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Introdução 
Não há forma mais propícia e contextual de iniciar a disciplina de Cultura Religiosa do que 
apresentar a riqueza e diversidade do fenômeno religioso que se faz presente nas mais 
diferentes expressões culturais da humanidade ao longo dos tempos. Crer ou não crer num 
poder transcendente, chamado comumente pelas religiões de Deus, ato que está ligado ao 
campo da fé e da experiência religiosa, é apenas um dos tantos aspectos no estudo da 
religiosidade humana, que, segundo atestam pesquisas antropológicas e sociológicas, parecem 
fazer parte da condição humana. É desse tema, existencial por essência, e que está impregnado 
nas bases culturais da nossa sociedade, que iremos tratar nesse primeiro capítulo. 
 
Você já deve ter passado por alguma experiência Religiosa. Se não passou, alguém ao seu lado 
já deve ter contado algo que o levou a refletir sobre o assunto. Neste capítulo, vamos ver que a 
experiência religiosa é mais rica do que se imagina e é universal. 
Paulo Augusto Seifert 
Ronaldo Steffen 
Douglas Flor 
A religião tem estado presente no cotidiano através de diferentes manifestações. Pode-se, sem 
entrar em detalhes por ora, mencionar algumas áreas, alguns eventos e algumas práticas 
pessoais e sociais marcadas por ideias, ritos e símbolos consagrados ao campo religioso. 
De uma forma bem simples, podemos reportar o leitor a algumas práticas familiares ligadas à 
tradição religiosa como o casamento, batismo, morte e velamento. São cerimônias religiosas tão 
tradicionais, que muitas pessoas acabam se envolvendo nelas sem se darem conta do aspecto 
religioso. Também é bastante comum ficarmos sabendo de pessoas doentes ou com problemas 
mais sérios que buscam ajuda divina como alternativa para a sua cura. 
No esporte, estamos acostumados, marcadamente no futebol, com a cena de uma oração 
conjunta antes da entrada no campo. Numa decisão por pênalti, por exemplo, é comum a 
imagem de jogadores ajoelhados, rezando ou beijando sua santinha ou apontando os dedos para 
o céu após uma defesa ou gol marcado. 
No campo musical, não são raras as menções que se fazem a personagens religiosos e até mesmo 
a sentimentos de ordem religiosa; no campo das artes somos conduzidos a milhares de imagens 
notadamente carregadas de simbolismo religioso dos mais diversos matizes. A literatura não tem 
deixado por menos e tem sido o mercado que mais cresce em termos de editoria nos últimos 
anos. O cinema tem sido pródigo nas temáticas de ordem religiosa. As novelas, fenômeno 
brasileiro que ganha o mundo, jamais têm deixado de lado alguma alusão, personagem e até 
mesmo a temática central ligados a fatos eminentemente religiosos. 
A alimentação também sofre influências da religiosidade, havendo religiões que proíbem a 
ingestão de determinados alimentos e que prescrevem dietas especiais, como a kosher, 
dieta judaica. O modo de expressar nossas ideias através da linguagem é, igualmente, 
marcado por formas religiosas, especialmente em algumas expressões populares. O turismo 
religioso é hoje um grande filão na arrecadação de divisas para um município. A educação é 
fortemente marcada pelos valores que ela prega, quase sempre idênticos aos valores de ordem 
religiosa. A área da saúde, o trato com a dor, a vida e a morte foi e ainda é construída com 
suporte religioso. Nosso calendário, suas datas festivas e grandes eventos, tem sua origem no 
meio eclesiástico. As diversas áreas do conhecimento humano, também tem-se ocupado com a 
temática religiosa como a Filosofia, a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia, a História, a 
Medicina, a Física, a Arqueologia, a Geografia e assim por diante. 
Apesar das diferentes atitudes de repulsa que caracterizam a negação dos elementos religiosos, 
as menções apontam para o fato do ser humano buscar ligar-se ao Transcendente como se 
mantivesse uma ligação umbilical da qual retira os elementos vitais para a sua existência. 
A questão que se coloca é a de como compreender essas ligações. Qual o fundamento capaz de 
sustentar uma avaliação compreensiva da junção ser humano - Transcendente? Há muitas 
possibilidades viáveis, tanto a partir das diferentes perspectivas e entendimentos religiosos 
quanto de escolas de reflexão filosófica. 
Além disso, importa considerar a relação que há, ou pode haver, entre a religião e as 
manifestações importantes do espírito humano. A título de introdução, consideremos como se 
relacionam religião e filosofia, religião e ciência, religião e moral, religião e teologia. 
Religião e filosofia 
O que tem a filosofia a ver com a religião? Essa é uma pergunta importante cuja resposta não é 
óbvia. Ao longo da história do pensamento humano, vemos cooperação e competição entre 
ambas. Em certo sentido, a cooperação e a competição pressupõem a mesma concepção: a de 
que compete à razão filosófica provar a veracidade das ideias religiosas. Ou, dito de outra 
maneira, que compete à razão filosófica determinar se religião e superstição são a mesma coisa 
ou se são coisas distintas e separáveis. 
Posta a questão dessa maneira, temos duas respostas possíveis: ou a filosofia apresenta provas 
de que a religião é verdadeira ou a filosofia apresenta provas de que a religião não é 
verdadeira. Se for o primeiro caso, dizemos que há entre ambas cooperação; se for o segundo, 
que há competição. Quando se fala em provas, significa que qualquer pessoa racional deve 
concordar com o argumento, mesmo que não seja um argumento demonstrativo ao estilo da 
matemática, cujos cálculos, se bem feitos, dão um único resultado, e o sujeito que não percebe 
ou não concorda com o resultado é incapaz (um exemplo simples: 3x3 = 9, e não faria nenhum 
sentido alguém dizer: "Para você; para mim é 8"). 
O argumento deveria ser cognitivamente convincente. Aquele que não concorda com a 
conclusão, ou não compreende o argumento ou está agindo de má-fé. 
Onde, porém, buscar tais provas? Historicamente, têm sido elas buscadas no raciocínio abstrato, 
na análise e comparação de ideias, na experiência sensorial, no senso comum, nas explicações 
científicas, no sentimento moral. Diversos os pontos de partida, similaridade no modo de 
argumentar. Parte-se de elementos geralmente aceitos e, se for o caso, de verdades evidentes 
ou necessárias (que não podem ser negadas), aplicam-se as regras básicas do raciocínio lógico, 
seja dedutivo ou indutivo, alcançando-se uma conclusão. Tal como se faz nos raciocínios comuns 
ou nos científicos. Se o propósito é mostrar que a filosofia justifica a religião e prova a 
existência de Deus (ou da realidade última), temos os argumentos ontológicos, teleológicos, 
cosmológicos e morais. Se o propósito é mostrar que a filosofia refuta a religião e prova que 
Deus não existe, temos os argumentos do mal, os argumentos evidencialistas etc. 
Exemplo do primeiro tipo: observamos que a natureza exibe ordem e finalidade, como se fosse, 
por exemplo, uma grande máquina na qual as partes se ajustam umas às outras perfeitamente, 
de forma a fazer o todo funcionar. Na nossa experiência, sempre que há ordem e finalidade em 
algo, tal objeto foi pensado e realizado por uma mente inteligente. Logo, a ordem e finalidade 
que observamos no Universo indicam a existência de um criador inteligente. Este se chama 
Deus. Logo, Deus existe. Exemplo do segundo tipo: observamos que há muitos e diversos males 
no Universo. Se Deus fosse bom, ele desejaria eliminar todo o mal; se fosse onipotente, ele o 
faria. Como o mal existe, Deus não é onipotente ou não é bom, ou ambos. Como a religião 
afirma que Deus é bom e onipotente, logo Deus não existe. 
Mesmo aceitando que essa é a tarefa da filosofia, isso não quer dizer que o filósofo acredita que 
é assim que as pessoas aceitam ou recusamuma religião, com base em argumentos. As religiões 
seguem seu caminho independentemente disso e a preocupação com argumentos justificadores 
é, quando muito, secundária. Mas os argumentos mostrariam se as pessoas são racionais na sua 
crença. Por outro lado, pode ser que o pressuposto básico esteja errado, sendo que não 
compete à filosofia fundamentar ou provar a verdade das crenças religiosas básicas. A tarefa da 
filosofia, em relação à religião, seria mais modesta. Atualmente, muitos filósofos, tendo em 
vista o desenvolvimento histórico das explicações filosóficas, julgam que a filosofia pode ajudar 
a melhor compreender as ideias religiosas e auxiliar as religiões a se livrarem de alguns 
elementos supersticiosos indevidamente acrescentados à fé básica, especialmente aqueles 
relacionados a confusões conceituais derivadas de um uso inadequado da linguagem ou à 
compreensão equivocada das teorias e hipóteses científicas ou ainda a preconceitos de natureza 
não religiosa. Essa abordagem tem se mostrado mais produtiva do que as outras duas opções. 
Religião e ciência 
E quanto à relação entre religião e ciência? Há quem julgue que certas teorias científicas estão 
em direta contradição com a crença religiosa. Um exemplo contemporâneo pode ser encontrado 
na discussão entre evolucionismo e a teoria do desígnio inteligente, ou criacionismo. Se 
olharmos para o passado, este era o juízo feito por alguns acerca da relação entre 
heliocentrismo e o relato bíblico cristão sobre a criação e o papel do ser humano nela. Críticos 
religiosos do heliocentrismo, à época, julgavam que a teoria geocêntrica era, essa sim, 
compatível com a crença cristã, enquanto sua alternativa, incompatível. Hoje, nem mesmo 
grupos fundamentalistas percebem uma contradição, e muito menos as igrejas tradicionais ou os 
cientistas ateus ou agnósticos. 
