Buscar

Linguagem jurídica

Prévia do material em texto

1
Linguagem Jurídica: a língua pela  ótica do Direito
(Resumo feito por Marcos Paulo Cruz)
Introdução
A linguagem jurídica é o veículo de que dispõe o Direito para transmitir à sociedade 
princípios,  normas  e  comandos  necessários  ao  exercício  pleno  de  suas  atribuições,  sendo, 
pois,  fundamental  ao  exercício  profissional  de  advogados,  promotores,  juízes  e  demais 
operadores da lei. 
Este  texto  se  propõe  a  abordá­la  como modalidade  da  língua  padrão.  Assim,  serão 
expostos  conteúdos  referentes  à  língua  como  fenômeno  social  da  comunicação,  ao Direito 
como ciência que tem nela o principal meio de se fazer valer,  às principais características da 
linguagem jurídica, à importância da leitura e da compreensão e, por fim,  à aquisição e ao 
aperfeiçoamento dessa linguagem. 
Parte 1 – Aspectos Gerais da Língua 
Língua e Linguagem
1. Conceitos
Linguagem  é  todo  sistema  de  códigos  que  possibilita  a  comunicação.  É  o meio  de 
interação que  permite  à  humanidade  estabelecer  relações  com o  ambiente,  transformando­o 
para adaptá­lo às necessidades sociais. É por ela que se alcança a evolução. Há muitas formas 
de  linguagem,  cada  qual  classificada  segundo  o  código  que  utiliza  –  musical,  gestual, 
pictórica,  verbal.  Dentre  as  diversas  formas  de  linguagem,  a  que mais  se  identifica  com  a 
língua é a verbal, pois constitui sua gênese.
Língua  é  o  conjunto  de  signos  orais  e  gráficos  oriundos  da  linguagem  verbal  de 
indivíduos  que,  unidos  pelos  mesmos  laços  culturais,  produzem  quatro  habilidades:  fala, 
compreensão,  leitura  e escrita. Carrega consigo  toda a diversidade humana de  fatores que 
podem ser expressos nessas habilidades – idade, sexo, credo, valores, humor, região e etnia, 
classe  social,  nível  cultural,  profissão,  preconceitos.  É  inegável,  pois,  o  caráter  social  da 
língua. 
Fala consiste na utilização pessoal da língua, mediante a influência de  fatores como 
os supracitados.
2. Níveis da linguagem
Toda língua apresenta variações que a diversifica em várias modalidades, agrupadas, 
basicamente, em três níveis:
Língua Padrão ou Culta: escolhida pelas elites como a modalidade formal, é utilizada em 
documentos  oficiais,  pela  imprensa,  pela  escola.  Como  obedece  aos  padrões  da  gramática 
normativa, prioriza a forma escrita.
2
Língua  Coloquial  ou  Comum:  é  a  modalidade  usada  no  cotidiano,  desprovida  de 
formalidade,  pois  não  obedece  integralmente  à  gramática  normativa.  Como  promove  uma 
interação descontraída,  prioriza a fala. Apresenta dois subníveis:
 Popular:   marcada pela flexibilização da correção gramatical, adaptando­a à fala 
das classes sociais com menor grau de instrução. Dentre os principais indicadores, 
pode­se citar o emprego inadequado da regência verbal e da colocação pronominal, 
a  silabada  (erro  de  pronúncia,  em  especial  o  que  consiste  em  deslocar  o  acento 
tônico da palavra) e do uso de expressões de baixo calão.
 Familiar:  apresenta  uma  conotação  afetiva  pelo  uso  de  diminutivos,  apelidos 
carinhosos, entonação suave etc.
Língua  Grupal:  é  a  modalidade  característica  de  pequenas  comunidades  que  apresentam 
elementos linguísticos em comum. Apresenta três subníveis: 
 Normas regionais ou regionalismos: representam a  língua dos grupos afastados 
dos grandes centros urbanos.
