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FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS ABNER SIGEMI ANA CAROLINE PICCIOLA BEATRIZ SIQUEIRA BUENO BIANCA DIAS PINTO DIEGO WILLIAM DE FARIA RENNÓ O TRABALHO DAS DRAG QUEENS E A SOCIEDADE SÃO PAULO 2016 ABNER SIGEMI ANA CAROLINE PICCIOLA BEATRIZ SIQUEIRA BUENO BIANCA DIAS PINTO DIEGO WILLIAM DE FARIA RENNÓ O TRABALHO DAS DRAG QUEENS E A SOCIEDADE Trabalho apresentado como forma de avaliação parcial na matéria de Psicologia do Desenvolvimento III, pelo curso de Psicologia das Faculdades Metropolitanas Unidas, ministrada pela Professora Edna Tiemi. SÃO PAULO 2016 Dedicamos este trabalho a todas Drag Queens que nos ajudaram na confecção do mesmo, direta e indiretamente. Ser livre é conseguir flutuar entre a diversidade e a multiplicidade, sem perder a própria identidade. (Dimos Iksilara) RESUMO Discuti-se a concepção do que é uma Drag Queen, desde sua origem até os dias atuais, passando pelas representações em momentos importantes de luta por movimentos de minorias em contraponto a uma sociedade machista e heteronormativa. Ainda em foco sua construção de identidade e relação com o alter- ego, dissertando quanto a conceitos de gênero, identidade, orientação sexual, entre outros conceitos em debate. Discutimos ainda os preconceitos vividos pelo artista no exercer de sua profissão, além de suas relações de trabalho e o modo com que a sociedade assisti e interagi com sua arte. A metodologia utilizada se faz uso de artigos científicos e outros materiais que produzem informações relevantes a fim de contribuir para uma maior compreensão no processo de construção e percepção da identidade da Drag Queen. Palavras-chave: Drag Queen. Identidade. Trabalho. Gênero. Sociedade. ABSTRACT Discusses the design of which is a Drag Queen, from its origin to the present day, through the representations in important moments movements struggle of minorities as opposed to a sexist and heteronormative society. Also in focus construction of identity and relationship with the alter-ego, expounding as the concepts of gender identity, sexual orientation, among other concepts under discussion. We also discuss the prejudices experienced by the artist in the exercise of their profession, and their working relationship and the way that society watched and interacted with his art. The methodology used to make use of scientific articles and other materials that produce relevant information in order to contribute to a greater understanding in the construction process and perception of the identity of the Drag Queen. Keywords: Drag Queen. Identity. Working. Gender. Society. LISTA DE QUADROS Quadro 1 – O Biscoito Sexual............................................................................18 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Possibilidades de orientação sexual e identidade de gênero..................19 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS LGBT (ou LGBTT) - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros. ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais. SUMÁRIO 1. POWERFUL DRAGS ............................................................................................ 11 1.2. TUPINIQUEENS ................................................................................................ 12 2. DRAG OU NÃO DRAG, EIS A QUESTÃO ............................................................ 14 2.1. DRAG É PLURAL ............................................................................................... 14 3. IDENTIDADE ......................................................................................................... 16 3.1. IDENTIDADE, GÊNERO E ORIENTAÇÃO SEXUAL ......................................... 16 3.2. DRAG QUEENS X TRAVESTIS ......................................................................... 19 3.3. SE EU FOSSE VOCÊ, O MEU ALTER-EGO ..................................................... 20 3.4. A IDENTIDADE QUEEN ..................................................................................... 21 4. PRECONCEITO .................................................................................................... 24 4.1. TUDO QUE É DIFERENTE INCOMODA O QUE É IGUAL ................................ 24 5. O TRABALHO DAS DRAG QUEENS, O VIVER NO SALTO ................................ 27 5.1. “DE DIA É MARIA, DE NOITE É JOÃO” OU NÃO! ............................................ 28 5.2. DRAG ALÉM DE CABELO TAMBÉM BATE PONTO ........................................ 29 6. “SHANTAY, YOU STAY” (CONCLUSÃO) ............................................................. 32 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 33 10 INTRODUÇÃO O que iremos discutir neste trabalho é de forma bem ampla, a relação de trabalho das Drag Queens e a sociedade heteronormativa que conhecemos, que ao passar dos anos se manteve com seus prejulgamentos, que mesmo com o evoluir do individuo ainda mantém resquícios de uma sociedade retrograda com relação ao que difere da dicotomia masculina e feminina. Apresentaremos um contexto histórico social, retratando o papel da Drag Queen em períodos de transformação da sociedade e o seu papel desempenhado, nem sempre como de costume em papéis teatrais, mas às vezes em papéis de extrema importância, como por exemplo, na década de 60, em plena revolução sexual, entre outros movimentos. Abordaremos os conceitos de identidade e construção da mesma, impossível falar sobre Drag Queens, sem passarmos pela questão da identidade de gênero, onde se percebe a pluralidade de gêneros, de possibilidades, a Teoria Queer e sua fascinante história de construção da identidade do individuo , entre outros conceitos, não deixando de lado a principal questão que é a identidade da Drag Queen, a sua identidade Queen e sua relação com seu alter-ego. Em meio a tudo isso, infelizmente nos deparamos com o preconceito, existente em uma sociedade heteronormativa e patriarcal, o classicismo de nossa sociedade insiste em ser violento com os não binários, e com isso temos consequências que acarretam danos as vezes irreparáveis, mas que há solução, e mostramos que a informação é a melhor arma na proteção dos direitos dos iguais. E finalizamos, falando obviamente do mundo das Drag Queens, como ambiente de trabalho, relações de trabalho, entre outras questões que envolvem o trabalho das Drag Queens, pois ser Drag pode sim ser vista como uma carreira, com suas dificuldades, barreiras a serem enfrentadas, mas que existem suas possibilidades. 