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Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes. Nº 1 - Maio de 2009 7 Artigos Aspectos econômicos da República Velha: café, urbanização e industrialização George Zeidan Araújo * Resumo: Para muitos, o binômio café-indústria é a expressão que poderia sintetizar o período da História nacional conhecido como República Velha. Lamentavelmente, esse momento é frequentemente vítima de simplificações grosseiras e superficiais que tornam seu estudo algo difícil. Todavia, para a devida compreensão daquela época, é preciso caracterizar adequadamente a economia cafeeira, o desenvolvimento industrial e as relações existentes entre eles. Para tanto, é fundamental recuar um pouco no tempo e analisar como se deu, no final do período imperial, a expansão da economia cafeeira e a paulatina substituição do trabalho escravo pelo livre assalariado. Palavras-chave: República Velha; Economia cafeeira, Industrialização _____________________________________________________________________ Abstract: For many, the binomial coffee-industry is the term that could synthesize the period of the Brazilian history known as Old Republic. Unfortunately, that time is often victim of gross and superficial simplifications that make their study rather difficult. However, for the proper understanding of that time, we must adequately characterize the coffee economy, the industrial development and the relations between them. Thus, it is crucial to go back a little in time and look, in the final period of the imperial period, how was the expansion of the coffee economy and the gradual replacement of slave labor by free labor. Keywords: Old Republic; Coffee economy; Industrialization * Graduado em História na modalidade licenciatura pela UFMG e atualmente cursando o bacharelado pela mesma instituição. E-mail do autor: geoaraujo@ymail.com Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes. Nº 1 - Maio de 2009 8 A expansão da economia cafeeira A economia cafeeira começou a expandir-se em meados do século XIX, sendo que por volta de 1840, o café já era o principal produto da pauta de exportações da economia nacional. Tal expansão se deu nas bases de um sistema agroexportador, isto é, uma economia semicolonial e escravista, reforçada pela elite imperial dos grandes proprietários. Alguns setores da elite defendiam um curioso tipo de liberalismo, já que ao mesmo tempo em que defendiam o laissez-faire liberal, defendiam a escravidão, destacando “certas especificidades” da constituição social brasileira, “(...) posição que não destoava dos plantadores de algodão do Sul dos Estados Unidos e da oligarquia açucareira cubana” (ARIAS NETO, 2006, p. 200). Os liberais descartavam qualquer espécie de protecionismo às manufaturas e indústrias, defendendo que os novos capitais desviados do tráfico de escravos fossem investidos na consolidação da lavoura, advogando o que chamavam de “vocação agrária do Brasil”. Apesar disso, esse capital foi alocado para atividades comerciais, manufatureiras, transportes e especulação financeira, ocasionando um primeiro impulso urbanizador e a expansão do trabalho livre. Ao final dos anos 1860, um novo tipo de liberalismo ganha força no país, defendendo sua inserção na “moderna civilização ocidental”. Para tanto, foram propaladas, por diferentes camadas da sociedade, idéias abolicionistas, republicanas, democráticas, imigrantistas e industrializantes; além das idéias positivistas, que tiveram especial acolhimento no interior das Forças Armadas. De qualquer maneira, com o fim da escravidão cada vez mais iminente, o principal problema para os grandes proprietários e produtores rurais, era como resolver a questão da mão-de-obra uma vez proclamada a Abolição. Uma análise da tabela abaixo, que mostra a pauta de exportações brasileira de 1821 a 1890, revela como isso deveria ser particularmente preocupante para os produtores de café, atividade que se havia tornado um vultoso negócio a partir, como já foi dito, dos anos 