamenteapala- vraafimdereduziro tempodeLévi-Strausseassimforçá-Ioafazeroscortesde "aperfeiçoamento"quelhehaviamsugerido.Lévi-Strauss,incorrigivel,leuaín- tegradeseutexto,aparentementeemaltavelocidade,notempoquelherestava. Aforaisso,queequivaliaaumdianormalnaONU,o problemadaconfe- rênciadeLévi-Straussfoique,nela,alielese"rebeloucontraoabusodelingua- gempeloqualaspessoastendemcadavezmaisaconfundiroracismo...com atitudesnormaise atélegítimase,de qual uer modo, inevitáveis"- ou seja; como etnocentrismo,emboraelenãoo cH asseporessenome: O etnocentrismo,argumentouLévi-St ssem "Raçae cultura",e de modoumpoucomaistécnicoem"O antropólogoeacondiçãohumana",es- critocercadeumadécadadepois,nãoapenasnãoéruimemsi,comoéatéuma coisaboa,pelomenosdesdequenãofujaaocontrole.A fidelidadeaumcerto conjuntodevaloresfazcomque,inevitavelmente,aspessoasfiquem"parcial outotalmenteinsensíveisaoutrosvalores"aosquaisoutraspessoas,igualmen- Nova luz sobrea antropologia provincianas,sãoigualmentefiéis.5"Não hánadadeofensivoemsecolocar >róprioestilodevidaou o própriomododepensaracimadosoutrosou em 1tlrpoucaatraçãopor outrosvalores."Essa"incomunicabilidaderelativa" o autorizaninguéma reprimirou destruiros valoresrejeitadosou aqueles .eospossuem.À exceçãodisso,porém,"elanãotemnadaderepugnante": Talvezsejaatéopreçoapagarparaqueossistemasdevaloresdecadafamíliaespi- ritualou decadacomunidadesejampreservadose encontrememsi mesmosos recursosnecessáriosparasuarenovação.Se...associedadeshumanasexibemum grauótimodediversidadeparaalémdo qualnãopodemavançar,masabaixodo qualnãopodemdescersemriscos,temosdereconhecerque,emlargamedida,es- sadiversidaderesultado desejodecadaculturaderesistiràsculturasquea cer- cam,de sç distinguirdelas- em suma,de ser ela mesma.As culturasnão desconhecemumasàsoutrase,devezemquando,atétomamempréstimosentre si; mas,paranãoperecerem.elasdevem.soboutrosaspectos.permanecerum tantoimpermeáveis.6 Portanto,nãoapenaséumailusãoqueahumanidadepossaselivrarintei- mentedoetnocéntrismo,"ou sequerinteressar-seemfazê-Io",comonãose- abomseo fizesse.Tal "liberdade"conduziriaaum mundo"cujasculturas, ,dasapaixonadasumaspelasoutras,aspirariamapenasacelebrar-semutua- lente,numatalconfusãoquecadaumaperderiaqualqueratrativoquepudes- ~terparaasdemaiseperderiasuaprópriarazãodeser.,,7 A distânciacria,senãoencanto,pelomenosindiferençae,assim,integri-. lde.No passado,quandoaschamadasculturasprimitivasenvolviam-seape- 15muitomarginalmenteumascomasoutras- referindo-sea si mesmas )mo"AsVerdadeiras","As Boas"ousimplesmente"Os Homens",edespre- Lndoasquesesituavamdo outroladodorio oudaserracomo" macacos"ou )vosdepiolho",istoé,nãohumanasounãoplenamentehumanas-, ainte- ~idadeculturaleraprontamentemantida.A "profundaindiferençaparacom .ltras.culturasera...umagarantiadequeelaspodiamexistiràsuaprópriama- ~iraesegundoosseusprópriostermos.,,8Agora,quandoéclaroqueessasitu- rãojá nãoprevalecequandotodos.cadavezmaisapertadosnumpequeno laneta,estãoprofundamenteinteressadosemtodososdemaisenosassuntos uelhesdizemrespeito,assomaapossibilidadedeperdadessaintegridadeem mçãodaperdadessaindiferença.Talvezo etnocentrismonuncadesapareça orcompleto,sendo"daessênciamesmadanossaespécie",maspodetornar-se erigosamentefraco.deixando-nosàmercêdeumaespéciedeentropiamoral: Semdúvidanosiludimoscomumsonhoaosuporquealgumdiaaigualdadeea fraternidadereinarãoentreoshomenssemcomprometernossadiversidade.No Os usosda diversidade 71 entanto,sea humanidadenãoestáresignadaa setornarum consumidorestéril dosvaloresqueconseguiucriarnopassado capazapenasdedaràluzobrasbas- tardaseinvençõesgrosseirasepueris,[então]teráqueaprendermaisumavezque todacriaçãoverdadeiraimplicaumacenasurdezaoapelodeoutrosvalores.che- gandoatéarejeitá-Ios,senãonegá-Iosporcompleto.Poisnãopodemosdesfrutar plenamentedo outro,identificarmo-nos.comelee.aomesmotempo.continuar diferentes.Quandosealcançaacomunicaçãointegralcomo outro.maiscedoou maistardeelasignificaadestruiçãodacriatividadedeambos.As grandeserascri- ativasforamaquelasemqueacomunicaçãosetornarasuficienteparaaestimula- çãomútuadeparceirosdistantes.masnãoeratãofreqüentenemtãovelozque pusesseemperigoosobstáculosindispensáveisentreos indivíduose osgrupos. ouqueosreduzisseaopontoemquetrocasexcessivamentefáceispudessemigua- lareanularsuadiversidade.9 O quequerquesepensedetudoissooupormaissurpresoquesefiqueao ouvi-Iodabocadeumantropólogo.decertosetratadealgoquetemumtoque contemporâneo.Os atrativosda"surdezaoapelodeoutrosvalores"edeuma abordagemdo tipo "relaxeegoze"a respeitodo aprisionamentopessoalna própriatradiçãoculturalsãocadavezmaiscelebradosnopensamentosocialre- cente.Incapazesdeabraçaro relativismoou o absoJutismo-o primeiropor inviabilizaro .ul ento,ose ndo orretirá-Iodahistória-, nossosfilóso- [os,historiadoresecientistassociaisvoltam-separaa imperméabilitéQueLé- Vi-Straussrecomenda.dotipo"nóssomosnós.elessãoeles".Querseencar~ issocomolegitimação,comoajustificaçãodopreconceitooucomoa.esplêndi- dahonestid4dedafrasedeFIanneryO'Connor,"quandoemRoma,façam