A situação com o evolucionismo é, sem dúvida, um pouco mais complicada. Pode-se, no 
entanto, dizer que isso se deve em boa parte às consequências filosóficas, morais, teológicas 
extraídas por alguns de seus defensores. Se esse tipo de argumento for legítimo, há um conflito. 
Por outro lado, também parece que esse conflito é alimentado por uma interpretação literalista 
em demasia dos textos sagrados. Essas diferentes concepções hermenêuticas acerca de como 
deve ser entendida a revelação bíblica é que vão possibilitar uma postura de aproximação ou 
rechaço entre ciência e religião. 
Veremos um pouco mais dessa relação entre ciência e religião no próximo capítulo. Passamos 
agora a analisar a relação entre religião e moral. 
Religião e moral 
Algo que chama a atenção de quem participa ou observa as religiões é a íntima conexão destas 
com a moral. Muitos procedimentos e discursos religiosos (praticados no âmbito das religiões 
organizadas, especialmente) parecem consistir em admoestações para que as pessoas corrijam 
seu modo de vida e passem a agir de acordo com códigos morais mais estritos, que não se 
restringem a proibir determinados atos, mas também exigem do crente ações positivas, de 
auxílio aos doentes e aos necessitados, por exemplo. Mesmo que haja diferença (embora não tão 
acentuada) entre os códigos morais professados por diferentes religiões, não há como afirmar 
que essa relação seja meramente circunstancial, como parece ser o caso da relação entre 
ciência (especialmente as chamadas ciências naturais) e moral. Como podemos explicar essa 
conexão íntima? 
Uma proposta de explicação procura reduzir a religião à moral. Isso significa dizer que o 
significado essencial da religião encontra-se na moralidade. A religião consistiria em uma forma 
disfarçada ou mais eficiente de induzir as pessoas a um comportamento ético desejável. Alguns 
pensadores sugeriram que há uma similaridade entre o papel das religiões e o ensinamento 
moral de uma criança. Assim como se faz necessário, por vezes, ensinar bons modos a uma 
criança na base de punições ou estórias fantasiosas, há pessoas (e são elas muitas) que precisam 
receber as ideias morais acompanhadas de alguma estória cósmica ou divina. Caso contrário, 
não compreenderão e não se submeterão à norma moral. Mas uma vez que se tornam maduras e 
autônomas, percebem que a moral se mantém por si mesma. Podem, então, abandonar a 
religião. 
Esse tipo de explicação pressupõe a falsidade das estórias e/ou ideias religiosas. Se aceita por 
alguém, esta pessoa deixa de ser, em um sentido mais forte, religiosa. Esse resultado não quer 
dizer que a explicação esteja equivocada. Contudo, podem ser mencionadas outras objeções 
que mostrariam a inadequação de tal hipótese. Primeiro, não faz jus ao fenômeno religioso. 
Mesmo que a moral seja parte integrante das religiões, não é tida como única, nem como a 
principal. Outros elementos importantes são a estética, os ritos, os mistérios, a ação de Deus na 
história (no caso das religiões teístas). Prestando atenção ao discurso religioso como tal, o que 
parece ser o mais importante está naquilo que se poderia chamar de 'realidade última', o 
verdadeiro por trás das aparências, o efetivamente real, o fundamento de tudo que existe 
(vamos chamar isso de 'o elemento metafísico'). Por exemplo, no cristianismo considera-se como 
o mais importante saber quem é Deus, quais seus atributos, qual sua relação conosco. Se o Deus 
cristão fosse apenas um princípio moral, ou o princípio do bem, o cristianismo perderia muito de 
seu sentido. Mesmo que alguém julgue ser o cristianismo, em última análise, falso, dizer que 
sua essência é a moralidade constitui uma simplificação grosseira; além disso, para dizer que o 
cristianismo é falso, é preciso supor a seriedade do elemento metafísico. Acrescente-se ainda 
que uma crítica feita constantemente por pessoas que consideram os relatos religiosos como 
fantasia refere-se à crueldade e violência que as religiões exibem, ao terror mental que 
exercem sobre os crentes, à sua intolerância. Se tal crítica faz sentido, é justamente porque a 
conexão entre moral e religião não pode ser adequadamente explicada como se a essência da 
religião fosse a moral. 
Outra explicação, favorecida pelos religiosos, está em que o elemento metafísico provê o 
fundamento da moral. A moral depende da religião e lhe dá o suporte real de que ela necessita. 
Como a moral não é descritiva, mas normativa, diz como devemos agir ou que hábitos virtuosos 
devemos cultivar, não sendo ela capaz de responder à questão sobre sua própria validade. Se 
alguém pergunta por que deve ser moral, é preciso apontar para algo fora da moral, para a 
realidade, para as coisas como elas realmente são. Devemos ser morais porque assim é o 
mundo. Por exemplo, o cristão deve observar o decálogo porque Deus assim o quer, ou porque 
Deus criou o mundo de tal forma que a inobservância dos princípios e regras morais afeta e 
perverte toda a natureza. 
Mas há outra alternativa de compreender a relação entre moral e religião, pela qual nenhuma 
delas serve de razão ou fundamento da outra, embora permaneçam intimamente ligadas. A 
religião não é uma forma mítica de impor regras morais, nem necessita a moral de um 
fundamento religioso; ambas são autônomas, sem que isso implique qualquer moral ser 
compatível com qualquer religião. 
Religião e teologia 
Muitas vezes, os termos teologia e religião são considerados como sinônimos. Contudo, convém 
distingui-los para melhor compreender o fenômeno religioso. Teologia é um termo grego e 
significa "conhecimento sobre Deus". Hoje em dia, é comum a distinção entre teologia natural e 
teologia revelada. Teologia natural refere-se àquele conhecimento sobre Deus que se baseia na 
experiência comum, quando, por exemplo, observamos o mundo ou quando consideramos nossos 
sentimentos internose na racionalidade, enquanto teologia revelada refere-se àquele 
conhecimento sobre Deus que se baseia em alguma manifestação direta da divindade. E no que 
isso difere de religião? 
A diferenciação pode ser especialmente útil para aquelas religiões que têm um texto sagrado 
e/ou uma tradição considerada normativa. Assim, religião consistiria no conjunto de verdades 
reveladas (por exemplo, no cristianismo, que Deus é triúno, que Jesus é Deus encarnado) de 
forma clara e não simbólica, enquanto teologia significaria a reflexão organizada e 
sistematizada da revelação. Além disso, haveria os ritos e modos de vida eclesial (de igreja, ou 
religião organizada). Assim, poder-se-ia manter um núcleo fixo e uma concepção progressiva da 
experiência e reflexão religiosas, consideradas então como teologia. A religião não muda, mas a 
teologia sim, especialmente no que se refere a suas relações com a ciência e a cultura. 
A palavra Religião 
Etimologicamente, o termo Religião surge na história da humanidade através dos autores 
clássicos, como Cícero, Lactâncio e Agostinho, respectivamente, nas palavras re-legere, que 
significa reler, re-ligare, que significa religar, e re-eligere, que significa reeleger. Todos os 
conceitos nos dão a ideia de voltar a uma situação anterior, ou seja, ligar novamente a criatura 
com o criador. É exatamente esta tentativa de religar com o Ser Superior, através de um 
conjunto de crenças, normas, ritos ou costumes, que dá origem às diversas religiões o fenômeno 
religioso propriamente dito (KUCHENBECKER, 2000.). 
Apesar de seguidamente ouvir-se que religião é coisa do passado, as menções acima indicam 
uma direção contrária. Estão apontando para o fato de que o ser humano preocupa-se com o 
divino, aqui entendido no sentido daquilo que ocupa lugar de destaque ou o primeiro lugar na 
vida. 
Conhecimento Religioso 
Ainda tentando responder à questão: o que é religião, podemos dizer que religião pode ser 
considerada um batismo numa igreja cristã, um ritual sagrado nas águas do Rio Ganges, a 
adoração num templo budista, um muçulmano ajoelhado e orando para o Alá ou os mesmos 
devotos do Islã peregrinando a Meca, podendo igualmente ser um Judeu diante do Muro das 
Lamentações em Jerusalém. São tantas as menções que seria impossível citar todas. 
O que pretendemos fazer é ligar os fatos. As ciências da religião procuram responder ao que as 
atividades citadas acima têm em comum. Nós procuramos, como pesquisadores, investigar os 
rituais de uma perspectiva externa. Buscamos semelhanças e diferenças. Queremos entender 
como se dá o processo historicamente e o que isso representa para a sociedade hoje. 
Por que estudar as religiões? 
Dependendo da experiência de cada um, as respostas serão diferentes. Talvez você seja um 
religioso e não precise de tantas explicações. Mas, com certeza, muitas pessoas ainda não se 
deram conta da importância do assunto. 
Jostein Gaarder, escrevendo O Livro das Religiões, nos ajuda a responder à pergunta acima: 
Um rápido olhar para o mundo ao redor mostra que a religião desempenha um papel bastante 
significativo na vida social e política de todas as partes do globo. Ouvimos falar de católicos e 
protestantes em conflito na Irlanda do Norte, cristãos contra muçulmanos nos Balcãs, atrito 
entre muçulmanos e hinduístas na Índia, guerra entre hinduístas e budistas no Sri Lanka. Nos 
Estados Unidos e no Japão há seitas religiosas extremistas que já praticaram atos de terrorismo. 
Ao mesmo tempo, representantes de diversas religiões promovem ajuda humanitária aos pobres 
e destituídos do terceiro mundo. É difícil adquirir uma compreensão adequada da política 
internacional sem que se esteja consciente do fator religião. (GAARDER) 
Além disso, explica Gaarder, um conhecimento religioso também pode ser útil num mundo que 
se torna cada vez mais multicultural. Ainda mais quando falamos em globalização, apesar de 
que o termo deva ser usado com cuidado. Muitos de nós viajamos pelo Brasil ou mesmo ao 
exterior, entrando em contato com as diversas culturas religiosas. Estes povos têm costumes 
diferentes que devem ser respeitados pelos seus visitantes. Se uma mulher estiver num país 
muçulmano, por exemplo, terá que observar o tipo de roupa que usará nas ruas. É claro que não 
precisará andar com uma Burca, mas terá que cobrir seu corpo com roupas decentes. 