1840: Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes. Nº 1 - Maio de 2009 9 TABELA 1: PRINCIPAIS PRODUTOS DE EXPORTAÇÃO 1821-1890 (% na receita das exportações) PERÍODO CAFÉ AÇÚCAR ALGODÃO BORRACHA COURO E PELES OUTROS 1821-1830 18,4 30,1 20,6 0,1 13,6 17,2 1831-1840 43,8 24,0 10,8 0,3 7,9 13,2 1841-1850 41,4 26,7 7,5 0,4 8,5 15,5 1851-1860 48,8 21,2 6,2 2,3 7,2 14,3 1861-1870 45,5 12,3 18,3 3,1 6,0 14,8 1871-1880 56,6 11,8 9,5 5,5 5,9 11,0 1881-1890 61,5 9,9 4,2 8,0 3,2 13,2 Fonte: SINGER, Paul. O Brasil no contexto do capitalismo internacional:1889-1930. In: FAUSTO, Boris (dir.) O Brasil Republicano. T.3 v.1 p.355. Observa-se claramente que tanto a produção como a exportação de café aumentaram substancialmente no período, sendo a mão-de-obra escrava ainda predominante. Trabalho escravo, trabalho livre Se bem podemos afirmar que a base econômica era o trabalho escravo, é preciso considerar que a sociedade brasileira não se dividia apenas em dois setores antagônicos, a saber, senhores e escravos. Desde cedo, já no período colonial (...) formou-se no Brasil uma camada de homens livres pobres cuja existência estava atada descontinuamente à economia mercantil. Ocupavam lugares socioeconômicos distintos do escravo, isto é, da produção Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes. Nº 1 - Maio de 2009 10 agroexportadora, sendo algumas vezes subsidiária daquela, como na produção de alimentos, indústrias domésticas, oficinas, serviço militar etc. Pode-se falar, grosso modo, que era o agregado da grande propriedade, o lavrador que comercializava pequenos excedentes alimentares nas cidades, bem como profissões variadas, como artesãos urbanos, marinheiros etc (ARIAS NETO, 2006, p. 203). Contudo, no momento de substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre no Brasil, havia um sentimento de aversão ao labor, sobretudo ao manual. Essa relação com o trabalho, nódoa da escravidão, estaria latente nesses setores sociais pobres livres, representada pelo desprezo que sentiam pela condição de “homem alugado”. Além disso, após a Abolição, os próprios proprietários desejavam substituir o negro nas fazendas, pois acreditavam que ele era “racialmente” inferior e nunca poderia superar a marca da escravidão. Portanto, voltaram-se para o exterior, para o imigrante. Imigrantes e dinamização da economia cafeeira As primeiras experiências com imigrantes, realizadas na década de 1840 – parceria e contrato de locação de serviços feitos através de iniciativa particular – convenceram os fazendeiros que apenas um processo migratório subvencionado pelo Estado poderia ser uma alternativa viável para substituir o trabalho escravo. O trabalhador imigrante foi submetido a um sistema conhecido como colonato, onde arrendava-se uma porção de terra sob condição de destinar parte de sua produção como pagamento ao proprietário. Um sistema assaz lucrativo para o fazendeiro, já que ademais de liberar capitais que eram usados para manter o escravo, fazia subir a produtividade da fazenda; uma vez que o pagamento era feito por tarefa, implantando- se uma moderna disciplina do trabalho, fundada na coerção econômica do trabalhador. Na segunda metade dos anos 1880, o governo imperial passa a subvencionar a imigração, dando preferência à imigração familiar. Em muitas áreas cafeeiras esse modelo acarretou a miséria do agricultor e muitos conflitos. De todos os modos, o processo de industrialização foi muito influenciadopela imigração europeia. Há de se Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes. Nº 1 - Maio de 2009 11 fazer uma referência também aos imigrantes ou descendentes deles que conseguiram amealhar certa fortuna e investiram o capital adquirido em atividades industriais, como foi o caso de Francisco Matarazzo. Porém, a convivência com os nativos não foi sempre harmônica, pois tanto os libertos quanto quase todos os outros trabalhadores tiveram que competir com eles, sentindo-se, às vezes marginalizados pelo fluxo imigrante. A dinamização da economia cafeeira, aliada ao afluxo de capitais dos