11 1. POWERFUL DRAGS Existem várias origens atribuídas ao termo Drag Queen, algumas datam desde Shakespeare, mas o que todas as origens consentem é quanto à sua vertenteartística. Uma das mais difundidas e mais aceitas é sua origem no século XIX, onde o termo Drag Queen era cunhado a homens que se vestiam como mulheres com fins teatrais, artísticos. Homens travestidos de mulheres eram perfeitamente aceitos no âmbito teatral, e até com certo respeito e apreço, ao contrário do que aconteciam com mulheres que se arriscavam na vida artística, onde eram rechaçadas e discriminadas. A Drag Queen como conhecemos hoje surgiu em meados dos anos 50 e 60, especificamente nos Estados Unidos, ainda nesta época as Drag Queens eram marginalizadas e pertencentes a uma cena mais underground, nesta época vivia-se a chamada revolução sexual, onde mulheres buscavam seu lugar na sociedade, e este movimento desafiava as normas e os códigos tradicionais do comportamento relacionados a sexualidade e aos relacionamentos. Vemos ai um grande apoio da causa gay, até então submersa em meio a uma sociedade tradicionalmente binária, onde o levante se deu em apoio além da contracepção de pílulas anticoncepcionais, nudez, legalização do aborto, divórcio, entre outras, além-claro da normalização da homossexualidade. Embora o início do ativismo gay parte da Alemanha, de um século atrás, os motins de Stonewall desempenharam um papel importante na identificação de uma minoria difusa. Este motim foi desenvolvido graças às grandes mudanças que sofreram os Estados Unidos no início dos anos sessenta com o ressurgimento do feminismo e igualdade de sexo, amor livre introduzido pela corrente hippie, uma mobilização estudantil latente, a explosão da revolução sexual e do movimento Black Power, que abriu o debate sobre democracia e igualdade racial. Estas mudanças continham elementos necessários para a luta LGBT adquirir os créditos que a identidade gay que precisava. (CHAPARRO, N. e VARGAS, S. E. Imágenes de la diversidad El movimiento de liberación LGTB tras el velo del cine. Revista Culturales. Colômbia. vol. 7. nº 14. 2011. Tradução nossa). Com isso, uma tímida, mas crescente efervescência começou a surgir no ativismo gay, mais especificamente em 1969 no Bar Stonewall Inn em Nova York, um bar que era frequentado em sua maioria pelo público gay, devido aos constantes ataques e abordagens abusivas da policia local, claramente dotada de preconceito, pela primeira vez houve um levante da comunidade contra o abuso evidente da 12 policia que era pautada em uma política existente na época que procurava marginalizar e criminalizar os homossexuais. O que poucas pessoas sabem, é que o Stonewall Inn, era um bar que abrigava não somente os gays que eram marginalizados, mas também moradores de ruas, onde eram alimentados e recebiam cuidados ali, cuidados estes que lhes eram negados pela sociedade tradicional e elitizada. Um ano depois deste levante da comunidade LGBT naquela época, ainda sem esta nomenclatura, era criada a primeira Parada Gay do mundo, e as Drag Queens tem um papel fundamental neste levante e na defesa do público gay, por conta de suas veias artísticas, se utilizavam se seus espaços para encarnar um papel político na defesa dos gays, mulheres e dos menos favorecidos. 1.2. TUPINIQUEENS No Brasil, o movimento Queen surgiu com mais força e amplitude entre as décadas de 80 e 90, onde invadiu as casas noturnas, os Clubs, com performances de artistas do pop internacional. A partir de meados dos anos 90, foi observada uma drástica redução destes artistas, a resposta mais plausível foi que o mercado não absorvia e não valorizava este profissional, fazendo com que muitos abandonassem o mesmo para trabalhar com outras coisas, se dedicar a uma carreira mais heteronormativa, ou até mesmo com alguns saindo do país, o que houve muito nesta época também, uma exportação de artistas Drag Queens brasileiras. E mesmo diante da crescente no movimento LGBT, eram poucos os holofotes para cena Queen, e assim permaneceu até por volta de 2009/2010, onde o advento da Internet, mídias sociais, e o programa norte-americano, nos moldes de Reality Show, RuPaul’s Drag Race1, da Drag Queen mais famosa no mundo, e tida como a rainha das Drag Queens, RuPaul2, que desde os anos 90 aparecia na TV, atuava como modelo, filmes, musicais, e como a maior militante das Drag Queens 1 RuPaul's Drag Race é um reality show americano, apresentado pela famosa drag queen RuPaul, onde o programa procura uma drag queen, para suceder ao título de "America's Next Drag Superstar". 2 RuPaul é um ator, drag queen, modelo, autor, e cantor, que ficou conhecido nos anos 90, e é tido como a Drag Queen mais famosa de todo mundo. 13 do mundo. Diante tudo isso, um novo Boom Queen, surgiu, e o Brasil não ficou atrás, com este fenômeno, surgiram novas Drags, novas casas de show abriram as portas para as Drags e o público que elas atraiam, seja gay ou não. Com a internet, redes sociais, com as informações chegando ao seu público cada vez mais rápido, fez com que as Drags brasileiras mostrassem seu trabalho com maior facilidade, se aproximassem de seus fãs e do público desconhecido. Cada dia mais tem surgido novas Drags, seja para fazerem shows, hobby, ou aquele carão básico na balada, ou simplesmente por realização pessoal. Vivemos um novo Boom Queen no Brasil, muito próximo ao vivido nas décadas de 80 e 90, com os mais variados tipos de Drags, com uma maior visibilidade, exposição, glamour, tudo que uma Drag precisa e adora. 