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Direitos Humanos ??????????? Direitos Humanos Organizado por Universidade Luterana do Brasil Universidade Luterana do Brasil – ULBRA Canoas, RS 2016 Sérgio Roberto de Abreu Honor de Almeida Neto Luiz Felipe Zago Deivison Moacir Cezar Campos Douglas Marques Felipe Leão Mianes Jorge Trindade Conselho Editorial EAD Andréa de Azevedo Eick Ângela da Rocha Rolla Astomiro Romais Claudiane Ramos Furtado Dóris Gedrat Honor de Almeida Neto Maria Cleidia Klein Oliveira Maria Lizete Schneider Luiz Carlos Specht Filho Vinicius Martins Flores Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem prévia autorização da ULBRA. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal. ISBN: 978-85-5639-135-3 Dados técnicos do livro Diagramação: Marcelo Ferreira Revisão: Igor Campos Dutra, Marcela Machado 302 Prezado estudante, seja muito bem-vindo à disciplina de Direitos Huma-nos. A partir de sua leitura e de sua interação com os textos e atividades aqui propostas, você terá uma oportunidade ímpar de construir seu próprio conhecimento sobre essa temática. Conhecimento e não opinião, pois o conhecimento é construído a partir de outras bases, que vão lhe permitir estabelecer rupturas com o senso comum, tão nefasto à discussão e ao posicionamento que grande parte das pessoas no Brasil e no mundo tem hoje sobre o tema. Daqui em diante, você terá contato com um conteúdo e uma forma de abordagem sobre os Direitos Humanos construídos a partir de estratégias e de características que distinguem o campo científico, lugar por excelência da Universidade e locus privilegiado para a instauração do habitus científi- co. Você estará diante de textos e de análises que problematizam a temáti- ca a partir de pesquisas científicas, embasadas em teorias e em conceitos. Para fins didáticos e operacionais, a disciplina está subdividida em 10 capítulos que, embora autônomos, guardam necessária articulação entre eles, pois a temática dos Direitos Humanos é complexa e exige uma abor- dagem multidisciplinar que dê conta de sua complexidade. De comum a todos os capítulos, chamo a atenção para o fato de que seus autores são em última análise, professores, pesquisadores e garantidores de Direitos Humanos que compreendem a importância histórica e contemporânea da defesa de direitos como algo que nos distingue como seres humanos e, sobretudo, como seres sociais. O primeiro capítulo trata de forma abrangente o sistema internacional de proteção dos direitos humanos, a partir de uma visão ampla do pro- cesso de desenvolvimento deste tema e um breve retrospecto histórico de Apresentação Apresentação v sua evolução desde a antiguidade à Revolução Francesa, com a positiva- ção dos direitos individuais e políticos. No segundo capítulo, a abordagem passa para o seu enfoque interno, ou seja, os Direitos Humanos no regime constitucional brasileiro. A forma como o Brasil tem, nos últimos tempos, se aliado à evolução internacional ao ratificar tratados internacionais e trazer essas normativas para os direitos já estabelecidos na Constituição de 1988. O Capítulo 3 chama a atenção para a relação indissociável entre Di- reitos Humanos e Direitos da Infância, ao propor uma discussão conceitual sobre infância, situando-a historicamente e problematizando a forma de formar crianças e adolescentes a partir do surgimento de novas tecnolo- gias, novas formas de mediação social. Também traz uma discussão sobre a temática do trabalho infantil e apresenta a Declaração Universal dos Direitos Humanos e sua aplicabilidade hoje. No Capítulo 4, a disciplina apresenta um breve histórico da constituição dos movimentos feministas, suas reivindicações políticas e sociais e suas contribuições teóricas para a produção de conhecimento no Ocidente. Também o Capítulo 5 objetiva fazer uma breve retomada histórica da constituição dos movimentos sociais que reivindicaram (e ainda reivindicam) a inserção das identidades sexuais nas discussões sobre Direitos Humanos. Para isso, propõe diferenciar as políticas de gênero, tratadas no capítulo anterior, das políticas de identida- des sexuais. O Capítulo 6 versa sobre a busca pela cidadania plena que tem pautado as reivindicações dos movimentos sociais negros nas últimas décadas no Brasil, principalmente no que se refere ao acesso aos direitos e serviços básicos. Do ponto de vista estratégico, como forma de subverter o senso comum que permeia essa discussão, o autor enfatiza que, apesar das garantias constitucionais, o processo de conquista da cidadania passa pela derrubada de estereótipos, herdados do imaginário escravista que perpetua os racismos e, ainda, pela superação de uma organização social em torno do conceito de branquitude. O Capítulo 7 objetiva propor o debate sobre a relação dos princípios dos Direitos Humanos e os objetivos do Sistema Único de Assistência So- cial (SUAS). Apresenta alguns marcos regulatórios e diretrizes fundantes do vi Apresentação SUAS e relaciona o debate dos Direitos Humanos com objetivos que funda- mentam sua implantação. Já no Capítulo 8, o autor discute a temática da acessibilidade e sua importância recente na sociedade ocidental. Aponta os motivos e bases para a emergência desse tema associados à constitui- ção de direitos individuais e coletivos, e os avanços e limites na inclusão social de pessoas com algum tipo de limitação física e/ou sensorial. O Capítulo 9 discute um dos principais pontos nevrálgicos dos Direitos Humanos que é o Sistema Prisional. Aponta para a completa inadequação do sistema prisional brasileiro e sua incapacidade de atender às finali- dades de reeducação e ressocialização do apenado, evidenciando-se um processo histórico de desprezo pela pessoa do preso e de banalização das desigualdades sociais. Por fim, o Capítulo 10 traz um inventário das posições teóricas e políticas que orientam as ações, intervenções e quadros conceituais das correntes hegemônicas dos Direitos Humanos e apresenta correntes “contra-hegemônicas” desse processo. Aponta para a complexifi- cação das relações entre humanidade, poder, discriminação e morte. Além das implicações éticas dessas correntes e a incongruência entre a banaliza- ção do sentido da vida de alguns grupos de indivíduos em relação à ideia de humanidade de outros, altamente valorizada. A todos vocês, desejo um ótimo estudo e o melhor uso possível desse conhecimento. Prof. Dr. Honor de Almeida Neto Coordenador do CST em Gestão Pública EAD 1 História e Legislação Internacional dos Direitos Humanos .....1 2 História e Legislação Nacional dos Direitos Humanos ..........49 3 Infância e Direitos Humanos ...............................................84 4 Políticas de Gênero e Direitos Humanos ............................120 5 Políticas de Identidade Sexual e Direitos Humanos ............142 6 Cidadania dos Negros como Devir: Avanços e Conquistas de Direitos Humanos ......................................170 7 Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e Direitos Humanos..........................................................................195 8 Acessibilidade e Direitos Humanos: Entre Barreiras Físicas e Atitudinais...........................................................217 9 Sistema Prisional, População Privada de Liberdade e Direitos Humanos .............................................................236 10 Correntes Contra-hegemônicas em Direitos Humanos ......259 Sumário Capítulo 1 Prof. Me. Sérgio Roberto de Abreu1 História e Legislação Internacional dos Direitos Humanos1 Professor do Curso de Direito da ULBRA, Campi de Canoas, Guaíba e Torres, nas disciplinas de Direito Constitucional, Internacional e Administrativo. Mestre em Direito Público pela PUCRS e Doutorando em Direito e Estudos Internacionais na Universidade de Barcelona. 