países industrializados em direção aos periféricos contribuiu para a modernização do país. No Brasil, de 1860 a 1902, 77,6% do total de investimentos estrangeiros era de origem britânica; que entraram sob forma de empréstimos, implantação de estradas de ferro, modernização de instalações portuárias, melhoramentos urbanos e em equipamentos para atividades industriais surgidas em função da economia agroexportadora. Destarte, a expansão da economia cafeeira, simultaneamente, engendrou e foi engendrada por essa modernização. Em resumo, a economia cafeeira estimulou os setores comercial e bancário, e foi integrando, de maneira paulatina, o mercado interno. Tudo isso se deu de maneira acelerada. Tal desenvolvimento acelerou-se depois de 1888, principalmente em função de três elementos. Em primeiro lugar a Abolição, que permitiu ao governo imperial a liberação de créditos para a agricultura e a adoção de uma política de emissões mais flexível. O segundo elemento foi a enorme safra cafeeira, tendo o Brasil exportado mais de 51.631 milhares de sacas de 60 kg no período 1881-1890 (PRADO JR, 1981, p. 160). Por fim, a entrada de capitais estrangeiros, principalmente ingleses, que chegaram a quase 225 milhões de libras por volta de 1913 (SINGER, 1988, p. 364); provocando verdadeira euforia nos negócios. Economia cafeeira, urbanização e desenvolvimento industrial na República Velha As reformas políticas e econômicas sugeridas pelo governo imperial, principalmente pelo Gabinete Ouro Preto (o último da Monarquia) desagradaram os monarquistas e desconsideraram as reivindicações dos cafeicultores de São Paulo, dos Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes. Nº 1 - Maio de 2009 12 negociantes e dos militares, não conseguindo impedir a implantação da República. Após o golpe de 15 de novembro de 1889, um período de instabilidade política e financeira abriu-se na história nacional. O governo provisório promoveu reformas nas Forças Armadas, criou um novo Código Penal, definiu as fronteiras nacionais e levou a cabo uma grande reforma financeira e bancária. Essa reforma tinha por escopo atender às demandas de crédito dos empresários, criando três bancos regionais com autorização para emitir o triplo de papel-moeda em relação ao que existia na época. Ademais, as sociedades anônimas, que possuíam total liberdade, multiplicaram-se, acarretando uma especulação descomedida que ficou conhecida como “Encilhamento”. Caio Prado Júnior aponta os efeitos mais manifestos dessa política emissionista afirmando que Sob a ação deste jorro emissor não tardará que da (..) ativação dos negócios se passe rapidamente para a especulação pura. Começam a surgir em grande número novas empresas de toda ordem e finalidade. Eram bancos, firmas comerciais, companhias industriais, de estradas de ferro, toda sorte de negócios possíveis e impossíveis. Entre a (...) proclamação da República e o fim da aventura (1891) incorporar-se-ão no Rio de Janeiro sociedades com o capital global de 3.000.000 de contos; ao iniciar-se a especulação, isto é, novembro de 1889, o capital de todas as sociedades existentes no país apenas ultrapassava 800.000 contos. Quintuplicara-se quase este capital em pouco mais de dois anos! (...) A quase totalidade das novas empresas era fantástica e não tinha existência senão no papel. Organizavam-se apenas com o fito de emitir ações e despeja-las no mercado de títulos, onde passavam rapidamente de mão em mão em valorizações sucessivas (...). Em fins de 1891 estoura a crise e rui o castelo de cartas levantado pela especulação. (...). A débâcle arrastará muitas instituições de bases mais sólidas, mas que não resistirão à crise; e as falências se multiplicam. O ano de 1892 será de liquidação; conseguir-se-á amainar a tempestade, mas ficará a herança desastrosa legada por dois anos de jogatina e loucura: a massa imensa de papel inconversível em circulação. Esta subira, entre 1889 e 1892, de 206.000 contos para 561.000. E como não será possível estancar de súbito este jorro emissor, a inflação ainda