14 2. DRAG OU NÃO DRAG, EIS A QUESTÃO Drag Queens são artistas performáticos que se travestem com cunho artístico e profissional, são artistas que adotam uma personagem feminina com características próprias, exprimindo de inúmeras formas. Esse costume originou-se no cenário teatral, onde mulheres eram proibidas de se apresentar nos palcos (fruto do pensamento retrógrado presente nos séculos passados), sendo assim homens tinham que fazer o papel da figura feminina travestidos. Drag Queen trabalha com o exagero da caricatura da mulher para representar seus personagens, geralmente com características cômicas, exagerado, ou de forma elegante e sofisticada como uma mulher, que por trás carrega um discurso crítico-político-transformador. E se procurarmos a etimologia de drag no dicionário, vamos encontrar o seguinte significado: Roupa própria de pessoas de um sexo, usada por pessoas de outro. E a de “drag” associação ao termo “Queen”, vem desde o século XVIII, no início era uma forma pejorativa para descrever homossexuais, mas hoje a palavra conquistou um sentido mais positivo. Podemos encontrar também o termo Dress as a girl para definir drag, que significa vestir-se como uma garota, ou, Dress Resembling a girl. Temos também a relação do termo Draga tradução literal da palavra, ou seja, arrastar, que surgiu no século XVIII, onde os homens que se utilizavam de vestidos longos os arrastavam pelo chão. 2.1. DRAG É PLURAL As Drag Queens possuem as mais diversas vertentes, com as mais variadas formas de se apresentar, de se montar. Temos as Drags mais caricatas, ou conhecidas como Campys, que remetem aos primórdios do movimento, com aspectos mais exagerados, luxuosos, que exprimem suas performances com mais humor e descontração. Ainda existe as Top Drags, são profissionais especializadas nas performances como dublagem, dança, shows mais elaborados. Temos também as Drags Andróginas, que apresentam características tanto femininas quanto masculinas ao mesmo tempo. Há também as The Fish, literalmente peixe mesmo, que são Drag Queens que se assemelham e buscam apresentar características o 15 maispróximo possível da perfeição feminina, de forma não caricata, mais verossimilhante. O ser drag esta associado ao trabalho artístico, onde se tem uma elaboração de uma personagem performática de uma elaboração extravagante, caricata e luxuosa também. Através da montagem, os intérpretes/performistas transformam seus corpos rotulados de masculinos em outros corpos não segmentarizados pelo gênero ou sexo diferenciando assim dos demais, por tanto cada montagem é ritualizada de forma diversa, podendo assim dizer, se tornando uma tarefa um tanto quanto impossível de enquadrá-las em uma definição fechada. (SANTOS, C. C. dos. O Ser Drag e o Viver Queen: Estereótipos e Configuração do Artista Performático Em Maceió. 18º REDOR – Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher e Relações de Gênero. Recife. 2014.) Enfim, há uma vasta variedade de Drags, mas não vamos no ater em delimitar estereótipos as Drags Queens, entendamos que são artistas performáticos, que encarnam uma personagem, adquirindo e criando outra identidade para esta. Um artista que deve ter sua história observada em paralelo à história da arte, da sociedade, das artes e da cultura no mundo. A Drag Queen não é uma representação fidedigna da imagem da mulher, não é um modelo de corpo representativo da mulher, tão pouco representativo do homem, as Drag Queens não se encontram ou se encaixam em nenhum modelo estereotipado de gênero, sexo ou sexualidade. Apesar de suas identidades Queens adotarem nomes femininos, elas são avessas à sociedade heteronormativa. Donna Haraway (apud Csordas, 1994: 02) argumenta que “nem nossos corpos pessoais, nem nossos corpos sociais podem ser vistos como naturais, no sentido de existirem fora de um processo de auto-criação chamado trabalho humano (...), de modo que, enquanto traço da ideologia, o corpo natural universalizado é a base de ouro para o discurso social hegemônico”. As Drags conseguem transgredir a dicotomia do masculino e feminino tradicional, é um artista, que sua performance se da em qualquer corpo, se desvencilha da ideia que o corpo pertence a somente um gênero, transcende os limites da própria corporalidade. 16 3. IDENTIDADE Homem, ser social, e desenvolve sua identidade através da interação que mantém com o meio em que vive. A construção de uma identidade leva em consideração inúmeros fatores, desde cultura, experiências, como o indivíduo se porta diante de adversidades, alteração de ambiente, do físico, ou seja, engloba todo Bio-Psico-Social do individuo. O que buscaremos aqui é entender o processo de formação da identidade das Drag Queens, como este modela, até adquirir esta identidade. É importante diferenciarmos aqui também, os aspectos que diferem Drag Queens de Travestis, tendo em vista um abismo entre ambas as classificações. 3.1. IDENTIDADE, GÊNERO E ORIENTAÇÃO SEXUAL Mas antes de tudo entraremos em contato com a identificação de gênero e sua construção. Todo indivíduo é dotado de características que o fazem único, e algumas que o fazem comum perante a sociedade, algumas nos aproximam de uns e outras nos afastam de outros, dentre estas características podemos citar: raça, religião, classe social, local de nascimento, características físicas, entre tantas outras. Porém a característica mais determinística se trata do nosso sexo biológico, ou seja, homem, ou mulher, e assim a sociedade passa a nos distinguir e assim será entre a grande maioria de nossas escolhas, pautada por nosso sexo biológico, desde a escolha do brinquedo, da roupa da criança, até a escolha de nossa profissão. Isto está intrínseco na sociedade e nos passa a ideia de “natural”, logo, nascer homem ou mulher definirá o seu papel na sociedade, portanto, partindo deste preceito, a nossa identificação de gênero não é um fator puramente biológico, mas sim social. As definições de masculinidade e feminidade variam de acordo com a cultura que está inserida, logo, quando falarmos de homem e mulher, falamos de gênero e não de sexo. Sexo é biológico, gênero é social, construído pelas diferentes culturas. E o gênero vai além do sexo: O que importa, na definição do que é ser homem ou mulher, não são os cromossomos ou a conformação genital, mas a auto- 17 percepção e a forma como a pessoa se expressa socialmente. (GOMES JESUS, 2012, p. 8) A identidade de gênero é a menos compreendida pela sociedade, pois a mesma não trata de como nos relacionamos com o outro, e sim como nos percebemos e nos reconhecemos dentro dos modelos de gênero estabelecidos socialmente. Orientação sexual, por sua vez, se refere a como nos sentimos em relação à afetividade e a sexualidade (afetivossexual) por alguém de algum(ns) gênero(s). Não se trata exclusivamente de sexo, quando