comofizeramemMilledgeville",ditaemtomde"eis-meaqui",éclaroqueé algoquecolocaaquestãodo Futuro do Etnocentrismo - edadiversidadecul- tural-..,...sobumanovaluz.O recuo,o distanciamento,O OlharDistanciado serãorealmenteamaneirad~escaaràdeseseradatolerânciadocosmoolitis- mo nesco?eráo narcisismomoralaalternativaàentropiamoral? Sãomúltiplasasforçasresponsáveispor umavisãomaisinteressantedoauto- centramentoculturalnosúltimos25ou30anos.Existemasquestõesrelativas à"situaçãodomundo"aqueLévi-Straussalude,maisespecialmenteo incapa- cidadedeamaioriadospaísesdoTerceiroMundo deatender~àsróseasexpec- tativasque eramcorrentespouco antese pouco depoisde suaslutasde independência.Os extremistasAmin, Bokassa,Pol Pot eK.homeini,ou,com menosextravagância,Marcos,Mobuto, Sukarnoe Indira Gandhiesfriaram um poucoa idéiadequehámundosemoutroslugaresemrelaçãoaosquais umacomparaçãonoséclaramentedesfavorável.Existeosucessivodesmascara- 72 Nova luz sobrea antropologia mentodasutopiasmarxistas- aUniãoSoviética;aChina,Cuba,oVietnã.E hátambémumareduçãodopessimismoexpressonaidéiadeDeclíniodoOci- dente,induzidapela11GuerraMundial, peladepressãoglobalepeladerrotado imperialismo.Mashátambém,ecreioquenãomenosimportante,oaumento daconsciênciadequeo consensouniversal- transnacional,transculturale atédetodasasclasses- sobreassuntosnormativosnãoestávisívelnumfuturo próximo.Nemtodos- ossikhs,ossocialistas,ospositivistas,osirlandeses- chegarãoaumaopiniãocomumsobreo queédecenteeo quenãoé,o queé justoeo quenãoé,o queébeloeo quenãoé,o queérazoáveleo quenãoé, pelomenosnãotãocedo,ou talveznunca. Quandoabandonamos(e,éclaro,nemtodosabandonaram,talvezsequer a maioria)a idéiadequeo mundocaminhaparaum acordoessencialsobre questõesfundamentais,oumesmo,comoLévi-Strauss,dequedeveriafazê-Io, naturalmentecresceo apelodoetnocentrismodotipo"relaxeegoze".Senos- sosvaloresnãopodemserdesvinculadosdenossahistóriaenossasinstituições, como não podemsê-Ioos valoresde ninguémem relaçãoa suasinstitui- çõesesuahistória,parecenãohaveroutracoisaafazersenãoseguiro exemplo deEmersone andarcomnossasprópriaspernas,falandocomnossaprópria voz."Esperoindicar",escreveuRichardRortynumtextorecente(maravilho- samenteintitulado"Liberalismoburguêspós-moderno"),"comonós[oslibe- \ raisburguesespós-modernos]podemosconvencernossasociedadedequea fidelidadeaelamesmaéosuficiente...,dequeelasóprecisaserresponsávelpor suasprópriastradições.,,10Aquiloaquechegaoantropólogoembuscadas"leis consistentesque subjazemà diversidadeobserváveldascrençase institui- ções"lI,partindodo racionalismoedaaltaciência,éatingidoapartirdoprag- matismoedaprudênciaéticapelofilósofopersuadidodeque"nãohá 'base' para[nossas]lealdadeseconvicções,excetopelofatodequeascrenças,desejos eemoçõesqueassustentamsuperpõem-seàsdeinúmerosoutrosmembrosdo grupocomquenosidentificamosparafinsdedeliberaçãomoralepolítica".12 A semelhançaéaindamaior,apesardospontosmuitodiversosdequepar- temessesdoissábios(okantismosemo sujeitotranscendental,o hegelianismo semo espíritoabsoluto)edosfinsaindamaisdiversosparaosquaiselesten- dem(ummundobemarrumadodeformastransponíveis,ummundodesarru- madodediscursoscoincidentes),porquetambémRortyencaraasdistinções odiosasentreos gruposnão apenascomo naturais,mascomoessenciaisao pensamentomoral: [O]análogohegelianoda"dignidadehumanaintrínseca'l.[kantiana]naturaliza- do,éadignidadecomparativadogrupocomqueapessoaseidentifica.Asnações ouigrejasoumovimentos,nostermosdessavisão,sãoexemploshistóricosbri- Os usosda diversidade 73 Ihantes,nãoporquereflitamraiosprovenientesdeumafontesuperior,maspor .causadosefeitosde contraste- dacomparaçãocomcomunidadespiores.As pessoastêmdignidadenãocomoumaluminescênciainterna,masporcomparti- lharemessesefeitosdecontraste.Um coroláriodessavisãoéqueajustificação moraldasinstituiçõesepráticasdogrupoaquesepertence- porexemplo,a burguesiacontemporânea- ésobretudoumaquestãodenarrativashistóricas (queincluemhipótesessobreoquetendeaaconteceremalgumascontingências futuras),enãodemetanarrativasfilosóficas.Orespaldoprincipaldahistoriogra- fianãoéa filosofia,masa arte,queserveparadesenvolvere modificaraau- to-imagemdo grupo- por exemplo,fàzendoa apoteosede seusheróis, diabolizandoseusinimigos,montandodiálogosentreseusmembrosemudando o focodesua.atenção.13 Ora, sendoeu mesmo integrantedessastradiçõesintelectuais- doestu- do científicodadiversidadecultural,por profissão,e do liberalismoburguês pós-moderno,por convicçãogeral-, minhavisãopessoal,paraabordá-Ias nestemomento,é quea rendiçãofácilao comodismodesermosapenasnós mesmos,cultivandoasurdezemaximizandoagratidãopor nãotermosnasci- dovândalosouIk, seráfatalparaambas.Umaantropologiamuitotemerosade destruiraintegridadeeacriatividadeculturais,nossasedetodososoutros,por seaproximardeoutraspessoas,conversarcomelaseprocurarapreendê-Iasem seucotidianoesuadiferença,estáfadadaa morrerdeumainaniçãoquenão podesercompensadaporqualquermanipulaçãodeconjuntosdedadosobjeti- vados.Qualquerfilosofiamoraltemerosadeseenredarnumrelativismodesa- juizadoounumdogmatismotranscendental,apontodenãoconseguirpensar