2 Direitos Humanos Como originário de um país em desenvolvimento cuja população, tanto a autóctone como a procedente de dis- tintas partes do mundo, enfrenta dificuldades no desen- volvimento e na construção da nação, estou plenamente consciente de que, no trabalho de prevenção de viola- ções flagrantes dos direitos humanos, deve-se urgente- mente prestar atenção aos problemas de indigência, da desigualdade, da falta de dignidade e da falta de segu- rança. A Declaração das Nações Unidas sobre o direito ao desenvolvimento foi proclamada com o propósito de assinalar à comunidade internacional, como afirma o Art. 28 da Declaração Universal de Direitos Humanos, a necessidade de se estabelecer uma ordem social e inter- nacional em que os direitos proclamados na Declaração se tornem efetivos. Sérgio Vieira de Mello (2004, p. 161). (Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Hu- manos, morto no Iraque em 19 de agosto 2003). Introdução O presente capítulo trata de forma abrangente do sistema in- ternacional de proteção dos direitos humanos. O tema dos direito humanos tem acompanhado a agenda da humanidade na busca de sua proteção contra as violações ocasionadas pelo próprio processo de desenvolvimento social e econômico. Não são poucas as experiências vivenciadas Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 3 nessa trajetória, tendo desde as violações praticadas durante a segunda guerra mundial, como as questões mais recentes que envolvem as migrações, a tortura, discriminações étnico- -raciais e de gênero, violência urbana e rural, desrespeito às chamadas minorias, entre outras. Para termos uma visão ampla do processo de desenvolvi- mento desse tema, abordaremos através de um breve retros- pecto histórico sua evolução com apontamentos na antiguida- de, especificamente, no ambiente grego e romano, passando pelas Declarações liberais do século XVIII, referindo-se à Ingla- terra, Estados Unidos e à Revolução Francesa, construtores da positivação dos direitos individuais e políticos. Posteriormente, estudaremos a internacionalização da pro- teção dos direitos humanos através da criação da Organiza- ção das Nações Unidas e do sistema internacional dos direitos humanos, com a carta de direitos humanos. E, por fim, o sis- tema interamericano de direitos humanos, através da Conven- ção Interamericana de Direitos Humanos e da estrutura por ela desenvolvida com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Dessa forma, faremos um acompanhamento identificando a ampliação do leque de direitos protetores da dignidade da pessoa humana, nos direitos individuais e políticos, nos direi- tos sociais, econômicos e culturais, nos direitos coletivos e di- fusos, e nos direitos das futuras gerações. Finalizando, destacaremos a definição dos direitos huma- nos. Bons estudos! 4 Direitos Humanos 1 Um breve retrospecto da evolução dos direitos humanos Os direitos humanos é um dos temas mais importantes para o estudo, reflexão e desenvolvimento na atualidade. Tem sido pauta desde a antiguidade, passando por todas as fases histó- ricas, e se projeta para o futuro. Ou seja, não se esgota nem se limita. Sua extensão se define a cada momento, através da luta permanente do homem em defesa da sua dignidade dian- te da sua própria evolução. Como destaca TRUYOL Y SERRA (1994, p. 11) falar de direitos humanos significa afirmar que existem direitos funda- mentais que o homem possui pelo fato de ser homem, que decorre de sua natureza e dignidade. Esses direitos são ineren- tes a ele e longe de ser uma concessão da sociedade política, devem ser por ela consagrados e garantidos. Ao estudarmos os direitos humanos, temos que ter presente o fato de que, na sua trajetória histórica, a consciência clara e universal de tais direitos é própria dos tempos modernos. No mundo antigo, os direitos humanos devem ser entendidos diferentemente do que o compreendemos na atualidade, onde a autodeterminação dos povos no âmbito internacional e a democracia como sistema político interno são fundamentais. Não há direitos humanos sem democracia. Assim, na antigui- dade, apresentam-se de forma restringida e em um esforça- do desenvolvimento da consolidação da dignidade humana. Nesse sentido, veremos, inicialmente, os aspectos básicos da Grécia Antiga e do período romano. Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 5 Na Grécia antiga, destaca-se a concepção do humanismo e da inteligência racional. Desenvolveram a concepção de li- berdade política, como o hábito de viver de acordo com as leis da polis. Na polis, participavam dos assuntos de forma direta através da democracia, não delegando o poder. Essa parti- cipação era limitada aos cidadãos gregos, ou seja, àqueles que descendiam de pai que detinha cidadania grega. As mu- lheres, os estrangeiros residentes e os escravos não participa- vam da democracia grega. Tinham uma atividade colonialista e empregavam habitualmente a tortura como método político e judicial. O vencido geralmente era torturado, e nas dispu- tas políticas e judiciais também se torturava, considerando-se esse método legítimo. Aristóteles, na Retórica, relaciona como meios de provas as leis, as testemunhas, as convenções e a tortura. Os cidadãos gregos tinham imunidade total e sagra- da, só podendo ser condenados com o juízo de um Tribunal. Assim, praticavam, em síntese, um critério estrito de proteção dos direitos humanos, limitado à participação na polis e isen- tos de generalidade e universalidade. No entanto, o descobri- mento da razão, o império da lei e a liberdade política foram passos importantes para o desenvolvimento futuro dos direitos humanos (TRAVIESO, 2005). Já em Roma, um conceito importante foi aportado: o di- reito como ferramenta institucional aliado ao novo sentido de civilidade. Havia escravidão, e a tortura era admitida e insti- tucionalizada, tornando-se, mais tarde, um legado transpor- tado para a Idade Média. Havia desigualdade e discrimina- ção em relação aos plebeus, diante de grupos privilegiados (os patrícios). O direito romano sempre manteve esse tom de desigualdade, vindo a ser atenuado com o ius civile, dirigi- 6 Direitos Humanos do às relações jurídicas entre pessoas de mesmo status so- cial e político. Os plebeus foram conquistando seus direitos de igualdade com os patrícios. Primeiro reclamaram uma lei garantindo a repartição equiparada das terras confiscadas nas guerras. Segundo, a ação foi a da positivação de direitos, re- alizada através da Lei das Doze Tábuas (449, a.C.). Depois, a liberdade de matrimônio sem discriminações e a igualdade civil, política e religiosa, através do acesso ao Consulado e ao Pontificado. O aporte para o desenvolvimento dos direitos humanos foi a técnica jurídica para sua proteção através de um direito modelado com as regras estoicas dos gregos com os enfoques pragmáticos de Cícero, Sêneca e Marco Aurélio, que serviram de transformação de conceitos por meio do cris- tianismo (TRAVIESO, 2005). Saltando no tempo, já na Inglaterra do século XIII, o Rei João Sem-Terra edita a Carta Magna em 1215, inaugurando o início da monarquia constitucional inglesa e servindo de ins- piração para as futuras declarações de direitos, como A Carta de Direitos Americana (Bill of Rights) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Entre seus dispositivos, destaca-se a cláusula nº 39: “Nenhum homem livre será preso, encarce- rado ou privado de uma propriedade, outornado fora da lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra”. Seguem a Petição de Direitos, em 1628, a Lei do Habeas Corpus de 1679 e a Declaração de Direitos da Inglaterra (Bill of Rights, 1689), reportando um avanço prolongado e significativo na li- mitação do poder do Rei e na promoção de direitos individuais (CASTILHO, 2010). Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 7 A crença de que os homens são dotados de direitos inalie- náveis, entre eles a vida e a liberdade, levaram ao processo de independência e formação dos Estados Unidos, tendo impulso a partir da Declaração dos Direitos de Virgínia, de 12 de junho de 1776, momentos antes da Independência Americana, que afirmava os princípios básicos da igualdade de todos perante a lei, de direito políticos, direitos perante a justiça, controle da autoridade, dentre outros. A Constituição Americana (1789) acrescidas das dez emendas inaugurais (Bill of Rights dos EUA, 1791), onde são assegurados os direitos básicos dos cidadãos perante poder do Estado, permeada pela concepção do liberalismo, trás a afirmação dos direitos individuais e políticos, que será reafir- mado mais à frente na Revolução Francesa. Fruto da tomada da Bastilha, a Assembleia Nacional Cons- tituinte francesa aprovou em 26 de agosto de 1789 a De- claração dos Direitos do Homem e do Cidadão. A liberda- de, igualdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão são direitos imprescritíveis e devem ser conservados pelo Estado. Afirma, ainda, os seguintes direitos básicos: que a liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique a outrem; que a lei é a expressão da vontade geral; todo o cidadão tem direitos políticos; é assegurado um conjunto de direitos perante a justiça, como o princípio da presunção da inocência; liberdade de pensamento e opiniões; liberdade re- ligiosa, entre outros. Assim, as chamadas Revoluções Liberais produziram a afirmação do conjunto de direitos individuais e políticos, garantindo aqueles que protegem ao indivíduo e sua relação frente ao poder do Estado (CASTILHO, 2010). 