falamos de orientação, não falamos de opção, não é algo que se liga ou desliga, que se troque de acordo com a vontade do individuo. Existe muita confusão quando falamos de identidade de gênero e orientação sexual, não existe uma relação mútua entre ambas, elas podem coexistir, mas podem existir sem a presença da outra. Uma pessoa de sexo biológico feminino pode se enquadrar no gênero masculino e se sentir atraído exclusivamente por homens. Ele seria, então, um homem transexual gay. Podemos ver alguns exemplos na tabela abaixo: Tabela 1 - possibilidades existentes de orientação sexual e identidade de gênero: Sexo Biológico Gênero Psíquico Orientação Sexual Como Reconhecemos Mulher Feminino Bissexual Mulher Bissexual Mulher Feminino Heterossexual Mulher Heterossexual Mulher Feminino Homossexual Mulher Homossexual Mulher Feminino Assexual Mulher Assexual Mulher Masculino Bissexual Homem Bissexual Mulher Masculino Heterossexual Homem Heterossexual Mulher Masculino Homossexual Homem Homossexual Mulher Masculino Assexual Homem Assexual Homem Masculino Bissexual Homem Bissexual Homem Masculino Heterossexual Homem Heterossexual Homem Masculino Homossexual Homem Homossexual Homem Masculino Assexual Homem Assexual Homem Feminino Bissexual Mulher Bissexual Homem Feminino Heterossexual Mulher Heterossexual Homem Feminino Homossexual Mulher Homossexual Homem Feminino Assexual Mulher Assexual Fonte: http://www.plc122.com.br/ 18 Claro que não podemos tomar como absolutista as informações referentes a identidade de gênero da tabela acima, tendo em vista a identidade do individuo é mutável e flexível. Vejamos no modelo abaixo as representações de Identidade de Gênero, Expressão de Gênero, Sexo Biológico e Orientação Sexual: Figura 1 – O Biscoito Sexual Fonte: https://meuspequenosvenenos.wordpress.com/tag/identidade-de-genero/ Identidade de Gênero: É como você, na sua cabeça, se considera. É a química que te compõe (níveis hormonais) e como você interpreta o que isso significa. Expressão de Gênero: É como você demonstra seu gênero (baseada nos papéis tradicionais de cada gênero) através das formas que age, veste e se comporta e interage. Sexo Biológico: Referem-se a órgãos visíveis, hormônios e cromossomos. Mulher = vagina, ovários, cromossomos XX; Homem = pênis, testículos, cromossomos XY; Intersex = combinação dos dois. Orientação Sexual: Se reflete por quem você se atrai fisicamente, espiritualmente e emocionalmente, baseado no sexo/gênero da pessoa em relação a você. 19 3.2. DRAG QUEENS X TRAVESTIS É importante diferenciarmos Drag Queens de Travestis, sem exercer preconceito ou discriminação, mas sim baseado em uma diferenciação de identidade, meio que estão inseridos, entre outros fatores determinísticos. As Drag Queens possuem como fatores que traçam suas características,sendo como um ator transformista, performático, além de alternarem em seu cotidiano entre a identidade Drag Queen, e a identidade masculina, ou seja, o individuo pode exercer dois papéis na sociedade, um adepto ao transformismo e a caricatura a noite, e outro não afeito as mesmas durante o dia. Por outro lado as Travestis fazem uso de alterações físicas e hormonais na constituição de seus corpos femininos, como silicone, cabelo e outras características que transformam sua identidade física, e isso de maneira permanente. Drag Queens são artistas que fazem uso de feminilidade estereotipada e exacerbada em apresentações artísticas, se apresentam em casas de show, fazem uso de artes cênicas e interpretativas, dublam, cantam, dançam, um verdadeiro show. As Drag Queens transitam tanto no universo heterossexual, quanto no universo homossexual, tendo em vista suas performances artísticas, tendo uma maior aceitação social e cultural. Ressalta-se ainda a forma caricata que atribuem a suas personagens, e tem ainda conceitos de beleza, sedução e luxuosidade ligados a sua imagem. Por conta de todo ambiente que envolve o artista performático e transformista que é a Drag Queen, a mesma se vê saindo mundo a fora, se desprendendo do nicho LGBT que até então predominava, e conquistando mais espaços e voz, claro que com as devidas proporções, a se julgar pela sociedade heteronormativa em que vivemos. Em contrapartida, e podemos dizer no sentido inverso, temos a figura da Travesti, caracterizadas como ditos anteriormente pela transformação de seus corpos femininos são em sua totalidade vitimas de discriminação e preconceito, sendo excluídas da sociedade praticamente, sendo marginalizadas e associadas à prostituição. Esta última, muito ligada a dificuldade que uma travesti tem de empregar, de se colocar no mercado de trabalho, por mais bem qualificada que seja, 20 são excluídas das escolas, universidades e, portanto acabam vivendo a margem da sociedade e encontram na prostituição uma forma de ganhar a vida. Dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) mostram que a situação é preocupante, onde 90% das travestis estão se prostituindo no Brasil. Mas vale ressaltar que nem toda travesti atua como profissional do sexo. Outra questão a ser levantada, é que as travestis gostam de ser tratadas e adjetivadas pelo feminino, entende-se daí, que as travestis não se travestem, mas sim vivenciam plenamente os papéis de gênero feminino. 3.3. SE EU FOSSE VOCÊ, O MEU ALTER-EGO O homem que se veste com roupas femininas é algo muito recorrente em muitas culturas e sociedades ao longo da história da humanidade, seja por determinados costumes, cerimônias e festividades, mas nem sempre o mesmo está ligado à sexualidade em si. Como já vimos anteriormente, o homem que possui hábitos “femininos” não necessariamente está ligando sua conduta a sua orientação sexual. O “travestismo”, o ato de se “montar”, se “transformar” em uma mulher não tem nada a ver com o homossexualismo, é apenas um desvio, e não no sentido pejorativo da palavra. Existe todo um background para entendermos os porquês do individuo se travestir, a sexualidade é uma limitação extremamente violenta, tais reprimendas sociais possuem um caráter doutrinador e violento para alguns indivíduos. A percepção de que a gente pertence a um sexo significa não pertencer ao outro, o que de certa forma nos rouba uma parte da humanidade; O garoto proibido de fazer dança ou cursar uma faculdade de moda por ser coisa de menina; o rapaz que se fecha com os amigos para não parecer emotivo e afeminado; ou a pessoa trans que desenvolve transtornos psicológicos por temer a reação dos pais, todas essas são questões de gênero, que se inserem em uma lógica fundamentalmente machista e patriarcal de nossa sociedade. “Meu nome é Carlos; sou advogado de uma empresa importante em São Paulo até o entardecer das sextas-feiras. Nesses dias saio do escritório, tiro o terno e sou conhecido por Samantha [...] Quando sou Samantha chamo ao advogado Carlos de meu alter-ego [...] Samantha chega com força todas às sextas-feiras e quer ser vista e admirada [...] Carlos, que Samantha chama de seu alter-ego, leva uma vida normal para os padrões burgueses. Casado há quinze anos, tem três filhos e diariamente vai da casa para o 21 escritório, fazendo o percurso contrário no fim do dia, menos às sextas- feiras: aí é Samantha quem reina absoluta.” CARLOS. 