emnadamelhoraserfeitocomasoutrasmaneirasdeviverdoquefazê-Iaspa- recerempioresdoqueanossa,estádestinada(comodissealguémsobreostex- tosdeV.S. N aipaul,talveznossoprincipaladeptodaconstruçãodesses"efeitos decontraste")a fazercomqueo mundosetorneseguroparaacondescendên- cia.Tentarsalvarduasdisciplinasdelasmesmas,aomesmotempo,talvezpare- ça arrogância.Mas, quando se tem dupla cidadania,tem-seobrigações dobradas. A despeitodesuascondutasdiferentesedesuasdiferentespreocupações(eeu meconfessomuitomaispróximodo populismodesleixadode Rortyquedo elitismomelindrosodeLévi-Strauss- oquetalvezsejaapenasumpreconcei- toculturalmeu),essasduasversõesdo"cadaumtemsuaprópriamoral"apói- am-se,pelomenosemparte,numavisãocomumdadiversidadecultural,qual seja,adequesuagrandeimportânciaresideemelanosfornecer,parausaruma fórmuladeBernardWilliams,alternativasanós,emcontrastecomalternativas 74 Nova luz sobrea antropologia paran6s.Outrascrenças,valoreseestilosdecondutasãovistoscomocrenças queadotaríamos,valoresquedefenderíamoseestilosdec~ndutaqueseguiría- mos,sehouvéssemosnascidonumlugarouépocadiferentesdaquelesemque estamos. E o faríamosmesmo.Mastalvisãopareceaomesmotemposuperestimare subestimarbemmaisdoquedeveriaarealidadedadiversidadecultural.Supe- restimá-Iapor sugerirqueterumavidadiferentedaqueseteméumaopção práticasobreaqual,dealgummodo,osujeitotemquedecidir(seráqueeude- veriater sido Bororo?Não éumasorteeunãoternascidohitita?);esubesti- má-Iaporobscurecero poderquetemessadiversidade,quandopessoalmente dirigidaan6s,detransformarnossaidéiadoqueé,paraumserhumano- Bo- roro,hitita,estruturalistaou burguêsliberalp6s-moderno-, acreditar,valo- rizarou conduzir-se:do queé,comoobservouArthur Danto,fazendoecoà famosaperguntadeThomasNagelsobreo morcego,"acharqueo mundoé plano,quefico irresistívelcommeuvestidodePoiret,queo reverendoJim Jo- nesmeteriasalvoporseuamor,queosanimaisnãotêmsentimentosouqueas floresos têm- ouqueo quenteéopunll'.14 O problemadoetnocentrismo nãoestáemelenos~omprometercomnossoscompromissos.Temos,pordefi- nição,essecompromisso,assimcomoestamoscomprometidoscomnossasdo- resdecabeça.O problemadoetnocentrismoéqueelenosimpedededescobrir emquetipodeângulo,comoo CavafydeForster,nossituamosemrelaçãoao mundo;quetipo demorcegossomos,defato. Essavisão- dequeosenigmassuscitadospelarealidadedadiversidade culturaltêmmaisavercomnossacapacidadedesondaràsapalpadelasassensi- bilidadesalheias,osmodosdepensamentoquenãotemosnemtendemosater (rockpunkevestidosdePoiret),doquecompodermosounãofugirdepreferirnossaspreferências- temdiversasimplicações,que sãoum maupresságio paraaabordagemdascoisasculturaisemtermosde"n6ssomosn6s"e"elessão eles".A primeiradelas,e,possivelmente,amaisimportante,équeessesenig- masnãosurgemmeramentenasfronteirasdenossasociedade,onde,segundo essaabordagem,esperaríamosencontrá-Ios,massurgem,porassimdizer,nos limitesden6smesmos.A estranhezanãocomeçanoslimitesdaágua,masnos dapele.Aqueletipodeidéiaquetendeasercultivadapelosantrop6logosdesde Malinowskiepelosfil6sofosdesdeWittgenstein- adequeosxiitas,digamos, porseremoutros,constituemumproblema,masostorcedoresdefutebol,por exemplo,por seremparteden6s,nãoo constituem,ou, pelomenos,nãosão umproblemadomesmotipo- ésimplesmenteerrada.O mundosocialnão sedivide,emsuasarticulaões,entreum n6s ers ícuo, como ual odemos teremvatia.porm~i~<}',p~pj~rY1M~ifprpntesentrenós,eumel~senigmático, com.o~ nãopoqemosserempáticos,pormais9uedefend~até amorte Os usos dadiversidade 75 seudireitodeseremdiferentesdenós.A gentalhacome~-mu!!?a~~d?_Ç~~~ daMancha. Tanto aantropologiarecente,do tipoDo PontodeVistadoNativo(que pratico),quantoa filosofiarecente,do tipodasFormasdeVida (daqualsou adepto),foramlevadasaconspirar,ouparecemconspirar,paraobscureceresse fato,atravésdeumaaplicaçãocronicamenteerradadesuaidéiamaispoderosa emaisimportante:a I Ia e~e o sentidoésoci menteconstru o. A percepçãode queo sentido,sobaforma desinaisinterpretáveis- sons, imagens,sentimentos,artefatos,gestos-, s6passaaexistirdentrodosjogos de linguagem,dascomunidadesdiscursivas,dossistemasdereferênciainter- subjetivosedasmaneirasdeconstruiro mundo;dequeelesurgenocontexto deumainteraçãosocialconcreta,emqueumacoisaéumacoisaparaumvocêe um eu,enãoemalgumagrutasecretanacabeça;edequeeleérigorosamente hist6rico,moldadono fluxodosacontecimentos,essapercepçãoéinterpretada comoimplicandoqueascomunidadeshumanassãooudevemsermônadasse- mânticas,quasesemjanelas(o que,a meuver,nemMalinowskinemWitt- genstein- e, a rigor, nem Kuhn nem Foucault - pretenderamque implicasse).Somos,diz Lévi-Strauss,passageirosdessestrensquesãonossas culturas,cadaqualmovendo-seemseustrilhospr6prios,comsuapr6priavelo- cidadeeemsuapr6priadireção.Os trensquecorremladoalado,indoemdi- reçõessimilaresecomvelocidadesnãomuitodiferentesdanossa,são-nosao menosrazoavelmentevisíveis,quandoosolhamosdenossoscompartimentos. Mas ostrensqueestãoemtrilhosoblíquosouparalelos,indoemdireçãoopos- ta,nãoosão."