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Charles Charles 1/4 ARTIGO 02 Art. 2o A personalidade civil(1) da pessoa começa do nascimento com vida;(2) mas a lei põe a salvo, desde a concepção,(3) os direitos do nascituro(4). 1. Conceito e atributos. Personalidade civil é o conjunto de atributos que identificam e individualizam uma pessoa, tais como seu nome, estado e domicilio. Diferente dos atributos da personalidade são os direitos da personalidade (CC, arts. 11 a 21), os quais se referem ao conjunto de direitos que surgem para a pessoa como decorrência de sua simples existência, tais como honra, privacidade, imagem, liberdade etc. É a aptidão para ser sujeito de direitos. 2. Início da personalidade. Maria Helena Diniz ensina que para que se possa constatar o nascimento com vida, emprega-se a técnica da docimasia respiratória, consistente em colocar o pulmão do recém-nascido em água à temperatura de 15 a 20 graus para ver se ele flutua, indicando a presença de ar e a consequente existência de respiração.[1] Em síntese, três são as principais teorias que discutem o momento exato em que começa a personalidade do ser humano. A Teoria Natalista que defende o início da personalidade com o nascimento com vida. Antes do nascimento, portanto, não há que se falar em personalidade, havendo apenas uma mera expectativa de personalidade. A Teoria Concepcionista, segundo a qual a personalidade se inicia desde a concepção do nascituro. E a Teoria da Personalidade Condicional, segundo a qual desde sua concepção o nascituro tem direitos próprios, os quais ficam sob condição suspensiva, e se consolidam em caso de nascimento com vida, ou se resolvem em caso de nascimento sem vida. Apesar da literalidade do art. 2º do Código Civil, indicar que o legislador adotou Teoria Natalista, diversos outros dispositivos legais partem do pressuposto de que o nascituro tem desde sua concepção capacidade para adquirir direitos, tais como o de receber doações (CC, art. 542), de ter sua paternidade reconhecida (CC, art. 1.609, parágrafo único) e de ter um curador (CC, art. 1.779). Tal circunstância tem sustentado diversas e atuais divergências doutrinárias acerca da possibilidade de reconhecimento da personalidade civil ao nascituro (STJ, RESP n° 1.120.676, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 7.12.10; TJ-SP, Apel. n. 0201838-05.2011.8.26.0100, rel. Des. João Batista Vilhena, j. 6.11.12). 3. Momento da concepção. Diante da expressa proteção jurídica conferida ao nascituro, surge o problema de precisar o momento a partir do qual se pode qualificar juridicamente um ser como sendo um nascituro. A questão ganha contornos ainda mais relevantes diante das modernas técnicas de fertilização in vitro e de congelamento de embriões. Por essa razão, parece prudente a posição da doutrina que considera como nascituro o embrião já fixado na parede do útero materno (nidação). Parece exagerada, Charles Charles 2/4 portanto, a posição de parte da doutrina que defende a atribuição de direitos da personalidade ao embrião (projeto de lei n. 6.960/02), cuja natureza jurídica e questões éticas circundantes merecem regulação específica. Temos, pois, que nascituro é o ser já concebido, que ainda não nasceu encontrando-se no ventre materno. ARTIGO 04 Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:(1) I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;(2) II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) IV – os pródigos.(5) Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) ARTIGO 05 Art. 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa ca habilitada à prática de todos os atos da vida civil.(1) (2) Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;(3) II – pelo casamento;(4) III – pelo exercício de emprego público efetivo;(5) IV – pela colação de grau em curso de ensino superior;(6) V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.(7) (8) 1. Maioridade e capacidade civil. Cessando a menoridade civil e não sobrevindo nenhuma das causas de incapacidade relativa ou absoluta (CC, art. 3 e 4) a pessoa adquire plena capacidade de fato. Em consequência, extingue-se o poder familiar Charles Charles 3/4 (CC, art. 1.35, inc. III) ou a tutela (CC, art. 1.763, inc. I) que eventualmente exista sobre o menor. 2. Alimentos. No caso dos pais, mesmo cessando o poder de família sobre o filho que atingiu a maioridade, não cessa o dever de prestar alimentos, que subsiste diante do dever recíproco de prestar alimentos entre pais e filhos que deles necessitem (CC, art. 1.696). Por não cessar o dever de alimento, alterando-se apenas seu fundamento, o STJ editou a súmula 358, que condiciona o cancelamento da pensão alimentícia do filho que atingiu a maioridade à decisão judicial sujeita a contraditório: “o cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos” (STJ, súmula 358). No mesmo sentido é o enunciado 344 da IV Jornada de Direito Civil: “a obrigação alimentar originada do poder familiar, especialmente para atender às necessidades educacionais, pode não cessar com a maioridade”. Por essa razão, deve o juiz manter a pensão alimentícia caso entenda que o filho, mesmo tendo atingido a maioridade, ainda não tem condições de prover o próprio sustento. 3. Emancipação voluntária ou judicial. Antes de atingir a maioridade civil, poderá o maior de dezesseis tornar-se plenamente capaz por concessão dos pais (CC, art. 1.631 e 1.690) ou por decisão judicial (CPC, art. 1.112, inc. I). Em ambos os casos, sendo a concessão da maioridade um ato judicial, estará ele sujeito à anulação por vício de vontade. É exatamente isso o que diz o enunciado 397 da V Jornada de Direito Civil: “A emancipação por concessão dos pais ou por sentença do juiz está sujeita a desconstituição por vício de vontade”. No caso da emancipação por vontade dos pais, não é necessária homologação judicial, devendo apenas constar no registro civil das pessoas naturais (Lei n. 6.015/73, arts. 29, inc. IV, 89 e 90), como condição necessária para que possa produzir seus regulares efeitos (Lei n. 6.015/73, art. 91 par. único). Os demais casos de emancipação, por não dependerem de nenhum ato judicial ou voluntário dos pais, decorrendo de meras situações objetivas previstas em lei são chamadas de emancipação tácita ou legal, sendo elas o casamento, o exercício de emprego público efetivo, a colação de grau em curso superior e o estabelecimento civil ou comercial que garanta ao menor economia própria ARTIGO 06 Art. 6o A existência da pessoa natural termina com a morte;(1) presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão de nitiva. (2) (3) 1. Momento da morte. De acordo com lei n. Lei 9.434/97 regulamentada pela resoluçãon. 1.480/97 do Conselho Federal de Medicina, considera-se morto a pessoa que tenha uma “parada total e irreversível das funções encefálicas”. Essa mesma resolução n. 1.480/97 determina o procedimento médico-legal e os critérios que deverão ser observados para a caracterização da morte encefálica. Charles Charles 4/4 2. Morte real ou presumida. Pode a morte ser real, ou física, quando constata na forma da res. 1.480/97, ou ainda presumida (CC, art. 7), nos casos de ausência por longo período(CC, art. 22 a 39 e CPC, arts. 1.161 a 1.168, ou ainda em casos específicos disciplinados e legislação especial (lei n. 9.140/95, que “reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979”, com a redação dada pela lei n. 10.536/02). 3. Direitos da personalidade pos mortem. Com a morte, real ou presumida, cessam para a pessoa seus direitos e deveres, extinguindo-se sua personalidade jurídica. Todavia, subsistem para o morto os direitos da personalidade, cuja tutela e proteção pode ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau (CC, art. 12, par. único). ARTIGO 07 Art. 7o Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:(1) I – se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;(2) II – se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.(3) Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença xar a data provável do falecimento.(4) 1. Declaração de morte presumida, sem prévia decretação de ausência. Como regra geral, a ausência funda-se no desconhecimento do paradeiro de uma pessoa que se presume viva. Todavia, transcorrido um longo período de tempo sem que o ausente retorne, é legítima a inversão dessa presunção, autorizando a conversa da ausência em declaração de morte presumida (CC, arts. 26 a 39). Todavia, casos há em que o desaparecimento de uma pessoa imponha, desde logo a presunção de que essa pessoa tenha morrido. Em tais casos, autoriza o legislador que se declare a morte presumida da pessoa independentemente da prévia decretação de ausência. É exatamente dessas hipóteses que cuida o art. 7º do Código Civil. 