 Gírias:  formas  alternativas  da  língua  padrão,  restritas  a  certos  grupos  –  jovens, 
marinheiros,  mulheres,  homossexuais,  malandros  –  não  constituindo, 
necessariamente, uma  língua coloquial, pois podem ou não obedecer à gramática 
normativa.
 Línguas técnicas: constituem o padrão linguístico de cada profissão – Medicina, 
Direito, Arquitetura, Moda – dotado de rigor técnico.
3. Funções da Linguagem
A Teoria da Comunicação define os seis elementos que estabelecem o discurso:
 Emissor: é o remetente da mensagem;
 Receptor: é o destinatário da mensagem;
 Mensagem: é todo o conteúdo enviado pelo emissor;
 Referente: é o assunto da mensagem;
 
 Código: é a forma na qual a mensagem se apresenta;
 Canal: é o veículo que transporta a mensagem do emissor rumo ao receptor.
A predominância de um desses elementos no discurso define, pois, o tipo de função da 
linguagem:
Função Emotiva ou Expressiva: centraliza­se predominantemente no emissor, revelando sua 
emoção, sua opinião. É a linguagem dos livros autobiográficos, de memórias, de poesias líricas, 
de bilhetes e cartas de amor. Subjetiva, nela prevalecem a 1ª pessoa do singular, interjeições e 
exclamações.
3
Ex.:
“O que me importa seu carinho agora
se é muito tarde para amar você
o que me importa se você me adora
se já não há razão pra lhe querer
o que me importa ver você tão triste
se triste fui e você nem ligou
o que me importa seu carinho agora
se para mim a vida terminou, terminou terminou....”
(adaptado de Marisa Monte – Memórias, crônicas e declarações de amor)
Função  Conativa  ou  Apelativa:  centraliza­se  predominantemente  no  receptor,  de  modo  a 
influenciar­lhe o comportamento. É a linguagem dos discursos, dos sermões, das propagandas. 
É  comum  o  uso  dos  pronomes  você  e  tu,  ou  o  nome  da  pessoa,  além  dos  vocativos  e 
imperativos.
Ex.:
“Compre batom...
Compre batom...
Seu filho merece batom...”
(propaganda dos chocolates garoto)
Função  Poética:  centraliza­se  predominantemente  na  mensagem,  revelando  recursos 
imaginativos  criados  pelo  emissor.  Afetiva,  sugestiva,  conotativa,  ela  é  metafórica.  É  a 
linguagem presente nas obras literárias, em letras de música, em algumas propagandas, na fala 
fantasiosa das crianças. 
Ex.:
“O amor é  fogo que arde sem se ver
é ferida que doi e não se sente
é um contentamento descontente...”
(Luís de Camões)
Função Referencial ou Denotativa: centraliza­se predominantemente no referencial, que é o 
assunto da mensagem, de modo a fornecer informações sobre ele. É a linguagem das notícias 
dos jornais, dos textos científicos. Objetiva, direta e denotativa, nela prevalece a terceira pessoa 
do singular. 
Ex.:
“A nova gripe, conhecida popularmente como suína, gera pânico a cada novo caso confirmado. 
Até o presente momento, o número de óbitos pela doença ultrapassa os sessenta, segundo dados 
do  Ministério  da  Saúde,  que  insiste  em  afirmar  que  tudo  está  sob  controle.  Todavia,  os 
hospitais  permanecem  repletos  de  casos  ainda  sem  diagnóstico  preciso,  mas  com  fortes 
suspeitas de que se trata mesmo de uma epidemia do vírus H1N1”. (Folha de São Paulo).
Função Metalinguística: centraliza­se predominantemente no código, posto em destaque. É o 
uso da linguagem para falar dela própria.  A poesia que fala de poesia, um texto que comenta 
outro ou a si próprio, a música que referencia a música, o dicionário etc.
Ex.:
“ Língua é o conjunto de signos orais e gráficos oriundos da linguagem verbal de indivíduos 
que, unidos pelos mesmos  laços culturais, produzem quatro habilidades:  fala,  compreensão, 
leitura e escrita”.