4% dos homens gostam de se vestir de mulher; assumidos ou não. depoiment. 17 de out. 2015. UOL, Blog da Regina Navarro Lins. Entrevista concedida a Regina Navarro Lins. 3.4. A IDENTIDADE QUEEN Como parte central do trabalho, referente às Drag Queens, tentaremos entender um pouco a questão da construção da identidade das Drag Queens, como é criada, e como se da o nascimento da identidade Queen. Como sabemos o travestismo em forma de Drag Queen é o que é “aceito” pela sociedade com menor intensidade de preconceito, por conta de seu contexto cultural e artístico. Segundo Love (1992, apud. CARDOSO, 2005, p. 423), vestir-se de Drag Queen consiste em um dos modos sociais mais aceitos e menos agressivos de travestir-se para sociedade, uma vez que se faz necessária a participação de um público. Em sua maioria são homossexuais, que adotam uma personagem feminina elaborada, incorporando seus trejeitos e maneirismos como forma de manifestação crítica ou artística, com cunho de entretenimento lúdico ou profissional. A partir destas nuances, pretendemos entender como funciona o processo de construção e configuração da identidade que aqui chamaremos de Identidade Queen, que será baseada na Teoria Queer, e como é a relação entre o sujeito e a identidade Queen. A Teoria Queer se opõe ao movimento da heteronormatividade, o próprio termo em questão era utilizado nos estados unidos de forma pejorativa contra o público homossexual, transexual e todo e qualquer individuo que fugisse ao padrão cis-heterosexual. A Teoria Queer, propõe o questionamento dos pressupostos que se tem por verdade do que é ser masculino e feminino em sua essência. Para a Teoria Queer é preciso olhar para esses conceitos e tentar perceber que não se tratam de forma alguma de uma essência, ou mesmo, que não há uma ontologia do todo, mas, no máximo, uma relação de mediação cultural dos marcadores biológicos. VIEIRA, H. TEORIA QUEER, O QUE É ISSO?. Os Entendidos. Revista Fórum. 17 de jun. 2015. Esta Teoria concerne que o gênero não é uma verdade absolutamente biológica, mas um conglomerado de captura de informações sociais das subjetividades, ou seja, os indivíduos são o resultado de um constructo social e que, portanto, não existem papéis sexuais essencial ou biologicamente inscritos na 22 natureza humana, antes formas socialmente variáveis de desempenhar um ou vários papéis sexuais. O individuo é um ser em constante transformação possui muitas vontades, e muitos presentes, cada presente e momento são únicos e obedece ao seu interesse momentâneo. Buscar na infância os motivos para uma confusão de identidade de gênero seria para descobrir que não existe a essência sexual padronizada, que foge a cisgeneralização. Focault dizia que “o que se encontra no começo histórico das coisas não é a identidade ainda preservada da origem – é a discórdia, entre as coisas, é o disparate”. Steven Seidman, afirma que Queer seria o estudo “daqueles conhecimentos e daquelas práticas sociais que organizam a ‘sociedade’ como um todo, sexualizando – heterossexualizando ou homossexualizando – corpos, desejos atos, identidades, relações sociais, conhecimentos, instituições sociais e cultura”. Nas Drag Queens,a transgressão na prática da travestilidade se evidencia no deslocamento do gênero, a partir de uma experiência metamorfósica, uma vez que o binarismo do sexo é questionado pelas identidades multiformes. Na experiência do hibridismo, os sujeitos encontram na metamorfose dos seus corpos a oportunidade de se adequarem a seus desejos, assim como de denunciar a ilusão de corpos sexuados espontâneos, realçando a ideia de corpos fabricados. SANTOS, J. F. dos. Meu nome é “Híbrida”: Corpo, gênero e sexualidade na experiência Drag Queen. Revista Latinoamericana de Estudios sobre Cuerpos, Emociones y Sociedad. Argentina. nº 9. p. 65- 74. 2012. De forma mais ampla e conceitual, ser Drag Queen é realizar apresentações performáticas e artísticas de um gênero no corpo de um individuo de outro gênero, a partir de técnicas teatrais, desde maquiagem, figurinos, dialéticas no que tange ao platonismo, relacionando-se com aquele universo do gênero performado. Drag Queen é um individuo do sexo masculino representando uma identidade do sexo feminino. O corpo de uma Drag Queen constitui em meios de transgredir e confundir as fronteiras que delimitam o que é ser masculino e o que é ser feminino em toda sua experiência corpórea. Segundo Maluf, a passagem entre dois corpos culturais (2000. apud Vencato. 2002. p. 39) media o desejo de tornar-se outro, uma personagem, e encontra na teatralização do gênero a possibilidade de trânsito, um deslocamento de 23 uma vida social planejada no âmbito pré-discursivo em que opera a matriz heterossexual. Esse descolamento, esse movimento de transição de uma identidade para a outra é que permite ao individuo de se encontrar com suas subjetividades e se satisfazer com suas composições, e mantém esta justaposição em harmonia. Tanto a identidade Queen, quanto a sua identidade oposta, se transformam, uma relação quase que simbiótica, é um ser e estar em uma constante metamorfose de ser masculino e feminino ao mesmo tempo. A Drag Queen nos permite dialogar com os gêneros e questionar os padrões normativos presentes em questões de identidade. Segundo Fagner dos Santos, “a partir da experiência Drag Queen é encontrada na situação de “livre trânsito”, marcada pela efemeridade de um corpo plástico e performático, que remete a questionamentos de ordem política e social. Nesse sentido, ser Drag significa assumir uma pluralidade, não apenas de características relativas à aparência dos corpos, mas uma fluidez provocada por um corpo caracterizado pelo hibridismo, que adquire ressignificação no momento em que se localiza “entre fronteiras” de gênero”. 