[P]ercebemosapenasumaimagemvaga,fugazequasenãoiden- tificável,emgeralapenasumamanchamomentâneaemnossocampovisual, quenãotraznenhumainformaçãosobresimesmaemeramentenosirrita,por- queinterrompenossaplácidacontemplaçãodapaisagemqueservedepanode fundoparanossosdevaneios."'sRorcyémaiscautelosoemenospoético,esin- to queseinteressamenospelostrensdasoutraspessoas,tãopreocupadoestá emsaberparaondeestáindo o seu,masfaládeuma"superposição"maisou menosacidentaldesistemasdecrença,entrecomunidades"americanasricase burguesas"eoutras"comasquaisprecisamosfalar",comosendoo quepermi- teque"algumaconversaentreasnaçõesaindasejapossível".16O fatodeosen- timento,o pensamentoeojuízosealicerçaremnumaformadevida- queéo únicolugar,aliás,tantoameuverquantonaopiniãodeRorty,emqueelespo- demseapoiar- étidocomosignificandoqueoslimitesdemeumundosãoos limitesdaminhalinguagem,o quenãoéexatamenteo queo homemdisse. O queeledisse,éclaro,foiqueoslimitesdaminhalinguagemsãooslimi- tesdo meumundo,o quenãoimplicaqueo alcancedenossamente,daquilo quepod,emosdizer,pensar,apreciarejulgar,estejaaprisionadonasfronteiras 76 Nova luz sobrea antropologia denossasociedade,nossopaís,nossaclasseou nossaépoca,masqueo alcance denossamente,agamadesinaisquedealgummodoconseguimosinterpretar, é aquiloquedefineo espaçointelectual,afetivoe moralem quevivemos. Quantomaioreleé, maiorpodemostorná-Io,tentandocompreendero que vêmaserosadeptosdaTerraplana,ouo reverendoJim Jones(ouosIk ouos vândalos),o quesignificasercomoeles,e maisclarosnostornamostambém paranósmesmos,tantoemtermosdoquevemosdeaparentementeremotoe deaparentementefamiliarnosoutros,deatraenteederepulsivo,desensatoe deinteiramentelouco;oposiçõesessasquenãosealinhamdemaneirásimplis- ta,poisháalgumascoisasmuitoatraentesnosmorcegoseoutrasmuitorepug- nantesnosetnógrafos. ComodizDantonomesmoartigoqueciteihápouco,são"aslacunasen- tremimeosquepensamdiferentementedemim- o queequivaleadizerto- dososoutros,e nãoapenasos segregadospor diferençasde gerações,sexo, nacionalidade,seitae atéraça- [que]definemasverdadeirasfronteirasdo self'.17Como eletambémdiz,ou quase,sãoasassimetrias- entreaquiloem quecremosou quesentimoseaquiloqueosoutrosfazem- quenospermi- temsituarondeestamosagoranomundo,comoéestarnesselugareparaonde gostaríamosou nãodeir. Obscureceressaslacllna~e:,,<oimPtri,,~,re:leg;mdo-as ~ campoda .-life:rl"nç"p"..pre!de Eerreprimida 0'1ignnrada,da meradesseme- lhança, ueéo ueo etnocentrismofazeestádestinadoafazer o universalis- modaUnescoasobscurece- Lévi-Strausstemtodarazãonisso-, n~ porcompletosuarealidade, equivaleanosisnbr.-11"<01"rnnhecil . ssa pOSSllia e: apossibilidade,emtermosliteraiserigorosos,4c::..11)ud.armosde .o, Tcléia. . ~!It"'..;.--~I~, :~'" ~' A históriadequalquerpovoemseparadoe adetodosospovosemconjunto, comotambém,arigor,a históriadecadapessoatomadaindividualmente,tem sidoahistóriadessamudançadeidéias,emgeraldevagar,àsvezesmaisdepressa; ou,casoo tomidealistadestaafirmaçãoperturbeo leitor(nãodeveria,porque nãoéidealistanemnegaaspressõesnaturaisdarealidadeouoslimitesmáteriais davontade),temsidoahistóriadamudançadossistemasdesinais,dasformas simbólicase dastradiçõesculturais.Essasmudançasnãosederamnecessaria- menteparamelhor,talvez.nemmesmoemcaráternormal.Tampoucolevarama umaconvergênciadasopiniões,masaumamisturadelas.O querealmentefoi, emalgummomento,algoaomenosparecidocomo mundodassn("il".-I"rlpcinte- aisemcomunicaãodistantedeLévi-Strauss,láemseuabenoadoneolítico, transformou-seemal obemmaisparecidocomo mundo ós-modern n- sibilidãdesem choquenumcontatomescapve dequenos falaDanto.Tal Os usos da diversidade 77 comoanostalgia,ladiversidadejá nãoécomoantigamen!~;]o traneafiamento dasvidasemvagóesferroV1arlosseparados,paraproduzira renovaçãocultural, ou seuespaçamentocomefeitosdecontraste,paraliberarenergiasmorais,são sonhosromânticosquenãodeixamdeserperigosos. A tendênciageraldeo espectroculturaltornar-semaisvagoe maiscontí- nuo,semsetornarmenosdiscriminado(aliás,éprovávelqueestejaficandomais discriminado,àmedidaqueasformassimbólicassedividemeproliferam),ten- dênciaestaa que me referino início, alteranão só a relaçãodelecom a argumentaçãomoral,mastambémo caráterdessaprópriaargumentação.Acos- tumamo-nosà idéiadequeosconceitoscientíficosmodificam-secomasmu- dançasdostiposdeinteresseparaosquaissevoltamoscientistas- a idéiade quenãoseprecisadocálculoinfinitesimalparadeterminaravelocidadedeuma charrete,nemdaenergiaquânticaparaexplicaraoscilaçãodeumpêndulo.Mas temosbemmenosconsciênciadequeo mesmoseaplicaaosinstrumentosespe- culativosdoraciocíniomoral.As idéiasquebastaramparaasmagníficasdiferen- çasde Lévi-Straussnão sãosuficientesparaasperturbadorasassimetriasde Danto;eécomestasúltimasquenosconfrontamoscadavez.mais. Em termosmaisconcretos,asquestõesmoraisprovenil"ntl"~(1"rlivprcida-' decultural( ue,éclaro,estãolon edesertodasas uestõesmorais . tem,asquais,seéqueche vamasur ir;suriamsobretudoentresociedadesIt- aqueletipO ecoisados"costllmescontr:írin~? r"7:inI"? mnr,,\".-Ie:quese ~imentouo imperialismo-, surgemagora,cadavezmais,dentrodelas.As fronteirassociaiseculturaistêmumacnin,.i.-l~n("i"("".