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RELAÇÕES DE GÊNERO NA ENGENHARIA1 Rodrigo Salera Mesquita2 – rodrigosmesquita@yahoo.com.br Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais - CEFET-MG. Programa de Pós-Graduação em Educação Tecnológica Rua Jacumã, 185 apto 203 - Bairro Novo Eldorado. CEP: 32341-450 – Contagem - MG - Brasil Resumo: O presente artigo discute questões importantes para a sociedade contemporânea relacionadas às relações e equidade de gêneros no espaço educacional e no mundo do trabalho. Destaca a participação da mulher nos espaços públicos, sua crescente escolarização e a conquista de uma área de atuação pouco usual ao público feminino em décadas passadas: o mundo do trabalho da engenharia. Discussões teóricas e indicadores sociais denotam a crescente participação feminina nos processos de escolarização e no mundo do trabalho assalariado, porém, é necessário o aprofundamento na problematização de algumas áreas pouco usuais historicamente à atuação feminina, tais como as engenharias. Palavras chave: Mulher na engenharia. Relações de gênero. Equidade de gênero. Igualdade de gênero. 1 INTRODUÇÃO As mulheres já representam mais da metade da população mundial e uma expressiva força de trabalho assalariada, para além de sua atuação no espaço doméstico. O presente artigo discute questões importantes para a sociedade contemporânea relacionadas às relações e equidade de gêneros nos espaços educacionais e no mundo do trabalho. Destaca 1 Pesquisa financiada pelo Programa Institucional de Fomento à Pesquisa do CEFET-MG (PROPESQ) e pela Fundação de Amparo á Pesquisa no Estado de Minas Gerais – FAPEMIG. 2 Mestrando em Educação Tecnológica – Bolsista CEFET-MG. a participação da mulher nos espaços públicos, sua crescente escolarização e a conquista de uma área de atuação pouco usual ao público feminino em décadas passadas: a engenharia. Estudos diversos, como os empreendidos por Quirino (2011), sobre a atuação de mulheres no segmento de mineração; Resende (2012) sobre o trabalho feminino na construção civil; Lombardi (2004) sobre a atuação feminina nas áreas de engenharia, evidenciam um avanço das pesquisas acadêmicas sobre as relações de gênero em áreas tradicionalmente masculinas. Porém, não obstante as discussões teóricas e os indicadores sociais que demonstram a crescente participação feminina nos processos de escolarização e no mundo do trabalho assalariado, a problematização de algumas áreas pouco usuais historicamente à atuação feminina ainda é de suma importância. Discussões acerca da equidade de gêneros na educação e no mundo do trabalho, sobretudo nas áreas tecnológicas, são de importantes para o desenvolvimento sustentável de qualquer país e trata-se de um problema de cunho universal, não somente para o público feminino. 2 IGUALDADE E EQUIDADE DE GÊNEROS Em pleno século XXI não é raro o entendimento pelo senso comum de que as coisas são como são porque homem é homem e mulher é mulher. Essa divisão da sociedade por sexos é percebida como algo natural e biológico, mas, traz consequências psicológicas, sociais e comportamentais importantes. Estruturas sociais, valores, ideologias, crenças e culturas apresentam-se como possíveis explicações para essa diferenciação, que num contexto de prática social, converte-se em desigualdades (QUIRINO, 2015). Como seria uma sociedade na qual as desigualdades de gênero não fossem justificadas pela naturalização da inferioridade da mulher em relação ao homem? Possivelmente as diferenças seriam vistas com mais clareza e talvez não houvesse uma realidade socialmente construída baseada na desigualdade. Diferentes perspectivas poderiam coexistir, sem que houvesse uma realidade universal e as diferenças poderiam não significar desigualdades. Idealismos à parte, o que se espera em uma sociedade dita organizada é uma equidade ou paridade entre os gêneros. Homens e mulheres como partes equilibradas de uma sociedade diferente, porém, não desigual. Mas o que podemos denominar como equidade de gêneros? Na definição aristotélica, reconhecida e utilizada pelo Direito Romano, equidade é um apelo que se faz