2. Extrema probabilidade de morte. É o que ocorre nos casos em que a pessoa desapareceu em meio a catástrofes naturais como terremotos, enchentes, tsunamis, furacões, incêndios, ou ainda a acidentes, como naufrágios, queda de avião, desabamentos etc. Em consonância com esse dispositivo, a própria Lei de Registro Público autoriza os juízes a “admitir justificação para o assento de óbito de pessoas desaparecidas em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra Charles Charles 5/4 catástrofe, quando estiver provada a sua presença no local do desastre e não for possível encontrar-se o cadáver para exame” (Lei n. 6.015/73, art. 88). 3. Desaparecidos em guerra. Caso específico e bastante eloquente em que se justifica a presunção de que a pessoa sofria evidente perigo de vida é o da pessoa que desaparece em campanha militar. Em tais casos, admite o legislador que, passados dois anos do término da guerra sem que a pessoa seja encontrada, seja ela declarada morta. Segundo ensina Silvio Venosa “guerra é termo que deve ser entendido com elasticidade, pois deve compreender também revolução interna e movimentos semelhantes, como por exemplo, exercícios bélicos”.[1] No caso específico dos militares, deve-se observar o que dispõe o Estatuto dos Militares no que se refere à ausência, desaparecimento, extravio e morte (lei n. 6.880/80). ARTIGO 08 Art. 8o Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos.(1) (2) 1. Comoriência. Segundo ensina De Plácido e Silva, o vocábulo comoriência é “derivado do verbo latino commori (morrer com), é aplicado na técnica jurídica, para indicar a morte de duas ou mais pessoas ocorrida simultaneamente, sem que se possa, a rigor, determinar qual delas tenha falecido em primeiro lugar e, assim, qual a que morreu depois”.[1] Como é até mesmo intuitivo, mesmo ocorrendo num mesmo acidente, é extremamente improvável que duas pessoas tenham morrido no mesmíssimo momento. Por essa razão, o reconhecimento da comoriência é muito mais uma ficção jurídica do que verdadeira presunção, a qual se impõe sempre que for impossível saber com certeza a ordem em que duas ou mais pessoas, herdeiras umas das outras vierem a falecer. De fato, a hipótese mais comum em que se mostra necessário reconhecer a comoriência é a de acidentes – especialmente de automóveis – envolvendo pessoas da mesma família. Pode ocorrer, entretanto, que a comoriência se estabeleça entre duas pessoas que morreram em ocasiões diversas, bastando para tanto, que não seja possível estabelecer com exatidão a ordem dos óbitos. Diferentemente do que o conteúdo gramatical da palavra possa indicar, a comoriência exige apenas uma dúvida com relação à ordem dos óbitos, e não necessariamente que eles tenham ocorrido simultaneamente. 2. Implicações da comoriência. Direito sucessório. A necessidade de estabelecer precisamente a ordem em que duas ou mais pessoas faleceram dá-se em razão da vocação sucessória. Isso porque, caso se reconheça que duas ou mais pessoas, herdeiras umas das outras, faleceram na mesma ocasião um não sucederá o outro. Charles Charles 6/4 Todavia, sendo possível estabelecer a ordem cronológica dos óbitos, aquele que faleceu depois irá receber o quinhão por sucessão dos direitos e deveres daquele que morreu primeiro, transferindo esse quinhão aos seus sucessores. [1]– De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 27ª, ed., Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 316. ARTIGO 09 Art. 9o Serão registrados em registro público:(1) I – os nascimentos, casamentos e óbitos;(2)(3)(4) II – a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz;(5) III – a interdição por incapacidade absoluta ou relativa;(6) IV – a sentença declaratória de ausência e de morte presumida. ARTIGO 10 Art. 10. Far-se-á averbação em registro público:(1) I – das sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento, o divórcio, a separação judicial e o restabelecimento da sociedade conjugal;(2) II – dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a liação;(3) III – (Revogado pela Lei nº 12.010, de 2009)(4) ARTIGO 11 1. CAPITULO II DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade(1) são intransmissíveis e irrenunciáveis,(2) não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. (3) (4) (5) 1. Direitos da personalidade. Direitos da personalidade são os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe confere a natureza humana, tais como a vida, a integridade física, a honra, a imagem, a privacidade. Há que se entender ainda que os direitos da personalidade não são passíveis de uma descrição exauriente, perfeita e Charles Charles 7/4 acabada. Como bem pontua Venosa “não há que se entender que nossa lei, ou qualquer outra lei comparada, apresente um número fechado para descrever todos os direitos da personalidade. Teráessa natureza todo o direito subjetivo pessoal que apresentar as características semelhantes, ainda que não descritos perfeitamente na lei”.[1] É isso também o que diz o Enunciado 274 da IV Jornada de Direito Civil: “os direitos da personalidade, regulados de maneira não exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação”. Inspirada nas lições de Goffredo Telles Júnior, Maria Helena Diniz diz que “o direito da personalidade é o direito da pessoa de defender o que lhe é próprio, como a vida, a identidade, a liberdade, a imagem, a privacidade, a honra etc. é o direito subjetivo, convém repetir, de exigir um comportamento negativo de todos, protegendo um bem próprio, valendo-se uma ação judicial”.[2] É conhecida ainda a classificação dos direitos da personalidade atribuída à Limongi França. O autor classificou os direitos da personalidade em direitos à (a) integridade física, dentre os quais se situam o direito à vida, aos alimentos, ao próprio corpo, vivo ou morto, e às suas partes separadas, (b) integridade intelectual, aí estando compreendidos os direitos à liberdade de pensamento e de expressão, e os direitos morais do autor e do inventor e à (c) integridade moral entre eles à liberdade civil, política e religiosa, a imagem, honra privacidade, sigilo, identidade. 2. Atributos dos direitos da personalidade. Apesar de a lei referir-se apenas aos atributos da intransmissibilidade e da irrenunciabilidade, doutrina e jurisprudência têm reconhecido de modo quase unânime que os direitos da personalidade reúnem ainda outros atributos. Além de intransmissíveis e irrenunciáveis, os direitos da personalidade são ainda absolutos, indisponíveis, imprescritíveis, inatos, ilimitados, impenhoráveis, inalienáveis e inexpropriáveis. 3. Limitações legais ao direito da personalidade. Diante da garantia constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º), não é toda e qualquer previsão legal que pode limitar os direitos da personalidade. É necessário que essa limitação encontre amparo em algum princípio e interesse igualmente preservado sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Atendendo a tais premissas pode a lei trazer alguma limitação ou mesmo relativizar alguns direitos da personalidade. É o que ocorre com a lei 9.434/97 que, igualmente amparada no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, autoriza a pessoa a dispor gratuitamente de órgãos e tecidos para fins de transplante e tratamento. O mesmo ocorre com a liberdade de expressão e de opinião, constantemente contrastada com outros direitos da personalidade de terceiros. Nesse sentido: “a liberdade de expressão, compreendendo a informação, opinião e crítica Charles Charles 8/4 jornalística, por não ser absoluta, encontra algumas limitações ao seu exercício, compatíveis com o regime democrático, quais sejam: (I) o compromisso ético com a informação verossímil; (II) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e (III) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi)” (STJ, REsp n. 801.109-DF, rel. Min. Raul Araújo, j. 12.6.12). 4. Limitações voluntárias ao direito da personalidade. Em alguns casos, apesar da literalidade do dispositivo em comento, mesmo a limitação voluntária dos direitos da personalidade tem sido admitida por parte da doutrina e jurisprudência. Diz o Enunciado 4 da I Jornada de Direito Civil que “o exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral”. Por sua vez, o Enunciado 139 da III Jornada de Direito Civil diz que: “os direitos da personalidade podem sofrer limitação, ainda que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes”. 