8 Direitos Humanos Já na virada do século XIX para o século XX, experimenta-se uma inovação na concepção dos direitos humanos. Parte-se da concepção liberal estruturada nos direitos individuais para a visão do homem inserido em uma sociedade e necessitado de recursos básicos para sua afirmação e desenvolvimento. Diante do quadro de contradições do Estado Liberal (Estado Mínimo), do capitalismo e a Revolução Industrial acompa- nhada de uma corrida tecnológica cada vez mais dinâmica, decorrem o surgimento do socialismo que se converte em fe- nômeno mundial e levou ao desenvolvimento dos movimentos de trabalhadores, do sindicalismo e dos partidos de esquerda. A República de Weimar (Alemanha), a Constituição Mexica- na de 1917, a Constituição Russa de 1917, a espanhola de 1931 e o Welfare State americano trazem a proteção amplia- da dos direitos humanos, agora abrangendo os direitos so- ciais, econômicos e culturais. Em 1919, surge a Organização Internacional do Trabalho, buscando a regulação dos direitos trabalhistas e a repressão à exploração do trabalho a nível transnacional (LIESA, 2013). Após esse rápido retrospecto, vamos destacar os principais pontos referentes aos direitos humanos contemporâneos, a partir da análise do sistema internacional, que com o surgi- mento da Organização das Nações Unidas, impulsiona um novo campo do Direito Internacional: o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 9 2 A Organização das Nações Unidas e a Internacionalização da Proteção aos Direitos Humanos A evolução dos direitos humanos toma impulso com a guina- da histórica presenciada pela humanidade no século XX, de- vido aos graves efeitos e de difícil cicatrização, resultantes das guerras mundiais, como as práticas genocidas, em especial, do holocausto. O alto poder de destruição, além dos próprios atos de guerra, com a ascensão ao poder de Hitler e, aliado à ameaça do potencial de destruição em massa, executado concretamente e mortalmente com o uso de bombas atômicas no Japão (Hiroshima e Nagasaki, 1945), faz surgir uma nova reflexão sobre os destinos da humanidade. Conjugar os interesses da soberania e interesses egoísti- cos dos Estados, frente aos rumos da dominação mundial, de- pois demonstrados pela imprevisível denominada Guerra Fria, onde se descortinou uma corrida pela dominação política e de mercado das nações, foi o ponto inolvidável para a construção de um sistema internacional, que objetivasse reunir os Estados na busca de soluções pacíficas para os inevitáveis conflitos fu- turos, fruto da própria independência do homem e, por assim dizer, dos Estados. Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos, foi o primoroso arquiteto da condução da política estaduni- dense durante a segunda guerra mundial, transformando-se em um dos principais articuladores da construção de uma 10 Direitos Humanos nova ordem pós-guerra, com Churchill (Inglaterra) e Stalin (ex- -União Soviética). Após o período de preparação, que se estendeu a partir da constituição da aliança de países que lutavam contra o Eixo (Alemanha e Itália), consolidou-se a ideia da criação de uma organização internacional durante a Conferência de Moscou, em 1943, tomando novo impulso na Conferência de Teerã, em dezembro de 1943. O encontro de Dumbarton Oaks (mansão situada em um bairro de Washington), em 1944, foi dedicado à constituição da nova organização, tendo como ênfase a ideia de segu- rança, expressa pela ação dominante das grandes potências. De fato, esse encontro foi realizado em duas fases, sendo a primeira, de 21 de agosto a 28 de setembro de 1944 e reu- nindo os Estados Unidos, a Inglaterra e a ex-União Soviética; a segunda, de 29 de setembro a 07 de outubro de 1944, teve a participação da China, dos Estados Unidos e da Inglaterra. A Carta das Nações Unidas, para Roosevelt, deveria ser assinada em abril de 1945, em São Francisco, Califórnia, no entanto, ele veio a falecer no dia 12 desse mesmo mês. Seu projeto, contudo, tem continuidade com seu sucessor Harry Truman. A Conferência de São Francisco realiza-se, então, no período de 25 de abril a 26 de junho de 1945. Da Conferên- cia das Nações Unidas para a Organização Internacional, de- nominação oficial do evento, frutificou a Carta da ONU, que, aprovada em 26 de junho, veio a entrar em vigor no dia 24 de outubro do mesmo ano. A carta, então resultante, não foi uma Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 11 mera reprodução dos debates e ideias decididas em Dubarton Oaks. Com a participação e esforço de inúmeros outros Esta- dos, de menor ou mediana expressão no contexto político in- ternacional, introduziram-se modificações que ultrapassaram o forte eixo da segurança e manutenção da paz, até então presentes. Não se alterou a decisão dos Grandes Países sobre o Conselho de Segurança, mas foi possível, noutra vertente, tonalizar a Carta com maior ênfase na cooperação interna- cional em matérias econômicas e sociais e, especialmente, na proclamação do respeito universal aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, sem qualquer distinção por motivos de raça, sexo, idioma ou religião (Preâmbulo e Arts. 1.3, 13.1, 55, c), 56, 62.2, 68 e 76). Também, firmou a Carta, o princí- pio da igualdade e livre determinação dos povos (Preâmbulo e Arts. 1, 2 e 55), e a internacionalização do regime político de todos os territórios coloniais (Arts. 73 e 74). O Brasil foi signatário fundador e a ratificou nessa mesma data. Inicialmente,51 países foram os signatários originais, tendo hoje a participação de 193 países. Integra a Carta das Nações Unidas o Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Com a efetivação da ONU, como corolário desse proces- so, tendo os direitos humanos como objetivo de promoção da convivência humana, decorre a elaboração e adoção de uma série de tratados internacionais destinados à proteção dos di- reitos humanos que vem a estruturar o campo do Direito In- ternacional dos Direitos Humanos, iniciando-se com a própria Carta da ONU e na sequência a Declaração Universal dos Direitos Humanos. 12 Direitos Humanos 2.1 Sistemas Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos Visualiza-se, assim, na esteira de seu desenvolvimento, a cons- trução de dois sistemas de proteção. Um, no plano universal, através da criação da Organização das Nações Unidas, com aplicação a todo o planeta; e outro, dirigido às questões re- gionais, com jurisdição a determinados continentes, como o Sistema Europeu de Direitos Humanos, o Sistema Interame- ricano e o Sistema Africano. Na sequência, segue o estudo focado no sistema universal e regional interamericano. 2.2 O Sistema Universal de Proteção dos Direitos Humanos A ONU foi criada tendo como objetivos a promoção da co- operação internacional para a solução de problemas interna- cionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário e o desenvolvimento e estímulo do respeito aos direitos huma- nos e às liberdades fundamentais de todos, conforme Art. 1.3 da Carta das Nações Unidas. Nesse ponto, discorre-se sobre a estrutura e funções atinentes a cada órgão, dando ênfase aos integrantes do sistema de proteção de direitos humanos. Estruturalmente, a ONU possui seis órgãos, assim defini- dos na Carta constitutiva: Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e Social (ECOSOC), o Conselho de Tutela (Consejo de administración Fiduciária), a Corte Internacional de Justiça (CIT) e o Secretariado. Por ser mais adstrita a este estudo, aborda-se, a seguir, alguns as- pectos principais e caracterizadores da Assembleia Geral, do Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 13 Conselho de Segurança, do Conselho Econômico e Social e da Corte Internacional de Justiça. Não são mencionados a Secretaria e o Conselho de Tutela, por deverem ser submetidos à literatura específica. A Assembleia Geral é o principal órgão de deliberação, composta por todos os membros das Nações Unidas. Sua fun- ção é a de discussão sobre quaisquer questões ou assuntos que estejam previstos na Carta inaugural e em relação aos ór- gãos nela previstos como, dentre outros: fazer recomendações sobre os princípios gerais de cooperação na manutenção da paz e da segurança internacionais, ajudar a efetivar os direi- tos humanos e as liberdades fundamentais de todos, fomentar a cooperação internacional nos terrenos econômico, social, cultural, educacional e sanitário; recomendar a adoção de so- luções pacíficas, diante de qualquer situação, independente de sua origem, que possa ser prejudicial às relações amistosas entre as Nações. A Assembleia Geral possui órgãos subsidiários, no qual se destaca o Conselho de Direitos Humanos. Tem como princi- pal responsabilidade a manutenção da paz e da segurança internacional. É composto por quinze membros, sendo cinco permanentes (China, Federação Russa, França, Reino Unido – Grã-Bretanha e Irlanda do Norte – e Estados Unidos da Amé- rica), e dez membros não permanentes, que são eleitos pela Assembleia Geral para um período de dois anos. No campo da cooperação internacional econômica e so- cial, está adstrita a incumbência de promover o respeito uni- versal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais de 14 Direitos Humanos todos, sem qualquer forma de discriminação por motivos de raça, sexo, idioma ou religião e, por fim, a efetividade de tais direitos e liberdades. A Carta