-I"Vl"7me:nor- hájapO:J nesesno Brasil,turcosàsmargensdo Main enativosdasíndiasOcidentaise Orientais encontrando-senas ruasde Birmingham -, num processode bara- lhamentoquejávemacontecendoháumbomtempo,éclaro(naBélgica,no Canadá,no Líbano,naÁfriqt doSul, enemaRomadosCésareseralámuito homogênea),masque,emnossosdias,aproxima-sedeproporçõesextremase quaseuniversais.Já vailongeo tempoemqueacidadenorte-americanaeraoprincipalmodelodefragmentaçãoculturale desordemétnica;a Parisdenos ancêtreslesgautoisestáficandotãopoliglotaepolicromaquantoManhattan,e épossívelqueaindavenhaa terumprefeitodaÁfricasetentrional(ou,pelo tmenos,assimtemepl.muitosdosgautois)antesqueNovaYork tenhaumpre- feitohispânico. .~Y' No corpodeumasociedade,dentrodasfronteirasdeum"nós",essesurgi- mentodequestõesmoraisangustiantes,centradasnadiversidadecultural,as- .simcomoasimplicaçõesqueeletemparanossoproblemageraldo"futurodo ~;etnocentrismo",talvezseesclareçamde maneirabemmaisvívidaatravésde um exemplo- não de um exemplo inventadode ficção científica,referenteil r'águaemantimundos,ouapessoascujaslembrançasseintercambiamenquan;; 78 Nova luz sobrea antropologia Os usosda diversidade to elasdormem(comoosexemplosquepassaramaagradardemaisaosfilóso- (nãoaosmédicos)porterobtidoumprolongamentodavidaemquecontinuar fos ultimamente,em minha opinião),masde um exemploreal,ou, pelo abeber,esemnenhumarrependimento- elemorreu. menos,apresentadoamimcomoreal eloantro ólogoqueo narrou:O Caso Poisbem,o objetivodestapequenafábulaemtemporealnãoémostrar d ndioBê e o edaMá uinadeHemodiálise. comoosmédicospodemserinsensíveis(elesnãoeraminsensíveis,etinhamlá O ~mples, pormaisintrigantequetenhasidoseudesfecho.Anos suasrazões)ouquãodesorientadostornaram-seosíndios(essenãoestavades- atrás,aextremaescassezdemáquinasdehemodiálise,emvirtudedeseuenor- norteado,sabiaexatamenteondesesituar),nemtampoucosugerirqueosValO- mecusto,levou,comoeranatural,à criaçãodeumprocessodeformaçãode resdos médicos(istoé, aproximadamenreos nossos),os do índio (istoé, fila paraqueospacientesnecessitadosdediálisetivessemacessoa elas,num aproximadamenteosnãonossos),oualgumjulgamentoexternoàspartes,reti- programamédicodegovernodosudoestedosEstadosUnidos,dirigido,tam- radodafilosofiaoudaantropologiaeproferidoporumdosjuízeshercúleosde bémmuitonaturalmente,porjovensmédicosidealistas,provenientesdegran- RonaldDworkin,devesseterprevalecido.Eraumcasodifícil,queteveumfi- desfaculdadesde medicina,em suamaioriasituadasno leste.Paraqueesse nalpenoso,masnãovejocomoum etnocentrismo,um relativismoou uma tratamentosejaeficaz,aomenosporumperíodoprolongado,énecessáriauma neutralidademaiorespudessemtermelhoradoascoisas(emboraumpouco disciplinarigorosaquantoà dietae outrasquestõespor partedospacientes. maisdeimaginaçãotalvezo fizesse).O objetivodafábula(nãotenhopropria- Como iniciativagovernamentalregidaporcódigoscontráriosàdiscriminação mentecertezadequehajanelaumamoral)émostrar ueéese . 'e e,dequalquermodo,moralmentemotivada,comoafirmei,a organizaçãoda ~ a rI o 's ane, o ra a so re si mesmanumadiferençacoerente- filafoi feitanãoemtermosdacapacidadedepagamento,masdasimplesgravi- comoosAzandeouoslk, cu'ofascíniosobreos i" . dadedoscasosedaordemdechegadadospedidos,políticaestaque,comas menorqueo as antasiasdeficçãocientífic~t:llvf'7pnrq"PIh~<~~~~<dvpI distorçõeshabituaisdalógicaprática,levouaoproblemado índio bêbedo. transtormá-Iosemmarcianossublun:lrp<PpnYer~IQ~emconsonânciaCOnHS- Esseíndio,depoisdeconseguiracessoaoequipamentoescasso,recu- so-, querepresenta,aindaquedem~neirameiomelodramátiC::I,:I formage- sou-se,paragrandeconsternação.dosmédicos,a pararde beber,ou sequera ral assumidaho'eem dia elosconflitosde valoressur 'dosda ives' e controlarsuaingestãodeálcool,queeraprodigiosa.Suapostura,seguindoum c tui" . tipodeprincípiosemelhanteaodeFlanneryO'Connor,quemencioneianteri-! Os antagonistasdessahistória,seé quesepodevê-Iasdessemodo,não ormente- o de o sujeitocontinuara serquemé, independentementedei eramrepresentantesdetotalidadessociaisensimesmadas,queseencontrassem quemosoutrosquiseremqueseja-, eraaseguinte:soumesmoumíndiobê-i poracasonasfronteirasdesuascrenças.Osíndiosqueafastamodestinoatra- bedo,já fazum bom tempoquesouassim,epretendocontinuara sê-Ioen-I vésdoconsumodeálcoolsãopartetãointegrantedaAméricacontemporânea quantovocêsconseguiremmemantervivo,amarrando-meaessasuamalditai quantoosmédicosqueo corrigematravésdousodemáquinas.