5. Desdobramentos patrimoniais dos direitos da personalidade. Não se pode confundir limitação, renúncia ou mesmo transmissão dos direitos da personalidade com a fruição econômica perfeitamente compatível com alguns desses direitos. Apesar dos atributos dos direitos da personalidade negar-lhes qualquer natureza disponível e econômica, em momento algum o legislador proibiu a fruição econômica dos desdobramentos desses direitos. É o que ocorre, por exemplo, com o uso comercial da imagem de pessoas famosas, com a exploração artística e comercial do corpo e da intimidade das pessoas, dos direitos autorais e tantos outros. Em tais casos, ainda que tangenciando ou mesmo impactando os direitos da personalidade a situação é meramente econômica e patrimonial e assim deve ser encarada pelo direito. Seria inadmissível, por exemplo, que o respectivo pagamento pelo uso da imagem de uma pessoa famosa na propaganda de um produto pudesse ser cobrado indefinidamente, ficando imune aos efeitos da prescrição sob a justificativa de que a imagem da pessoa é um direito da personalidade. Além dessas situações contratuais, pode ocorrer ainda que a violação a um direito da personalidade tenha desdobramentos patrimoniais. Basta pensar no dano moral decorrente da violação à imagem, à boa fama ou à honra de uma pessoa. Em tais casos, a indenização pecuniária a que fará jus a vítima tem natureza patrimonial ficando igualmente sujeita à prescrição, pode ser objeto de transação, compensação, cessão, renúncia etc. O mesmo ocorre com o não pagamento tempestivo da verba alimentícia. A verba alimentícia apenas conserva essa natureza enquanto indispensável à satisfação das necessidades básicas da pessoa, circunstância que a torna irrenunciável e indisponível sob todos os aspectos. Todavia, entende-se Charles Charles 9/4 majoritariamente que a verba alimentar acumulada por período superior a três meses, perde essa natureza alimentar, passando a ter natureza puramente creditícia (STJ, súmula 309). ARTIGO 12 Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade,(1) e reclamar perdas e danos,(2) sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.(3) Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.(4) 1. Tutela dos direitos da personalidade. Sem prejuízo de obter a respectiva reparação, pecuniária ou específica, advinda de uma violação a um direito da personalidade, o legislador assegura ao ofendido a possibilidade de requerer toda e qualquer medida necessária a fazer cessar a ameaça ou a lesão a direito da personalidade. Elucidando a forma com que tal possibilidade deve ser exercida, o Enunciado 140 da III Jornada de Direito Civil afirma que “a primeira parte do art. 12 do Código Civil refere-se às técnicas de tutela específica, aplicáveis de ofício, enunciadas no art. 461 do Código de Processo Civil, devendo ser interpretada com resultado extensivo”. Na justificativa apresentada para a redação do enunciado, seu autor Erik Frederico Gramstrup afirma que “para que seu devido alcance seja estabelecido, a leitura deve ir além da mera literalidade e, onde se fala em ordem de cessação, deve-se compreender a possibilidade de o juiz ordenar todas as medidas exemplificadas no art. 461, CPC, e seus parágrafos, isto é, obrigações de fazer enão fazer, com ameaça de sanção pecuniária, bem como providências de alteração material das circunstâncias que envolvem as partes. Essa hermenêutica ampliativa tem apoio na releitura constitucional do Direito Privado, que deve servir de amparo à proteção da dignidade da pessoa humana. Assim, lesado ou ameaçado o direito da personalidade, pode o juiz não apenas ordenar ao agente que deixe de agir (ou que aja), sob pena de multa, como também determinar, diretamente, a modificação do estado de coisas exterior ao processo, para que a lesão não venha a se exaurir, e, tanto quanto possível, seja revertida in natura”. 2. Reparação pecuniária e específica por violação aos direitos da personalidade. Além do natural e intuitivo direito que a vítima tem de pedir que o agressor cesse a ameaça ou a lesão a um direito da personalidade, caso o dano não tenha sido evitado, vindo a efetivamente ocorrer, terá o lesado direito à sua reparação. Essa reparação poderá ser pecuniária, traduzindo-se numa soma em dinheiro, cujo escopo é compensar Charles Charles 10/ 4 a vítima pelo dano sofrido e, sempre que possível, específica, visando a reconduzir vítima a condição em que se encontrava antes do dano. Um bom exemplo dessa reparação específica de um dano a direito da personalidade é o direito de resposta, entendido como o direito que uma pessoa tem de se defender de críticas e ofensas públicas no mesmo veículo de mídia em que elas foram publicadas (CF, art. 5, inc. V). 3. Sanção por violação aos direitos da personalidade. Da mesma forma como ocorre com praticamente todos os direitos, a violação aos direitos da personalidade pode trazer consequências de âmbito civil, penal e administrativo, cuja incidência são relativamente independentes e autônomas. Por essa razão, a tutela dos direitos da personalidade não fica restrita à reparação de âmbito civil, podendo gerar consequências penais e administrativas. 4. Legitimados. Tendo em vista que diversos direitos da personalidade não se extinguem com a morte da pessoa, é natural que se confira legitimação para que outras pessoas possam proteger tais direitos após o falecimento de seu titular. É exatamente isso o que fez o parágrafo único do art. 12 do Código Civil, conferindo ao cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau a legitimação para tutelar os direitos da personalidade da pessoa falecida. Apesar da omissão desse parágrafo, se aceita ainda que o companheiro também tenha essa legitimação. É isso o que diz o Enunciado 275 da IV Jornada de Direito Civil: “o rol dos legitimados de que tratam os arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único, do Código Civil também compreende o companheiro”. Nestas situações mesmo que tenha o dano recaído sobre o falecido, a legitimidade será ordinária, posto que o cônjuge, companheiro ou parente próximo defende direito próprio. Neste sentido dispõe o Enunciado 400 da V Jornada de Direito Civil que “os parágrafos únicos dos arts. 12 e 20 asseguram legitimidade, por direito próprio, aos parentes, cônjuge ou companheiro para a tutela contra lesão perpetrada post mortem”. Há pois, um dano próprio do marido que vê a honra da esposa violada, sendo ele o titular da respectiva indenização pecuniária por dano moral. ARTIGO 13 Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.(1) Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para ns de transplante, na forma estabelecida em lei especial.(2) Charles Charles 11/ 4 1. Disposição do corpo por exigência médica. Toda pessoa tem direito a dispor do próprio corpo, desde que essa disposição não resulte em diminuição permanente da integridade física ou contrarie os bons costumes. Amputações e extrações de órgãos ou tecidos, bem como qualquer deformação permanente do próprio corpo ficam vedadas por este dispositivo, sujeitando médicos ou terceiros que auxiliem a pessoa em tais atos à responsabilidade civil ou mesmo penal. Exceção a essa vedação reside na diminuição permanente da integridade física feita por exigência médica, como ocorrem em casos de amputações por gangrena de extremidades, ou para retirada de órgãos e tecidos cancerígenos. Por exigência médica, entende-se não só a busca do bem estar físico, mas também a busca do bem-estar psicológico. Tal ideia foi consolidada pelo Enunciado 6 da I Jornada de Direito Civil: “a expressão “exigência médica” contida no art. 13 refere-se tanto ao bem-estar físico quanto ao bem-estar psíquico do disponente”. Amparado em tal conceito, o Enunciado 276 da IV Jornada de Direito Civil explicitou que “o art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, e a conseqüente alteração do prenome e do sexo no Registro Civil”. Atualmente, a questão não suscita mais controvérsia como ocorria no passado, sendo possível a realização do Processo Transexualizador pelo próprio Sistema Único de Saúde – SUS (Portaria 457, de 19 de agosto de 2008). Ressalta-se, todavia, que as cirurgias de transgenitalização apenas serão permitidas com amparo nessa exceção quando haja comprovada existência de transtorno psicológico que recomende a cirurgia. Fora dessa hipótese, a mudança imotivada de sexo tem sido entendida como alteração permanente da integridade física que ofende os bons costumes (TJ-MG, proc. n. 1.0672.04.150614-4/001, rel. Des. Almeida Melo, j. 15.05.05). 2. Transplante de órgãos e tecidos. Atualmente, o transplante de órgãos e tecidos é regulamentado pela lei n. 9.434/97. ARTIGO 14 Art. 14. É válida, com objetivo cientí co, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.(1) (2) Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.(3) 1. Disposição do corpo para fins científicos ou altruísticos. Naturalmente a disposição total do corpo apenas pode se dar para depois da morte. Por outro lado, admite-se a disposição gratuita de parte do próprio corpo para fins altruísticos (transplantes) ou científicos. A disposição de parte do corpo em vida para fins científicos ou de transplante Charles Charles 12/ 4 é um negócio jurídico necessariamente gratuito que depende da uma manifestação de vontade livre e esclarecida do doador. Ou seja, é necessário que ao doador seja explicitada em linguagem simples, leiga e compreensível a natureza, o procedimento, bem como todas as consequências e riscos da intervenção a ser realizada. 