Finalmente, acreditamos que o estudo das religiões pode ser importante para o desenvolvimento 
pessoal do indivíduo. As religiões podem responder a várias das perguntas existenciais que 
fazemos como: de onde viemos, o que somos e para onde iremos. 
Tolerância religiosa 
Este é um dos pontos mais importantes na nossa caminhada. Tolerância é o respeito pelas 
pessoas que possuem diferentes pontos de vista em relação à religião. Não significa que 
precisamos concordar com tudo o que as outras religiões praticam e seguir os mesmos rituais. 
Cada um tem o direito de seguir aquilo que é melhor para si. Mas a tolerância não é compatível 
com atitudes como zombar das opiniões alheias ou se utilizar da força e de ameaças contra 
quem não concorda conosco. A tolerância não limita o direito de fazer propaganda, mas exige 
que esta seja feita com respeito pela opinião dos outros (GAARDER). 
O respeito pela vida religiosa dos outros, pelas suas opiniões e pontos de vista, é um pré-
requisito para a nossa aula de Cultura Religiosa. Sem isso, é impossível começar, pois: 
Com frequência, a intolerância é resultado do conhecimento insuficiente de um assunto. Quem 
vê de fora uma religião, enxerga apenas as suas manifestações, e não o que elas significam para 
o indivíduo que a professa (GAARDER). 
Sincretismo Religioso 
No Brasil, é muito interessante falar sobre religião. Isto porque temos aqui uma pluralidade 
religiosa bem interessante. Além disso, encontramos o que chamamos de Sincretismo Religioso. 
Isso acontece quando misturamos elementos de várias religiões numa só. Sincretismo é o termo 
que os historiadores denominam de fusão ou interpenetrações de religiões, ritos, crenças e 
personagens cultuais. Os cultos afro-brasileiros são um exemplo comprovado de sincretismo 
religioso. Queremos mostrar como isso acontece através da fala de um personagem sertanejo do 
passado: Riobaldo Tatarana, do Grande Sertão: Veredas: 
 
Quem sabe você conhece alguém que se identifica com este personagem. Nas aulas de Cultura 
Religiosa, quando perguntamos se nossos alunos têm alguma religião, muitos respondem: Sou 
Católico Apostólico Romano, não praticante. Isto significa que eles são Católicos por tradição, 
mas não vão à igreja aos domingos. Muitos são católicos, mas não deixam de ir ao terreiro ou ao 
Centro Espírita. Essa é uma marca da religiosidade brasileira, um país de múltiplas e variadas 
crenças, que coexistem e convivem num clima de certa tranquilidade. 
Conclusão 
É importante ressaltar aqui a questão da tolerância. Religião sem o devido respeito perde o 
sentido. Não é possível pregar algo e praticar outra coisa. Por outro lado, a experiência religiosa 
é importante na vida de todo o ser humano. Se você ainda não passou por isso, busque entender 
um pouco mais do assunto. Leia e reflita sempre. 
 
CATÃO, Francisco. O fenômeno religioso. São Paulo: Ed.Letras e Letras, 1995. 
GAARDER, Jostein, HELLERN, Victor, NOTAKER, Henry. O livro das religiões. São Paulo: 
Companhia das Letras, 2000. 
KUCHENBECKER, Walter (org.). O Homem e o Sagrado. 5.ª ed. Canoas: Ed. da ULBRA, 1999. 
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. 
 
 
Introdução 
Problematizar a Cultura Religiosa como objeto de estudo acadêmico nos remete 
inevitavelmente ao debate histórico entre ciênciae religião, no qual também se insere a 
discussão entre as relações possíveis entre fé e saúde. O capítulo pretende apresentar um 
panorama geral desse debate e aprofundar um subtema, que é o fenômeno da religiosidade 
popular conhecido como possessão e exorcismo. Este será analisado sob múltiplas perspectivas, 
demonstrando como um mesmo fenômeno pode ser compreendido e interpretado de diferentes 
formas, dependendo dos pressupostos que embasam cada uma das explicações. Serve, por isso, 
de parâmetro para tantos outros fenômenos no campo da religião que precisam ser analisados 
igualmente sob diferentes pontos de vista. 
 
Um das áreas mais instigantes e polêmicas da atualidade é a relação entre religião e ciência , 
fé e saúde, medicina e espiritualidade. Mesmo que essa relação seja muito antiga - em 
inúmeras culturas a doença e a cura eram experiências que ficavam ao encargo dos sacerdotes, 
dos pajés e dos xamãs -, nos dias de hoje se tem discutido muito quais são os limites de cada 
uma das duas áreas. Apesar de haver correntes que veem aí oposição total, tensão constante ou 
crítica mútua, outra corrente procura caminhar no sentido de propor uma perspectiva 
convergente ou integralista de ambas as áreas, sem desrespeitar as especificidades de cada uma 
delas. 
Um dos temas que melhor podem exemplificar essa relação ou controvérsia entre religião e 
ciência versa sobre o embate entre o Criacionismo Bíblico e a Teoria Evolucionista de Charles 
Darwin, que tem gerado posicionamentos por vezes arbitrários de ambas as partes. Opta-se 
nesse capítulo por tratar de um tema um pouco menos dualista, que é a relação entre 
espiritualidade e saúde. 
No artigo de Horta se afirma: 
A partir de Einstein, reduziram-se, um a um, os impedimentos de cercania para ciência e 
religião, a ponto de João Paulo II afirmar que religião sem ciência não é boa religião, bem como 
ciência sem religião não é boa ciência. Uma posição convergente com a do sumo pontífice foi, 
recentemente, tomada pela Organização Mundial da Saúde (1998), ao ter acrescentado a 
dimensão de bem-estar espiritual ao seu conhecido conceito multidisciplinar de saúde, que, 
como se sabe, só entendia uma condição de saúde se existisse a presença de bem-estar nas 
dimensões físicas, psíquicas e sociais. (HORTA et al., Psiquiatria na prática médica, a 
religiosidade e suas interfaces com a medicina, a psicologia e a educação, 2007) 
É possível afirmar que o acréscimo da dimensão espiritual/religiosa à concepção de saúde 
integral constitui um aspecto que aponta para uma valorização dessa área no campo das 
ciências da saúde. Trata-se de um marco decisivo na aproximação e entrelaçamento da ciência 
com a religião ou, de forma mais específica, com a espiritualidade humana. 
Dois trabalhos de cunho científico, entre tantos outros que poderiam ser citados, indicam essa 
aproximação. O primeiro deles é a tese da psicóloga gaúcha Luciana F. Marques, realizada pela 
PUCRS, em que ela procura comprovar que a religiosidade e o bem-estar existencial são fatores 
importantes para os indivíduos terem uma melhor saúde física e mental. Em sua pesquisa, as 
pessoas que afirmaram não ter religião, em geral, foram as que demonstraram menor bem-estar 
existencial. 
O segundo trabalho é oriundo da Universidade do Texas e foi citado pela Revista Veja de 
08/12/1999. Ele aponta para o fato de que a espiritualidade possui relação direta com 
disposição física e mental. As pessoas que praticam uma religião apresentam melhores 
condições de saúde. Os maiores ganhos são de fundo psicológico, visto que os religiosos têm 
autoestima maior e um círculo de amizades com o qual têm afinidades, prevenindo doenças de 
fundo emocional. 
Num mesmo caminho, as faculdades de Medicina dos Estados Unidos já têm dado espaço à 
relação entre a espiritualidade e a saúde na formação acadêmica de seus alunos. Vários 
simpósios, congressos, palestras e cursos na área da saúde também vêm enfocando essa questão 
nos últimos anos, o que demonstra o aumento de interesse e preocupação dos profissionais no 
sentido de, ao menos, refletir sobre a temática. 
Há algum tempo, trabalhos e afirmações que aproximassem a espiritualidade da ciência 
pareceriam ideias sentidas como completamente ilegítimas e estranhas aos preceitos religiosos 
e científicos, tal como explica Horta. 
Ciência e religião eram campos historicamente opostos, pelo menos, na cultura do ocidente. O 
apego da cultura ocidental por um pensamento linear (causalista e simplificador) e seu 
encantamento pelos avanços tecnológicos e sua crença numa filosofia empirista - em síntese, a 
adição ocidental ao positivismo estrito - configuram um conjunto de condições que, 
provavelmente, proporcionaram o isolamento e estimularam os conflitos entre religiosidade e 
pensamento científico (HORTAet al., 2007). 
Para os autores supracitados, defender o pensamento de que a religiosidade de uma pessoa 
influencia não apenas seu espírito, mas também seu corpo, sua mente e sua interação com os 
outros, já causa bem menos estranheza nos dias de hoje, mesmo que tal concepção ainda 
permaneça gerando desconfiança e inquietação em muitos meios acadêmicos. 
A partir dessa exposição inicial que introduz o tema, passamos a descrever alguns percursos 
 históricos trilhados na relação entre ciência e religião, fé e saúde. 
Ciência e religião: palco histórico de batalhas 
Não há como negar que Ciência e Religião são duas “instituições” detentoras de grande força e 
poder. Estas duas forças foram, aos poucos, se colocando em posições opostas e antagônicas, 
sendo que o início de seu confronto já data de alguns séculos atrás. Fatos como a retratação 
forçada de Galileu ao propor sua teoria heliocêntrica e a morte de Giordano Bruno, ambas 
patrocinadas pela Inquisição na Idade Média, exemplificam o cenário conturbado que abrange a 
histórica relação entre estas duas áreas. 