à justiça para retificar a lei quando ela se revela insuficiente; é a justiça aplicada ao caso concreto (MAFFETONE e VECA, 2005). Os autores esclarecem que na criação das leis, consideram-se todos os indivíduos como iguais, tendo as leis caráter universal. É exatamente o caráter universal da lei que a faz estar sujeita ao erro, pois, sendo os indivíduos diferentes entre si, pode revelar uma imperfeição na lei gerando casos específicos em que a lei terá difícil aplicação. Para os casos em que a lei se mostra insuficiente, a equidade surge como forma de julgar com base na justiça do que a lei se propõe a realizar e, não, na lei em si. Na concepção de Kant, o conceito de equidade não está ligado ao direito e, sim, ao tribunal da consciência. (ALMEIDA, 2006, p. 209). Assim, a aplicação do princípio da equidade é inerente ao conceito da justiça que o direito se propõe a praticar. Enquanto a lei generaliza, considerando todos iguais, a equidade preenche possíveis lacunas na lei que poderiam causar injustiças devido ao fato de as pessoas serem diferentes (CORDEIRO, 2014). Segundo Cordeiro (2014), a aplicação da equidade deve ter como base os princípios gerais do Direito, o bem comum, a moral social vigente e o regime político adotado pelo Estado. É a equidade que garante que o alcance da lei seja suficiente para que a justiça realmente se faça, de acordo com as especificidades que a lei não contempla. Ao se referir à igualdade entre homens e mulheres, a Organização das Nações Unidas (ONU) define o termo equidade como à igualdade de direitos, responsabilidades e oportunidades de mulheres e homens, meninas e meninos. Igualdade não significa que as mulheres e os homens se tornarão iguais, mas que os direitos, responsabilidades e oportunidades não dependerão se eles nascem homem ou mulher. A igualdade de gênero implica, então, que os interesses, necessidades e prioridades das mulheres e dos homens são levados em consideração, reconhecendo a diversidade dos diferentes grupos. Ao comentar igualdade de gênero, Bartell (2003) salienta: [...] as mulheres devem ter as mesmas oportunidades na vida que os homens, incluindo a capacidade de participar da esfera pública. Isso expressa uma ideia feminista liberal, que removendo a discriminação de oportunidades contra as mulheres lhes permite alcançar um status iguais aos dos homens. [...] No entanto, esse foco que, às vezes, é chamado de igualdade formal, não necessariamente exige ou assegura igualdade de resultados. Assume-se que uma vez que as barreiras à participação são removidas, há condições de concorrência equitativas. (BARTELL, 2003). Assim, a igualdade ou equidade de gêneros não se constitui em um problema das mulheres, mas deve ser discutido e buscado plenamente por toda a sociedade, visto que, trata-se de uma questão de direitos humanos, condição prévia e indicador de desenvolvimento sustentável dos países. E é com o fortalecimento dos movimentos feministas que surge à bandeira de luta pela igualdade de gêneros de forma a ultrapassar os determinismos biológicos. Para Piazzolla (2008) o feminismo liberal reclama uma igualdade de gênero, por entender de que as mulheres também são cidadãs e por isso detém os mesmos direitos que os homens, portanto, deveriam ser incluídas no espaço público, do qual sempre estiveram subsumidas. 3 ESCOLHAS EDUCACIONAIS DAS MULHERES NO BRASIL Em se tratando do mundo da educação, uma mudança no perfil das trabalhadoras brasileiras nasúltimas décadas foi o aumento da escolaridade. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), entidade pública federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC), demonstram também a maior escolaridade feminina no ensino superior, no quesito ingressante, matrículas e concluintes. (Brasil, 2010). Entre os anos de 2010 e 2014, as mulheres já representam a maior fração entre os estudantes matriculados nas universidades brasileiras. Em 2010, elas representavam 56,3% do total de matrículas e 62,4% do total de graduados no ensino universitário. As pesquisas do INEP indicam que o percentual médio de ingresso de mulheres até 2013 foi de 55% do total em