(Sevocêquiser máquina.Os médicos,cujosvaloreserambemdiferentes,achavamqueo índio! sabercomo,pelomenosnoqueconcerneaosíndios- presumoqueconheça estavaimpedindooacessoaoaparelhoporpartedeoutraspessoasdafilaemsi- osmédicos-, leiao inquietanteromancede]amesWelch, W7nterin the tuaçãonãomenosdesesperada,asquais,navisãodeles,poderiamaproveitarBlood,ondeosefeitosdecontrasteressaltamdeummodobastantepeculiar.) melhor seusbenefícios- o tipo jovem de classemédia, digamos, bem pareci- Se houve algumafalha nesseepisódio - e,a bemdajustiça,édifícildizer,à do comeles,destinadoàuniversidadee,quemsabe,àfaculdadedemedicina.distância,exatamentequalfoi suadimensão-, tratou-sedaincapacidade,por Comoo índiojáestavautilizandoamáquinadehemodiálisequandooproble- partedeambososlados,deapreendero quesignificavaestarnooutro,epor- maseevidenciou,elesnãoconseguiramdecidir-se(nemcreioqueissoIhesti- tanto,o quesignificavaestarno seu.Pelo menosao queparece,ninguém vessesidopermitido)aretirá-Iodelá;masficaramprofu?damenteaborrec~dosapr~ndeumuitacoisasobresimesmoousobrequalqueroutrapessoanesseepi- - pelomenostantoquantoo índiosemostravadetermmado,sendosuficlen- sódlo,e absolutamentenadasobreo caráterdo encontroocorridoentreeles, tementedisciplinadoparacomparecercompontualidadea rodasassuasses- excetopelasbanalidadesdarepugnânciaedaamargura.Nãoéaincapacidade sões-, esemdúvidateriamconcebidournarazãoqualquer,aparentementedeaspessoasenvolvidasabandonaremsuasprópriasconvicçõeseadotaremas médica,pararetirá-Iodesuaposiçãonafila,sehouvessempercebidoatempoo idéiasdeoutrosquefazessahistorietaparecertãoprofundamentedeprimenter 1.: queestavaporvir. O índiocontinuouausaroaparelhoeelescontinuaramin- T ampoucoo ésuafaltadeumaregramoraldesencarnadaaquerecorrer-,.@.u . ! comodadosduranteváriosanos,atéque- orgulhoso,imagino,agradecidoBemMaior ou O PrincípiodaDiferença(osquais,aliás,pareceriamprod~~ 79 80. Nova luz sobr. a antropologia 'resultadósdiferentesaqui).O querespondeporessesentimentodepressivoéa impossibilidadedeaspessoassequerimaginarem,emmeioaomistériodadife- rença,comoseriapossívelcontornarumaassimetriamoralDerfeitamenteau- têntica.rl'udo aconteceuno escuro. O quetendeaacontecernoescuro- asúnicascoisasquesediriaserempermi- tidasporumaconcepçãodadignidadehumanapautadaem"umacertasurdez aoapelodeoutrosvalores"ouuma"comparaçãocomcomunidadespiores"- é o usoda força,paragarantira conformidadeaosvaloresdosdetentoresda força,ou umatolerânciavazia,que,nãocomprometendonada,nãomodifica nada,ou ainda,comonestecaso,no quala forçanãoestádisponíveleatole- rânciaédesnecessária,umescoamentoparaumfimambíguo. Semdúvida,sucedehaversituaçõesemquedefatoexistemasalternativas práticas.Não parecehavermuitoquefazercomo reverendoJones,depoisque eleestáemperseguiçãocerrada,senãodetê-Iofisicamente,antesqueeledistri- buao venenosoKool-Aid. Quandoaspessoasachamqueo quenteé o rock punk,bem,pelomenosdesdequenãoo toquem.nometrô,trata-sedosouvi- dosedofuneraldelas.E édifícil mesmo(algunsmorcegossãomaisintrinseca- mentemorcegosdoqueoutros)saberexatamentecomoprocedercomalguém queafirmaqueasflorestêmsentimentoseosanimaisnão.O paternalismo,a indiferençaeatéasoberbanemsem resãoatitudesinúte'saadotardiantede di erençasdevalor,mesmodiferençasdemaiorpesodoqueessas.O problema ésaberquandoelessãoúteisepodemosdeixaradiversidadeeI!.~regueemsegu- rançaaseusespecialistas,equando,comopensoocorrercommaisfreqüência, ~umafreqüênciacadavezmaior,elesnãosãoúteiseelanão_p~dc:~,:rentregl!.e I dessamaneira,havendoneces . sidadedeal o mais:umaincursãoima!!:inativa ~ ~UIp,ament idadealheia(eumaaceita!;ãodela). Em nossasociedade,o conhecedorporexcelênciadasmentalidadesalhei- astemsidooetnógrafo(ohistoriadortambém,emcertamedida,eo romancis- ta, de um modo diferente,masquerovoltara minha própriaseara),que dramatizaaestranheza,enalteceadiversidadeetranspiralarguezadevisão.Se- jamquaisforemasdiferençasdemétodoou teoriaquenosseparam,temos sidosemelhantesnisto:profissionalmenteobcecadoscommundossituados noutroslugaresecomo torná-Ioscompreensíveis,primeiroparanósmesmos e,depois,atravésderecursosconceituaisnãomuitodiferentesdosusadospelos historiadoresederecursosliteráriosnãomuitodiferentesdosusadospelosro- mancistas,paranossosleitores.E, enquantoessesmundosestiveramrealmente noutroslugares,láondeMalinowskiosencontroueondeLévi-Straussosre- cordou,issofoi, apesardebastantedifícil comotarefaprática,relativamente Os usos dadivmidaJ:k 81 nãoproblemáticocomo tarefaanalítica.podíamospensarnos "primitivos" ("selvagens","nativos" etc.)como pensávamosnos marcianos- como modos possíveisdesentir,raciocinar,julgar,conduzir-seeviverqueeramdescontínu- osdosnossos,alternativosanós.{\goraqueessesmundoseessasmentalidades alheios,emsuamaioria,nãoestãorealmentenoutrolugar,massãoalternativas aranos,situa as em erto, acunasInstantâneasentremimeos ue en- sam i erentementedemim",parecehavernecessidadedE"11mc..rtoreajustede nossoshábitosretóricosenossosentimentod..mi«iin - Os usosdadiversidadecultural,deseuestudo,suadescrição,suaanálisee suacompreensão,têmmenoso sentidodenossepararmosdosoutrosesepa- rarmososoutrosdenós,afimdedefenderaintegridadegrupalemanteraleal- dadedo grupo,do que o sentidode definir o campoque a razãoprecisa atravessar,paraquesuasmodestasrecompensassejamalcançadaseseconcreti- zem.O terrenoéirregular,cheiodefalhassúbitasepassagensperigosas,onde os acidentespodemacontecere de fatoacontecem,e atravessá-Ioou tentar atravessá-Iocontribuipoucoounadaparatransformá-Ionumaplanícienivela- da,segurae homogênea,apenastornandovisíveissuasfendase contornos. Paraquenossosmédicosperemptóriose nossoíndio intransigente(ou