A Religião, por um longo período da história, deteve o controle quase total e absoluto de toda a 
produção de conhecimento. A Igreja abrigou em seus mosteiros e conventos inúmeros cientistas 
e pesquisadores ao longo dos séculos. Não que a igreja fosse a (única) fonte produtora de todo 
conhecimento, mas era através dela que o conhecimento produzido era filtrado e transmitido. 
Havia, assim, um claro cerceamento de tudo aquilo que pudesse pôr em risco as convicções, 
crenças e dogmas da religião dominante. Tal época não existe mais. Desde o Iluminismo até os 
dias atuais, a religião vem sendo, gradativamente, destituída desse poder, sendo relegada a um 
papel decorativo no que tange ao controle da produção do conhecimento científico. O seu poder 
agora circula, especialmente, pela esfera espiritual e moral das sociedades. 
Segundo o teólogo Gerd Theissen, a modernidade depôs o regime de autoridade e poder que 
estava instituído há séculos, dominado pela religião. Se antigamente a religião estava no 
governo e a ciência era a oposição, nos dias de hoje se verifica exatamente o inverso (Gerd 
Theissen citado por Gottfried BRAKEMEIER, p. 10). Portanto, o grande poder do século XXI está 
nas mãos não mais da Igreja ou da religião, mas da ciência, a ponto do teólogo protestante 
Brakemeier afirmar a inversão da ordem: 
O fulminante dinamismo da ciência acabou atribuindo-lhe, por sua vez, a aura de uma religião. 
A ciência tornou-se, ela própria, objeto de fé. Ela ultrapassou a religião tradicional e constitui-
se no credo da pessoa moderna. (Gottfried BRAKEMEIER. p. 18) 
Ao definirmos ambos os conceitos, ciência e religião, fica notório que são dois tipos de 
conhecimentos bastante distintos. Há uma diferença epistemológica significativa entre ciência e 
religião, sendo dois modos diferentes de conhecer omundo e o ser humano, que envolvem tanto 
a fonte do conhecimento quanto os critérios de verificação de cada uma. Para a religião, 
especialmente a Ocidental, a fonte é uma revelação transcendente e os critérios de verificação 
advêm desta revelação (nela se inserem Cristianismo, Judaísmo e Islamismo). Já para o 
conhecer científico a fonte é a força natural da razão e dos sentidos, sendo que os critérios de 
verificação são fornecidos por procedimentos empíricos guiados pela lógica. (Geraldo José de 
PAIVA, p.16) 
Tipologias e modelos de interação entre ciência e religião 
Há várias tipologias que procuram estabelecer modelos de interação entre ciência e religião. 
Uma das mais utilizadas é a do físico Ian Barbour, que estabelece quatro modelos de relação 
entre ciência e religião. Vamos a uma breve descrição das mesmas. (Ian Barbour, citado por 
Robert John RUSSEL e Kirk Wegter-Mc NELLY, p.46-7) 
O primeiro modelo é o do conflito. Neste modelo, há uma atitude quase bélica entre duas 
correntes: o materialismo científico de um lado e os literalistas bíblicos de outro. Não há pontes 
possíveis. O materialismo afirma que o mundo é composto apenas de matéria e que a ciência é o 
único meio de obter o conhecimento verdadeiro, sendo a religião inútil para se obter algum 
conhecimento de valor sobre o mundo ou sobre a humanidade. Em contraposição, os literalistas 
bíblicos defendem que a Bíblia precisa ser compreendida literalmente e que é a única fonte de 
conhecimento verdadeiro sobre o mundo, o ser humano e Deus. Encaram a ciência como um 
desafio à fé bíblica e praticamente descartam tudo o que brota do meio científico, se esse 
conhecimento colocar em risco alguma das verdades bíblicas. 
Laplace, destacado matemático e físico francês do início do século XIX, traduz bem a posição 
desta corrente interpretativa da ciência frente à ideia religiosa. Ao ser perguntado por Napoleão 
Bonaparte sobre onde colocaria Deus ao apresentar sua teoria cosmogônica, Laplace responde: 
“Excelência, essa é uma hipótese inútil”. Desta forma, coloca a razão como a única fonte do 
saber e desconsidera totalmente a hipótese divina, fazendo da própria razão científica a única 
fonte de "reverência e referência", num status quase divino da ciência. 
GRÁFICO TEXTO 
 
MODELO 
DE CONFLITO 
Analisando o modelo conflito pelo lado da religião, os fundamentalistas 
bíblicos criticam a ciência, especialmente pelo fato desta desconsiderar 
os relatos bíblicos, interpretados literalmente, acusando a ciência de 
querer “brincar de Deus”. A ciência é vista como uma ofensa ao discurso 
dogmático religioso, da qual as religiões não querem ou, no seu entender 
fundamentalista, não podem abrir mão. 
Para Brakemeier, a convivência inamistosa ao longo da história criou uma 
relação de suspeita recíproca entre ciência e religião: 
“A religião temia a destruição da fé mediante a racionalidade científica, 
enquanto a ciência se defendia contra o perigo de ver restrita sua 
liberdade pela religião ou até mesmo de ver prescritos os resultados de 
suas investigações”.[1] 
MODELO DE 
INDEPENDÊNCIA 
O segundo modelo de Barbour é o da independência. Este modelo afirma 
que não pode haver interação ou diálogo entre as duas áreas, porque 
ambas utilizam métodos de investigação contrastantes bem como 
linguagens distintas. Uma baseia-se na razão e em fatos, tendo um 
caráter de objetividade; a outra baseia-se na fé e em valores, sendo de 
caráter subjetivo. Seria como duas retas paralelas que não se tangenciam 
em momento algum, permanecendo isoladas sem nenhuma contribuição 
mútua entre elas. 
Segundo Johannes Kepler, astrônomo e teólogo, um dos mais renomados 
cientistas do século XVI, seria abusar da Bíblia querer deduzir dela 
informações científicas. Para Kepler, a Bíblia trata de assuntos relativos à 
salvação e não de informações científicas sobre a natureza.[2] Kepler, 
portanto, parece exemplificar o modelo da independência entre as duas 
áreas, proposto por alguns estudiosos. 
MODELO DE 
DIÁLOGO 
O terceiro modelo é o do diálogo. Para Barbour este modelo pressupõe 
alguns paralelos metodológicos entre as duas áreas, bem como questões 
que não são respondidas pela ciência e podem ser auxiliadas pela religião, 
especialmente referindo-se às questões existenciais do ser humano. 
Diante da morte, portanto, a religião, fé e espiritualidade encontram 
ampla aceitação por parte da ciência médica, especialmente no que 
tange ao aplacar da angústia do doente e na inserção da dimensão da 
esperança.[3] 
MODELO DE 
INTEGRAÇÃO 
O quarto modelo proposto por Barbour é a integração, que envolve a 
teologia natural (o mundo revela aspectos sobre Deus), a teologia da 
natureza (que incorpora as descobertas da ciência que auxiliam a 
reformular a teologia à luz destas descobertas) e a síntese sistemática 
(que combina ciência e teologia numa única estrutura).[4] Talvez esse 
modelo seja quase idealista, sendo dos quatro tipos de integração o mais 
desafiante. 
[1] Gottfried BRAKEMEIER. Ciência ou religião: quem vai conduzir a história?, p. 17 
[2] Apud Gottfried BRAKEMEIER. Ciência ou religião: quem vai conduzir a história?, p. 16 
[3] Ian Barbour apud Robert John RUSSEL e Kirk Wegter-Mc NELLY. Ciência e Teologia: interação 
mútua. In: Ted Peters e Gaymon Bennet (orgs).Construindo pontes entre a ciência e a 
religião, p.46-7 
[4] IBIDEM, p. 46-7 
Medicina e religião: as origens mítico-religiosas da ciência médica 
Quando se trata da saúde humana é possível verificar-se que tanto a religião/espiritualidade 
quanto a ciência só têm a ganhar quando se dispõem a dialogar a respeito do conhecimento 
oriundo de cada uma delas. 
Olhando para as origens dos povos e civilizações, percebe-se que há uma íntima associação 
entre a religião e a medicina. As duas áreas estavam simbioticamente ligadas na sua origem, 
sendo as funções de médico e religioso, curandeiro ou sacerdote, desempenhadas normalmente 
pelo mesmo indivíduo. Mais do que a tipologia da integração, poderíamos afirmar que havia um 
modelo de fusão entre as duas áreas. 
Para Botsaris, a medicina, antes de ser ciência, é um produto da cultura humana. Como a arte 
de curar, ela está presente desde as civilizações mais rudimentares, no momento em que surgiu 
a necessidade de alguém assumir a tarefa de curar as pessoas, auxiliando-as a lidar com a dor, 
com a incapacidade física, bem como frente à angústia suscitada pela doença e morte. Desta 
forma, criaram-se os primeiros “sistemas médicos”, que, nas culturas mais antigas, estavam 
ligadas aos sacerdotes e líderes religiosos, como xamãs, pajés, druidas, feiticeiros e 
curandeiros, que exerciam ambas as funções, tanto as de religioso como as de médico ou 
curandeiro. (BOTSARIS, Alexandros Spyros, p.57) 
Maffei, ao definir medicina, aponta para as mesmas origens antropológico-culturais, afirmando: 
A medicina é considerada uma arte e uma ciência ao mesmo tempo, sendo considerada um ramo 
da Biologia. Se indagarmos: Como e como apareceu a medicina?, verificaremos que a Medicina 
nasceu com o homem; de fato, desde o seu aparecimento sobre a Terra, o Homem foi vítima ou 
testemunha do sofrimento e, por isso, sempre procurou observar as doenças que o afligiam e 
dar-lhes os remédios. (MAFFEI, 1978) 
A partir destas duas afirmações, começamos a verificar como a relação entre a prática médica e 
a dimensão religiosa-espiritual é marcada pela indiferenciação na sua origem, até porque não 
havia ciência como a conhecemos hoje. 