2. Pesquisa científica envolvendo seres humanos. o primeiro e talvez o historicamente mais importante documento que tratou da pesquisa em seres humanos foi o Código de Nuremberg, composto por dez enunciados que traçavam diretrizes gerais para a realização de pesquisas em serem humanos e que, ainda que não o fizesse expressamente, consagrou os atuais princípios básicos da bioética. Posteriormente, o Código de Nuremberg foi substituído pela Declaração de Helsink, promulgada em 1962 e já atualizada três vezes, em Tóquio (1975), Veneza (1983) e em Hong‑Kong (1989). No Brasil, dois são os artigos da Constituição Federal que tratam das pesquisas biomédicas. O primeiro deles é o artigo 199, § 4º da Constituição Federal, ao dizer que: “a lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos tecidos e substânciashumanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização”. O segundo é o artigo 225, § 1º, inc. II, o qual afirma que: “[incumbe ao Poder Público] preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético”. Tais artigos, como se vê partem do fundamental direito de liberdade da expressão científica, consagrado pela Constituição Federal (art. 5º, inc. IX). Atualmente, a resolução n. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde define pesquisa em seres humanos como “todo procedimento de qualquer natureza envolvendo o ser humano, cuja aceitação não esteja ainda consagrada na literatura científica (…) os procedimentos referidos incluem entre outros, os de natureza instrumental, ambiental, nutricional, educacional, sociológica, econômica, física, psíquica ou biológica, sejam eles farmacológicos, clínicos ou cirúrgicos e de finalidade preventiva, diagnóstica ou terapêutica” (Res. CNS, n. 196/96, Aspectos Éticos da Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, inc. III, n. 2). Como se vê, ao afirmar que todo procedimento de qualquer natureza caracteriza pesquisa em seres humanos, o Conselho Nacional de Saúde propositalmente atribuiu um conceito extremamente amplo para a expressão pesquisa em seres humanos. Fica albergada no conceito de pesquisa científica em seres humanos, portanto, não só a experimentação científica em seu sentido clássico, mas também a intervenção médica curativa que emprega técnica, medicamento ou qualquer outro procedimento cuja eficácia ainda não tenha sido consagrada na literatura científica. Naturalmente, ao lado do respeito à vida e à dignidade da pessoa humana, os quatro grandes princípios da bioética (autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça), Charles Charles 13/ 4 formam as linhas mestras que devem nortear todo procedimento biomédico, em especial a potencialmente lesiva pesquisa em serem humanos. Tais princípios, além de auto- aplicáveis, servem ainda de suporte para diversas outras regras mais especificas no campo da pesquisa médica em seres humanos. Assim, por exemplo, ocorre com a regra que explicita a necessidade de obter o consentimento esclarecido do paciente que se sujeita a uma pesquisa médica (Código de Ética Médica, art. 123 e Res. CNS n. 196/96 (III.3, letra g),[1]–[2] a qual tem apóio no princípio da autonomia. Ainda apoiada no princípio da autonomia, a Res. n 196/96 dispõe ainda que a pesquisa em ser humano deve “ser desenvolvida preferencialmente em indivíduos com autonomia plena. Indivíduos ou grupos vulneráveis não devem ser sujeitos de pesquisa quando a informação desejada possa ser obtida através de sujeitos com plena autonomia, a menos que a investigação possa trazer benefícios diretos aos vulneráveis. Nestes casos, o direito dos indivíduos ou grupos que queiram participar da pesquisa deve ser assegurado, desde que seja garantida a proteção à sua vulnerabilidade e incapacidade legalmente definida” (Res. CNS n. 196/96 (III.3, letra j), devendo, “assegurar aos sujeitos da pesquisa as condições de acompanhamento, tratamento ou de orientação, conforme o caso, nas pesquisas de rastreamento; demonstrar a preponderância de benefícios sobre riscos e custos” (Res. CNS n. 196/96, III.3, letra q). Além disso, a pesquisa médica deve previamente estar apoiada num juízo de ponderação entre os riscos e os benefícios (ou seja, em atenção aos princípios da beneficência e da não- maleficência) para o participante, a comunidade e o avanço técnico-científico. Exceção a essa regra de ponderação é a da pesquisa médica inserida numa atividade curativa, a qual exige que a pesquisa seja dirigida exclusivamente ao bem do paciente (CEM, art. 129 e 130). Por fim, destrinchando e efetivando o princípio da justiça, toda pesquisa biomédica em ser humano deve proporcionar aos sujeitos que dela participem os proveitos que dela resultem, indenização por eventuais danos e garantia de máximo esforço e diligência para evitar que tais danos ocorram. Todas essas preocupações mostram-se evidentes nas demais normas dispostas na Res. CNS n. 196/96). Além de tais regras abstratas e aplicáveis a toda pesquisa realizada em ser humano, diversos outros limites podem ser encontrados em áreas específicas da pesquisa biomédica, como a pesquisa que envolva engenharia genética (lei. n. 11.105/05) e transplante de órgãos (lei n. 9.434/97, regulamentada pelo decreto n. 2.268/97), e disciplinam a utilização de medicamentos experimentais (lei n. 6.360/76). 3. Possibilidade de revogação do ato de disposição. A perfeita compreensão da possibilidade de revogação do ato de disposição do próprio corpo naturalmente significa que tal revogação não poderá trazer qualquer responsabilização para o doador por eventuais custos já incorridos em função da expectativa desse ato de disposição. Entender o contrário, responsabilizando o doador arrependido caracterizaria uma indevida limitação a esse direito de arrependimento. Todavia, não podem os familiares Charles Charles 14/ 4 revogar o ato de disposição feito em vida pelo próprio doador. Havendo divergência entre a vontade do doador e de sua família para os fins desse artigo, deve prevalecer a vontade do doador. Neste sentido é o Enunciado 277 da IV Jornada de Direito Civil “o art. 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da disposição gratuita do próprio corpo, com objetivo científico ou altruístico, para depois da morte, determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos familiares, portanto, a aplicação do art. 4º da Lei n. 9.434/97 ficou restrita à hipótese de silêncio do potencial doador”. ARTIGO 15 Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.(1) (2) 1. Regras e princípios que balizam a intervenção médica. Atualmente, costuma-se sistematizar as regras que balizam o tratamento médico e a intervenção cirúrgica em torno de alguns princípios básicos. O princípio da autonomia, que segundo o Relatório Belmont incorpora, ao menos, dois predicados éticos: “primeiro, que os indivíduos deveriam ser tratados como entes autônomos, e segundo, que as pessoas cuja autonomia está diminuída devem ser objeto de proteção”. Tal princípio consagra o domínio que o paciente tem sobre o próprio corpo e sobre a própria vida. Rompendo com o método hipocrático de intervenção médica, o princípio da autonomia consagra a inviolabilidade do corpo e da pessoa humana, fazendo com que nenhuma intervenção médica possa ser feita sem o consentimento do paciente. O princípio da beneficência requer que o atendimento ao paciente seja sempre voltado aos interesses e ao bem estar do próprio paciente. Tal princípio traz ainda como baliza para a pesquisa em seres humanos o imperativo de que os riscos corridos pelo paciente não devem exceder a importância humanitária da experiência. O princípio da não-maleficência que pode ser considerado um desdobramento do princípio da beneficência, costuma ser tratado com autonomia, visto que o dever de não causar um dano intencional ao paciente é, segundo o Relatório Belmont, “mais obrigatório e imperativo que o da beneficência”. Trata-se de uma das mais antigas obrigações médicas, traduzidas no princípio primum non nocere e, abarca, além do dever de não produzir dano atual, também o de prevenir eventuais danos futuros. O princípio da não-maleficência, reconhecidamente amplo e abstrato, é a base de diversos outros princípios,ou “regras menores de efetividade”, tais como o princípio do duplo efeito, da totalidade, do mal menor e dos meios ordinários e extraordinários. Segundo o princípio do duplo efeito, para aquelas circunstâncias em que Charles Charles 15/ 4 o ato médico tenha duas ou mais conseqüências (uma positiva e outra negativa), esse efeito danoso indireto que decorre do