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Aula 1 - Artes e Artistas

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Sobre arte e artistas
Capítulo de Introdução do livro: A História da Arte
E. H. Gombrich
André Luiz Pinto
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Nada existe realmente a que se possa dar o nome de Arte. 
Existem somente artistas.
Arte com A maiúsculo não existe.
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Não existem razões erradas para se gostar de uma estátua, de uma tela ou de uma arquitetura. Todos nós, quando vemos um quadro, somos fatalmente levados a recordar mil e uma coisas que influenciam o nosso agrado ou desagrado. Na medida em que essas lembranças nos ajudam a fruir do que vemos, não temos por que nos preocupar. 
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Só quando alguma recordação irrelevante nos torna preconceituosos, quando instintivamente voltamos as costas a um quadro porque não gostamos do tema, é que devemos sondar o nosso íntimo para desvendar as razões da aversão que estragam um prazer que, de outro modo, poderíamos ter tido. Existem razões erradas para não se gostar de uma obra de arte.
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Rubens: Retrato de seu filho Nicholas. Desenhado por volta de 1620.
Viena.
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Dürer: Retrato de sua mãe. Desenhado em 1514. Berlim, Staatliche Museen.
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Essa propensão para admirar o tema bonito e atraente é suscetível de converter-se num obstáculo, se nos levar a rejeitar obras que representam um tema menos sedutor.
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A beleza de um quadro não reside realmente na beleza do seu tema. O problema é que gostos e padrões de beleza variam muitíssimo.
Murillo: Meninos árabes. Pintado cerca de 1670. Munique. Alte Pinakothek
Pieter de Hooch: Interior com mulher descascando maçãs. 1663. Londres, Wallace Collection.
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O que ocorre com a beleza também é válido para a expressão. Algumas pessoas preferem uma expressão que elas entendam com facilidade e, portanto, que as comova profundamente.
Melozzo da Forli: Anjo. Detalhe de um afresco. Cerca de 1480. Vaticano, Pinacoteca.
Memling: Anjos. Cerca de 1490. Antuérpia, Koninklijk Museum voor Schone Kunsten.
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Depois de adquirirmos o entendimento dessas diferentes linguagens, poderemos até preferir obras de arte com expressões menos óbvias. Assim como alguns preferem pessoas que usam poucas palavras e gestos, deixando algo para ser adivinhado.
Os principiantes geralmente se defrontam com outra dificuldade. Querem admirar a perícia do artista em representar as coisas tal como eles as vêem. Gostam mais de pinturas que « parecem reais ».
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Guido Reni: Cabeça de Cristo. Detalhe de uma pintura, cercade 1640. Paris, Louvre.
Mestre Toscano: Cabeça de Cristo. Detalhe de um crucifixo. Cerca de 1270. Florença, Uffizi.
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Dürer: Uma lebre. Aquarela. 1502. Viena, Albertina.
Rembrandt: Um elefante. 1637.Viena, Albertina.
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Mas não é o esquematismo gráfico que aborrece principalmente as pessoas que gostam de quadros parecendo ‘reais’. Elas são ainda mais repelidas por obras que consideram incorretamente desenhadas, sobretudo quando pertencem a um período mais moderno em que o artista ‘tem a obrigação de não cometer semelhantes desvios’. 
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Picasso: Um galo novo. Desenhado em 1938. 
Picasso: Uma galinha com pintos. Ilustração para a História Natural de Buffon, publicada em 1942. 
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Quem aprecia filmes de Disney ou lê histórias em quadrinhos sabe que, às vezes, é certo desenhar coisas de um modo diferente do que elas se apresentam aos nossos olhos, modificá-las ou distorcê-las num ou moutro sentido. O camundongo Mickey não se parece muito com um camundongo verdadeiro.
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Nunca devemos condenar uma obra por estar incorretamente desenhada, a menos que tenhamos a mais profunda convicção de que nós estamos certos e o pintor, errado.
Todos nós somos inclinados a aceitar formas ou cores convencionais como as únicas corretas. Por vezes, as crianças pensam que as estrelas devem ter o formato estelar, embora naturalmente não o tenham.
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Magritte: Ceci n’est pas une pipe. 
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Géricault: Corrida de Cavalos em Epsom. 1821. Paris, Louvre.
Movimento de um cavalo a galope. Fotografado por Eadweard Muybridge em 1872. Kingston upon Thames, Museum and Art Gallery.
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Não é fácil nos livrarmos dessas ideias pré-concebidas, mas os artistas que melhor conseguem fazê-lo produzem geralmente as obras mais excitantes. Eles é que ensinam a ver a natureza novas belezas de cuja existência não tínhamos suspeitado. Se os acompanhamos e aprendermos através deles, até mesmo um relance de olhos para fora da nossa janela poderá converter-se numa emocionante aventura.
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Não existe maior obstáculo à fruição de grandes obras do que a nossa relutância em descartar hábitos e preconceitos. Uma pintura que representa um tema conhecido de um modo imprevisto é muitas vezes condenada sem outra razão melhor do que ‘não parece certa’. Quanto mais vezes tivermos visto uma história representada em arte, mas firmemente nos convenceremos de que ela deve ser representada de forma semelhante.
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Caravaggio: São Mateus. Versão rejeitada. Pintado cerca de 1598. Destruído. Antes em Berlim, Kaiser-Friedrich Museum.
Caravaggio: São Mateus. Versão aceita. Pintado cerca de 1600. Roma, Igreja de São Luís dos Franceses.
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O artista não obedece a regras fixas. Ele simplesmente intui o caminho a seguir. É verdade que alguns artistas ou críticos, em certos períodos, tentaram formular leis para sua arte; mas sempre se constatou que artistas medíocres não conseguiam nada quando tentavam aplicar essas leis, ao passo que os grandes mestres podiam desprezá-las e, ainda assim, conseguir uma nova espécie de harmonia em que ninguém pensara antes.
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Rafael: A Virgem do Prado. 1505. Viena.
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Joshua Reynolds
Gainsborough
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A verdade é que é impossível estabelecer regras desse gênero, pois nunca se pode saber de antemão que efeito o artista pretende obter. Ele pode até querer introduzir uma nota estrídula, dissonante, se porventura sentir que isso é certo.
O gosto é suscetível de desenvolvimento.
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Para nos deleitarmos com essas obras, devemos ter um espírito leve, pronto a captar todo e qualquer indício sugestivo e a reagir a todas as harmonias ocultas; sobretudo, um espírito que não estaja atravancado de frases feitas. É infinitamente melhor nada saber sobre arte do que possuir uma espécie de meio conhecimento propício ao esnobismo.

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