24 4. PRECONCEITO Preconceito, no sentido literal da palavra significa: ¹ qualquer opinião ou sentimento concebido sem exame crítico. ² sentimento hostil, assumindo em consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio; intolerância. Como sabemos as formas mais comuns de preconceito são as sociais, raciais, culturais e as sexuais. Como podemos ver, o preconceito é proveniente a um não conhecimento daquilo que causa estranheza ao individuo preconceituoso, a falta de informações é uma das principais causas. Com as Drag Queens não seria diferente, assim como todo e qualquer movimento que foge as normativas heterossexuais da nossa sociedade machista e patriarcal, são vitimas de preconceito, sem entendimento prévio. Como já vimos anteriormente, o movimento Drag Queen, começou por meio de atividades e performances artísticas, e por homens, até então prática vista somente como expressão artística, tendo em vista a não participação da mulher nas artes daquela época. O problema foi quando estas expressões começaram a ganhar as ruas, como forma de manifestações políticas e críticas quanto à sociedade da época, e prol aos direitos das mulheres, dos artistas e também dos homossexuais. 4.1. TUDO QUE É DIFERENTE INCOMODA O QUE É IGUAL Quando se trata sobre sexualidade, gênero, orientação sexual, temos uma infinidade de informações, porém, pouca abertura para discutirmos isso amplamente com a sociedade, criando assim um buraco negro na concepção de conceitos que vão contra a heteronormatividade. Sabemos que o ser humano, inserido em nossa sociedade atual tem seus preconceitos baseados unicamente em aparências e empatia, ou seja, somos visualmente estimulados a criar julgamentos com o que nos é diferente. Em nossa sociedade heterossexista, é criada uma atmosfera de opressão e inferiorização contra gays, lésbicas, transgêneros, etc. O preconceito relacionado às Drag Queens está ligado à homofobia, tendo em vista a falta de informação da sociedade quanto ao movimento Drag, ao nicho 25 que este está alocado, e em sua maioria serem homossexuais. E não poderíamos falar de Homofobia sem falarmos das consequências causadas por esta prática preconceituosa, e o individuo que sofre desta forma de opressão acaba internalizando noções negativas da sociedade em relação a sua homossexualidade, como por exemplo, segundo Sarmento e Ramos (2006. p. 2-4): 1. Negação da sua orientação sexual (do reconhecimento das suas atrações emocionais e sexuais) para si mesmo e perante os outros. 2. Tentativas de mudar a sua orientação sexual. 3. Sentir que nunca se é "suficientemente bom" (por vezes tendência para o "perfeccionismo"). 4. Pensamentos obsessivos e/ou comportamentos compulsivos. 5. Fraco sucesso escolar e/ou profissional; ou sucesso escolar e/ou profissional excepcional, como forma de ser aceite. 6. Desenvolvimento emocional e/ou cognitivo atrasado. 7. Baixa autoestima e imagem negativa do próprio corpo. 8. Desprezo pelos membros mais "assumidos" e "óbvios" da comunidade Gay, Lésbica, Bissexual e Transgêneros. 9. Desprezo por aqueles que ainda se encontram nas primeiras fases de assumir a sua homossexualidade. 10. Negação de que a homofobia /o heterossexismo /a bifobia /a transfobia /o sexismo são de fato problemas sociais sérios. 11. Desprezo por aqueles que não são como nós; e/ou desprezo por aqueles que se parecem conosco. 12. Projeção de preconceitos num outro grupo alvo (reforçado pelos preconceitos já existentes na sociedade). 13. Tornar-se psicológica ou fisicamente abusivo; ou permanecer num relacionamento abusivo. 14. Tentativas de passar por heterossexual, casando, por vezes, com alguém do sexo oposto para ganhar aprovação social ou na esperança de "se curar". 15. Crescente medo e afastamento de amigos e familiares. 16. Vergonha e/ou depressão; defensividade; raiva e/ou ressentimento. 17. Esforçar-se pouco ou abandonar a escola; faltar ao trabalho / fraca produtividade. 18. Controle contínuo dos seus comportamentos, maneirismos, crenças e ideias. 19. Fazer os outros rir através de mímicas exageradas dos estereótipos negativos da sociedade. 20. Desconfiança e crítica destrutiva a líderes da comunidade GLBT. 21. Relutância em estar ao pé ou em mostrar preocupação por crianças por medo de ser considerado "pedófilo". 22. Problemas com as autoridades. 23. Práticas sexuais não seguras e outros comportamentos destrutivos e de risco (incluindo riscos de gravidez e de ser infectado com HIV). 26 24. Separar sexo e amor e/ou medo de intimidade. Por vezes pouco ou nenhum desejo sexual e/ou celibato. 25. Abuso de substâncias (incluindo comida, álcool, drogas e outras). 26. Desejo, tentativa e concretização de suicídio. Ainda segundo Sarmento e Ramos (2006. p. 4), por não estarem dentro dos padrões heteronormativos da sociedade, os indivíduos não tem culpa de sofrerem tais violências e opressões negativas, devem trabalhar seus aspectos psicológicos paraeliminarem seus malefícios, tendo em vista que se trata de um processo longo de recuperação. O que muita gente não sabe é que o movimento Drag é um dos principais responsáveis pela luta dos direitos do movimento LGBT, sendo esta nomenclatura não abranger de forma legitima as Drag Queens, Transformistas e Crossdressers. No Brasil o preconceito já existente contra os homossexuais, se enaltece contra as Drag Queens por meio da confusão existente entre os preconceituosos, que não sabem, por exemplo, diferenciar uma Travesti de uma Drag Queen, não tem conhecimento de que pode sim existir uma Drag Queen sem que haja a homossexualidade, vendo seu trabalho artístico ligado à prostituição e a vulgaridade. Existe também o preconceito entre o próprio movimento LGBT contra as Drag Queens, que sugerem que as Drag Queens não caricatas querem se passar por mulheres sem assumirem seu travestismo, como no movimento LGBT existe muitas segmentações, e às vezes dentre as próprias pessoas do meio falta informações, isso acaba gerando certo preconceito. Claro que não podemos generalizar o preconceito existente na sociedade contra o movimento LGBT, temos sim certa aceitação maior com a Drag Queen por conta de sua veia artística, de suas apresentações performáticas e caricatas, e da abertura que as mesmas têm em mídias publicas, maior do que outras segmentações do movimento, muito por conta das questões da cultura pop que hoje valorizam mais os aspectos teatrais e de entretenimento das Drag Queens. Precisamos aceitar e desmistificar as diferenças, e elucida-las para sociedade, como forma de agir corretivamente e preventivamente no preconceito contra as diferentes formas de sexualidades, a informação é uma das principais armas a serem usadas 27 no combate ao julgamento sem prévio conhecimento e formação de opinião critica. O saber liberta. 