continuará nos anos seguintes (PRADO JR, 1981, p. 220). Entretanto, juntamente com a exportação do café, essa reforma criou condições para se investir em indústrias, importando-se máquinas e equipamentos. Se bem os lucros da exportação de café financiaram a industrialização, as reformas urbanas e a balança de pagamentos; houve uma acentuação da dependência Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes. Nº 1 - Maio de 2009 13 financeira e econômica em relação a essas exportações. Os altos lucros geraram um contínuo aumento da área cultivada e provocaram o fenômeno da superprodução; agravada pela recessão da economia mundial em 1893, que afetou também os EUA (o principal comprador do Brasil). Isso ocasionou a queda nos preços do produto em uma época na qual o café chegou a representar 64,5% das exportações (SINGER, 1988, p. 355), dado que pode nos dar uma idéia das terríveis conseqüências para o país. Além da crise internacional o país passava por um período de grande instabilidade política. Deodoro havia renunciado devido a fortes pressões e Floriano Peixoto, o Marechal de ferro, instaurou uma espécie de ditadura militar para combater os opositores, a Revolução Federalista do Rio Grande do Sul, a Revolta da Armada e outras tantas revoltas que ameaçavam a unidade do Estado naquele período. Prudente de Morais, que assumiu em 1894 encontrou o país em grave crise, que perdurou até o fim de seu mandato (1897), quando a insolvência do país era inevitável. O acordo de moratória que se seguiu com os credores europeus foi negociado por ele e por seu sucessor, Campos Sales. Durante seu mandato (1898- 1902) promoveu-se uma política deflacionária, elevando-se os impostos e o custo de vida, também com algumas falências em certos empreendimentos industriais e agrícolas. Apesar dos sofrimentos da massa da população, tal política evitou prejuízos maiores à agricultura e à indústria, já que houve um alívio na balança de pagamentos e redução de importações, ao mesmo tempo em que as exportações de café elevaram-se. Na realidade, entre 1889 e 1896 houve (...) um boom no desenvolvimento e na acumulação industrial, tendo o ritmo de crescimento diminuído entre 1897 e 1904, para voltar a crescer a partir de 1905 até 1914. A crise pós-encilhamento, que coincidiu com a crise internacional e a política de caráter emergencial adotada para enfrentá-la, demonstrou duas faces do problema da relação entre café e industrialização. Em primeiro lugar, a manutenção do modelo agroexportador dependeria de uma intervenção nos mercados visando a forçar a alta dos preços e uma redução na expansão do café para evitar a superprodução. Em segundo, evidenciou que o crescimento industrial se processava em situação de dependência em relação à dinâmica da dinâmica cafeeira – fator de fragilidade e instabilidade – que seria superada somente com o investimento nas indústrias de base, isto é, na produção de bens decapital (ARIAS NETO, 2006, pp. 217-8). Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes. Nº 1 - Maio de 2009 14 Contudo, frente à baixa nos preços do produto, devido ao câmbio desfavorável, os dirigentes dos estados cafeeiros pensaram na possibilidade de retirar do mercado parte dos estoques, na esperança de fazer subir os preços internacionais. As medidas para essa valorização foram expostas no Convênio de Taubaté, em 1906. Segundo Celso Furtado Em essência, essa política consistia no seguinte: a) com o fim de restabelecer o equilíbrio entre a oferta e a procura de café, o governo interviria no mercado para comprar os excedentes; b) o financiamento dessas compras se faria com empréstimos estrangeiros; c) o serviço desses empréstimos seria coberto com um novo imposto cobrado em ouro sobre cada saca de café exportada; d) a fim de solucionar o problema mais a longo prazo, os governadores dos Estados produtores deveriam desencorajar a expansão das plantações (FURTADO, 1975, p. 179) Os governos estaduais acabaram forçando o governo central a assumir a política de valorização, o que levou a protestos de