ato médico é legítimo, ou melhor, aceitável. Isso porque, o que o princípio da não-maleficência visa a afastar é o dano intencionalmente provocado e que não tenha relação com o processo curativo ministrado ao paciente. Em outras palavras, o dano é tolerado, mas não procurado. À luz desse princípio, por exemplo, será lícita a ablação do útero canceroso de uma grávida de um feto ainda não viável, pois o que se pretende é a vida da mãe, tolerando-se a morte do feto que resulta inevitavelmente da ablação do útero. O princípio de totalidade surge do confronto entre a parte e o todo e da maior plenitude de significado que o todo possui com relação à parte. Numa situação de conflito é necessário preferir o todo. Exemplo clássico de aplicação deste princípio são os tratamentos médicos que implicam em amputações de membros, em que a vida do paciente (todo), prevalece sobre o membro amputado (parte). O princípio do mal menor deverá nortear os casos de intervenção médica em que todos os efeitos da conduta inevitavelmente serão negativos. Tendo em vista que, mesmo em situações extremas o médico não pode deixar de agir, e que sabendo que ao agir causará um dano, o médico deve escolher a conduta que causará o menor mal ao paciente. O princípio da justiça impõe que o profissional da saúde haja com imparcialidade e sem discriminação ao distribuir os riscos, os benefícios e os encargos do tratamento médico e das demais formas de prestação de serviços médicos. 2. Possibilidade de constranger o paciente a submeter-se a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. Em regra, não é necessário que o procedimento possa trazer risco de vida ao paciente para que ele possa se recusar a se submeter a ele. Como manifestação do princípio da autonomia sobre o próprio corpo, por qualquer razão que seja, pode o paciente se recusar a tratamento médico. Ilustra essa situação as crenças religiosas contrárias à transfusão de sangue ou a transplante de órgãos, sendo vedado ao médico impor tais tratamentos a quem seja religiosamente contrário a eles. É a essa conclusão que chegou a V Jornada de Direito Civil ao editar o Enunciado 403: “o Direito à inviolabilidade de consciência e de crença, previsto no art. 5º, VI, da Constituição Federal, aplica-se também à pessoa que se nega a tratamento médico, inclusive transfusão de sangue, com ou sem risco de morte, em razão do tratamento ou da falta dele, desde que observados os seguintes critérios: a) capacidade civil plena, excluído o suprimento pelo representante ou assistente; b) manifestação de vontade livre, consciente e informada; e c) oposição que diga respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante”. Todavia, admite-se a internação compulsória por transtorno mental (lei n. 10.216/01), bem como a internação compulsória em casos de doenças contagiosas, diante da obrigação do Estado em afastar todos os riscos à Saúde Pública. ARTIGO 16 Charles Charles 16/ 4 Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.(1) (2) 1. Nome da pessoa natural. Nome é o sinal distintivo dado à pessoa natural que a identifica e individualiza na família e na sociedade. É, por essa razão, ao mesmo tempo um direito e um atributo da personalidade. O nome da pessoa natural é composto por dois elementos o prenome, escolhido livremente desde que não exponha a pessoa ao ridículo e o sobrenome (ou patronímico), que indica a procedência da pessoa, sua filiação, a família a qual ela pertence. Consagrando o princípio de que a família é formada não só por laços biológicos, mas também por laços sócio afetivos, além do sobrenome do pai e da mãe biológicos, pode ainda o adotado adquirir o sobrenome da família adotiva (lei n. 8.069/90, art. 47, § 5º) e enteado, havendo motivo ponderável, adquirir o sobrenome da madrasta ou padrasto (lei. 6.015/73, art. 57, 8º). 2. Modificação do nome. Como regra geral, o registro do nome e do prenome da pessoa natural é definitivo, podendo sofrer modificações posteriores apenas em casos excepcionais, por sentença judicial desde que ouvido o Ministério Público (lei 6.015/73, art. 57). Todavia, a jurisprudência tem reconhecido como situações excepcionais aptas a justificar a alteração do nome, a situação em que o nome exponha a pessoa ao ridículo (TJ-SP, Apel. n. 3004702-94.2008.8.26.0506, rel. Des. Viviani Nicolau , j. 27.11.12), a correção de erros de grafia com vistas à obtenção de cidadania estrangeira (TJ-SP, Apel. n. 9179380-15.2009.8.26.0000, rel. Des. Neves Amorim, j. 14.8.12) e modificações do gênero do nome de quem passa por cirurgia de transexualização (TJ-SP, Apel n. 0627715-81.2008.8.26.0100, rel. Des. Salles Rossi, j. 23.5.12). ARTIGO 17 Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.(1) 1. Proteção da honra objetiva. O dispositivo trata do direito que tem a pessoa de proteger seu bom nome perante a sociedade. Sendo o nome um dos aspectos que identificam a pessoa na família e na sociedade, nada mais natural que a pessoa tenha o interesse e do direito de construir um bom nome, uma boa reputação no ambiente em que vive. Por essa razão, terceiros que por meio de publicações ou representação Charles Charles 17/ 4 atentem contra esse bom nome devem responder pelo dano causado ainda que não haja intenção difamatória. Em caso de violação, “são civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação” (STJ, Súmula, 221). ARTIGO 18 Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.(1) 1. Aspectos patrimoniais do nome e da imagem da pessoa. Atualmente o conteúdo do direito à imagem e ao nome é entendido sob um duplo aspecto, marcado pela união de um elemento objetivo, referente à sua utilização econômica (right of publicity) e de um elemento subjetivo, referente aos aspectos do nome e da imagem como direitos da personalidade de um indivíduo (right of privacy). Carlos Alberto Bittar esclarece que “a doutrina é tranqüila a respeito, tanto no exterior, como em nosso país, pois a proteção que se confere à imagem e ao nome preserva à pessoa, simultaneamente, a defesa de componentes essenciais de sua personalidade, e, de outro, o respectivo patrimônio, pelo valor econômico que representa” (ver nota 4 ao art. 11).[1] Explicando esse natural interesse comercial que recai sobre o nome de pessoas notórias, o autor explica que: “de fato, o relacionamento de pessoas a produtos e a empresas, na divulgação pelos diferentes veículos de comunicação, de sua existência e de sua atuação, conferiu destaque próprio aos direitos à imagem e ao nome, permitindo-se-lhes, em razão de sua disponibilizadade jurídica, a atribuição de valor econômico expressivo e progressivo, na exata medida da posição de evidência do retrato e do espectro da campanha publicitária. O fenômeno ganha vulto em nossos tempos, em que a vinculação publicitária de pessoas bem sucedidas em suas atividades representa estímulo ao consumo, mediantea atração que exercem junto ao público: assim acontece com os grandes estadistas, políticos, artistas, escritores, esportistas. Explora-se, nesse passo, a ânsia do espectador em identificar-se com os seus ídolos, com os seus hábitos, os seus gostos as suas preferências, levando-o, pois, ao consumo do produto anunciado, direta ou indiretamente, conforme o caso”.[2] Assim é que, sob o aspecto patrimonial, a proteção que o direito confere à imagem e ao nome de uma pessoa obedece às mesmas diretivas daquela que é conferida ordinariamente a um bem in comercio. Ou seja, seu valor patrimonial não pode ser explorado sem a autorização de seu titular e toda subtração ilegítima de seu valor de mercado deve ser reparada. Daí o artigo o artigo 18 do Código Civil explicitamente exigir a autorização da pessoa para que possa usar seu nome em propaganda comercial. Charles Charles 18/ 4 ARTIGO 19 Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.(1) 1. Proteção ao pseudônimo. “Pseudônimo, de origem grega, pseudônimos, de pseudes (falso) e onoma (nome), entende-se a denominação ou o nome falso ou suposto, escolhido ou adotado por uma pessoa, para ocultar sua verdadeira identidade ou seu verdadeiro nome, no exercício de qualquer atividade”.[1] É normalmente utilizado no meio artístico e literário (lei n. 9.610/98), recebendo, dada sua importância no meio em que é utilizado, a mesma proteção que se confere ao nome, tanto em seus vertente patrimonial quanto sob a ótica dos direitos da personalidade. ARTIGO 20 Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a ns comerciais.(1) (2) (3) (4) (5) Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.