estabelece, aqui, o princípio da universalização dos direitos humanos comprometendo to- dos os Estados membros a adotarem medidas conjuntas ou separadamente para a realização dos propósitos ali definidos. Esse é o papel primordial da ONU. Seguindo na esteira da análise dos órgãos integrantes da ONU, focalizam-se agora os diretamente incumbidos de pro- mover e proteger os direitos humanos. É bem verdade que a partir dos princípios esculpidos na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, dois instru- mentos inaugurais da internacionalização moderna dos direi- tos humanos, todos os órgão e integrantes do sistema das Na- ções Unidas, como ensina LEWANDOWSKI, sob um ponto de vista abrangente, estão comprometidos com a sua promoção e defesa, embora voltados para outras atividades. Inúmeros órgãos atuam nessa área como, por exemplo, a Organização Mundial da saúde (OMS), Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Organiza- ção Internacional do Trabalho (OIT), Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), apenas para citar. O Conselho de Direitos Humanos foi estabelecido como órgão subsidiário da Assembléia Geral, fixando sua sede em Genebra. É integrado por quarenta e sete Estados membros, eleitos de forma direta e individual por maioria dos membros da Assembléia Geral, para um mandato de três anos, não sendo possível a reeleição. Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 15 A principal função, atribuída ao Conselho pela Assem- bleia Geral é a de ser responsável pela promoção ao respei- to universal, pela proteção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais de todas as pessoas, sem distinção de nenhum tipo e de uma maneira justa e equitativa. Dedica, também, a tarefa de agir diante das situações de violações dos direitos humanos, sejam elas graves ou sistemáticas, fazendo recomendações sobre tais fatos. Deverá, ainda, promover a coordenação eficaz e a incorporação dos direitos humanos em toda atividade geral do sistema das Nações Unidas. O Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos surge, nesse contexto, através da Res. nº 48/141, aprovada pela Assembleia Geral, em sessão realizada no dia 07 de janeiro de 1994. É como esclarece BUERGENTHAL, “um funcionário das Nações Unidas com a principal responsa- bilidade nas atividades da ONU em matéria dos direitos huma- nos, sob a direção e responsabilidade do Secretário-Geral”. O Alto Comissariado é um escritório integrante do Secretariado. O posto de Alto-Comissariado para os Direitos Humanos é ocupado por um período de quatro anos, podendo ser reno- vado por igual período, nomeado pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, sob aprovação da Assembleia Geral. Como marco conceitual, deve guiar-se pelo reconhecimento de que todos os direitos humanos – civis, culturais, econômicos, polí- ticos e sociais – são universais, indivisíveis, interdependentes e estão relacionados entre si. BUERGENTHAL destaca que, entre as funções atribuídas ao Alto-Comissariado, a principal delas está prevista no parágrafo 4(f): eliminar os atuais obstáculos e fazer frente aos desafios para a plena realização dos direitos humanos. 16 Direitos Humanos Destaca-se, na busca desse desiderato, a atuação relevada do brasileiro Sérgio Vieira de Mello, que foi alçado ao posto de Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Huma- nos, em 12 de setembro de 2002, e que, em 19 de agosto de 2003, veio a falecer, vítima de atentado terrorista em Bagdá, quando uma bomba explodiu no prédio do antigo Hotel Ca- nal, sede do escritório das Nações Unidas. Nesse local, encontrava-se como representante oficial do Secretário-Geral da ONU, justamente para buscar caminhos de pacificação, diante da ocupação militar dos Estado Unidos no Iraque e, assim, restabelecero respeito aos direitos funda- mentais dos cidadãos iraquianos. Como registra a entrevista concedida ao jornalista Jamil Chade, da Agência Estado, pu- blicada no Brasil no jornal O Estado de São Paulo, edição de 17 de agosto de 2003, ou seja, dois dias antes de sua morte, Sérgio Vieira de Mello enfatizava o seguinte comentário: “Este deve ser um dos períodos mais humilhantes da história desse povo [iraquiano]. Quem gostaria de ver seu país ocupado? Eu não gostaria de ver tanques estrangeiros em Copacabana”. Por fim, recentemente, foi incorporado ao sistema interna- cional o Tribunal Penal Internacional (TPI), criado pelo Estatuto de Roma, aprovado em 17 de julho de 1998, entrando em vigor em 01 de julho de 2002. O Brasil assinou o Estatuto so- mente em 07 de fevereiro de 2000, vindo a ser ratificado pelo Dec. Leg. nº 112, de 06 de junho de 2002 e promulgado pelo Dec. Fed. nº 4.388, de 25 de setembro de 2002. O TPI, de acordo com o seu Estatuto, é uma instituição permanente e está revestido de jurisdição sobre as pessoas Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 17 responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional e tem atuação complementar às jurisdições pe- nais nacionais. Está sediado na cidade de Haia, Holanda, po- dendo, quando for conveniente, funcionar em outro local. Sua competência restringe-se aos crimes de natureza mais grave, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto, como os elencados no Art. 5º: crime de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão. As Nações Unidas, no seu aspecto estrutural e procedimen- tal, é um tema amplo, o que demandaria um aprofundamento inapropriado, neste momento posto o objetivo deste estudo. Dessa forma, passamos para a outra face das Nações Unidas, desta vez, sob seu viés material-normativo. 2.3 O nascimento do sistema contemporâneo: A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 Como assinala BOBBIO “A Declaração Universal dos Direitos do Homem pode ser acolhida como a maior prova histórica até hoje dada do consensus omnium gentium sobre um determina- do sistema de valores”. De fato, decorrido o período inicial de instalação da ONU, um dos primeiros desafios enfrentados foi a consolidação de uma nova carta, agora sim, dedicada a es- tabelecer os valores fundamentais relativos à pessoa humana. Essa é uma das características marcante da Declaração de 1948: a de reunir um conjunto de valores, fruto do consenso pós-guerra, onde a experiência brutal das atrocidades come- tidas serviu como sensibilização à comunidade internacional 18 Direitos Humanos à adoção de padrões mínimos de civilização. Era o momento ideal para sua concretização. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (doravante DUDH) foi aprovada pela Assembléia Geral das Nações Uni- das em 10 de dezembro de 1948. Dos 58 Estados-membros da ONU, 48 votaram a favor, 08 se abstiveram, nenhum foi contra e 02 Estados encontravam-se ausentes. O Brasil encon- tra-se entre os Estados que a aprovaram de plano. Contém um conjunto de valores que reúne todo um processo histórico de construção, sendo, no ensinamento de BOBBIO, “uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro: mas suas tábuas não foram gravadas de uma vez para sempre”. Constitui-se em um momento de afirmação de direitos, transpondo a simples expressão do pensamento para chegar à sua positivação e universalização. Universalização, no sentido de que seus des- tinatários não são somente os cidadãos de um Estado, mas, sim, todos os homens, indistintamente de origem. Positivado, na medida em que marca um processo que vai além da pro- clamação de direitos, na busca da real e efetiva consolidação da sua proteção. Passa, então, a concretizar uma ampla lista de direitos, de alcance individual, o rol de direitos civis e políticos (presentes nos Arts. 3º ao 21), que geram ao Estado uma obrigação de prestação negativa, de não fazer, ou seja, onde o vetor é o princípio da liberdade. Dos que inserem o homem no contexto social e primam pelo seu desenvolvimento, como os direitos sociais, econômicos e culturais (Arts. 22 a 28), que impõem ao Estado uma obrigação de prestação positiva, agora no sentido Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 19 de fazer, de agir, para sua efetiva garantia e proteção, matiza- do pelo princípio da igualdade. O leque de direitos alcançados pela DUDH demonstra que foi possível reunir, em um só plano, categorias de direitos (ci- vis e políticos com econômicos, sociais e culturais), mesmo diante da divisão do bloco mundial proveniente da derroca- da da Segunda Grande Guerra (1945). Diante disso, constata CANÇADO TRINDADE que ”é altamente significativo que a Declaração Universal de 1948 tenha propugnado por uma concepção necessariamente integral ou holística de todos os direitos humanos”. O texto tomou essa forma graças à capaci- dade dos Estados em constituir um consenso, como afirmado por BOBBIO, em torno de um objetivo comum, a relevância dos direitos humanos, determinado, evidentemente, em um momento de sensibilidade pós-guerra. A Declaração funda, consequentemente, a partir dessa estruturação, um novo marco de positivação dos direitos hu- manos, que além da universalização, inclui o princípio da indivisibilidade e interdependência entre os mais variados direitos, seja de cunho individual ou de cunho econômico- -social. Como anota FLÁVIA PIOVESAN, os direitos humanos estão em constante dinâmica de interação, sendo acolhidos pela ideia de “expansão, cumulação e fortalecimento”, o que os tornam essencialmente complementares. A Declaração, torna-se o ponto de partida para o desen- cadeamento da normatização internacional dos direitos huma- nos em níveis universal e regionalizado. Esse desdobramento ocorre com o nascimento de inúmeros tratados em vigência e 20 Direitos Humanos outros que, certamente, ainda estarão por vir, pois é um longo processo que se firma no transcorrer dos anos e, acompa- nhando a rápida evolução da sociedade, vem a caminhar em busca da satisfação das necessidades do homem. 