cursos de graduação presenciais. Se o recorte for feito por concluintes, o índice sobe para 60%. Desse total aproximado de 7,2 milhões de matrículas, 3,9 milhões foram de mulheres, contra 3,2 milhões do sexo oposto. (Brasil, 2013) Todavia, a despeito do espaço alcançado pelas mulheres nas ciências e da crescente presença feminina do ensino superior, dados do Censo da Educação Superior (INEP, 2014), indicam a tendência das alunas de se concentrarem em determinadas áreas de estereótipos femininas, mais ligadas ao cuidado, em detrimento às ciências duras, mais relacionadas às áreas de exatas. Melo, Lastres e Marques (2004) ao traçarem um quadro da inserção das mulheres no sistema científico, tecnológico e de inovação no Brasil, evidenciam que, a despeito do crescimento expressivo de mulheres com nível universitário, a participação feminina na produção do conhecimento e no ensino, relacionados ao campo da tecnologia e da inovação ainda está aquém da presença feminina na Universidade. Há um crescente número de mulheres profissionais engajadas em atividades científicas e este contingente de pesquisadores avança na direção da maior qualificação profissional embora, por razões históricas, permaneça menor a presença feminina em áreas tradicionalmente ocupadas por homens, especialmente nos setores das engenharias e na pesquisa tecnológica aplicada. As dificuldades para as mulheres inserirem-se nessas áreas são históricas e culturais e demandam estudos mais específicos. No entanto, autores como Hirata (2002), Carvalho (2003), Lombardi (2010), Quirino (2011), dentre outros/as, ao estudarem a inserção das mulheres nas áreas tecnológicas e nas engenharias afirmam que a tecnologia ainda é conjugada no masculino. No entanto, tais pesquisas constatam que é crescente o número de mulheres que ingressam nessas áreas majoritariamente masculinas. Na pós-graduação stricto sensu, o Brasil é um país pioneiro entre aqueles que conseguiram alcançar esse marco histórico da igualdade de gênero no nível mais elevado da formação educacional. Entretanto, as mulheres brasileiras são maioria apenas no campo das ciências sociais e humanidades em geral e têm uma participação igualitária ou levemente maior na química, biotecnologia e ciências da saúde. Já nas ciências exatas, em particular na física, matemática, computação e engenharias, sua participação ainda é baixa, constatando que as áreas tecnológicas das engenharias e das ciências exatas ainda continuam sendo um reduto masculino. (INEP, 2014). Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, nas profissões da Ciência e Tecnologia, profissionais e técnicos do sexo masculino representam 81,5% do total, sendo que, no nível técnico a discrepância é ainda maior, 89% são homens e apenas 11% são mulheres. (BRASIL, 2010). Tais escolhas das mulheres, consequentemente, resultam em menor remuneração, menor ascensão social e perpetuam o entendimento do senso comum de que Ciência & Tecnologia “não é coisa para mulher”. Entre as profissões menos procuradas pelas mulheres estão aquelas das áreas da engenharia. No Brasil, até 2002, por exemplo, apenas 14% dos empregos formais nessa área eram ocupados por mulheres, ao passo que nas áreas de saúde, tais como odontologia, 51% eram ocupados por elas. (OLINTO, 2009). Para se compreender melhor a disparidade de gênero nas áreas científicas e tecnológicas é oportuno investigar como essas mulheres veem e se relacionam com sua identidade feminina, sua formação profissional, perspectivas de inserção e atuação no mercado de trabalho, entre outros aspectos. 