o(s) "rico(s)americano(s)"e"[aquelescomquem]precisamosfalar",nalinguagem deRorty)seconfrontemdemaneiramenosdestrutiva(eestamoslongedeter certezadequepossamrealmentefazê-Io,poisasfend,,~~iinr..ais).elesprecisam exploraro caráterdo espaçoQueossepara. Em últimainstância,sãoelesmesmosquetêmdefazerisso;nessecaso, nãohásubstitutoparao conhecimentolocal,nemtampoucoparaacoragem. Masosmapasegráficosaindapodemserúteis,assimcomoastabelas,osrela- tos,asfotografias,asdescriçõese atéasteorias,seatentaremparao real.Os usosdaetnografiasãosobretudoauxiliares,mas,aindaassim,sãoreais;comoa compilaçãodedicionáriosou o polimentodelentes,essaéou podeseruma disciplinafacilitadora.E o queelafacilita,quandoo faz,éumcontatooperaci- onalcomumasubjetividadevariante.Elacoloca"nós"particularesentre"eles" particulares,ecoloca"eles"entre"nós"onde,comovenhodizendo,todosjá nosencontramos,aindaquepoucoàvontade.Elaéagrandeinimigadoetno- centrismo,doconfinamentodaspessoasemplanetasculturaisemqueasúni- casidéiasqueelas-precisamevocarsão"asdaqui",nãoporpresumirquetodas aspessoassãoiguais,masporsaberquãoprofundamentenãoo são,e,apesar disso,quãoincapazessãodedeixardelevaremcontaumasàsoutras.O que querquetenhasidopossívelumdia,esejaporqueforqueseanseieagora,aso- beraniadoconhecidoempobreceatodos;namedidaemqueelatenhafuturo, o nossoserátenebroso.Não setratadequedev~os amarunsaosoutrosou morrer(seassimfor- negroseafricânderes,árabesejudeus,tâmeisecingale~ ~~ Nova luz sobr~a antropologia .. ses'-, creiO'queestaremoscondenados).Trata-sedequedevemosconhecer unsaosoutrosevivercomesseconhecimento,outerminarisoladosnummun- do beckettianodesolilóquiosemchoque. O trabalhodaetnografia,oupelomenosumdeles,érealmenteproporcio- nar,comoaarteeahistória,narrativaseenredospararedlreCl0narnossaaten- Ção,masnãodotipoquenostorneaceitáveisanósmesmos,representandoos outroscomoreunidosemmundosaquenãoqueremosnempodemoschegar, masnarrativaseenredosquenostornemvisíveisparanósmesm9.~JEeprese~ tando-noseatodososoutroscomojogadosnomeiode1.!!.Rmundore.pkIode estranhezasirremovíveis,quenãotemoscomoevitar. Até épocabemrecente(agoraa situaçãoestámudando,emparte,pelo menos,porcausado impactodaetnografia,massobretudoporqueo mundo estámudando),aetnografiaestavabastantesozinhanisso,poisa história,na verdade,passavaboapartedotempoaestimularnossaauto-estima,arespaldar nossosentimentodequeestávamoschegandoaalgumlugar,aofazeraapoteo- sedenossosheróisediabolizarnossosinimigos,ou alamentaragrandezaper- dida;ocomentáriosocialdosromancistas,emsuamaiorparte,erainterno- comaspartesdaconsciênciaocidentalsegurando,umasparaasoutras,umes- pelhoplanocomoo deTrollopeoucurvocomoo deDostoiévski;eatéoses- critosdeviagem,queao menosatentavamp~a superfíciesexóticas(selvas, camelos,bazares,templos),empregavam-nassobretudoparademonstrara grandecapacidadederecuperaçãodasvirtudesaprendidas,emmeioacircuns- tânciaspenosas- o inglêsquesemantinhacalmo,o francês,racional,o nor- te-americano,inocente.Agora que ela já não estátão sozinhae que.as estranhezascomquetemdelidarvão-setornandomaisoblíquasematizadas, menosfáceisdedescartarcomoanomaliasdesvairadas- homensquesejul- gamdescendentesdeumtipodecanguruouestãoconvencidosdequepodem serassassinadosporumolhardeesguelha-, suatarefadelocalizaressasestra- nhezase descreversuasformaspodesermaisdifícil, sobcertosaspectos,mas nãoémenosnecessária.Imaginaradiferença(oqut'nSo~igniflca.éclaro.in- ventá-Ia,mastorná-Iaevidente)continuaaserumaciênciadaqualtodospreci- samos. Nãoémeuobjetivoaqui,entretanto,defenderasprerrogativasdeumaWissen- schaftfeitaemcasa,cujapatentesobreoestudodadiversidadecultural,seéque elaalgumdiaa teve,expirouhámuitotempo.Meu propósitoé sugerirque chegamosaumponto,nahistóriamoraldo mundo umahistóriaque,emsi --f71mesma,éc aro,étu o menosmoral).emquesomosohriEJIdosapensarnessa diversidadedemodobemdiferentedoquecostumávamosfazer.Sedefatoestá Us usosda divasztlade ocorrendoque,emvezdesesepararememunidadesemolduradas,emespaços sociaiscomlimitesdefinidos,asabordagensseriamentedistintasdavidaestão semisturandoemespaçosmaldefinidos,espaçossociaiscujoslimitesnãotêm fixidez,sãoirregularesedifíceisdelocalizar,aquestãodecomolidarcomos enigmasdejulgamentoaquetaisdisparidadesdãomargemassumeumaspecto bemdiferente.Fitarpaisagensenaturezas-mortaséumacoisa;observarpano-l~ ramasecolagenséoutramuitodiferente. \))1rJ..