4
Função Fática:  centraliza­se predominantemente no canal. Tem como objetivo prolongar ou 
não  o  contato  com o  receptor,  além de  testar  a  eficiência  do  canal. É  a  linguagem das  falas 
telefônicas,  dos  diálogos  em  locais  barulhentos.  Linguagem  carregada  de  expressões  como 
“alô”, “então”, “entende?”, “está me ouvindo?”, “tchau” etc. 
Ex:
“...  daí  o  cobrador  do  ônibus  não  quis  me  dar  o  troco,  né,  alegando  que  era  pouca  coisa, 
entende? Muito ou pouco, o dinheiro era meu, certo? Ei, vou indo, tchau...” 
 
4. Denotação e Conotação
Consistem em recursos linguísticos utilizados para delimitar tanto se o significado da 
palavra quanto o contexto no qual ela está inserida  será usual ou convencional.
Denotação: é o uso da palavracom sentido original, convencional ou usual.
Ex.: O trator facilita a vida no campo.
Conotação:  é  o  uso  da  palavra  com  significado  diferente  do  original,  de  modo  a  dar 
expressividade à língua.
Ex.: Esse operário é um trator. 
5. Diferenças entre linguagem oral e escrita
As diferenças  existentes  entre  as modalidades oral  e  escrita da  língua  são naturais  e 
normais, pois cada uma apresenta sua dinâmica sintático­semântica própria.  Eis algumas das 
principais diferenças:
 Quanto  à  abrangência:  a  linguagem  oral  é  a  mais  utilizada,  pois  sua 
disponibilidade  é  imediata  e  a  linguagem  escrita  requer  um  nível  maior  de 
escolaridade;
 Quanto  aos  recursos  disponíveis:  a  fala  apresenta  uma  quantidade  de  recursos 
expressivos  bem  maior  que  a  escrita.  Assim,  enquanto  a  primeira  utiliza  como 
recursos os gestos, a fisionomia, a entonação, o ritmo e os sentidos, a segunda usa, 
basicamente, a pontuação e a estilística;
 Quanto  à  formalidade: a modalidade  falada  é mais  informal  que  a modalidade 
escrita, pois se adapta melhor às situações coloquiais;
 Quanto  ao  aspecto  social:  a  linguagem  oral  é  utilizada  por  todas  as  camadas 
sociais,  diferenciando­as  pelas  construções  gramaticais  associadas  à  oralidade 
(quanto  mais  elaboradas  forem  essas  construções,  mais  elas  indicam  o  nível 
educacional dos  falantes).  Já o domínio da  linguagem escrita  é  restrito  à parcela 
alfabetizada;
 Quanto à interação entre emissor e receptor: na fala, a  interação é plena, pois 
há  um  contato  direto  entre  emissor  e  receptor,  sendo  possível  adaptá­la 
imediatamente ao contexto de quem a ouve, fato impossível na escrita.
5
 Quanto  à  correção  gramatical:  há,  pela  formalidade  atribuída  à  linguagem 
escrita, uma maior preocupação com o emprego da gramática normativa, ao passo 
que a oral, desde que entendida, não se preocupa com a rigidez desse emprego.
Parte 2 – Aspectos Gerais do Direito em Relação à Língua
Direito: fato, valor e norma
Direito é, de forma simplificada, o conjunto das normas criadas, mantidas e aplicadas 
pelo Estado, objetivando  regulamentar as diversas  relações entre os  indivíduos por meio do 
poder,  da  autoridade  e  da  coercibilidade.  Fruto  do mundo  da  cultura,  ele  está  presente  em 
todos  os  setores  da  sociedade  de  modo  a  assegurar,  de  forma  justa,  as  prerrogativas  e 
obrigações  dos  cidadãos,  tanto  em  relação  a  si  próprios  como  às  diversas  instituições  nas 
quais estão inseridos, de modo a proporcionar um convívio harmônico, garantido pela ordem, 
paz e segurança. 
O  Direito  apresenta  uma  estrutura  tridimensional  –  uma  vez  constatado  um  fato 
social, é, a ele, atribuído um conjunto de valores que o torna um padrão de comportamento e, 
para  mantê­lo,  são  criadas  normas  de  conduta  sob  pena  de  punição  para  aqueles  que  as 
transgredirem.  Assim,  as  normas  jurídicas  fundamentam­se  no  juízo  de  valor,  no  caráter 
imperativo e na sanção.