4 TETO DE VIDRO E LABIRINTO DE CRISTAL: DESAFIOS PARA A MULHER NO MERCADO DE TRABALHO As estatísticas demonstram que as mulheres, em especial a partir da década de 1970, adentraram com bastante força no mundo do trabalho assalariado. Dados dos censos demográficos do IBGE apontam que, em 1970, apenas 18,5% das mulheres eram economicamente ativas, j´[a em 2010, este índice foi de quase 50% (ALVES, 2013), chegando a 54,3% em 2014 (IBGE, 2015). Mas, não obstante à crescente inserção da força de trabalho feminina no trabalho assalariado, suas escolhas pelas áreas de humanidades, em detrimento das áreas de maior valor social e econômico agregado, tais como as engenharias - dentre outros fatores, têm comprometido sua ascensão a cargos de prestígio e poder. Um fenómeno discutido por vários autores na tentativa de explicar a discrepância no número de mulheres em cargos de chefia é o fenômeno Teto de vidro. A metáfora do teto de vidro tem sido utilizada para representar o obstáculo invisível, porém concreto, que impede a ascensão das mulheres às determinadas posições de prestígio nas profissões. Esse conceito surgiu na década de 1980, nos Estados Unidos da América, para descrever uma barreira que impede as mulheres de ascenderem profissionalmente. Essa barreira afetaria as mulheres como um todo, impedindo que progridam na carreira, devido, exclusivamente, ao fator gênero e não pelo mérito ou competência. (BILY & MANOOCHECRI, 1995; POWELL & BUTTERFIELD, 1994; MORISON, 1992). Dois tipos principais de exclusões são enfrentados pelas mulheres: i) exclusão vertical: que se refere à sub-representação das mulheres em postos de prestígio e poder, mesmo nas carreiras consideradas femininas; ii) exclusão horizontal: que se refere ao reduzido número de mulheres em determinadas áreas do conhecimento, em geral, de maior reconhecimento para a economia capitalista, as consideradas ciências “duras” – exatas e engenharias. Outro conceito que corrobora a ideia da exclusão e discriminação feminina devido ao gênero é o conceito Labirinto de Cristal trazido por Betina Stefanello de Lima (2013). A autora aponta que é possível perceber barreiras, ainda que não formais, ao longo da carreira da mulher e não apenas no “topo”. Esse conceito contribui para o entendimento de duas importantes questões: a) Transparência do vidro: mesmo não havendo barreiras formais que impeçam a participação de mulheres em cargos e posições de poder, essas dificuldades enfrentadas pelas mulheres são reais e não podem ser avaliadas somente pela ausência de dispositivos legais contra a atuação profissional feminina; b) Posição do teto: existe uma barreira invisível, mas real, para ascensão das mulheres. Essa barreira, de certa forma, permite que elas transitem pelas posições próprias da carreira, mas somente até determinado ponto. Assim, a metáfora do labirinto de cristal contribui com o entendimento de que os obstáculos enfrentados pelas mulheres estão presentes ao longo da trajetória profissional feminina, e não somente em um determinado patamar. Também, aponta para uma inclusão subalterna e a sub- representação feminina em determinadas profissões e nas posições de prestígio. 5 PARTICIPAÇÃO FEMININA NAS ENGENHARIAS Segundo Rossi (1965), a partir dos séculos XVIII e XIX, com a Revolução Industrial e o Iluminismo, surgiu à engenhariamoderna, que num contexto histórico próprio, estimulou o desenvolvimento de tecnologias em busca de soluções para os problemas de produção, impulsionando o estudo e a pesquisa das ciências exatas e sua aplicação prática. Conforme a mesma autora, a Europa experimentava nesse período grandes descobertas, o que trazia consigo o despertar da concepção contemporânea de ciência, tecnologia e progresso. Nesse contexto, as intervenções e técnicas aplicadas ao trabalho se revalorizavam, juntamente com o estudo das ciências físicas e naturais. A engenharia moderna surge primeiramente no ambiente militar, em face das novas necessidades de defesa, transporte e comunicação dos Estados. Os oficiais-engenheiros eram aplicados na construção de armamentos, fortificações e pontes, na abertura de estradas, entre outras atividades (LOMBARDI, 2004). Como esclarece Silva Telles (1984), “a engenharia moderna nasce dentro dos exércitos”; a descoberta da pólvora e o progresso da artilharia obrigaram a uma completa modificação nas obras de fortificação, que, principalmente a partir do século XVII, passaram a exigir dos profissionais novo planejamento e execução. A necessidade de construir estradas, pontes e portos para fins militares, forçaram o surgimento dos oficiais-engenheiros e a criação de corpos especializados de engenharia nos exércitos. O elemento