Landmann aponta para algumas destas relações ao citar dois deuses. O primeiro é o deus médico 
 Imhotep, da mitologia egípcia. Já o segundo é um dos deuses gregos mais populares, Esculápio,o deus da medicina. Aponta para o fato de que no Antigo Testamento, texto sagrado tanto para 
judeus como para cristãos, Deus também assume o poder de curar, como diz o livro de Êxodo 
“Eu sou o Deus que te cura” (Êxodo 16.26). Portanto, para Landmann, todo carisma, divindade e 
santidade dos médicos tem seu nascedouro numa concepção religiosa ou mágica, independente 
de sua origem judaica, cristã, muçulmana ou mesmo pagã. (LANDMANN, p.14-15) 
Surge então uma pergunta de fundo histórico: a quem pertence o domínio dos processos que 
controlam a saúde e a doença? Ela é fruto de alguma área específica? Historicamente falando, 
parece ser difícil estabelecer a quem pertencia a cura das doenças. O templo de Epidauro, por 
exemplo, ficou famoso na história por dedicar aos doentes tanto cuidados corporais quanto 
espirituais, sendo também responsável pelos primeiros registros clínicos dos pacientes, ao 
registrar notas sobre o histórico e evolução do tratamento de cada doente. Ali, portanto, parece 
começar a haver uma transição entre a simples teurgia (magia baseada na relação com os 
espíritos celestes) e a medicina um pouco mais objetiva e científica. 
Uma curiosidade na relação entre medicina e religião está no símbolo da medicina, o bastão de 
Esculápio (ou Asclépio), que retrata um cobra enrolada num bastão. É curioso observar que não 
só na cultura grega, mas também na cultura judaico-cristã há um relato que aponta para 
imagem da serpente enrolada num bastão como símbolo da cura, que é a passagem bíblica de 
Números 21.7b-9, que diz: 
Moisés orou ao Eterno em favor do povo, e ele disse: - Faça uma cobra de metal e pregue num 
poste. Quem for mordido deverá olhar para ela e assim ficará curado. Então Moisés fez uma 
cobra de bronze e pregou num poste. Quando alguém era mordido por uma cobra, olhava para a 
cobra de bronze e ficava curado. (A BÍBLIA na Linguagem de Hoje. Números 21.7-9) 
A partir dos relatos acima, seria impróprio ignorar a íntima relação ou origem da medicina com 
histórias religiosas ou mitologias. É na busca do significado dos símbolos que se consegue 
compreender a própria história. Assim, a medicina não deveria se furtar a este olhar que 
desvela a sua própria essência, que é a arte da cura e promoção de saúde, ligada 
historicamente a templos, ritos religiosos e sacerdotes. 
Outro passo importante que aponta para a relação entre ciência-religião e medicina-
espiritualidade está ligado ao nascimento dos hospitais no Ocidente, demarcados pelo advento 
do Cristianismo. A filosofia cristã de amor ao próximo contribuiu significativamente para a 
criação dos hospitais, sendo que o primeiro deles, uma entidade assistencial, foi criado em 360 
da Era Cristã, em Óstia, próximo a Roma, Itália, com a finalidade básica de restaurar a saúde e 
prestar assistência aos doentes (CAMPOS, p. 16-7). 
Nomes importantes nesta nova etapa da criação de hospitais cristãos são os de Constantino e 
Justiniano. Constantino por ter decretado, em 335 da Era Cristã o fechamento de instituições 
médicas de origem pagã grega, estimulando a criação de hospitais cristãos. Justiniano, por sua 
vez, colaborou decisivamente para a construção do grande hospital de São Basílio, em Cesareia, 
no ano de 369 da Era Cristã, hospital este dedicado aos doentes velhos e órfãos. No ano de 370 
foi construído o hospital católico de Constantinopla e, por volta do ano 500 da Era Cristã, a 
maioria das grandes cidades do Império Romano já possuíam hospitais cristãos. A criação da 
enfermagem, inspirada pela religião, passou a ser constituída de pessoascarinhosas e dedicadas, 
porém os ensinamentos médicos de Hipócrates e outros estudiosos foram sendo abandonados por 
suas origens pagãs, fazendo retornar o misticismo e a teurgia, ambos notadamente de influência 
cristã (Enciclopédia Mirador Internacional,Volume IV, p. 5856). 
Já entre os séculos V e XI a Medicina estava sendo conduzida quase como um monopólio da 
Igreja Cristã, e seus praticantes eram, de fato, os religiosos (FILHO, p. 99-100). Na Idade Média, 
a influência da Igreja permaneceu no estabelecimento e manutenção de hospitais, porém estes 
se mantinham, fundamentalmente, como instituições eclesiásticas e não médicas. Com as 
Cruzadas, um novo impulso de desenvolvimento atingiu os hospitais, motivado também pelas 
doenças e pestes que dizimavam milhares de pessoas neste período da história ((Enciclopédia 
Mirador Internacional,Volume IV, p. 5856). 
Um fato que interferiu significativamente no contexto dos hospitais religiosos aconteceu no 
século XI, quando o Concílio de Clermont proibiu os clérigos de exercerem a Medicina e de 
participarem de cirurgias e intervenções médicas que envolvessem derramamento de sangue. 
Tal proibição se deu pelo receio de que os monges estivessem por demais afastados de seus 
votos religiosos por razão de seus deveres médicos. Colocou-se aí um ponto final à prática 
religiosa médica que se arrastara por mais de seis séculos (FILHO, p. 101). 
Na época do Renascimento (séculos XV e XVI) a medicina teve um grande avanço, apesar de que 
a Igreja continuava a condenar grande parte das pesquisas científicas que envolviam o ser 
humano (mesmo pesquisas em cadáveres). Porém, na busca de compreenderem melhor o 
funcionamento do corpo humano, os médicos da época começaram a tentar explicar as doenças 
através de estudos científicos e testes de laboratório. 
Há certo consenso de que a descoberta de técnicas experimentais de pesquisa no século XVII 
encaminhou uma aproximação aos fenômenos do mundo físico, distinguindo-as definitivamente 
da visão religiosa e teológica (PAIVA, p.13). A descoberta de William Harvey do sistema 
circulatório do sangue, por exemplo, auxiliou muito no desenvolvimento da anatomia e fisiologia 
humanas. Com esta e outras descobertas, aos poucos, a desapropriação da religião como lugar 
de cura e cuidado físico ficou mais clara, passando a ser quase uma exclusividade da ciência 
médica. 
Mediações da saúde e religião na atualidade 
Mesmo na atualidade, é possível arrolar diversos exemplos em que a medicina e religião estão 
intimamente associadas. Como aponta Botsaris, em grupos socialmente desassistidos, que não 
têm acesso ao sistema de saúde, indivíduos oriundos de grupos religiosos assumem a função de 
médicos e curadores. Entre estes podem ser citados os raizeiros, as rezadeiras ou benzedeiras, 
os médiuns no espiritismo e na umbanda, os pais e mães de santo do candomblé 
(BOTSARIS, p.58) e até mesmo os pastores de cultos pentecostais e neopentecostais, que 
prometem a cura de males e doenças em cultos de cura e libertação. 
Inversamente, segundo Botsaris, sempre que um médico está atendendo estabelece-se um 
contexto mágico que transcende a questão científica. O paciente despe-se, literal e 
emocionalmente diante do médico, solicitando, mesmo que de forma inconsciente, o auxílio de 
uma força “sobrenatural” para vencer o obstáculo da doença. Diz Botsaris acerca do ato médico 
sobre o paciente: 
Nesse momento, entra-se num universo paralelo extremamente amplo. É como se cada xamã, 
pajé ou druida, enfim, todo o contexto simbólico da atividade médica, associado ao 
conhecimento científico e tecnológico, estivesse presente no instante da consulta, sintetizados 
na figura do médico. (...) A atuação do médico, e mesmo a própria evolução científica e 
tecnológica do sistema, depende deste arcabouço conceitual e simbólico. (BOTSARIS, p.58) 
Porém, é notório que o médico faz questão de se afastar da figura de curandeiro de tantas 
culturas, revestido pelo segredo das forças mágicas. Ele faz questão de dizer que é um homem 
da ciência, isto é, de que conhece o motivo pelo qual uma determinada técnica de cura tem 
êxito, bem como de que entendea relação de causa e efeito (GADAMER, p. 40). 
A partir desse breve exposição da relação histórica entre religião e ciência, medicina e 
espiritualidade, poder-se-ia afirmar, como diz Paiva, que “religião e ciência podem, portanto, 
conviver, e se alguma vez houve empecilho religioso à ciência, isso se deveu à falta de 
esclarecimento" (PAIVA, p. 91). 
 Para trazer essa temática a uma situação concreta, vamos passar agora a analisar um dos 
tantos fenômenos religiosos que podem ser interpretados de uma forma interdisciplinar, 
apontando justamente para os diversos tipos de relações existentes entre religião e ciência, 
medicina e espiritualidade. 
Análise de um fenômeno religioso: doença mental ou possessão? Uma interpretação de práticas 
de libertação espiritual e exorcismo numa ótica multidisciplinar 
Quem de nós já não ouviu falar de filmes como O Exorcista (1973) ou, mais recentemente, O 
Exorcismo de Emily Rose (2005)? Ou, ainda, quem de nós já não ouviu falar de cultos de 
libertação, sessões de descarrego ou então de pessoas que afirmaram estar "com um encosto" ou 
nas quais "baixou o santo"? Transe religioso, mundo dos espíritos ou apenas transtornos mentais? 
Todos esses exemplos apontam para um fenômeno que vamos chamar aqui, genericamente, de 
possessão. Importa afirmar, desde o princípio dessa discussão, que esse é um tema controverso, 
e que estamos cientes de que há diversas formas de nominar e significar o fenômeno, 
dependendo do viés religioso ou científico de cada grupo, que constrói a sua própria 
nomenclatura e interpretação do fato. 