2.4 A Carta Internacional de Direitos Humanos: os instrumentos internacionais se multiplicam A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi o marco de encerramento de um processo e de impulso para outro mo- vimento. Encerra o processo de fundamentação e inaugura o movimento de internacionalização das normas de direitos humanos, sob o eixo da universalização e da indivisibilidade. Contudo, a necessidade de implementação de mecanis- mos mais eficazes aflorou imediatamente, dando início ao per- curso (alíás, longo percurso, foram 18 anos de trabalho) que levou à elaboração e adoção de dois grandes Pactos, que ao lado da DUDH formam a Carta Internacional de Direitos Hu- manos: o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Protocolo Facultativo relativo ao Pacto dos Direito Civis e Políticos. O Brasil veio a ratificar esses Tratados somente em 24 de janeiro de 1992 (Dec. Leg. nº 22612, de dezembro de 1991), tendo, consequentemente, os Pactos e o Protocolo entrado em vigor em 24 de abril de 1992. Exceto o Segundo Protocolo, onde até o presente momento não houve ratificação pelo Go- verno brasileiro. Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 21 Passa-se, em breves palavras, a tratar sobre os principais pontos atinentes aos dois Pactos. 2.5 O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais O Pacto Internacional de direitos Econômicos, Sociais e Cultu- rais, já no preâmbulo, anuncia seu fundamento de que esses direitos são inerentes à dignidade da pessoa humana, sendo condições básicas para proporcionar a realizaçãodo ideal de um ser humano livre, liberto do temor e da miséria. Aos Esta- dos, impõe-se a obrigação de promover o seu respeito univer- sal e efetivo, bem como, ao indivíduo, concitado ao exercício da cidadania, com deveres ao seu semelhante e à comunida- de a que pertence à obrigação de lutar pela promoção dos direitos protegidos pelo Pacto. Cada Estado-parte, conforme prevê o Art. 2º do Pacto, está comprometido a adotar medidas nos planos econômico e téc- nico que visem a assegurar, progressivamente, o pleno exercí- cio desses direitos, até o máximo de seus recursos disponíveis através de seu esforço próprio, ou pela assistência e coopera- ção internacionais. Na mesma direção, os direitos enunciados no Pacto deverão ser exercidos, sem nenhuma forma de discri- minação, quanto ao sexo, cor, raça, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer situação. Como se vê, houve um cuidado muito especial em demarcar todo e qualquer formato de manifestação discriminatória, que porventura possa existir. 22 Direitos Humanos O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais está estruturado em cinco partes, onde se distribuem seus trinta e cinco artigos. Na primeira parte, evidencia o di- reito à autodeterminação dos povos e à livre disposição das riquezas e dos recursos naturais que lhe pertencem, não po- dendo ser privado de seus meios de subsistência. Na segun- da parte, o Pacto especifica o compromisso dos Estados em esforçar-se para garantir os direitos, consubstanciados nos princípios da igualdade, da não discriminação e da proibição de supressão ou limitação de direitos. Já, na terceira parte, encontra-se o rol dos direitos econômicos, sociais e culturais, como: o direito ao trabalho, em condições básicas, justas e favoráveis para o seu exercício; direito de fundar e filiar-se em sindicatos; direito ao exercício da greve, de acordo com as leis do país; direito à previdência social; direito à constituição e manutenção da família, proteção às mães, durante o perí- odo antecedente e posterior ao parto; proteção às crianças e adolescentes, em especial contra a exploração econômica e social; proteção contra a fome; direito à saúde física e mental; direito à educação, que possibilite o pleno desenvolvimento da personalidade humana, do sentido da dignidade, o for- talecimento do respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais, educação primária obrigatória e acessível; di- reito de participação na vida cultural, de desfrute do progresso científico e liberdade indispensável à pesquisa científica e à atividade criadora. A quarta e quinta partes dizem respeito aos mecanismos de supervisão e regras quanto à ratificação e en- trada em vigor, respectivamente. Como se verifica, é destinado aos Estados, atribuindo-lhes um conjunto de deveres a serem alcançados para o desenvol- Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 23 vimento do ser humano, sob a perspectiva de que “descreve, aprofunda e amplia os direitos da pessoa como ser social”. 2.6 O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos está estru- turado em seis partes e contém 53 artigos, tal como o Pac- to anterior, na primeira parte trata da autodeterminação dos povos para assegurarem livremente seu estatuto político. Na segunda parte, há o compromisso do Estado em respeitar e garantir os direitos dos indivíduos, sem discriminação de qual- quer natureza, regulando a manutenção de direitos frente às situações excepcionais. Os direitos civis e políticos são tratados na terceira parte. O direito à vida é protegido por lei e enseja, também, as restrições à pena de morte, o que no Brasil assumiu total vedação pelo disposto no Art. 5º, XLVII, da Constituição Federal; direito a não ser submetido à tortura, ou a penas ou tratamentos cruéis, desumanos e degradantes; direito de não ser escravizado nem ser submetido à servidão; direito à liberda- de e à segurança pessoal, garantindo-se a proibição da prisão arbitrária e a proteção contra toda forma de violência ou danos físicos praticados por servidores públicos, indivíduos, grupos ou instituições; direito à julgamento justo e igualdade perante os Tribunais; direito à proteção contra interferência arbitrária na vida privada; direito ao reconhecimento a sua personalidade; liberdade de pensamento, consciência e religião; liberdade de expressão; direito à constituição de uma família; direitos rela- tivos às crianças; direito à participação política, de votar e ser eleito; e, proibição de prisão por descumprimento contratual. 24 Direitos Humanos No Protocolo Facultativo Relativo ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, foi reconhecida a competência do Comitê de Direitos Humanos para receber e examinar comu- nicação individual, novidade aqui inserida, quando forem víti- mas de violação por um Estado-parte. Devendo-se observar a situação de estar incluído como Estado-parte e o princípio do esgotamento de recursos internos. O Segundo Protocolo Facultativo do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, destinado a Abolir a Pena de Morte, adotado pela Assembleia Geral em 15 de dezembro de 1989, através da Res. nº 44/128, está direcionado a esse tema tão polêmico e importante para a cessação da aplicação desse tipo de sanção e a adoção de medidas a sua abolição nos Estados que ainda o tenha em sua jurisdição. Resumidamente, os Pactos apresentam, além dos direitos albergados, três medidas principais: o sistema de relatórios, comum a ambos os Pactos; o sistema de comunicações inte- restatais, constante no Pacto de Direitos Civis e Políticos, cuja supervisão é feita pelo Comitê de Direitos Humanos; e o siste- ma de comunicações individuais, dirigido ao Comitê, previsto no Protocolo Facultativo ao Pacto de Direitos Civis e Políticos. 3 Sistema Regionalizado: A Proteção Interamericana dos Direitos Humanos O sistema interamericano começa a estruturar-se com a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA). Vamos tratar Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 25 do sistema embasado na Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, sendo obrigatório somente aos Estados que fazem parte dela, ou seja, que a ratificaram, do qual o Brasil faz parte. 