militar, característico da profissão no seu primórdio, será associado a ela e perdurará por mais de um século, contribuindo para que a profissão de engenheiro esteja, historicamente, associada ao campo de atuação do sexo masculino. (WAJCMAN, 1996, p.146). Existem instituições na sociedade que assumem a ideologia masculina hegemônica, e que isso ocorre de forma marcante nas instituições militares: “a guerra provê o teste final da masculinidade e é a expressão legitimada da violência masculina”. Ainda explica a autora, se a guerra e as armas são vistos como assuntos “de homem”, essas representações sociais identificam os homens como bravos guerreiros e as mulheres como seres indefesos que eles, então, protegeriam. Essas imagens estereotipadas do feminino e do masculino corroboram a concepção de que as mulheres são “naturalmente” pacíficas e responsáveis pelo cuidado com os outros, ou seja, assumindo indistintamente o seu papel de mães. Segundo Kawamura (1981), a profissão de engenheiro e sua formação profissional passaram por três grandes fases que acarretaram mudanças importantes na organização da produção capitalista e na sociedade brasileira. c) A primeira fase, de fins do império até 1930, baseou-se na cafeicultura e agro exportação, que foi denominada pela autora de “fase de transição”, em direção à industrialização. d) A segunda fase, de 1930 ao final da Segunda Grande Guerra, coincide com a fase da industrialização por substituição das importações, centrada na produção de bens de consumo. e) A terceira fase, que se estende de 1945 até a década de 1970, período de intensiva industrialização, com a crescente internacionalização de mercado. A inserção de mulheres nas escolas de engenharia aconteceu de forma muito tímida, acontecendo apenas a partir da década de 1920. (SILVA TELLES, 1984; PORTINHO, 1999). A primeira mulher a se diplomar na Escola de Minas de Ouro Preto, como Engenheira de Minas, Metalurgia e Civil foi Aimée Barbosa da Silva, em 1947, quando a instituição já contava mais de 70 anos de existência. Na década de 1970, o ingresso de mulheres nas engenharias se torna mais visível e se consolida na década de 1990 (FACCIOTTI; SAMARA, 2004). Todavia, a presença de mulheres nas engenharias demorou a se concretizar. Dentre as 38 engenheiras mulheres formadas na Escola de Minas de Ouro Preto, desde a sua fundação, 84%, ocorreu somente nas décadas de 1980 e 1990. Mais da metade delas, contudo, (55% ou 21 engenheiras) se formaram nos anos de 1990 (LOMBARDI, 2004). Estudos do mercado de trabalho brasileiro na década de 1990 indica a participação das mulheres engenheiras praticamente estacionada, porém após o início do novo milênio, ocorre um crescimento contínuo do número de mulheres que ingressaram nos cursos de engenharia no Brasil (FACCIOTTI; SAMARA, 2004). Em 2004, as ocupações da engenharia no Brasil somavam 147.231, tendo variado 39,6% no período entre 2004 e 2009, alcançando 205.604 em 2009. (BRASIL, 2004, 2009). As vagas no mercado formal de trabalho ocupadas por mulheres representavam 14,6%. Essa participação evoluiu para, em 2009, 17,8% das ocupações totais da engenharia – 3,2% pontos percentuais maior que em 2004. Esses indicativos sinalizam um processo de feminização no mercado da engenharia em nível nacional. Segundo os dados da Relação Anual de Informações – RAIS, do Ministério do Trabalho e Providência Social3, em 2009, haviam 41.207.546 ocupações no mercado formal de trabalho no Brasil. Desses, 205.604, são ocupações da engenharia, representando 0,5% do total de vínculos formais no Brasil. As ocupações da engenharia concentram-se na Região Sudeste, representando 62,4% do total no Brasil. Tradicionalmente a engenharia é uma profissão masculina, segundo demonstram os dados da RAIS no período 2004-2009, entretanto, é possível notar um crescimento contínuo da participação das mulheres nessas ocupações. Nesse mesmo período, a participação das mulheres evoluiu de 14,4% em 2004 para 16,2% em 2009, comprovando um crescimento de 1,8 pontos percentuais. Esse mesmo perfil de participação feminina reduzida é encontrado em muitos países ocidentais, a exemplo