Desde o início da história humana, há indícios de que sofrimento e doença eram considerados 
fruto de uma força externa maligna, que atuava negativamente sobre os corpos e as mentes das 
pessoas. As curas eram ministradas por meio da expulsão dessa força maligna do corpo do 
indivíduo, em práticas que denominaríamos hoje de exorcismos, realizadas por inúmeras tribos 
ao longo da história. 
Portanto, a ideia do mal, de espíritos ruins ou de "pouca luz", de demônios que atuam no plano 
físico e atormentam os seres humanos não é privilégio do mundo cristão, embora a sociedade 
ocidental seja muito influenciada pelo cristianismo e sua ideia do mal. 
De um modo geral, o que se entende por possessão? Para o cristianismo, demônios são espíritos 
ou poderes espirituais contrários a Deus e cujas fileiras são compostas pelos chamados anjos 
caídos, que acompanharam Lúcifer na rebelião contra Deus. 
Caracterizando de modo geral uma possessão, um ser humano que está "possuído" por uma 
dessas entidades espirituais maléficas acaba perdendo sua identidade pessoal bem como sua 
liberdade de pensamento e ação, ficando alienado de si mesmo e sob o controle total do 
espírito do mal. Normalmente, uma possessão demoníaca é acompanhada de um 
comportamento violento e destrutivo contra si mesmo, contra os outros e contra o ambiente. 
Para que se levante a possibilidade de um diagnóstico positivo de possessão, é necessário que 
um indivíduo apresente, de forma clara e significativa, uma série de sintomas, indicados na 
tabela a seguir, levando-se também em conta nesse diagnóstico a frequência, a duração e a 
intensidade dos sintomas. O filme Stigmata (1999), mesmo que não trate da questão da 
possessão, traz cenas que praticamente sintetizam todos os sintomas descritos neste texto, 
dando uma visão concreta (mesmo que exagerada) do que aqui estamos tratando. 
FÍSICOS PSÍQUICOS ESPIRITUAIS 
Força sobre-humana Clarividência Caráter imoral (profanidade, 
nudez, linguajar obsceno...) 
Expressãofacial alterada Telepatia Ameaça verbal ou física a tudo 
que representa 
Cristo/cristianismo 
Mudança na voz 
(aspereza, zombaria, 
rouquidão...) 
Habilidade para predizer o 
futuro 
Entrar em estado de transe 
quando alguém ora 
Convulsões, prostração Habilidade para falar em 
línguas estrangeiras 
desconhecidas da pessoa 
possuída 
Incapacidade de confessar Jesus 
de forma reverente 
Insensibilidadeà dor Estado de transe Fenômenos poltergeist (ex.: 
ruídos inexplicáveis, telecinesia, 
odores desagradáveis...) 
Mt 8.28; At 19.16; Lc 
4.33; Mc 9.18-22; 5.1-5 
At 16.16-18; Mc 1.21-24, 34; 
Lc 4.33; 1 Sm 18.10; Mc 9.18-
22 
At 13.4-11; Mc 5.1-5; Lc 9.41s; 1 
Jo 4.1-6; 1 Co 12.3; 1 Sm 18.10 
Fonte: Oropez, 2000. p. 131. 
É prudente afirmar, porém, que a ciência já consegue provar que muitos desses sintomas podem 
ser explicados à luz da fisiologia humana. Em momentos de muita tensão o indivíduo pode obter 
extrema força e insensibilidade à dor em função de grandes descargas de adrenalina. 
Wegner, ao abordar essa temática, faz referência aos critérios que a Igreja Católica Apostólica 
Romana levanta para indicar uma possível possessão, descritos no Rituale Romanum (escrito 
séculos atrás). São eles (WEGNER 2004, p. 126): 
 o possesso deve falar diversas palavras de uma língua estranha ou entender o que alguém 
diz numa língua desconhecida; 
 deve ser capaz de relatar fatos secretos ou acontecidos em lugares distantes; 
 deve demonstrar forças que excedam a sua idade e transcendam a possibilidade de que a 
natureza humana dispõe. 
Diante desse tema, que desperta inúmeras dúvidas sobre a etiologia (de onde surgem) dos 
sintomas, segue uma série de possíveis interpretações para o fenômeno, que transversalizam a 
medicina e a religião. 
Doença, espíritos ou apenas fraude? Diferentes interpretações da possessão 
 Interpretação bíblico-cristã - As Igrejas cristãs têm como fonte de suas doutrinas a Bíblia 
Sagrada, enfatizando, de modo especial, o Novo Testamento. A partir desse pressuposto, 
as religiões cristãs admitem a existência e a ação de seres espirituais maléficos, 
chamados de demônios. Há muitos textos bíblicos que mostram Jesus Cristo e também os 
seus discípulos expulsando demônios. Há, porém, diferenças entre as Igrejas cristãs 
tradicionais (católica, luterana, batista, metodista, presbiteriana etc.) e as 
pentecostais/neopentecostais (Deus é Amor, Universal do Reino de Deus etc.) no que 
tange à prática de rituais exorcistas e à própria interpretação do que pode ser 
considerado possessão demoníaca. Logo a seguir, trataremos desse aspecto. 
 Interpretação desmitologizante - Baseia-se na parapsicologia, que procura diferenciar 
fenômenos verdadeiros daqueles que não o são, desmascarando e desmistificando fraudes 
e truques. Os fenômenos verídicos podem ser produtos de uma mente perturbada, fruto 
de uma psicorragia, isto é, uma energia mental que foge ao controle voluntário humano, 
gerando fenômenos paranormais que se fazem presentes no indivíduo e no ambiente em 
que ele se encontra, tais como tiptologia, telecinesia, xenoglosia, glossolalia, 
clarividência etc. Essa linha de interpretação tem como representante conhecido no 
Brasil o padre Oscar Quevedo. 
 Interpretações psicológico-psiquiátricas - As possessões são interpretadas como casos de 
transtornos mentais. A psiquiatria, ao descrever as psicoses e as esquizofrenias, elenca 
uma série de sintomas que se aproximam dos relatados nas possessões espirituais, como 
delírios, alucinações visuais, auditivas, táteis, entre outras. Podemos ainda citar crises 
histéricas, dissociações de personalidade e até mesmo crises de epilepsia e convulsões, 
que, muitas vezes, foram e ainda são confundidas e interpretadas por alguns religiosos 
como possessões. O psiquiatra Rogério Zimpel afirma que os transtornos dissociativos 
talvez sejam o grupo de perturbações mentais que mais se confundam com os fenômenos 
espirituais, englobando o transtorno de personalidade múltipla (ou dissociativo de 
identidade) e ainda o transtorno de despersonalização. É importante afirmar que ainda 
existe pouca literatura psiquiátrica e psicológica que trabalhesimultaneamente com os 
dois paradigmas, a saber, o psíquico/científico e o espiritual/religioso (ZIMPEL, 2004, p. 
79). 
 Interpretações sociológicas - Nessa interpretação, as possessões são vistas como 
comportamentos de protesto por parte de pessoas oprimidas, que não têm condições de 
buscar ajuda de cunho profissional, como médicos psiquiatras, psicólogos e outros 
terapeutas. Tais indivíduos encontram em igrejas um lugar de livre expressão de sua 
condição de opressão e que serve também de espaço terapêutico para elas. 
 Fenômenos catárticos - Outra interpretação, ligada à anterior, afirma que os fenômenos 
observáveis numa possessão nada mais são do que uma descarga externa de muita 
opressão, sofrimento e violência reprimida, cuja expressão livre é favorecida pelo 
ambiente sugestivo do culto. São os "demônios internos" de um indivíduo, o conjunto de 
muitas frustrações que são externalizados, numa catarse que pode ser individual ou 
coletiva. 
 Fraude - Uma das interpretações aponta o fato de que algumas igrejas podem fazer uso 
de estratégias teatrais para gerar espanto e admiração do público, treinando indivíduos 
para se fazerem passar por endemoniados. Pressupõe má-fé e falta de ética de religiosos. 
Não é possível, a priori, dizer qual das interpretações é a mais acertada, até porque cada 
situação deverá ser analisada individualmente, podendo ser qualquer uma das propostas aqui 
apresentadas. 
Visões religiosas diferentes da possessão 
Vamos examinar como as diversas religiões tratam do fenômeno que, mesmo não sendo o 
mesmo em cada uma delas, estruturalmente se mostra muito semelhante. 
 
A prática do exorcismo nos dias de hoje 
Há dois tipos básicos de exorcismo praticados nos dias atuais: o público e o privado. 
 
Um aspecto que chama a atenção dos estudiosos das religiões é o fato de que a manifestação 
dos demônios é quase inexistente nos cultos e nas missas tradicionais (não pentecostais ou 
carismáticas). Ao compararmos tais eventos com as sessões de descarrego ou libertação, em que 
prolifera a manifestação dos casos de possessão, fica em aberto uma grande pergunta: por que 
há essa grande diferença? 
Entre as possíveis respostas, poderíamos citar: o clima sugestivo dos cultos de libertação, a 
quase conjuração à manifestação das possessões nesses cultos e o estado psicoemocional do fiel 
que vai a uma sessão de descarrego. 
Uma fala de um pastor batista no programa Documento Especial, da extinta Rede Manchete, no 
ano de 1989, traduz um pensamento sóbrio a respeito do tema. Mesmo admitindo a 
possibilidade e a ação dos demônios sobre a vida das pessoas ele afirma: "Eu acho que muitas 
igrejas estão se preocupando demais com os demônios e se esquecendo do principal, que é 
Jesus Cristo". 