(6) 1. Imagem-retrato e imagem-atributo. De acordo com Maria Helena Diniz, “a imagem- retrato é a representação física da pessoa, como um todo, ou em parte separadas do corpo (nariz, olhos, sorriso etc.) desde que identificáveis, implicando o reconhecimento de seu titular, por meio de fotografia, escultura desenho, pintura, interpretação dramática, cinematografia, televisão, sites etc., que requer autorização do retratado (CF, art. 5º, X). A imagem atributo é o conjunto de caracteres ou qualidades cultivados pela pessoa, reconhecidos socialmente (CF, art. 5º, V), como habilidades, competência, lealdade, pontualidade etc. a imagem abrange também a reprodução, romanceada em livro, filme ou novela, da vida de pessoa de notoriedade”.[1] Sob essas diferentes vertentes é que deve ser analisada a proteção conferida pelo direito à imagem da pessoa. Tem a pessoa o inequívoco direito de defender a forma como ela é vista na sociedade (imagem-atributo), insurgindo-se contra toda e qualquer divulgação não Charles Charles 19/ 4 autorizada que prejudique ou atente contra essa sua boa-fama, proibindo sua divulgação e exigindo a respectiva reparação. Em tais situações, para que se configure a violação da imagem da pessoa da pessoa, nos termos do próprio artigo 20, é necessário que a divulgação não autorizada da imagem atinja “a honra, a boa fama ou a respeitabilidade” da pessoa. Além disso, tem a pessoa o direito de opor-se à mercantilização não autorizada de sua imagem, pelo simples fato de que a pessoa pode não querer ser associada a qualquer marca ou produto ou porque, sem ter autorizado o uso da imagem, foi ainda privada da respectiva remuneração caso esse uso tivesse sido autorizado. Nesse outro viés da proteção a imagem da pessoa, o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido que a simples exibição da imagem não autorizada dá ensejo à reparação, independentemente da existência de prova de prejuízo (STJ, Súmula 403). Atualmente, entretanto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça parece delinear uma tendência de aproximar essas duas e diferentes situações, afirmando que “a ofensa ao direito à imagem materializa-se com a mera utilização da imagem sem autorização, ainda que não tenha caráter vexatório ou que não viole a honra ou a intimidade da pessoa, e desde que o conteúdo exibido seja capaz de individualizar o ofendido” (STJ, Resp. n. 794.586-RJ, rel. Min. Raul Araújo, j. 15.3.12). 2. Pessoa retratada em situações públicas. Em tal hipótese, entende-se que não é necessária uma expressa e formal autorização para a utilização da imagem da pessoa. Acertadamente, entende-se que a pessoa que conscientemente se expõe, abrindo mão de sua privacidade não pode opor-se à utilização de sua imagem. Há, em tais, casos, uma legítima presunção de que a autorização foi tacitamente conferida pela pessoa. Nesse sentido: “não se pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para torná-la imune de qualquer veiculação atinente a sua imagem. Se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita ou indevida sua reprodução pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada” (STJ, REsp. n. 595.600-SC, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 18.3.04); “danos morais – Direito de imagem- Participação em concurso de trajes sumários, evento aberto ao público em um clube, com convite aos órgãos de imprensa – Modelo que voluntariamente posa para os fotógrafos presentes de seios nus – Contexto das fotografias que demonstra desejo explícito de exibir-se às lentes dos fotógrafos – Consentimento tácito à publicação da fotografia em jornal popular, em matéria sobre o evento, dois dias após” (TJ-SP, Apel. n. 9174602-75.2004.8.26.0000, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. 12.4.07). 3. Pessoa retratada num contexto genérico ou em meio a uma multidão. A razoabilidade de tal premissa serve para evitar que fotos e filmagens feitas em grandes eventos ou em espaços públicos, dependam da autorização das dezenas ou centenas de Charles Charles 20/ 4 pessoas que invariavelmente têm sua imagem captada em tais situações. Em tais casos, desde que a pessoa não seja o foco do cenário retratado, mas apenas parte dele, não é necessária a obtenção de autorização. Todavia, caso o contexto retratado seja desabonador, denegrindo a imagem de pessoa retratada em situação vexatória, caberá reparação pelo uso indevido da imagem. Nesse sentido: “tratando-se de imagem de multidão, de pessoa famosa ou ocupante de cargo público, deve ser ponderado se, dadas as circunstâncias, a exposição da imagem é ofensiva à privacidade ou à intimidade do retratado, o que poderia ensejar algum dano patrimonial ou extrapatrimonial. Há, nessas hipóteses, em regra, presunção de consentimento do uso da imagem, desde que preservada a vida privada” (STJ, Resp. n. 801.109-DF, rel. Min. Raul Araújo j. 16.6.12). 4. Pessoa retratada em contexto jornalístico. Como todo direito, a proteção da imagem da pessoa não é absoluta, devendo sempre ser ponderada e relativizada diante de outros direitos e princípios. Tratando-se da proteção da imagem da pessoa, a situação mais corriqueira – e problemática – que se apresenta na jurisprudência é a de sua relativização frente à garantia constitucional da liberdade de imprensa. Tratando-se de dois princípios constitucionais,exige-se do o operador do direito uma boa dose de razoabilidade e proporcionalidade no confronto entre tais valores. É exatamente isso o que diz o Enunciado 279 da IV Jornada de Direito Civil que “a proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações”. Em situações como essa, a jurisprudência tem reconhecido que a ilustração de reportagens e matérias jornalísticas, com imagens e retratos constitui exercício regular da atividade jornalística “a divulgação, ao público, sobre episódios relevantes ao cotidiano dos brasileiros é dever do Estado, na medida em que a informação é um direito do cidadão. Assim, embora no corpo do texto haja foto do autor preso, houve apenas animus narrandi, o qual não acarreta abalo à honra, porquanto consagra o direito de informação” (TJ-SP, Apel. n. 9169035-24.2008.8.26.0000, rel. Des. Coelho Mendes, j. 19.3.13). Todavia, essa ampla liberdade de imprensa não pode desviar-se da finalidade informativa e narrativa, sob pena de caracterização do abuso e do consequente dever de indenizar: “A liberdade da divulgação de notícias baseia-se no interesse público da obtenção da informação – Se não houver caráter informativo, interesse público atual e respeito ao decoro, reputação e à vida privada, a divulgação Charles Charles 21/ 4 indiscriminada, por qualquer de suas formas, ou de notícia falsa, ainda que não de forma intencional, resulta na obrigação de reparar o dano” (TJ-SP, Apel. n. 0020722- 43.2011.8.26.0625, rel. Des. Alcides Leopoldo e Silva Júnior, j. 14.8.12). 5. Captação da imagem necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. Ainda a dispensa de autorização. O exemplo mais didático para essa exceção legal à divulgação da imagem da pessoa por imposição da administração da justiça é o da imagem da pessoa retratada em cartaz de ‘procura-se’. Todavia, as situações concretas são muito mais complexas do que esse exemplo, exigindo um juízo de ponderação e razoabilidade sobre a necessidade de divulgação da imagem de uma pessoa. 6. Legitimados. Se o ofendido vier a falecer ou encontrar-se ausente, terão legitimidade para reclamar a proteção e a reparação da imagem da pessoa o cônjuge, o companheiro (Enunciado 400 da V Jornada de Direito Civil) os ascendentes ou os descendentes. ARIGO 21 Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. (1) (2) (3) 1. Vida privada e intimidade. Apesar de o artigo se referir apenas à vida privada da pessoa. É comum a distinção entre vida privada e intimidade feita pela doutrina. Por intimidade, costuma-se entender os aspectos da vida privada de uma pessoa que ela legitimamente mantém afastada do convívio público. É a parte de sua vida que o indivíduo leva quando se encontra longe da observação de estranhos. A proteção jurídica conferida a esses aspectos da vida íntima da pessoa se traduz no direito que todo indivíduo tem de afastar pessoas estranhas de fatos ou informações pessoais que não queira dividir. É esse o fundamento de onde se extraí a inviolabilidade de seu domicílio, do sigilo de sua correspondência, conversas telefônicas, dados bancários etc. Além disso, a proteção à vida privada da pessoa pode ainda ser entendida como o direito que tem ela de gerir sua vida sem a intromissão de terceiros. É o direito que tem a pessoa de manter o estilo de vida que quiser. 