do México, Canadá e França. (GUEVARA 2003; RABEMANAJARA 2000; MARRY, 2002). Na França a presença das mulheres na engenharia manteve-se em torno dos patamares encontrados para o Brasil, todavia, mas durante a década de 1990, contrariamente ao que se presenciou em nosso país, houve um movimento de progressão, modesta, mas persistente: as francesas significavam 11,1% dos engenheiros em 1990, 13,1% em 95 e 14,6% em 2001. (MARRY, 2002). No período pesquisado o aumento das matrículas femininas nos cursos de engenharia foi de 84%, em comparação ao masculino. Esses números permitem inferir que está havendo um movimento em que a engenharia está lentamente sendo incluída nas escolhas profissionais das mulheres. 3 Disponível em http://www.rais.gov.br/sitio/index.jsf Acesso em 08 abr. 2016. Um exemplo que indica a inclusão da engenharia no rol de possibilidades profissionais das mulheres vem da Escola Politécnica da USP. No espaço de quarenta anos, entre 1950 e 1980 formaram-se 536 engenheiras e somente na década de 1990, formaram-se 764. Ou seja, em dez anos, formaram-se 30% a mais engenheiras que nas quatro décadas anteriores (FACCIOTTI; SAMARA, 2004). Giannini (2003), Guevara (2002) e Rodrigues (2004) em seus respectivos países, Itália, México e Portugal, concluem que a segmentação interna das especialidades da engenharia e o alargamento do campo de atividades profissionais dos engenheiros favoreceram e estimularam o ingresso das mulheres. Todavia, Giannini pondera que, na Itália, naquelas especialidades mais ligadas à indústria, estratégias profissionais tendem a monopolizar as possibilidades de trabalho para os homens. Porém, ao analisar as escolhas profissionais femininas, percebe-se a continuação da preferência por áreas de conhecimento tradicionalmente feminizadas, como é o caso dos cursos nas áreas da Educação e da Saúde e das Ciências Sociais. Essa forte presença feminina está mais atrelada aos cursos de humanas. No ano de 2011, por exemplo, 64% dos bolsistas do CNPq, na área de ciências exatas e da terra eram homens e nas engenhariase computação o percentual era de 66%. (BRASIL, 2015). Além do exposto, segundo Amorim (2009), o exercício da profissão de engenheiro se torna um desafio cada vez maior no Brasil pela forma como são geridos os cursos de engenharia no país, e aponta para problemas estruturais e conjunturais enfrentados pelo setor. O autor explica que faltam investimentos dos governos e que nas últimas décadas o país perdeu muitas oportunidades de desenvolvimento por falta de coragem e visão de seu lideres. Assistiu passivo ao despertar de nações que investiram na formação de seus cidadãos, enquanto, modelos e investimentos eram abandonados por mera divergência política. (AMORIM, 2009). Além disso, Amorim (2009) faz um desabafo quando afirma que Perdemos uma geração de engenheiros para o mercado financeiro, graças aos 25 anos de crise estrutural e à falta de investimentos do governo. Agora, estamos perdendo outra leva de profissionais para a aposentadoria. Mas nada poderia ser pior do que perder uma terceira geração pela má-formação universitária. (AMORIM, 2009, p.14). É inegável que existem grandes universidades no Brasil, com excelência comprovada. Todavia, como resultado da política equivocada de reconhecimento do Ministério da Educação (MEC) e a omissão de conselhos e associações, cursos de engenharia de baixíssima qualidade proliferaram pelo país. Outra questão apontada por Amorim (2009) é a enorme variedade de especializações reconhecidas pelos CREA. Formam-se engenheiros em mais de uma centena de especialidades, nos mais variados cursos de engenharia, no qual matérias tornaram-se cursos completos, para atender nichos de mercado. Como sugestão para alterar esse cenário, o autor aponta a necessidade de intervenção no sistema de formação dos engenheiros, criando um processo de seleção de cursos e formandos. Ainda, é preciso conscientizar empresas e contratantes que o custo de um mau engenheiro vai muito além do montante pago em salários. Um projeto ruim ou inadequado requer mais manutenção ou readequação e, muitas vezes, podem custar