5. O TRABALHO DAS DRAG QUEENS, O VIVER NO SALTO Como sabemos, o conceito de Drag Queen surgiu por meio de performances teatrais, pelo fato das mulheres sofrerem com o preconceito da sociedade com mulheres que viviam da arte. Por meio disso, até como uma forma de suprir a ausência da figura feminina, os homens se caracterizavam como personagens femininas. A partir daí esta forma de atuar, utilizando de forma caricata e artística os trejeitos femininos começou a tomar outros rumos além dos fins teatrais. Mas somente nas décadas de 70 e 80 ocorreria o “Boom Queen”, onde as Drag Queens dominaram as apresentações nas casas de shows, bares com uma vastidão de material, graças as grandes divas hollywoodianas e cantoras da música pop, entre elas Madonna, Cher, Marylin Monroe entre tantas outras grandiosas e lindas mulheres. Mas as Drag Queens não se contentaram apenas com suas apresentações em bares e casas de shows, mas também adentraram a casa do grande publico, por meio das rádios, TVs e a grande vitrine dos estados unidos época, a Broadway, onde grandes peças e musicais eram apresentados. E foi justamente nos anos 70 que esta versão a qual conhecemos de Drag Queens nasceu uma personagem cômica e caricata de Divas do Pop. Mas na virada para os anos 80, uma o movimento Drag teve um grande baque, foi quando a AIDS se apresentou para o mundo de forma devastadora, e tendo suas relações ligadas ao homossexualismo, acabou marginalizando as Drag Queens, afastando-as dos grandes centros do entretenimento, fazendo com que as Drag se tornassem algo de nicho, sendo encontradas fazendo shows apenas em Clubes Gays, casas de público restrito. Com a chegada dos anos 90 as Drag Queens voltam ao cenário pop, aos olhos do público, por meio de sua influência para a moda contemporânea da época, e por meio de artistas como Madonna, que espelhada nas modelos Drag Queens criou uma dança chamada Voguing, trazendo ao publico um pouco da cultura das Drag Queens. De volta ao grande cenário, as Drags adotam uma postura de trabalho voltado para o entretenimento, por meio do lipsyncs (dublar uma música de 28 alguma cantora do pop de forma verossimilhante e caricata), com o voguing, por meio de esquetes, sempre abordando o meio gay, de forma cômica, conceitual, levando ao público um pouco do que acontecia no universo gay. Essa nova caracterização foi tomando espaço, esses artistas tornaram-se profissionais com um potencial incrível, capazes de se montarem e desmontarem com facilidade. Seu trabalho está relacionado às artes cênicas e interpretativas: dublam, dançam e encenam. Elas começaram atuar não somente como um personagem no meio de uma historia já estabelecidas e sim, começaram a fazer suas próprias peças, sendo o foco da história, com um lado cômico, satírico e debochado. Também foram ganhando espaço com o passar do tempo e participando de eventos como casamentos, despedidas de solteiro, baladas, stand up, programas de TV, entre tantos outros meios de entretenimento, hoje a Drag Queen, é um show completo. 5.1. “DE DIA É MARIA, DE NOITE É JOÃO” OU NÃO! O que muita gente não tem conhecimento é que a Drag Queen não passa as 24hrs do dia travestido, como sabemos existe a questão da identidade Queen e seu alter-ego, e às vezes alguns indivíduos acabam adotando um papel heteronormativo a luz do sol, exercendo profissões que são avessas a ao travestismo da Drag Queen, ou seja, durante o dia são médicos, professores, comerciantes, mecânicos, etc., uma infinidade de possibilidades que o difere de sua identidade Queen. As Drag Queens fazem uma explícita manifestação do gênero feminino em suas personagens, mas no cotidiano mantêm-se masculinos. (CHIDIAC, M.T.V. e OLTRAMARI, L.C. Ser e Estar Drag: Um estudo sobre a configuração da identidade Queer. Estudos de Psicologia. 2004. p. 471- 478). E nem sempre a questão da identidade Queen está ligada ao homossexualismo, existe muitas Drags que são sim, heterossexuais, por mais que seja difícil e cheio de obstáculos para eles, até mesmo no meio Drag, onde o movimento está muito associado ao movimento gay. A identidade Queen nada tem a ver com a orientação sexual. “Eu trabalhava como torneiro mecânico, tinha feito curso nisso e morava com meus pais, tudo direitinho. Em 1994, vi na televisão um programa da Hebe Camargo com drags, e fiquei encantado! Uma delas, a Dimmy Kieer,me fascinou, fiquei com a imagem dela na cabeça! Até então, não tinha tido contato com nada da noite, nem com gays, muito menos com 29 Drag Queen. Eu tinha 19 anos, namorava mulher, não tinha a coisa de me achar gay, mas tinha uma vontade mental.” LYSA BOMBOM. "Chegou um momento que não dava mais pra mim...". depoiment. G Magazine. Ed. 57. Junho. 