É o anúncio do amor, do consolo, da proteção em Deus que precisa ocupar o centro da 
mensagem cristã, e não insistentemente o medo ao demônio. Como diz a Bíblia, "se Deus está 
do nosso lado, quem nos vencerá? (...) Em tudo isso, temos a vitória por meio daquele que nos 
amou. Pois eu tenho a certeza de que nada nos pode separar do amor de Deus: nem a morte, 
nem a vida; nem os anjos, nem outras autoridades ou poderes celestiais; nem o presente, nem o 
futuro; nem o mundo lá de cima, nem o mundo lá de baixo. Em todo o universo não há nada que 
nos possa separar do amor de Deus, que é nosso por meio de Cristo Jesus, nosso Senhor. 
(Romanos 8.31, 37-39) 
Conclusão 
Voltamos a afirmar que tratar desse tema exige prudência, sem abrir mão de um olhar crítico e 
interdisciplinar, respeitando-se sempre os diversos pontos de vista e interpretações trazidos 
pelos diferentes grupos, científicos e/ou religiosos. 
Não queremos aqui emitir juízos de valor ou desconsiderar algumas das interpretações, até 
porque a verdade religiosa é uma questão subjetiva, que implica fé e que transcende uma 
análise lógica e racional dos fatos. 
Muitas ainda poderiam ser as questões a serem discutidas dentro dessa temática, como, por 
exemplo, as possíveis consequências para os indivíduos que se submetem aos rituais do 
exorcismo, bem como o efeito terapêutico ou neurotizante de tais rituais. Mas isso implicaria 
outro estudo, que não é o objetivo desta breve análise do fenômeno possessão. 
 
BONÉ, Édouard. Deus – Hipótese inútil? São Paulo: Edições Loyola, 2003. 
BOTSARIS, Alexandros Spyros. Sem anestesia: o desabafo de um médico/ Os bastidores de uma 
medicina cada vez mais distante e cruel. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. 
BRAKEMEIER, Gottfried. Ciência ou religião: quem vai conduzir a história?São Leopoldo: 
Sinodal, 2006. 
COLLINS, Francis S. A linguagem de Deus: um cientista apresenta evidências de que Ele 
existe. São Paulo: Editora Gente, 2007. 
GAARDNER, Jostein, HELLERN, Victor, NOTAKER, Henry. O livro das religiões. São Paulo: 
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GADAMER, Hans-Georg. O caráter oculto da saúde. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. 
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Introdução 
O presente capítulo apresentará um grupo de religiões orientais, algumas delas expressivas 
também no Ocidente. Elas serão apresentadas na seguinte ordem: o Hinduísmo, o Budismo, o 
Confucionismo, o Xintoísmo e o Taoísmo. Mesmo que pareçam muito distantes da realidade 
brasileira, o mundo globalizado e sem fronteiras em que vivemos tem permitido que as mesmas 
cheguem até nós. Elas acabam se fazendo presentes em influências e expressões culturais, 
artísticas ou educacionais, bem como embasando algumas crenças do campo religioso 
espiritualista moderno brasileiro. 
 
HINDUÍSMO 
Ronaldo Steffen 
 
História 
O passado 
As origens do hinduísmo podem ser encontradas em algum ponto entre o ano de 1500 a.C. e o 
ano 200 a.C., quando os chamados arianos ("nobres") começaram a subjugar o vale do rio Indo. 
As crenças dessas pessoas tinham ligação com outras religiões indo-europeias, como a grega, 
romana e germânica. Sabemos disso pelos chamados hinos védicos (da palavra veda, que 
significa "conhecimento"), que eram recitados por sacerdotes durante os sacrifícios aos seus 
muitos deuses. É o chamado período védico do hinduísmo. 
O sacrifício era importante para oculto ariano. Faziam-se oferendas aos deuses a fim de 
conquistar seus favores e manter sob controle as forças do caos.Achados arqueológicos no vale 
do rio Indo indicam que houve uma civilização avançada na Índia, anterior à chegada dos indo-
europeus, e é certo que essa civilização também contribuiu para o hinduísmo moderno. 
A época conhecida como período védico tardio, de 1000 a.C. até 500 a.C., marcou uma virada 
no desenvolvimento religioso da Índia. Importância especial tiveram os Upanishads, que até hoje 
são os textos hinduístas mais lidos. Foram escritos sob a forma de conversas entre mestre e 
discípulo e introduzem a noção de Brahman, a força espiritual essencial em que se baseia todo o 
Universo. Todos os seres vivos nascem do Brahman, vivem no Brahman e, ao morrerem, 
retornam ao Brahman. 
Os Upanishads introduzem a ideia de Brahman. Todos nascem dele, vivem nele e na 
morte retornam a ele. 
Hoje 
O hinduísmo é uma religião da Índia, mas tem muitos adeptos também no Nepal, em Bangladesh 
e no Sri Lanka. Depois de muitos anos de domínio colonial britânico, em 1947, a Índia tornou-se 
uma república independente. Passou a ser um Estado secular (não religioso), com uma 
constituição que garantia direitos para todas as denominações religiosas e proibia qualquer 
forma de discriminação baseada em religião, raça, casta ou sexo. 
Em 1947, a tensão entre hinduístas e muçulmanos, em razão da independência da Índia, 
resultou na criação do Paquistão como um Estado muçulmano separado, dividido em duas partes 
distintas: o Paquistão do Leste e o Paquistão do Oeste. Depois da guerra de 1971 entre a Índia e 
o Paquistão, o Paquistão do Leste tornou-se um Estado independente com o nome de 
Bangladesh. 
Ensinamentos 
Deuses 
A multiplicidade do hinduísmo também se manifesta em seu conceito de Transcendente. Em sua 
forma mais filosófica, o conceito hindu de divindade é panteísta. A divindade não é um ser 
pessoal, mas uma força, uma energia cósmica. Os Upanishads introduzem a ideia de Brahman. 
Todos nascem dele, vivem nele e na morte retornam a ele, sendo a energia que permeia tudo: 
os objetos inanimados, as plantas, os animais e os seres humanos. Já em sua forma menos 
filosófica está presente um conceito politeísta, que acredita num grande número de deuses. 
Quase todas as aldeias têm a sua própria divindade local. A adoração divina concentra-se em 
dois deuses em particular, ambos com raízes védicas. Um deles é Vishnu. É um deus suave e 
amigável, normalmente representado como um lindo jovem. Sua maior importância no 
hinduísmo moderno deriva de seus avatares ("reencarnação de um deus" ou "revelação") como 
Rama ou Krishna. Especialmente popular é Krishna, adorado como o onipresente e senhor do 
mundo. Costuma ser retratado como um pastor de ovelhas. Suas aventuras eróticas com as 
pastoras são interpretadas simbolicamente como o amor do Transcendente pelo ser humano. O 
relacionamento de Krishna com sua amada, Rhada, é explicado da mesma maneira. O amor 
entre os dois, sua separação e reconciliação são uma metáfora para o anseio que a alma sente 
pelo Transcendente e por sua união final com ele. 
O outro deus com grande significado para o culto é Shiva. Ele é o deus da meditação e dos 
iogues e, em geral, é retratado como um asceta. É igualmente um deus do desvario e do êxtase, 
tanto criador como destruidor, o que o torna, ao mesmo tempo, aterrorizante e atraente. É ele 
quem traz a doença e a morte, mas também o que cura. Na devoção bhakti (uma das escolas 
hindus) ele é visto como um deus cheio de compaixão, que salva o ser humano do processo de 
 transmigração da alma. 
O importante é o Transcendente. O nome dado a ele pouco importa. 
A filosofia religiosa indiana baseia-se na crença de um Transcendente eterno, mas não 
especifica se esse deus é Vishnu, Shiva ou algum outro. Deixa-se a cargo do indivíduo decidir de 
que maneira o Transcendente deve ser adorado. Nos círculos acadêmicos é comum ver Vishnu e 
Shiva formando uma trindade com Brahma. Este é tido como criador, quem faz o mundo. Vishnu 
é o sustentador, quem protege as leis naturais e a ordem universal. Shiva é o destruidor que, no 
final de cada época, dança sobre o mundo até reduzi-lo a pedaços. Assim ocorrendo, Brahma 
tem de criar o mundo novamente. Essas três manifestações do Transcendente representam três 
de seus aspectos: o criador, o sustentador e o destruidor. No entanto, esse entendimento tem 
pouca relevância na devoção popular. 
As deusas 
O hinduísmo tem uma série de deusas. Alguns adotam a teoria de que essa abundância de 
deusas não passa da expressão de uma grande e poderosa divindade feminina, a "Rainha do 
Universo" ou "Deusa-Mãe". Sua manifestação mais conhecida é Kali, a deusa negra, adorada 
sobretudo no Leste da Índia, e a quem se sacrificam animais. O alto status de Kali no mundo dos 
deuses é evidente pelas imagens que a mostram pisoteando o corpo de Shiva. 
A importância das deusas na religião indiana é visível pela escolha da "Mãe Índia" (Bhárata Mata 
ou Bharthamata) como a divindade nacional do moderno Estado da Índia. Na cidade de Varanasi, 
há um templo especial que lhe é dedicado. Ali, em vez de uma representação da deusa, está 
exposto um mapa da Índia. 
As divindades menores 
A maioria das aldeias tem seu templo dedicado a Vishnu ou a Shiva. Esses deuses concentram-se 
nas questões maiores, universais, e em geral são homenageados nos grandes festivais. Num nível 
mais doméstico, as pessoas costumam visitar pequenos templos dedicados a divindades menos 
importantes. Embora estas não sejam tão poderosas como Vishnu ou Shiva, é mais fácil 
aproximar-se delas para assuntos de menor importância, tais como solucionar problemas 
pessoais. 
Há deuses para as questões universais e deuses para as questões pessoais. 
Os deuses menores, por vezes, exercem influência em áreas específicas, por exemplo, em 
certos tipos de doença. Muitos deles têm origem humana: podem ser heróis que morreram em 
batalha ou esposas que se oferecem para serem queimadas na pira funerária do marido. 