3.1 Surgimento da Organização dos Estados Americanos A OEA surge então com a adoção de sua Carta constituti- va, aprovada, mais especificamente, em 30 de abril de 1948, entrando em vigor em 13 de dezembro de 1951. É um orga- nismo regional das Nações Unidas que tem por fim conseguir uma ordem de paz e de justiça, a promoção da solidariedade, a defesa da soberania, da integridade territorial e da indepen- dência. Integram a OEA, as nações independentes que ratificaram a sua Carta. Atualmente, são 35 países: Antígua e Barbuda, Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Dominicana, República Dominicana, Equador, El Salvador, Estados Unidos, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Saint Kitts and Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai, Venezuela. No entanto, apenas 34 países têm participação efetiva, pois o Governo de Cuba teve sua participação suspensa em 1962. Em Bogotá, no período de 30 de março a 02 de maio de 1948, com a realização da IX Conferência de Ministros das Relações Exteriores, é que foram adequados e adotados 26 Direitos Humanos os instrumentos principais para a nova ordenação do Siste- ma Interamericano. Com a participação de 21 Estados, entre eles o Brasil, foram aprovados os seguintes instrumentosfun- damentais: A Carta da Organização dos Estados Americanos, o Tratado Americano de Soluções Pacíficas (Pacto de Bogotá), a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, o Convênio Econômico de Bogotá e a Carta Internacional Ame- ricana de Garantias Sociais. Encontra-se, nos seus objetivos e princípios, a afirmação do preceito, onde a paz, democracia e erradicação da pobre- za aliam-se ao princípio esculpido no Art. 3º da Carta da OEA que proclamam os direitos fundamentais da pessoa humana, sem fazer distinção de raça, nacionalidade, credo ou sexo. 3.2 O Sistema da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – CADH A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante Convenção Americana ou CADH), aprovada em 22 de no- vembro de 1969, durante a Conferência Diplomática Interna- cional, ocorrida em São José, na Costa Rica, entrou em vigor em 18 de julho de 1978, sendo, hoje, o instrumento de maior grau de importância no sistema interamericano. Conhecida como “Pacto de San José”, está estruturada com um preâm- bulo e 82 artigos. O Brasil aderiu à Convenção somente em 09 de julho de 1992, efetuando o depósito da adesão em 25 de setembro do mesmo ano. Quanto aos Estados que não assinaram nem retificaram ou aderiram a ela, cabe destacar o asseverado por Accioly e Silva: “é importante salientar que os Estados membros da Organização dos Estados Americanos Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 27 (OEA), que não tenham ainda ratificado a Convenção Ameri- cana de Direitos Humanos, são obrigados a respeitar os direi- tos humanos a partir das disposições da Carta da OEA”. Como atenta HANASHIRO, “é o primeiro instrumento in- ternacional de direitos humanos a proibir expressamente a suspensão das ‘garantias indispensáveis’ para a proteção de direitos e a corporificar em um único instrumento normas subs- tantivas relativas a esses direitos, bem como normas dotadas de sanção”. É o que prevê o Art. 27 da CADH, ao tratar sobre a suspensão de garantias nos casos de guerra, perigo público, ou ameaça à independência ou segurança do Estado parte, quando preserva um núcleo duro de direitos humanos que de- vem ser garantidos, mesmo em situações inóspitas. No seu preâmbulo, reafirma o princípio da universalida- de dos direitos humanos, centrado nos atributos da pessoa humana, o que, por si só, já é fundamento para a proteção internacional através da normatização convencional, que se posiciona como coadjuvante ou complementar do que é ofe- recido pelos Estados americanos. Reafirma os postulados da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Carta da OEA e, também, da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Em seguida, impõe aos Estados o compromisso de respei- tarem os direitos e liberdades, consagrados em seu texto, sem qualquer manifestação de discriminação por motivo de raça, sexo, cor, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômi- ca, nascimento ou qualquer outra condição social, como as- 28 Direitos Humanos senta o Art. 1 (1), inaugural da Convenção Americana. E mais, ainda no Art. 1 (2), há o dever explícito aos Estados em adotar medidas legislativas ou de outra natureza no direito interno para tornar efetivos os direitos e liberdades estabelecidos na Convenção Americana. No seu texto, do Art. 3º ao Art. 25º, encontra-se o desen- volvimento dos direitos civis e políticos. Já os direitos sociais, econômicos e culturais são remetidos pelo Art. 26, para os Es- tados adotarem providências a sua plena efetividade. A Con- venção Americana não enumera nem desenvolve esse conjun- to de direitos. No entanto, para atender essa área, de forma mais efetiva, foi adotado o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, chamado “Protocolo de San Salvador”, em 17 de novembro de 1988, que entrou em vigor no dia 16 de novembro de 1999. Nesse Protocolo, que vem complementar a Convenção, está detalhado um rol de direitos que, na esteira dos ensi- namentos de Bobbio, inserem-se nos efeitos da multiplicação dos direitos humanos. Assim, encontram-se aqui os direitos, frutos do incremento na quantidade de bens, considerados merecedores de tutela, como as relações de trabalho, direitos sindicais, à saúde, previdência social, educação e cultura. Dos direitos que tem estendida à titularidade para sujeitos que não o indivíduo, como a proteção da família e ao meio ambiente sadio. E, por fim, aqueles dirigidos ao homem, não mais como um ente genérico, em abstrato, mas na sua especificidade, como a proteção à criança, proteção das pessoas idosas, dos deficientes, à alimentação e outros. O Protocolo traz um ca- Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 29 tálogo de direitos amplos e atualizados que complementam a Convenção e, por conseguinte, vem a constituir em um instru- mento de proteção que abrange, no dizer de Bobbio, “mais bens, mais sujeitos, mais status do indivíduo”. O Brasil ratificou esse Protocolo em 21 de agosto de 1996. A CADH, na Segunda Parte, regula os meios de prote- ção, reconhecendo como de competência dos assuntos sobre o cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados através de dois importantes órgãos, que passam a compor o Sistema Interamericano dos Direitos Humanos: a Comissão In- teramericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. 3.3 A Comissão Interamericana de Direitos Humanos A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Comissão Interamericana), criada como órgão da OEA, assume com o advento da Convenção Americana, uma nova dimensão den- tro do sistema interamericano, com funções de promoção e proteção dos direitos humanos. Com sede em Washington, D.C., é integrada por sete membros independentes, que desempenham de forma pesso- al, não representando nenhum país em particular, eleitos pela Assembleia Geral para um mandato de quatro anos, podendo ser reeleito para o mesmo período. A competência da Comissão Interamericana é demarca- da pelo círculo abrangente do atual sistema interamericano, que contempla a existência de Estados membros da OEA, que 30 Direitos Humanos ratificaram a Convenção Americana, com as seguintes atribui- ções, dentre outras: estimular a consciência dos direitos hu- manos nos povos da América e formular recomendações aos Governos dos Estados para que adotem medidas progressivas em prol dos direitos humanos, em sua legislação, nos seus preceitos constitucionais e de seus compromissos internacio- nais. No tocante aos Estados partes da Convenção Americana, além das já referidas competências, a Comissão Interamerica- na exercerá sua função para: atuar com respeito às petições e outras comunicações de conformidade com os Arts. 44 e 51 da Convenção; atuará junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos; solicitará à Corte Interamericana que tome medidas provisórias diante de assuntos graves e urgentes; re- alizar consultas à Corte Interamericana sobre interpretação da Convenção Americana e outros Tratados sobre direitos huma- nos; e submeter à Assembleia Geral projetos de emendas e de protocolos adicionais à Convenção Americana. Para acessar a Comissão, além dos próprios Estados mem- bros, qualquer pessoa ou entidade não governamental reco- nhecida em um ou mais Estados membros da Organização poderão apresentar petições, em seu próprio nome ou de ter- ceiras pessoas, que tratem sobre supostas violações de direitos humanos, protegidos pela Convenção Americana e demais Tratados que se integram a esse sistema normativo. Para tanto, devem ser observadas as condições de admis- sibilidade da petição descritas na Convenção Americana, da qual se destaca: o esgotamento dosrecursos internos, a regra Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 31 dos seis meses para a representação, ausência de litispendên- cia