2. É legítimo o interesse jornalístico sobre a vida de pessoa famosa. Da mesma forma como ocorre com o direito à imagem, a intimidade de certas pessoas acaba sofrendo certos temperamentos decorrentes de sua notórias. Adriano de Cupis explica esse legítimo interesse e essa curiosidade jornalística que recaem sobre a imagem e a biografia de pessoas notórias dizendo que: “as pessoas de certa notoriedade, como não Charles Charles 22/ 4 podem opor-se à difusão da própria imagem, igualmente não podem opor-se à divulgação de acontecimentos da sua vida. O interesse público sobreleva, nesses casos, o interesse privado; o povo, assim como tem interesse em conhecer a imagem dos homens célebres, também aspira a conhecer o curso e os passos da sua vida, as suas ações e as suas conquistas; e, de fato, só através de tal conhecimento pode formar-se um juízo sobre seu valor. Mesmo nesses casos, por outro lado, as exigências do público detêm-se perante a esfera íntima da vida privada, e, além disso, as mesmas exigências são satisfeitas pelo modo menos prejudicial ao interesse individual”.[1] Diversas foram as teorias desenvolvidas pela doutrina para justificar a dispensa da autorização para exibição de imagens de pessoas públicas. Na França surgiu a teoria do consentimento tácito, ou do consentimento presumido. Dizia-se que “pessoas notórias se encontrariam em um estado de représentation permanent, aplicável com relação aos fatos da vida, seja da vida pública, como privada. Quando a vontade de divulgar sua personalidade ao público pareça evidente, é extensiva ao direito à imagem” (Jacques Ravanas). Outros, por outro lado, refutavam a teoria do consentimento presumido, fundando a dispensa de consentimento “no legítimo interesse público que recai sobre tais pessoas” (Pierre Kayser).[2] ARTIGO 22 CAPÍTULO III DA AUSÊNCIA Seção I Da Curadoria dos Bens do Ausente Art. 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador. (1) (2) (3) (4) 1. Ausência e incapacidade. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio, de tal modo que não seja possível saber qual é seu atual paradeiro, e sem que a pessoa tenha deixado qualquer representante ou procurador com poderes para administrar-lhe os bens, poderá qualquer interessado ou o próprio Ministério Público requerer a declaração de ausência e a nomeação de um curador. Note-se que nessa situação, a pessoa não é considerada incapaz, uma vez que a ausência física da pessoa não importa em nenhuma redução de sua capacidade civil. É por essa razão que a curadoria é dos bens do Charles Charles 23/ 4 ausente, e não de sua pessoa. Todavia, sendo evidente que a ausência física e prolongada da pessoa a impossibilita de administrar os próprios bens, torna-se necessário assegurar a preservação de seu patrimônio. O instituto da ausência, dessa forma, tem por escopo, num primeiro momento, resguardar o patrimônio do ausente e apenas num segundo momento tutelar os interesses de seus herdeiros. 2. 2. Registro da ausência. A sentença que declara a ausência de uma pessoa deve ser registrada no Registro Civil das Pessoas Naturais (Lei n. 6.015/73, art. 29, inc. VI), no cartório do último domicilio do ausente e deverá necessariamente conter (i) a data do registro, (ii) o nome, idade, estado civil, profissão e domicílio anterior do ausente, a data e o cartório em que foram registrados o nascimento e o casamento, bem como o nome do cônjuge, se for casado, (iii) o tempo de ausência até a data da sentença, (iv)o nome do promotor do processo, (v) a data da sentença, o nome e vara do Juiz que a proferiu e (vi) o nome, estado, profissão, domicílio e residência do curador e os limites da curatela (Lei n. 6.015/73, art. 94). Havendo aparecimento do ausente, a cessação da ausência deve ser averbada no Registro Civil das Pessoas Naturais (Lei n. 6.015/73, art. 104). 3. Arrecadação de bens procedimento e interesse de agir. O procedimento para declarar a ausência da pessoa é disciplinado pelos artigos 1.159 e ss. do Código de Processo Civil, que tem início com a arrecadação dos bens do ausente (CPC, art. 1.160). Uma vez arrecadados, mandará o juiz publicar editais de dois em dois meses, durante um ano, anunciando a arrecadação e chamando o ausente a entrar na posse de seus bens (CPC, art. 1.161). Passado (1) um ano da publicação do primeiro edital, sem que se saiba do ausente e não tendo comparecido seu procurador ou representante, poderão os interessados requerer que se abra provisoriamente a sucessão, momento em que cessa a curadoria (CPC, arts. 1.162, inc. III e 1.163) e tem início a sucessão provisória (CC, arts. 26 a 36). Além disso, pode o procedimento ter início pela conversão do depósito feito em ação de consignação em pagamento em arrecadação de bens do ausente. É isso o que diz o art. 898 do Código de Processo Civil: “Quando a consignação se fundar em dúvida sobre quem deva legitimamente receber, não comparecendo nenhum pretendente, converter-se-á o depósito em arrecadação de bens de ausentes” (CPC, art. 898). 4. Existência de bens e interesse de agir. Apesar de a ausência ter como escopo declarado assegurar a preservação do patrimônio do ausente, cujo procedimento tem início exatamente com a arrecadação de seus bens, de modo acertado o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a efetiva existência de bens não é pressuposto para a propositura da ação de arrecadação de bens e declaração de ausência. Nesse sentido: “Direito civil e processual civil. Ausência. Curadoria dos bens do ausente. Comprovação de propriedade em nome do desaparecido. Desnecessidade. – A nova tônica emprestada Charles Charles 24/ 4 pela CF/88 ao CC/02, no sentido de dar ênfase à proteção da pessoa, na acepção humana do termo, conjugada ao interesse social prevalente, deve conciliar, no procedimento especial de jurisdição voluntária de declaração de ausência, os interesses do ausente, dos seus herdeiros e do alcance dos fins sociais pretendidos pelo jurisdicionado que busca a utilização do instituto. – Resguarda-se, em um primeiro momento, os interesses do ausente, que pode reaparecer e retomar sua vida, para, após as cautelas legalmente previstas, tutelar os direitos de seus herdeiros, porquanto menos remota a possibilidade de efetivamente ter ocorrido a morte do desaparecido. – A preservação dos bens do ausente constitui interesse social relevante, que busca salvaguardar direitos e obrigações tanto do ausente quanto dos herdeiros que permaneceram à deriva, durante longo período de incertezas e sofrimentos causados pelo abrupto afastamento de um ente querido. – Essa incerteza gerada pelo desaparecimento de uma pessoa, deve ser amparada pelo intérprete da lei como necessidade de adoção de medidas tendentes a proteger o ausente e sua família, quanto aos direitos e obrigações daí decorrentes. – Se o ausente deixa interessados em condições de sucedê-lo, em direitos e obrigações, ainda que os bens por ele deixados sejam, a princípio, não arrecadáveis, há viabilidade de se utilizar o procedimento que objetiva a declaração de ausência. – O entendimento salutar para a defesa dos interesses do ausente e de seus herdeiros deve perpassar pela afirmação de que a comprovação da propriedade não é condição sine qua non para a declaração de ausência nos moldes dos arts. 22 do CC/02 e 1.159 do CPC. – Acaso certificada a veracidade dos fatos alegados na inicial, por todos os meios de prova admitidos pela lei processual civil, considerada não apenas a propriedade como também a posse na comprovação do acervo de bens, deve o juiz proceder à arrecadação dos bens do ausente, que serão entregues à administração do curador nomeado, fixados seus poderes e obrigações, conforme as circunstâncias e peculiaridades do processo” (STJ, REsp. n. 1.1016.023-DF, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 27.5.08). ARTIGO 23 Art. 23. Também se declarará a ausência, e se nomeará curador, quando o ausente deixar mandatário que não queira ou não possa exercer ou continuar o mandato, ou se os seus poderes forem insu cientes.(1) 1. Ausente que deixa representante ou procurador. Mesmo que uma pessoa tenha se ausentado de seu domicílio, sem deixar qualquer notícia de seu paradeiro, não se declarará sua ausência, se a pessoa tiver deixado um representante (CC, art. 115) ou Charles Charles 25/ 4 mandatário com poderes para administrar seus bene e interesses. Todavia, caso o procurador se recuse a administrar seu patrimônio, não possa ou não queira exercer o mandato (CC, art. 682), ou ainda não tenha poderes suficientes para administrar todos os bens ou interesses da pessoa desaparecida, surgirá a necessidade de declaração de sua ausência com a consequente nomeação de um curador. ARTIGO 24 Art. 24. O juiz, que nomear o curador, xar-lhe-á os poderes e obrigações, conforme as circunstâncias, observando, no que for aplicável, o disposto a respeito dos tutores e curadores.