O Direito apresenta uma linguagem própria
Como  toda  área  de  conhecimento,  o  Direito  apresenta  um  idioma  técnico  que  é 
comum aos seus operadores, com vocabulário e expressões próprias, visando, pela redução da 
vagueza  e  ambiguidade,  a  uma  maior  garantia  da  segurança  jurídica.  Portanto,  o  Direito 
apresenta  uma  linguagem  de  poder  (emite  comandos)  e  de  rigor  técnico  (preza  pela 
objetividade). 
É,  pois,  de  fundamental  importância,  que  todo  operador  da  lei  tenha  um  domínio 
considerável  da  linguagem  jurídica,  de  modo  a  exercer  sua  profissão  de  forma  eficiente, 
evitando situações indesejáveis, como, por exemplo, uma petição negada pela falta de clareza 
mediante o uso  tanto de arcaísmos como de coloquialismos. 
Eis alguns exemplos de como alguns termos da linguagem jurídica são apresentados e 
que, caso mal empregados, desconstroem o sentido do texto.
a) Competência:  no  sentido  comum,  equivale  à  capacidade;  no  sentido  jurídico,  à 
atuação profissional;
b) Agravante: no Direito Penal, objeto ou situação que culmina na elevação da pena; 
no Direito Processual, parte recorrente que interpõe recurso de agravo;
c) Queixa:  ato  formulado  pela  vítima  de  ação  penal  particular  (estupro,  por 
exemplo).  Denúncia:  ato  formulado  pelo  Ministério  Público  em  ação  penal 
pública;
6
d) Propor:  ação;  Interpor:  recurso;  Opor:  embargo;  Impetrar:  mandado  de 
segurança.
A linguagem do Direito é regida pela norma padrão
Muitos  consideram dificílima  a  linguagem  jurídica,  alegando  que  ela  apresenta  uma 
infinidade de arcaísmos e expressões em latim, distantes da realidade linguística da população 
leiga. Excetuando alguns operadores que abusam do “juridiquês”, usando­o como  forma de 
expor arrogantemente um falso domínio dessa linguagem, a questão é puramente de hábito – 
todo idioma técnico tende a ser familiar aos seus operadores, e estranho aos que não o usam. 
Quanto às expressões em latim, essas são praxe no meio jurídico brasileiro, uma vez que, em 
nosso  país,  o  Direito  adotado  é  o  Romanístico,  no  qual  são  usadas  diversas  expressões 
puramente  latinas.  É  importante,  sobretudo,  ressaltar  que  a  linguagem  jurídica  usa  como 
código a norma padrão e, consequentemente, está a ela subordinada. 
Conclui­se, pois, que a linguagem jurídica é uma das muitas variedades linguísticas e, 
por  se  tratar de uma modalidade culta, obedece a  todas as  regras gramaticais da norma. De 
resto,  tudo  é  uma  questão  de  vocabulário.  Dominar  essa  linguagem  requer,  portanto,  duas 
atitudes:  primeiro,  dominar  a  língua  padrão  (ver  texto  “COMO  (NÃO)  ENSINAR 
GRAMÁTICA  NA  ESCOLA).  Segundo,  adquirir  o  vocabulário  técnico,  o  que  se  faz 
mediante a prática constante da leitura de textos jurídicos, da produção dessa modalidade de 
texto e da fala.
Parte 3 – Linguagem Jurídica: modalidade da língua a serviço do Direito
A linguagem jurídica existe pelo fato de o Direito dar à língua um sentido particular, 
adaptando­a  ao  seu  universo  funcional  –  da  norma  de  comportamento,  das  decisões,  das 
convenções,  das  declarações,  das  negociações,  das  relações,  do  ensino.    Assim,  estudar, 
entender e dominar a  linguagem  jurídica é,  sobretudo,  compreender como a  língua materna 
encontra­se contextualizada no mundo jurídico.