internacional, ausência de coisa julgada internacional e a fórmula da quarta instância. O esgotamento dos recursos internos é uma condição que vem sofrendo flexibilização, porquanto o entendimento da Co- missão Americana e da Corte Americana tem privilegiado o acesso do indivíduo às instâncias internacionais. Na medida em que é oportunizada uma maior participação das pessoas, com a ampliação das medidas de promoção e educação para o respeito dos direitos humanos, abre-se caminho para a bus- ca da efetiva garantia desses direitos, não somente no âmbito interno dos Estados, mas junto ao sistema internacional, aqui, tratando-se do regional interamericano. Outro requisito de admissibilidade diz respeito à regra dos seis meses, onde as petições devem dar entrada na comissão, em um prazo de até os seis meses seguintes à data da notifi- cação da decisão definitiva sobre o fato, vindo a ocasionar o esgotamento dos recursos internos. O Brasil está submetido à competência da Comissão In- teramericana, tanto como Estado membro da OEA, desde a Carta de 1948, como a partir de 1992, às disposições da competência ampliada pela Convenção Americana. Dentre os casos submetidos à Comissão está o referente a Srª Maria da Penha Maia Fernandes, tema de violência doméstica, chegan- do à seguinte conclusão: “4. Que o Estado violou os direitos e o cumprimento de seus deveres segundo o Art. 7 da Con- venção de Belém do Pará em prejuízo da Senhora Fernandes, bem como em conexão com os Arts. 8 e 25 da Convenção 32 Direitos Humanos Americana e sua relação com o Art. 1(1) da Convenção, por seus próprios atos omissivos e tolerantes da violação infligida”. A mesma decisão foi exaustiva em apontar recomenda- ções ao Estado brasileiro para não somente apurar com mais celeridade os fatos, mas também adotar medidas educativas e estruturais para conter a violência doméstica. Dentre elas, destaca-se a seguinte recomendação: “b) Simplificar os pro- cedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias de devido processo. Certamente, as recomendações foram importantes para a nova normatização, seguida pela promulgação da Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Essa lei recebeu a de- nominação popular de “Lei Maria da Penha”. 3.4 A Corte Interamericana de Direitos Humanos A criação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, com a aprovação da Convenção Americana, é o órgão central para atender aos reclames de garantia dos direitos humanos. É uma instituição judiciária autônoma, sendo o órgão su- premo de jurisdição do sistema interamericano, cujo objetivo é a aplicação e interpretação da Convenção Americana de Di- reitos Humanos e de outros Tratados referentes a essa matéria, o que lhe confere, através de seus dispositivos, associado ao Estatuto da Corte, um caráter especial às suas decisões, o que as tornam definitivas e irrecorríveis, portanto de cumprimento obrigatório. Vale dizer, nas palavras de FERNANDO G. JAYME “A Corte representa a essência do sistema interamericano de Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 33 proteção dos direitos humanos, que encontra sua máxima ex- pressão na obrigatoriedade das decisões emanadas desse ór- gão jurisdicional”. O Brasil reconhece a jurisdição da Corte desde o dia 10 de dezembro de 1998, data destinada à comemoração do Dia Internacional dos Direitos Humanos, após o início da redemo- cratização, instaurada pós-Constituição de 1988. A Corte Interamericana está instalada em São José, Costa Rica, sendo composta por sete juízes eleitos pela Assembleia Geral da OEA para um mandato de seis anos, podendo ser reconduzidos por igual período. Suas sessões são públicas, ex- ceto na fase de deliberação da Corte, que permanecerá secre- ta, salvo, em ambas situações, decisão de outra forma tomada pela própria Corte. O Estatuto da Corte prevê que podem ser realizadas duas espécies de sessões: ordinárias e extraordinárias. Os períodos ordinários são determinados regularmente pela Corte. Já as sessões extraordinárias serão convocadas pelo Presidente ou por solicitação da maioria dos Juízes. A competência da Corte, reconhecida pelos Estados, des- dobra-se em competências específicas e facultativa. As compe- tências específicas são as de natureza contenciosa e consultiva. A competência facultativa diz respeito às medidas provisórias, que são adotadas em casos de extrema gravidade e urgência. O desdobramento de cada uma dessas competências será tra- tado nos tópicos adiante. 34 Direitos Humanos A competência contenciosa resulta das atribuições da Cor- te em conhecer e resolver os problemas oriundos de violações dos dispositivos da Convenção Americana e outros Tratados específicos de proteção dos direitos humanos que expressarem sua intermediação. Pode originar-se de petições individuais ou interestatais, sendo que somente a Comissão Americana de Direitos Huma- nos e os Estados partes podem submeter à Corte casos para a devida solução. A jurisdição contenciosa está vinculada ao exigido consentimento do Estado, sem o qual não pode ser exercida. É necessário, também, que seja observado o requi- sito de admissibilidade referente ao esgotamento dos procedi- mentos perante a Comissão Americana. Esse princípio é apli- cado no sentido de que é necessário que o caso tenha sido apreciado pela Comissão Americana, com o recebimento da petição, desenrolar da tramitação legal e tomada de decisão sobre o assunto, para posteriormente ser apresentado à Corte. Na lição de FERNANDO G. JAYME, “A função jurisdicional da Corte é irrenunciável, competindo-lhe, por dever normati- vo, exercer sua competência para resolver qualquer controvér- sia referente à aplicação da Convenção nos casos concretos que lhe foram submetidos pelo Estado parte ou pela Comissão Interamericana de Direitos humanos”. Uma vez reconhecida a competência contenciosa, os Estados devem cumprir suas decisões, que possuem o efeito de coisa julgada inter partes. Quanto à participação autônoma das pessoas, o Regula- mento atual foi modificado, ensejando, agora, a participação das vítimas, seus familiares ou seus representantes, depois de Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 35 aceita a demanda pela Corte. Essa autorização possibilita que possam apresentar, de forma autônoma, durante todo o pro- cesso, suas petições, argumentos e provas que acharem ne- cessárias para o deslinde do caso. Nas situações em que hou- ver uma pluralidade de vítimas, familiares ou representantes, devidamente credenciados, será designado um interveniente comum para apresentar a petição, argumentos e provas du- rante o transcorrer do processo. Quando houver discordância, cabe à Corte decidir sobre o que é mais pertinente ao caso. A Corte pode conhecer qualquer caso sobre violação dos dispositivos da Convenção Americana. O questionamento ex- traído dessa afirmativa é se a Corte pode conhecer violações de outros instrumentos normativos do sistema interamericano. A regra definida e pacífica é a da interpretação restritiva quan- to ao alcance dos “braços” da Corte. Quer dizer, está adstrita tão somente à Convenção Americana. No entanto, há duas situações, apontadas por Cláudia Martin, que ampliam esse campo de competência. A primeira decorre da possibilidade de utilizarem-se normas de direito internacional ou de direito internacional de direitos humanos para corroborar na interpre- tação das normas da Convenção; a segunda, a aplicação de outros tratados de direitos humanos que contemplem a outor- ga de competência para a Corte supervisionaro adimplemen- to das obrigações assumidas pelos Estados. Por fim, em qual momento a Corte passa a ter competência para conhecer os casos individuais referentes a um Estado? Vi- ceja, nessa questão, o princípio da anterioridade, tanto quan- to a entrada em vigor da Convenção e o reconhecimento da competência contenciosa por um Estado. A regra é a do não 36 Direitos Humanos conhecimento de fatos pretéritos ocorridos. Há uma situação, que pode ser excepcionada, quando ocorre violações continu- adas, que iniciam antes da entrada em vigor de um tratado em questão e perpassam o tempo, ultrapassando o marco inicial da competência. Como exemplo, menciona-se os casos do desaparecimento forçado de pessoas. As sentenças da Corte são dotadas de força definitiva e inapelável, decidindo sobre a responsabilidade do Estado, po- dendo atribuir-lhe o dever de reparação e indenizações, além de garantir à vítima o gozo do direito ou liberdade por ventura violados. A sentença impõe medidas concretas para a repa- ração das violações sofridas pela vítima e, portanto, não tem caráter meramente declaratório. A Corte, ainda, desenvolve a competência consultiva onde emana Opiniões Consultivas com o objetivo de promover a interpretação sobre o alcance de quaisquer dos dispositivos contidos na Convenção Americana, de modo a propiciar uma melhor implementação e aplicação da normatividade, desti- nada à proteção dos direitos humanos pelos Estados e pelos próprios órgãos da OEA. Também, em casos de extrema gravidade e urgência, a Corte possui a competência para a adoção de Medidas Pro- visórias, diante de possíveis danos irreparáveis às pessoas, ampliando a proteção à pessoa humana e dando maior dina- mismo à prestação jurisdicional. Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 37 4 Para uma definição de direitos humanos Como visto inicialmente, a realidade serve de parâmetro para que o direito se desenvolva. Os efeitos graves do aconteci- do na segunda grande guerra, por sua dimensão cruel e de mortes em massa, levaram aos Estados construir uma nova ordem internacional em que os direitos humanos tenham lugar destacado para a prevenção e o restabelecimento da paz e a proteção da dignidade humana. Os valores de humanidade são transpostos para os princí- pios e normas voltadas para a dignidade humana, sendo esse conjunto de normas batizadas como direitos humanos. Isso implica não somente a consagração legal dos direitos subjeti- vos necessários para o normal desenvolvimento da vida do ser humano em sociedade, que o Estado deve respeitar e garantir, senão o reconhecimento de que a responsabilidade interna- cional do Estado fique comprometida em caso de violação não reparada, em decorrência da evolução do conjunto de tratados internacionais e dos sistemas internacionais de prote- ção. (PINTO, 2004). A noção de direitos humanos afeta à relação Estado-in- divíduo. Este, o titular dos direitos protegidos, o Estado é o seu garante. Os limites ao poder do Estado, que buscaram se efetivar através das Declarações do final do século XVIII, mantém-se vigente nesta era dos direitos humanos, no dizer de BOBBIO (2004). Assim, destacamos a definição esposada por Pérez Luño: 38 Direitos Humanos Um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momen- to histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberda- de e da igualdade humana, das quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos a nível nacional e internacional. Dentro da visão contemporânea, são os atributos de todas as pessoas e inerentes à sua dignidade, da qual se exige por parte do Estado, o respeito, a garantia ou a sua satisfação. Pelo visto, os direitos humanos não se sucedem ou subs- tituem uns aos outros, eles se expandem, se acumulam e se fortalecem, interagindo os direitos individuais, políticos, os so- ciais, econômicos e culturais, e os direitos coletivos, difusos e das futuras gerações. São concebidos como uma unidade indivisível, interdepen- dente e inter-relacionada, na qual os valores da igualdade e liberdade se conjugam e se completam (PIOVESAN, 1996). Como ensina CANÇADO TRINDADE (1997), “o que teste- munhamos é o fenômeno não de uma sucessão, mas antes da expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos consagrados, a revelar a natureza complementar de todos os direitos humanos”. São oriundos da própria condição de humanidade, sendo percebidos conforme o contexto social, não se diferenciando em termos de regime político, sociais ou culturais, pois o poder público deve ser exercido a serviço do ser humano. Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 39 Recapitulando Podemos considerar o surgimento dos direitos humanos aos moldes do compreendido na atualidade, os direitos enalteci- dos nas Declarações do Estado de Virgínia (1776) e na De- claração dos Direitos do Homem e do Cidadão francesa de 1789. Embora no sistema grego e romano da antiguidade surjam concepções fundamentais para o desenvolvimento da proteção da pessoa humana, como a democracia grega e a afirmação do império da lei e da liberdade política, e o uso pelos romanos do direito como ferramenta institucional e civi- lizatória, é a partir das Declarações liberais que se afirmam e aprofundam um conjunto de diretos destinados à proteção da pessoa humana. Após a segunda guerra mundial, como decorrência das atrocidades vivenciadas pelo holocausto e o uso de armas nucleares, a comunidade internacional aprova a criação da ONU – Organização das Nações Unidas, que com sua Carta de inauguração aponta para a necessidade de se proteger os direitos humanos. Surge a edificação de um complexo sistema normativo e institucional que irá desenvolver o Direito Inter- nacional dos Direitos Humanos e o sistema internacional de proteção dos direitos humanos. O sistema internacional tem como corolário a ONU e seus órgãos especializados como a Assembleia Geral, O Conse- lho Econômico e Social, o Conselho de Direitos Humanos e o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Huma- nos, além da adoção de medidas extremas de manutenção da paz através do Conselho de Segurança. 40 Direitos Humanos A carta internacional dos direitos humanos é constituída pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e pelo Pacto Inter- nacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Adere- -se, ainda, inúmeros tratados especializados, sobre o genocí- dio, escravidão, tortura, discriminação étnica-racial, sobre os direitos das crianças e das mulheres, e dos deficientes físicos, dentre outros. O sistema regional interamericano está estruturado na Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos de San José da Costa Rica, de 1969, ratificada pelo Brasil em 1992. Além da afirmação dos direitos humanos em toda sua comple- tude atual, dos direitos individuais e políticos, sociais, econô- micos e culturais, direitos coletivos e difusos, estrutura o siste- ma protetivo através da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o órgão jurisdicional a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Assim, a comunidade internacional tem andando muito fir- me na afirmação e proteção dos direitos humanos, especial- mente após a segunda metade do século XX. Muitos desafios ainda estão por vir, pois a proteção dos direitos humanos é uma pauta constante na evolução de humanidade, e como afirma Bobbio (2004, p. 45) “o problema que temos diante de nós [...] é o qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuadamente violados”. Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 41 Referências ALVES, José Augusto Lindgren, Cidadania, DireitosHumanos e Globalização. PIOVESAN, Flávia (Coord.) 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Atividades 1) Assinale a alternativa INCORRETA: a) A Carta Magna de 1215, inaugura o início da monar- quia constitucional inglesa. b) A Lei do Habeas Corpus de 1679 surgiu com a Decla- ração de Independência Americana. c) A liberdade, a igualdade, a propriedade e a resistência à opressão são direitos que devem ser conservados pelo Estado, prevê a Declaração dos Direitos do Ho- mem e do Cidadão. 46 Direitos Humanos d) A Constituição Americana de 1789 teve a seguir de sua promulgação a adoção de 10 novas emendas di- rigidas à proteção dos direitos básicos dos cidadãos. e) Na Grécia antiga, o regime assegurava uma proteção restrita dos direitos humanos dirigida aos cidadãos gregos e em convivência com a escravidão. 2) Quanto ao surgimento das Organizações das Nações Uni- das, é CORRETO afirmar: a) Tem como marco inaugural o término da primeira guerra mundial. b) Sua proposição foi decorrente de reuniões entre Esta- dos Unidos e União Soviética. c) O Presidente Roosevelt (EUA) assim como o Presidente Churchill (Inglaterra) e Hitler (Alemanha) foram deter- minantes para a criação da nova Organização Inter- nacional para o estabelecimento da paz mundial. d) O Brasil não teve participação na elaboração e apro- vação da Carta da ONU. e) O texto de criação da ONU dá ênfase na cooperação internacional nos campos econômicos e sociais, espe- cialmente na proclamação do respeito universal aos direitos humanos. 3) Sérgio Vieira de Mello, ___________________, faleceu em 19 de agosto de 2013, quando estava em missão da ONU em Bagdá, logo após o início da ocupação militar Capítulo 1 História e Legislação Internacional dos Direitos... 47 americana. Assinale a alternativa que identifica o cargo ocupado por ele nas Nações Unidas: a) Presidente do Conselho de Segurança. b) Presidente do Tribunal Penal Internacional. c) Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos. d) Presidente do Conselho de Direitos Humanos. e) Presidente da Assembleia-Geral da ONU. 4) Quanto ao sistema regional interamericano de direitos hu- manos, é INCORRETO afirmar que: a) A Convenção Americana sobre Direitos Humanos criou dois órgãos importantes para a proteção dos di- reitos humanos: a Comissão Interamericana e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. b) A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é o órgão com competência para julgar os casos conten- ciosos dos Estados que envolvem violações de direitos humanos. c) A Corte Interamericana de Direitos Humanos
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