2002. Mas a transição do dia para noite não é nada fácil, exige muita dedicação e preparo, o mundo das Drag Queens é muito exigente e competitivo com as que buscam entrar para vida noturna a fim de seguir uma carreira como tal. As drag sempre buscam a metamorfose, isso é, se moldar de tal maneira que ninguém é capaz de reconhecer a sua identidade biológica. Elas sempre serão conhecidas e associadas a figuras que possuem uma vaidade enorme, roupas e maquiagens extravagantes. Elas buscam se "disfarçar" no palco e enfatizar o seu lado feminino e disfarçar o que não gosta (por meio de maquiagens, próteses, saltos altos). A transformação delas é um ritual muito demorado e que necessita de muito preparo. Essa transição costuma demorar de 2 a 3 horas (dependendo do propósito). Não é somente uma caracterização e sim uma arte. Uma arte que envolve mudança corporal, no modo de agir, nas gesticulações, no andar e ato de falar. “O aprendizado sobre a montagem, dos diversos códigos que formam a metamorfose e a performance drag, tudo é transmitido a partirdo contato com grupos e redes, que comumente recebem o nome de “família”. É comum nos projetos a presença de uma espécie de “madrinha”, que apresenta à afilhada os conceitos e métodos para as transformações, assim como a acompanha e orienta em suas próximas metamorfoses e ainda a introduz nas sociabilidades com outras drags.” SANTOS, J. F. dos. CARA, COROA E RAINHA: GÊNERO NO ESPELHO DAS DRAG QUEENS. Seminário Internacional Fazendo Gênero 10: Desafios Atuais dos Feminismos. Florianópolis. p. 4. 2013. 5.2. DRAG ALÉM DE CABELO TAMBÉM BATE PONTO Hoje em dia se tornou “comum” encontrarmos Drag Queens nas baladas, até mesmo nas ditas “Baladas Hétero”, e percebemos que há uma aceitação maior quanto ao real propósito de trabalho das Drag Queens, há muitas que ganham a vida com shows em casas noturnas, mas temos uma grande variedade de trabalho sendo exercidas pelas Drag Queens, existem Drags atuando na noite como DJs, Hostess, Relações Públicas, Modelos, Maquiadoras, Editoras de Moda, etc. Mas o foco das Drag Queens na noite continua sendo as apresentações performáticas. 30 Mas engana-se quem pensa que não existe profissionalismo entre as Drags, como diria João Paulo, blogueiro e estudante de Moda da FASM, “Não é só colocar um vestidinho de bandagem da irmã, o salto comprado no bazar e uma picumã de nylon roubada do manequim da C&A, ir pra boate e TRÁAA pensar que esta arrasando”. Assim como no mercado de trabalho heteronormativo, existe também muita exigência no mundo Gay, e das casas de show ao contratarem as Drags para realização de suas festas e shows. Existem cursos profissionalizantes de Drag Queens, e as pioneiras neste ramo foram duas Drag Queens paulistanas, Dindry Buck e Sissi Girl, que preocupadas com a crescente ascensão das Drags na noite, observaram o despreparo e a qualidade do entertainment oferecido. Portanto, as duas tiveram a ideia de ministrar cursos, palestras, workshops destinados ao público que procurava atuar como Drag Queens profissionalmente. “Hoje o campo de atuação é enorme, principalmente o empresarial. Mas para isso dar certo é preciso mudar o perfil da drag brasileira. Você tem que manter o humor, mas evitar palavrões. Tem que ter também português impecável, exemplifica Dindry, que é interpretada pelo ator Albert Roggenbuck”. Em entrevista a Iran Giusti, do site iGay, do portal IG, em 01 de Junho de 2013. Além de toda produção artística, como maquiagem, figurino, construção da personagem, o curso também visa a formação do cidadão como qualquer outro inserido na sociedade. O curso também ensina as Drags a se portarem perante inúmeras situações pertinentes ao trabalho em questão, como também a se relacionarem com o público, tanto pessoalmente, quanto nas mídias sociais, que é uma grande janela de oportunidades, como cita o Jornalista Eduardo Morais, um dos convidados em um workshop a discorrer sobre o mercado de trabalho das Drag Queens. “Nas redes sociais, é importante escolher um bom fotografo para tirar fotos e caprichar na maquiagem, a internet serve como vitrine do trabalho, então não é bom tirar foto no banheiro e divulgar, por exemplo”. Uma das Drags presente em um dos eventos, já atua na profissão há cerca de dois anos e meio, Yasmim Carraroh, criada por Paulo Jorge, 22, diz o curso a permite aperfeiçoar seu trabalho. “Ser drag é a minha profissão, a minha paixão [...] Estar aqui é me profissionalizar ainda mais”. 31 É importante ressaltar que o trabalho de Drag Queen é deve ser respeitado e tido como diferente e único de qualquer outro trabalho artístico, isso mesmo, diferente, pois conviver com o preconceito, com barreiras e obstáculos 24 horas por dia, sete dias por semana, não é trabalho para qualquer um, é preciso muito mais do que coragem para enfrentar as adversidades e dificuldades impostas por uma sociedade opressora e machista, é preciso de muito carão e força na peruca para não se deixar cair do salto 15 plataforma. 32 6. “SHANTAY, YOU STAY” (CONCLUSÃO) Os indivíduos que apresentamos fazem parte de uma mágica complexidade que envolve as relações de gênero, são homens, são mulheres, é masculino, é feminino, é muito mais do que tudo que a sociedade decidiu normatizar, é muito mais do que a dicotomia naturalizada dos seres binários. Aprendemos que Drag não se define com frases feitas, com conceitos padronizados, aprendemos que Drag é verbo, é sujeito, é protagonista de muitas histórias, com os mais variados enredos. Enriquecemos nossas vidas por conviver e testemunhar histórias únicas de seres múltiplos, que encaram todos os dias a desconfiança, a ignorância e a falta de compreensão de sua forma de viver, nada facetada. A forma de trabalhar a arte, em seu conceito mais global, que por meio de suas performances artísticas nos permite transitar junto a eles de toda uma multiplicidade de gêneros e possibilidades, rompe barreiras, confronta a sociedade e não impõe limites na construção de sua identidade. Drag Queens são realmente seres que nasceram para chamar atenção, brilhar, impor sua exuberância, atrair olhares desconfiados, assim, dessa forma encontra-se a única opinião que não diverge, que salta aos olhos e estampa sorrisos, a de que as Drag Queens nasceram para trazer mais colorido a este mundo cinza, opaco e sem brilho. Sendo assim, para o preconceito e a intolerância dizemos: “Sashay Away!”3. E se você faz parte do nosso clube, de pensamentos menos uniformes, opiniões pluralizadas e acima de tudo, que respeita as diversidades, então Bee, pra você dizemos: “Shantay, You Stay!”4. 3 Sashay Away: expressão dita por RuPaul ao eliminar uma candidata de RuPaul’s Drag Race. 4 Shantay, You Stay: frase que RuPaul diz à candidata salva da eliminação. 33 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS JAYME, G. J. Travestis, Transformistas, Drag Queens, Transexuais: Pensando a construção de gêneros e identidades na sociedade contemporânea. 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