Torna­se, pois, interessante, abordá­la como produto da língua padrão, que disciplina a 
estuda e como a estuda, quais  são  suas principais características,  como é  identificada como 
modalidade da língua padrão, como é transmitida e, por último, como  se subdivide. 
Linguagem Jurídica e Língua Padrão
Há  quem  considere  ser  a  linguagem  jurídica  uma  língua  à  parte,  dado  seu  grau  de 
especialização.  Todavia,  entende­se  que  uma  língua  surge  mediante  um  conjunto  de 
variedades nas quais, por processos diversos, uma é determinada como padrão, surgindo, pois, 
por um processo de convergência. A  linguagem jurídica surge pela divergência, ou seja, é 
fruto  de  uma  variedade  já  padronizada  que  dá  origem  a  formas  especializadas.  Assim,  a 
linguagem  jurídica  é  oriunda  da  língua  padrão,  está  nela  inserida,  utiliza­se  dela 
constantemente e deve ser, pois, à luz dela, estudada. 
Linguística Jurídica
Linguística  é  o  ramo  da  língua  que  estuda  suas  variedades,  influenciadas  pelos 
diversos  contextos  sociais.  Quando  aplicada  às  ciências  jurídicas,  denomina­se  linguística 
7
jurídica e apresenta, como principal função, a análise dos mecanismos de utilização da língua 
padrão pelo Direito. Há duas linhas de trabalho:
 Linguística:  examina  os  signos  linguísticos  (Significado  e  Significante)  que  o 
Direito  importada  língua  padrão,  como  ele  os  contextualiza  no  seu  cotidiano 
profissional e qual o efeito provocado.
 Jurídica: estuda a impregnação da linguagem pelo Direito, ou seja, a perenização 
linguística dos signos no universo jurídico.
Características da linguagem jurídica
A linguagem jurídica, por tratar­se de uma especialização da língua padrão a serviço 
do Direito, apresenta as seguintes características:
 É uma  linguagem grupal: pertence  a um conjunto de  indivíduos que, direta ou 
indiretamente, está relacionado com a operabilidade das ciências jurídicas. Fazem 
parte  deste  conjunto  bacharéis  em  Direito,  advogados,  promotores,  juízes, 
desembargadores,  notários  (funcionários  de  cartórios),  funcionários  públicos  de 
diversos  setores  como  tribunais,  delegacias,  ministérios,  além  de  outros 
profissionais que se relacionam com o Direito, como administradores, contadores, 
psicólogos, médicos, assistentes sociais;
 É uma linguagem técnica: tem a função de transmitir a dinâmica operacional do 
Direito  –  lei,  ordem,  doutrina,  contrato,  serviço,  acordo,  sanção,  decisão  etc. 
Utiliza­se, portanto, da norma culta, adaptando­a à condição de modalidade técnica 
pelo uso de palavras e expressões que denotem atribuições jurídicas;
 É  uma  linguagem  tradicional:  dada  a  formalidade  que  o  Direito  requer 
constantemente, a linguagem jurídica tornou­se, na sua maior parte, um legado de 
tradição  da  norma  culta.  Pode­se  dizer,  a  título  de  exemplo,  que  a  linguagem 
jurídica  do  século  XXI  não  difere  fundamentalmente  da  do  século  XX  e  assim 
sucessivamente.  Não  houve  reformas  senão  tentativas  de  reduzir  um  pouco  o 
“juridiquês”,  bem  como  o  acréscimo  de  novos  termos,  principalmente  pelo 
surgimento  de  novas  modalidades  do  Direito,  como,  por  exemplo,  o  da 
informática.