Ser humano 
O entendimento que o hinduísmo desenvolve a respeito do ser humano está intimamente 
vinculado a uma compreensão ampla que privilegia os entendimentos sobre carma, 
reencarnação e o sistema de castas. 
Carma e reencarnação 
O ser humano tem uma alma imortal que não lhe pertence. Depois da morte, a alma volta a 
aparecer (renasce) numa nova criatura vivente. Pode renascer numa casta mais alta ou mais 
baixa ou pode passar a habitar um animal. A partir de uma visão animista, algumas correntes 
hindus admitem que a alma pode, inclusive, passar a habitar um vegetal, pois tudo o que existe 
no universo seria dotado de "anima", isto é, "alma". 
Há uma ordem inexorável nesse ciclo que vai de uma existência a outra. O impulso por trás dela 
e que a mantém sempre em movimento é o carma ("ato" ou "ação") do ser humano. O ato ou 
ação não se refere apenas a ações físicas, mas inclui pensamentos, palavras e sentimentos 
humanos. 
A ideia de que todas as ações têm consequências, que podem surgir depois da morte, não é, de 
modo algum, peculiar do hinduísmo. A originalidade da ideia está no entendimento de que todas 
as ações de uma vida, e somente elas, podem formar a base para a próxima vida. Assim, o 
carma não é uma punição pelas más ações ou uma recompensa pelas boas. O carma é uma 
constante impessoal, como se fosse uma lei natural do ato de existir. 
O hinduísmo não reconhece nenhum "destino cego" e nem divina providência. A responsabilidade 
pela vida do hinduísta no dia de hoje e por sua próxima encarnação será sempre dele. O ser 
humano colhe aquilo que semeou. O resultado das ações deriva, automaticamente, delas 
mesmas.Pode-se dizer que a transmigração das almas está sujeita à lei de causa e efeito. 
Pesquise: reencarnação e transmigração são conceitos que se referem a mesma coisa? 
Em outras palavras, o que a pessoa experimenta nesta vida, em termos de riqueza ou pobreza, 
alegria ou tristeza, saúde ou doença, é resultado de suas ações numa vida anterior. É desse 
modo que os hinduístas explicam as diferenças entre as pessoas. A doutrina do carma dá 
sustentação a um esquema de relações sociais como o sistema de castas. 
Embora a pessoa deva submeter-se ao carma que herdou de uma vida anterior, ela também 
exerce o livre-arbítrio no âmbito de sua existência atual. O ser humano, portanto, sempre pode 
melhorar seu carma e lançar os fundamentos necessários para uma vida melhor no próximo 
renascimento. 
O sistema de castas 
Desde os tempos antigos, a sociedade hinduísta está alicerçada sobre quatro classes sociais (a 
palavra empregada é varna, que significa "cor"): 
 sacerdotes (brâmanes); 
 guerreiros; 
 agricultores, comerciantes e artesãos; 
 servos. 
Porém, à medida que a sociedade indiana se desenvolveu, as pessoas foram sendo divididas em 
novas castas. No início do século XX havia em torno de três mil castas na Índia. 
Não se sabe ao certo como surgiu o sistema de castas. O certo é que as castas em geral se 
associam a profissões especiais. Uma aldeia indiana pode conter de 20 a 30 castas e, com 
frequência, cada uma ocupa um agrupamento especial de casas. Cada casta tem suas próprias 
regras de conduta e de práticas religiosas, que determinam com quem as pessoas podem se 
casar, o que podem comer, com quem podem se associar e que tipo de trabalho podem realizar. 
A base religiosa desse sistema é a noção de pureza e impureza. Para um brâmane, por exemplo, 
tudo o que tenha a ver com as coisas corporais ou materiais é impuro. Se ele se tornou impuro 
como resultado do nascimento, morte ou do sexo, ou ainda por meio de contato com uma 
pessoa sem casta ou de casta inferior, há diversas maneiras pelas quais ele pode ser purificado. 
O método tradicional mais conhecido de purificação utiliza a água de um dos muitos rios 
sagrados da Índia, como o rio Ganges. 
Religiosamente, as castas indicam o grau de pureza ou impureza de uma pessoa. 
As regras que governam a pureza formam a base da divisão de trabalho na comunidade. Certas 
atividades e certos trabalhos são tão impuros que somente determinadas castas podem realizá-
los. Essas castas têm o dever de ajudar os outros a manterem sua pureza. Por outro lado, 
apenas as castas que preencham os requisitos da pureza podem aproximar-se dos deuses mais 
elevados. 
O sistema de castas deu um novo contexto à vida do indiano moderno. Assim, ser expulso de sua 
casta é o pior castigo imaginável, e portanto isso só é utilizado para crimes muito sérios. O nível 
mais baixo no sistema de castas é o dos intocáveis ou sem casta (também chamados de párias ou 
dalits): os criminosos, lixeiros e curtidores de couro de animais, por exemplo. 
As complexas regras que controlam o contrato social entre as castas eram muito rígidas. A 
Constituição da Índia, de 1947, introduziu, no entanto, medidas com a finalidade de banir a 
discriminação por casta. Como não basta mudar a legislação para acabar com antigas divisões 
sociais e religiosas, o sistema de castas permanece tendo um papel importante, em especial nas 
aldeias do interior da Índia. 
Vida e morte 
Durante o período védico, a doutrina do carma e dos renascimentos era vista como algo 
positivo. Por meio dos sacrifícios e das boas ações o ser humano podia garantir que viveria várias 
vidas. Mais tarde, o hinduísmo passou a considerar esse ciclo como algo negativo, como um 
círculo vicioso a ser quebrado. É possível, assim, distinguir três caminhos para a libertação: as 
vias do sacrifício, do conhecimento e da devoção. 
A via do sacrifício 
Como já se viu, a palavra indiana para "ato" é carma. Hoje, ela é usada para denotar todos os 
atos humanos e até mesmo a coletividade desses atos. No período védico, o termo referia-se, 
basicamente, a atos religiosos ou rituais, em especial aos atos sacrificiais. Estes eram 
necessários para incrementar a fertilidade e manter a ordem universal. Esse antigo costume 
sacrificial, descrito nos Vedas, continua a desempenhar um papel capital no hinduísmo. Fazendo 
sacrifícios e boas ações, muitos hinduístas tentam obter a felicidade terrena. Em última análise, 
o objetivo permanece o mesmo de outras correntes do hinduísmo: libertar-se do círculo vicioso 
da transmigração do espírito. 
 A via da compreensão ou do conhecimento 
Seguindo uma ideia central dos Upanishads, é a ignorância do ser humano que o amarra ao ciclo 
dos renascimentos. Compreender a verdadeira natureza da existência, o oposto da ignorância, 
será, portanto, um caminho para a libertação. É apenas quando o ser humano adquire o reto 
conhecimento que ele é redimido da implacável roda da transmigração. 
O conhecimento que traz a salvação é o de que a alma humana (atmã) e o mundo espiritual 
(Brahman) são uma coisa só. O atmã é uma parte integrante não só dos seres humanos, mas 
também se encontra nas plantas e nos animais. Isso é conhecido como panteísmo (ligado ao 
animismo). 
Brahman é o princípio constitutivo do Universo, uma força que permeia tudo, uma divindade 
impessoal. Todas as almas individuais (atmã) são reflexos dessa única alma universal. 
O ser humano é libertado da transmigração ao adquirir plena compreensão da unidade entre 
atmã e Brahman. O objetivo é dissolver-se no Brahman, assim como uma gota de chuva se 
dissolve no mar. O ser humano tem uma centelha do Transcendente em seu interior. Mesmo que 
ele desapareça enquanto ser humano, sua origem divina permanece e vai unir-se novamente 
com o espírito universal. 
A via da devoção 
Uma terceira rota para a salvação é a via da devoção. Essa proposta começou a se difundir no 
Sul da Índia por volta de 600 a. C. e logo se espalhou por toda a região da Índia. Já no século III 
a.C. esse caminho para a libertação encontrara sua expressão no Bhagavad Gita, um poema 
catequético. Essa terceira tendência do hinduísmo é a que predomina na Índia moderna, e o 
livro Bhagavad Gita é o livro sagrado que ocupa o lugar supremo na consciência do indiano 
médio. 
Cumprir os rituais. Buscar o conhecimento. Contemplar. A religião na Índia oferece a 
possibilidade de vários caminhos para a libertação e essa multiplicidade é mais uma 
característica do hinduísmo. 
Mundo 
É plural 
O mundo não é uno, mas plural. Há diversos mundos interconectados pela mesma razão. É como 
se fossem infinitas galáxias, cada uma com o seu ponto de referência, como a Terra. O 
hinduísmo entende que entre esse ponto de referência e o restante da galáxia há diversos outros 
mundos mais sutis, acima, e mais grosseiros, abaixo. Os mundos sutis e grosseiros são os espaços 
ocupados pelas almas e que por eles transitam, conforme os méritos adquiridos ou não. 
É meio 
O mundo e suas galáxias têm uma razão. É o espaço onde as almas individuais cumprem a 
inexorável lei do carma até sua libertação. Inerente ao conceito de carma, toda decisão do ser 
humano terá determinadas consequências. Não há fatalismos no Universo. 
É moderado 
O mundo e suas galáxias é o espaço onde bem e mal, prazer e dor, conhecimento e ignorância 
se entrelaçam em proporções quase iguais. Não faz parte dos propósitos do Universo ser um 
paraíso, mas o espaço onde o espírito do ser humano pode viabilizar seu aprendizado de 
integração ao Transcendente. 
É maya 
O mundo e suas galáxias é maya. A palavra maya possui a mesma raiz que mágica. Na mágica, o 
que vemos nem sempre é o que pensamos ver. Assim é o Universo.

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