~ Que é comestasúltimasquenosdeparamoshojeemdia, quevivemos cadavezmaisemmeioaumaenormecolagem,pareceevidenciar-sepor toda parte.Não é apenasno noticiárionoturnoqueosassassinatosna índia, os bombardeiosno Líbano,osgolpesdeEstadonaÁfricaeostiroteiosnaAméri- caCentralseimiscuementredesastreslocaisquenãochegamasermaisinteli- gíveis,seguidospor sisudasdiscussõessobreo estiloempresarialjaponês,as formasdepaixãopersasou osestilosde negociaçãodosárabes.Há também umaimensaexplosãodetraduções,boas,ruinseindiferentes,deeparalínguas - tâmil,indonésio,hebraicoeurdu- antesconsideradasmarginaiseobscu- ras;háumamigraçãodaculinária,dovestuário,dosacessóriosedadecoração (cafetâsemSãoFrancisco,ColonelSandersemJogjacartaebanquetasdebar emQuioto),etambémo surgimentodetemasdogamelãonojazzdevanguar- da,demitosindígenasnosromanceslatinosedeimagensderevistasnapintura africana.Acimadetudo,porém,trata-sedequeapessoaqueencontramosna lojadehortaliçasefrutastemtantaouquasetantaprobabilidadedevir daCo- réiaquantodo lowa,apessoadocorreio,tantadevirdaArgéliaquantodeAu- vergne,e a do banco,tantadevir de Bombaimquantode Liverpool.Nem mesmoosmeiosrurais,ondea similitudetendea sermaisarraigada,ficam imunes:háfazendeirosmexicanosnosudoestedosEstadosUnidos,pescadores vietnamitasnolitoraldogolfodoMéxicoemédicosiranianosnomeio-oeste. Não precisocontinuaramultiplicarosexemplos.Todosvocêssãocapazes depensarnosseus,extraídosdeseuspasseiospelasredondezas.Nemtodaessa diversidadeéigualmenteimportante(aculináriadeJogjacartasobreviveráao prazerdechuparosdedos),igualmenteimediata(vocênãoprecisacompreen- derascrençasreligiosasdohomemquelhevendeselos),nemprovém,todaela, deumcontrastecúlturalclaro.Maspareceflagrantementeclaroqueo mundo, emcadaumdeseuspontoslocais,estácomeçandoaseparecermaiscomI.ltrl bazardoKuwaitdoquecomumclubedecavalheirosin~leses(paraexempli~~ caro que,talvezporeununcaterestadoemnenhumdosdois,parecem-mes~ioscasosmaisdiametralmenteopostos).O etnocentrismodostiposovodepio.:3:. lhoou"issosóexistegraçasàcultura"podeounãocoincidircomaespécie .' mana,masagoraémuitodifícil,paraamaioriadenós,saberexatament~ ~j 84 Nova ÚIZsob" a antropologia . ce'Htrá-Io,na imensamontagemdasdiferençasjustapostas.Os milieuxestão todosmixtes.Já nãosefazemmaisUmweltecomoantigamente. Nossarespostaaessarealidadequemepareceimperiosaé,aoquetambém meparece,umdosmaioresdesafiosmoraisqueenfrentamosatUalmente,como umingredientedepraticamentetodososoutrosqueenfrentamos,desdeodesar- mamentonuclearatéadistribuiçãoeqüitativadosrecursosmundiais;e,paraen- frentá-Io,as recomendaçõesde tolerânciaindiscriminada,que de qualquer modonãosãosinceras,e(oqueconstitUimeualvoaqui)osconselhosderendi- çãoaosprazeresdacomparaçãoodiosa,sejaelaorgulhosa,animada,defensivaou resignada,são-nosigualmenteinúteis,emboraestesúltimostalvezsejamosmais perigosos,porseremosquemaistendemaserseguidos.A imagemdeummun- dorepletodepessoastãoapaixonadamenteencantadascomaculturaumasdas outras,queaspiremunicamenteacelebrarumasàsoutras,nãomeparececonsti- tuirumperigoclaroeatual;aimagemdeummundorepletodepessoasqueglo- rifiquemalegrementeseusheróisediabolizemseusinimigos,sim,infelizmente parececonstituI-lo.Não éprecisoescolher- aliás,éprecisonãoescolher- en- treumcosmopolitismosemconteúdoeumprovincianismosemlágrimas.Ne- nhumdosdoistemserventiaparasevivernumacolagem. Paravivernumacolagem,é preciso,emprimeirolugar,quea pessoase tornecapazdediscernirseuselementos,determinandoquaissão(oqueimpli- ca,emgeral,determinardeondevierame o queeramquandoestavamlá) e comoserelacionamunscomosoutrosnaprática,aomesmotemposemem- botaraidéiaqueelatemdesuapróprialocalizaçãoedesuaidentidadedentro desta.Em termosmenosfi rados,"com reender",no sentidodacom re- fi ensão,a erceçãoedodiscernimento recisaserdistin uidode"com reen- ~ ~ er"no sentidodaconcordânciadeopiniões,dauniãodesentimentosou da comunhãodecompromissos;há quedistinguiro je vousai comp.risqueDe Gaulleproferiudo je vousai comprisqueospiedsnoirsouviram. Devemos aprenderaapreendero quenãopodemosabraçar. A dificuldadedissoéimensa,comosemprefoi.Compreenderaquiloque, deumad~damaneiraouforma,noséestranhoetendeacontinuarasê-Io,sem apararsuasarestascomvagosmurmúriossobrea humanidadecomum,sem desarmá-Iocomo indiferentismodo"acadacabeçasuasentença",esemdes- cartá-Iocomoencantador,adorávelaté,massemimportância,éumahabilida- dequetemosdeaprenderduramentee,.depoisdehavê-Iaaprendido,sempre demaneiramuitoimperfeita,temosdetrabalharcontinuamenteparamanter ."Eu os compreendo"; pi~dsnoin designa os argelinos. (N.T.) Os usosda divmitituk 85 viva;nãosetratadeumacapacidadeinata,comoapercepçãodeprofundidade ou o sensodeequilíbrio,emquepossamosconfiarplenamente. É nissono fonalecimentodaca acidadedenossaimaginaçãoparaa re- endero queestádiantedenós,queresidemosusos a iversi a ee o estudo dadiversidade.Setemos(comoadmitoquetenho)maisdoqueumasimpatia sentimentalporaqueleobstinadoíndionorre-americano,nãoéporcomparti- lharmosasidéiasdele.O alcoolismoérealmentenocivo,ecolocaraparelhosde hemodiáliseaserviçodesuasvítimaséfazerummauusodeles.Nossasimpatia derivadesabermosaquepreçoeleconquistouo direitoasuasopiniõese,por- tanto,osentimentodeamarguraqueexistenelas;derivadenossacompreensão daestradaterrívelqueeletevedepercorrerparachegara elas,edaquilo - o et- nocentrismo e os crimesque elelegitima - que a tornou tão terrível.Se qui- sermossercapazesdejulgarcomlargueza,comoéóbvioquedevemosfazer, precisamostornar-noscapazesde enxergarcomlargueza.E paraisso,o quejá vimos- o interiordenossosvagõesferroviárioseosbrilhantesexemploshis- tóricosdenossasnações,nossasigrejasenossosmovimentos,por-maisabsor- ventequesejao primeiroepormaisdeslumbrantesquesejamosúltimos- simplesmentenãobasta.
Compartilhar