 A identificação da linguagem jurídica
Dentro  da  língua  padrão,  a  linguagem  jurídica  é  identificada  por  meio  dos 
signos  anunciadores.  Compreendem  palavras,  termos  e  expressões  que  conotam 
sentido jurídico. Formam o vocabulário jurídico, dividido em:
 Termos que possuem o mesmo significado tanto na linguagem corrente como 
na jurídica – hipótese, estrutura, confiança, reunião, critério, argumentos etc; 
 Termos  que  possuem  um  significado  na  linguagem  corrente  e  outro  na 
jurídica  –  sentença  que,  na  corrente,  conota  frase,  oração  e  que,  na  jurídica, 
conota decisão judicial;
8
 Termos que possuem mais de um significado dentro da linguagem jurídica – 
prescrição, que pode significar tanto orientação, determinação, quanto perda de um 
direito pela extinção do prazo;
 Termos  cujo  significado  é  exclusivo  da  linguagem  jurídica  –  usucapião, 
anticrese, acórdão; 
 Termos latinos de uso jurídico – caput, data venia, ad judicia etc.
 A transmissão da linguagem jurídica
A linguagem jurídica tem uma forma própria de ser transmitida, de modo a dinamizar 
a  funcionalidade  e  eficácia  do  ordenamento  jurídico.  O  sucesso  depende  da  prática.  Cada 
elemento do universo de transmissão é marcado por peculiaridades que refletem todo o clima 
de formalidade que o Direito preconiza:
 O operador:  representa  o Direito  e,  como  tal,  assume  uma  postura  formalizada 
que  se  reflete  na  aparência  e  comportamento,  de  modo  a  tornar­se  imparcial  e 
veículo  de  aplicação  da  norma  jurídica.  Deve,  pois,  demonstrar  segurança 
emocional e competência profissional. Para isso veste­se socialmente, desprovido 
de acessórios extravagantes, prezando pela higiene (unhas, cabelo, pele etc), além 
de estar constantemente adquirindo e atualizando seus conhecimentos;
 O  ambiente  de  transmissão:  também  é  formal  e  preza  pela  boa  educação  e 
etiqueta, de modo a propiciar um clima de sobriedade e respeito;
 O discurso oral: tem a função de abordar a doutrina, transmitir os comandos 
do  ordenamento  jurídico  e,  principalmente,  convencer  pela  argumentação 
fundamentada  na  lei.  Em  cada  uma  delas,  há  uma  predominância  de  aspectos. 
Quando se presta a doutrinar, o discurso oral deve prezar pela clareza e concisão, 
de modo  a  evitar  ambiguidades  na  norma  jurídica. Quando  transmite  comandos, 
esses  devem  ser  bem  definidos,  evitando,  pois,  a  ineficiência  de  sua  aplicação. 
Quando  tem o papel de convencer, admite uma gama de  recursos – domínio das 
linguagens corrente e técnica, fundamentação teórica sólida, bom uso das técnicas 
de  oratória,  de  argumentação  e,  principalmente,  criatividade  para  adaptar­se  a 
imprevistos e improvisos;
 O  discurso  escrito:  tem  a  função  de  registrar  o  discurso  oral.  Para  isso,  é 
fundamental  o  domínio  do  vocabulário  corrente  e  técnico,  das  técnicas  de 
produção  textual  jurídica  (petição,  procuração,  contrato,  entre  outras)  e  da 
capacidade de adequação textual, ou seja, fazer­se claro no contexto em que se está 
inserido.  Escrever  bem  em  linguagem  jurídica  não  consiste  necessariamente  em 
saber  empregar  o  maior  número  possível  de  expressões  do  latim  ou  altamente 
cultas, a maioria arcaicas, mas sim fazer­se perfeitamente entendido por quem lê 
os textos.
 
Níveis da linguagem jurídica
A  linguagem  jurídica,  dependendo  da  finalidade  a  que  se  destina,  adquire  níveis 
distintos de abordagem:
9
 Linguagem Legislativa: é a linguagem dos códigos, das normas. Sua finalidade é 
criar o Direito;
 Linguagem  Judiciária,  Forense  ou  Processual:  é  a  linguagem  dos  processos, 
cuja finalidade é aplicar o Direito;
 Linguagem Convencional ou Contratual: é a linguagem dos contratos, por meio 
dos quais se criam direitos e deveres entre as partes;
 Linguagem  Doutrinária:  é  a  linguagem  dos  mestres,  dos  doutrinadores.  Sua 
finalidade é explicar os institutos jurídicos, ensinar o Direito;
 Linguagem Cartorária ou Notarial: essa  linguagem jurídica  tem por finalidade 
registrar os atos do Direito nos diversos tipos de cartórios.