(1) 1. Poderes e obrigações do curador. Ao nomear o curador, deve o juiz analisar as circunstâncias do desaparecimento da pessoa, seu patrimônio, o estado e os diferentes lugares em que se encontram os bens do desaparecido, se existe outras pessoas com poderes para gerir parte dos bens e interesses do desaparecido, e adotá- las como fundamentação necessária (CF., art. 93, inc. IX; CPC, arts. 131 e 458, inc. II) para fixar os limites dos poderes e obrigações do curador nomeado, determinando detalhadamente todas as providências necessárias, bem como as incumbências e responsabilidades que lhe caberão. Além disso, determina o art. 24 que deverão ser aplicadas, no que couberem, as regras relativas à tutela e curatela (CC, arts. 1.728 a 1.783), sendo de particular utilidade as regras relativas aos deveres de prestação contas (CC, arts. 1.755 a 1.762). ARTIGO 25 Art. 25. O cônjuge do ausente, sempre que não esteja separado judicialmente, ou de fato por mais de dois anos antes da declaração da ausência, será o seu legítimo curador. (1) (2) (3) §1o Em falta do cônjuge, a curadoria dos bens do ausente incumbe aos pais ou aos descendentes, nesta ordem, não havendo impedimento que os iniba de exercer o cargo. §2o Entre os descendentes, os mais próximos precedem os mais remotos. §3o Na falta das pessoas mencionadas, compete ao juiz a escolha do curador. 1. A escolha do curador. A nomeação de curador deve preferencialmente ser feita na ordem disposta no caput e parágrafos do artigo 25 do Código Civil. Todavia, não se Charles Charles 26/ 4 encontra o juiz vinculado a essa ordem de preferência, devendo sempre analisar se a pessoa a ser nomeada goza de idoneidade e preparo suficiente para desempenhar esse numus (CC, art. 1.732, caput, 1.735, 1.743). Não preenchendo o pretenso curador tais requisitos, deve o juiz motivadamente deixar de nomeá-lo, ficando sua decisão sujeita à impugnação. 2. Cônjuge nomeado curador. O cônjuge do ausente, sempre que não esteja separado judicialmente, ou de fato por mais de dois anos antes da declaração da ausência, qualquerque seja seu regime de bens, será o seu legítimo curador, observadas as regras do artigo 24 do Código Civil. Todavia, o cônjuge casado no regime de comunhão universal fica dispensado do dever de prestação de contas, salvo determinação judicial devidamente fundamentada em contrário (CC, art. 1.783). 3. Companheiro nomeado curador. Dispõe o Enunciado n. 97 da I Jornada de Direito Civil que “no que tange à tutela especial da família, as regras do Código Civil que se referem apenas ao cônjuge devem ser estendidas à situação jurídica que envolve o companheiro, como, por exemplo, na hipótese de nomeação de curador dos bens do ausente (art. 25 do Código Civil)”. Com isso, a nomeação do companheiro do ausente como seu legítimo curador prefere aos pais ou descentes na ordem de nomeação prevista no art. 25 do Código Civil. ARTIGO 26 Seção II Da Sucessão Provisória Art. 26. Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele deixou representante ou procurador, em se passando três anos, poderão os interessados requerer que se declare a ausência e se abra provisoriamente a sucessão. (1) 1. Sucessão provisória. Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente ou três anos se ele deixou representante ou procurador, poderão os interessados requerer a abertura da sucessão provisória do ausente. O maior prazo (três anos) para que se requeira a sucessão provisória nos casos em que o ausente deixa representante ou procurador decorre da maior probabilidade de que o ausente retorne, em relação aos casos em que a pessoa se ausenta sem deixar qualquer representante ou procurador (um ano). Além disso, o artigo 26 do Código Civil de 2002 diminuiu os prazos fixados Charles Charles 27/ 4 pelo correspondente artigo 469 do Código Civil de 1916, frente à maior eficiência dos meios de comunicação modernos, que facilitam o conhecimento e consequente retorno do ausente para tomar posse de seus bens. Verifica-se, com isso, que a abertura da sucessão provisória nada mais é do que a consequência da arrecadação de bens da pessoa que se confirmou ausente. Tomadas todas as providências para a preservação do patrimônio do ausente, nada mais natural que essa situação de dúvida quanto ao paradeiro, ou mesmo morte do ausente não perdure indefinidamente. Por essa razão é que, decorridos os prazos estipulados neste artigo, têm os interessados o legítimo direito de requerer a abertura da sucessão provisória, e posteriormente, da sucessão definitiva (CC, arts. 37-39), pondo fim a essa situação de indefinição. ARTIGO 27 Art. 27. Para o efeito previsto no artigo anterior, somente se consideram interessados:(1) I – o cônjuge não separado judicialmente; II – os herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários; III – os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua morte; IV – os credores de obrigações vencidas e não pagas. 1. Legitimidade para requerer a abertura da sucessão provisória. Diferentemente do que ocorre com a ampla e irrestrita legitimidade para requerer a declaração de ausência, a legitimidade para requerer a abertura da sucessão provisória é bem mais restrita, limitando-se às pessoas elencadas no artigo 27 do Código Civil e, na ausência de interessados, ao Ministério Público (CC, art. 28). Podem, assim, requerer a abertura da sucessão provisória: (a) O Cônjuge não separado judicialmente (inc. I). Além do cônjuge, deve-se entender que o inciso I comtempla também a legitimidade do companheiro para requerer a abertura da sucessão provisória(Enunciado n. 97 da I Jornada de Direito Civil). (b) Herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários (inc. II). Apenas os herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários terão interesse para requerer a abertura da sucessão provisória com base nesse inciso III. Ou seja, inserem- se nessa hipótese aquelas pessoas mencionadas nos artigos 1.799 e 1.829 do Código Civil: I – os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão; II – as pessoas jurídicas; III – as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação (CC, art. 1.799) e I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação Charles Charles 28/ 4 obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais (CC, art. 1.829). (c) Os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua morte (inc. III). É o que ocorre, por exemplo, nos casos em que o ausente tem direito de usufruto vitalício sobre imóvel de terceiro (CC, art. 1.410), os legatários (CC, art. 1.912). Importante notar que não tem legitimidade para requerer a abertura da sucessão provisória com base nesse inciso aqueles que tenham interesse meramente econômico na sucessão provisória. (d) Os credores de obrigações vencidas e não pagas (inc. IV). Tem interesse na abertura da sucessão provisória os credores de obrigações vencidas e não pagas pelo ausente. ARTIGO 28 Art. 28. A sentença que determinar a abertura da sucessão provisória só produzirá efeito cento e oitenta dias depois de publicada pela imprensa; mas, logo que passe em julgado, proceder-se-á à abertura do testamento, se houver, e ao inventário e partilha dos bens, como se o ausente fosse falecido.(1) §1o Findo o prazo a que se refere o art. 26, e não havendo interessados na sucessão provisória, cumpre ao Ministério Público requerê-la ao juízo competente.(2) §2o Não comparecendo herdeiro ou interessado para requerer o inventário até trinta dias depois de passar em julgado a sentença que mandar abrir a sucessão provisória, proceder- se-á à arrecadação dos bens do ausente pela forma estabelecida nos arts. 1.819 a 1.823.(3) 1. Efeitos da sentença que determina a abertura da sucessão provisória. Tão logo tenha a sentença que determina a abertura da sucessão provisória transitado em julgado, proceder-se-á à abertura do testamente, caso existente, e ao inventário e partilha dos bens. Por outro lado, os demais efeitos da sentença que determinar a abertura da sucessão provisória apenas se verificação após o decurso de prazo de cento e oitenta dias contatos de sua publicação na imprensa, notadamente (i) o ingresso dos herdeiros na posse dos bens, desde que prestadas as necessárias garantias (CC art. 30), (ii) a percepção dos frutos desses bens pelos herdeiros provisórios do ausente (CC, art. 33) e (iii) extinção dos encargos do curador (CPC, art. 1.162, inc. III), a partir do momento em que a representação do ausente passar a cargo de seus herdeiros provisórios (CC, art. 32). 2. Abertura da sucessão provisória pelo Ministério Público. Findo o prazo de 1 (um) ano (CC, art. 26), se nenhum interessado (CC, art. 27) requerer a abertura da sucessão Charles Charles 29/ 4 provisória, competirá ao Ministério Público requerer a abertura da sucessão provisória. Além disso, caberá ao Ministério Público requerer a abertura da sucessão provisória no interesse de eventuais menores ou interditos que se encontrem entre os herdeiros provisórios do ausente. 3. Herança jacente. Caso decorram trinta dias contados do transito em julgado da sentença que determinar a abertura da sucessão provisória sem que nenhum interessado requeira a abertura do inventário,
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