vidas. Paralelamente ao maior rigor quanto aos cursos e os egressos desses cursos de engenharia, se faz necessário retardar a aposentadoria de engenheiros experientes e impedir a “juniorização” dos departamentos e das empresas de engenharia por questões de custos. Finalmente, incentivar o compartilhamento do conhecimento técnico entre profissionais, empresas e universidades. (AMORIM, 2009). CONSIDERAÇÕES FINAIS A educação e o trabalho são dimensões muito importantes para a vida social, tanto do ponto de vista do desenvolvimento intelectual, quanto para a produção de bens e serviços para as coletividades, assim como do ponto de vista da autonomia econômica e de realização individual. Ocupando lugares centrais na organização da sociedade, entretanto, tanto a educação quanto o trabalho reproduzem injustiças e desigualdades e reforçam outras tantas. No Brasil, reflexo da uma herança histórica e cultural de políticas marcadas pela hierarquização de certos grupos e pela exclusão de outros dos espaços socialmente valorizados, o mundo educacional e do trabalho seguem marcados por importantes desigualdades, sobretudo as de gênero. No que diz respeito à dinâmica da participação das mulheres na educação e no mercado de trabalho, pode-se identificar permanências e transformações. A superação das diferenças entre homens e mulheres na educação, no trabalho em geral, e na área de engenharia, em particular, requer o incentivo a estudos que possam focalizar os diversos aspectos da divisão sexual do trabalho que se estabelece na mais tenra idade – na definição de tarefas domésticas – até as diferenças que se determinam ao longo da experiência escolar e ocupacional, incluindo as posições ocupadas nas mais altas hierarquias profissionais, assim como na busca pela igualdade e equidade de gêneros. A maior participação feminina nas engenharias pode implicar em transformações sociais e econômicas com impactos favoráveis para toda a sociedade, por representar um maior contingente de força de trabalho disponível e pela crescente escolarização evidenciada nesse grupo social. O crescente interesse demonstrado pelos governos norte-americanos e europeus na criação de programas que incentivem o interesse feminino pelas carreiras das engenharias é um indicador do potencial econômico que este contingente feminino representa (HESA, 1994). Um maior acesso feminino ao conhecimento científico e recursos tecnológicos é essencial para um melhor desempenho das mulheres em diferentes níveis sociais e profissionais, haja vista o reduzido número do sexo feminino em cargos de decisão, o qual dificulta a implementação de políticas e medidas que estimulem uma maior participação feminina na ciência e tecnologia. Se de fato o Brasil pretende desenvolver-se economicamente, de forma sustentável, é necessário um investimento massivo em setores como educação e C&T. Além disso, torna-se fundamental estimular que metade da força de trabalho economicamente ativa participe desses setores estratégicos para o país. Após o exposto, podemos inferir que, no Brasil, atuar na área de engenharia é um desafio, principalmente para as mulheres. Sendo, então, a engenharia uma área tradicionalmente masculina e que enfrenta tantos desafios, o que leva uma mulher a escolher essa profissão? Certamente, é uma questão de difícil resposta, que demanda mais estudos para ser compreendida no tocante às subjetividades e objetividades que encerram os processos de escolarização e escolhas profissionais desse grupo social específico. Espera-se que as informações e reflexões contidas no presente artigo possam fomentar o debate e incentivar novas pesquisas sobre a temática. REFERÊNCIAS ALMEIDA, G. 2006. 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Theoretical discussions and social indicators denote the increasing female participation in the education process and the world of wage labor. However, deepening the questioning of some historically unusual areas of female action, such as engineering, is required. Keywords: Women in Engineering. Gender Relations. Gender Equity. Gender equality.
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