Parte 4 – Leitura e Compreensão de textos jurídicos
Ler é viver
O  conceito  de  leitura  não  é  exclusivo  ao  ato  de  reconhecer  nos  textos  o  que  eles 
contêm. Lemos tudo e todos, a toda hora! Ler é identificar, processar e extrair conclusões de 
informações presentes em situações. Assim,  tanto textos (falados, escritos ou simbolizados), 
como  comportamentos,  ambientes  e  fenômenos  constituem  situações  que  carregam 
informações. 
A  leitura  torna­se,  pois,  um  processo  de  vivência  baseado  numa  relação  de  diálogo 
entre  emissor  e  receptor  –  toda  situação  (emissor)  transmite  informações  cujo  objetivo  é 
firmarem­se  como  verdade.  O  receptor  apresenta  uma  bagagem mental  própria  de  razão  e 
emoção  (conhecimento  e  sentimento)  que  constitui  um  padrão  mensurativo  para  as 
informações que se presta a ler.
O  processo  da  leitura  é  dado,  portanto,  pela  apresentação  dessas  informações  à 
bagagem  mental  do  receptor,  que  as  analisa  mediante  critérios  racionais  e  emocionais 
próprios,  correlacionando    informações  recebidas  com  as  que  já  detém,  julgando  o  que  é 
necessário  à  retenção  e  ao  descarte,  compartimentalizando­as  (por  assunto,  tamanho, 
importância, uso), para, finalmente, conceber uma opinião, adaptando­a às  circunstâncias. A 
leitura  constitui,  pois,  um processo mental  complexo,  veloz  e  eficiente,  estudado  e  copiado 
constantemente pela Ciência da Informação.
As fases da leitura de textos
A  leitura  de  um  texto  é  feita mediante  uma  sequência  de  atividades  que  podem  ser 
agrupadas nas seguintes fases:
 Fase Linear: é  a  fase da  captação. Nela predomina  a  ação mecânica – os olhos 
movimentam­se da esquerda para a direita da página, capturandoas  imagens dos 
signos e transferindo­as para o córtex cerebral;
10
 Fase Psicolinguística: é a fase do reconhecimento. Corresponde à interação entre 
mente  e  língua.  Uma  vez  capturadas  as  imagens,  as  faculdades  mentais 
decodificam  os  signos  fotografados,  reconhecendo­os  como  elementos  da  língua 
que domina;
 Fase  Interativa:  é  a  fase  de  entendimento  do  texto.  O  cérebro  passa,  então,  a 
racionalizar  grupos  de  palavras,  atribuindo­lhes  sentido,  mediante  comparações 
com a gramática internalizada, ou seja, o capital  linguístico que o cérebro dispõe 
(ver  texto “COMO (NÃO) ENSINAR GRAMÁTICA NA ESCOLA.   Primeiro é 
estabelecido o sentido de grupos  isolados de palavras, para, depois, correlacioná­
los dentro do texto. No final, o leitor compreende o que leu.
   Fase Pragmática:  é  a  fase  de  interpretação  do  entendimento  do  autor. Nela,  o 
leitor, que já interagiu com o texto, passa a interagir com o universo de construção 
de  quem  o  escreveu  –  o  estilo  literário,  os  recursos  linguísticos  utilizados  e, 
principalmente,  que mensagem pretende  transmitir. Esta  é  a  fase  na  qual muitos 
candidatos são desclassificados em vestibulares e concursos para cargos públicos.
Parte 5– Aquisição e aperfeiçoamento da linguagem jurídica
Principais dificuldades
 Resistência  à  aprendizagem:  há  estudantes  que  dão  início  ao  trabalho  de 
aprender a linguagem jurídica já pensando no fracasso. Frases como “ela é muito 
difícil”, “não consigo aprendê­la”, “vou me dar mal nela” só agravam a situação;
 Vergonha: é inacreditável, mas muitos estudantes têm receio de se expressar em 
linguagem jurídica, ou por pensarem que ainda é muito cedo para tal ou por falta 
de  confiança  e,  esquecendo  que  estão  num  processo  de  evolução  intelectual, 
bloqueiam o aprendizado.
 Medo de errar: o Direito reflete não só a lei, mas o ego de seus operadores. Um 
simples erro  torna­se motivo de críticas homéricas e quase perpétuas.  Isso causa 
insegurança  na  hora  de  se  utilizar  da  linguagem  jurídica.  Há  quem,  apesar  de 
munido de um bom vocabulário jurídico, prefira usar termos mais simples ou até 
mesmo coloquiais, puro reflexo da baixa autoestima;
 Falta de interesse: seja qual for o motivo utilizado na opção pelo curso de Direito 
(há muitos  que  o  cursam  pelo  status,  pela  remuneração  ou  por  imposição),  sem 
interesse, torna­se impossível dominar tanto a matéria quanto a linguagem jurídica;
 Falta  de  técnica  para  estudar:  ainda  que  haja  interesse,  todo  estudo,  para  se 
tornar  produtivo,  precisa  de  uma  técnica,  ou  seja,  de  um  conjunto  de  atitudes 
proativas  que  visem  a  dinamizar  a  aprendizagem.  O  mesmo  ocorre  com  a 
linguagem jurídica.
Principais dicas
11
 Contato  diário:  leitura,  prática  oral  e  escrita  mantém  o  estudante  inserido  no 
universo da linguagem jurídica. Assim como, na língua padrão, o domínio se faz 
pela prática constante;
 Derrubar as barreiras: resistência, vergonha, medo de errar, falta de interesse e 
de  técnica  são  obstáculos  que  precisam  ser  vencidos    para  que  se    obtenha  o 
domínio  da  linguagem  jurídica.  Munido  da  consciência  de  que  ninguém  nasce 
sabendo  tudo,  de  que  todos  erram,  de  que  o  sucesso  depende  da  quantidade  de 
tempo e de trabalho e, principalmente, de que é fundamental uma atitude proativa, 
o estudante, ao longo do tempo, será capaz de vencê­los um a um;
 Use  e  abuse  de  mestres  e  livros:  os  professores  e  os  livros  são  a  fonte  do 
conhecimento  jurídico,  dominam  a  matéria  e  a  sua  linguagem.  Tenha  sempre  à 
disposição,  além  dos  livros  básicos  das matérias  do  curso,  livros  especializados 
sobre  técnicas  de  estudo,  de  leitura,  memorização,  oratória  e,  principalmente, 
dicionários de termos técnicos para consulta;
 Pratique o Direito: ao  longo do curso, muitos estágios são oferecidos,  inclusive 
remunerados. É neles que o conhecimento jurídico se torna prático e a linguagem, 
vivenciada;
 Proatividade:  dominar  a  linguagem  jurídica  é  o  resultado  da  proatividade  do 
estudante,  ou  seja,  do  seu  esforço  próprio.  Por  mais  que  professores,  livros  e 
prática  apresentem  a  linguagem  jurídica,  o  aprendizado  depende  da  postura  do 
aluno.
Conclusão
A linguagem jurídica é rica pelo fato de ser rica a língua que lhe dá origem. Assim, os 
mecanismos  básicos  de  aquisição  das  habilidades  da  fala,  do  entendimento,  da  leitura  e  da 
escrita,  na  língua  padrão,  aplicam­se  integralmente  à  linguagem  jurídica,  ou  seja,  primeiro, 
aprende­se  a  dominar  essas  habilidades  para,  posteriormente,  estudá­la  estruturalmente.  O 
segredo do domínio está na prática, especialmente no hábito da leitura e da escrita. Portanto, 
como ocorre com a língua padrão, em se tratando de linguagem jurídica, quem não lê não fala, 
não entende e nem escreve corretamente.
(Manual da Linguagem Jurídica – Maria José Constantino Petri – Editora 
Saraiva – 2008).

Outros materiais