grupos sociais e políticos, bem como de credores internacionais. No entanto, em função da concorrência entre vários banqueiros europeus, mesmo os antigos credores como a Casa Rothschild passaram a realizar empréstimos aos cafeicultores, que viviam seu ápice de poder na República Velha. A Primeira Guerra Mundial e os anos 1920 A crise cafeeira no começo do século XX se inseria no bojo da relação de dependência do Brasil com os centros internacionais. A produção em excesso de um produto de exportação e a ação dos intermediários levaram à queda dos preços, e a elevação da taxa cambial depois do Funding Loan de 1898, não permitiu que a baixa fosse compensada pela “sustentação da renda dos cafeicultores em moeda nacional” (FAUSTO, 1988, p. 227). A crise internacional iniciada em 1913 acarretaria um novo período de crise na economia e política mundiais que levaria à Grande Guerra. O ritmo de crescimento Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes. Nº 1 - Maio de 2009 15 da indústria caiu dramaticamente depois de 1914. Warren Dean defende que (...) de um ponto de vista econômico, a Primeira Guerra Mundial foi um intervalo histórico mais importante do que a crise e a derrubada da República Velha em 1930, porque assinalou a destruição do mercado livre em artigos de comércio, capital e trabalho (DEAN, 2006, p.280). Mas ao contrário da difundida idéia de que se consolidou no Brasil uma indústria de substituição de importações devido ao cerre do mercado internacional, devemos ter em mente que essa tal substituição é, no mínimo, questionável, já que se o mercado estava fechado às importações de produtos manufaturados, as importações de bens de capital, que poderiam possibilitar a implantação de novas unidades, estavam também a padecer da mesma restrição. Durante a guerra o que se verifica é uma diminuição na atividade industrial, o que nos leva encarar a dita “substituição de importações” de maneira relativa. Por outro lado, se analisarmos os dados industriais de 1920 nos deparamos com os seguintes números: TABELA 2: DADOS INDUSTRIAIS 1920 NÚMERO DE EMPRESAS CAPITAL (em contos) NÚMERO DE OPERÁRIOS Brasil 13.336 1.815.156 275.512 Distrito Federal 1.542 441.669 56.517 São Paulo 4.145 537.817 83.998 Fonte: Adaptado de ARIAS NETO, José Miguel. Primeira República: economia cafeeira, urbanização e industrialização. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano. v.1. 2. ed. p..221. Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes. Nº 1 - Maio de 2009 16 Esses dados mostram que a concentração industrial se dava onde a força da economia cafeeira era mais acentuada. São Paulo e o Distrito federal concentravam 42% dos estabelecimentos industriais, 53% dos capitais e 50% do operariado. No entanto, São Paulo sozinho detinha 31% dos estabelecimentos industriais, 29% dos capitais e 30% do operariado, enquanto o Distrito Federal apenas detinha 12% dos estabelecimentos, 24% dos capitais e 20% do operariado. Dessa forma, é possível dizer que o desenvolvimento industrial em São Paulo foi mais acelerado e se conservou assim até o final do período, apesar de que, em conjunto, o crescimento industrial brasileiro ocorreu em ritmo mais lento até 1929. A crise de 1929 Vimos como a economia brasileira era frágil e sensível aos choques externos. Por isso mesmo, afirma Boris Fausto que Antes mesmo que a “quinta-feira negra” de 24 de outubro de 1929 abrisse na Bolsa de Nova York, a grande crise mundial, os problemas inerentes à superprodução brasileira, agravados pela política de contenção monetária realizada pelo governo federal, desencadearam a crise no Brasil. (FAUSTO, 1963, p. 245) Quando houve o crash da bolsa de valores de Nova York em 1929 a produção de café atingia quase 29 milhões de sacas para uma exportação de 14,5 milhões. Os mecanismos de defesa foram ineficazes e a crise assumiu dimensões desastrosas, com o câmbio em queda livre, as reservas metálicas evaporando-se com o pagamento de dívidas externas e uma fuga generalizada de capitais. Apenas o desenvolvimento histórico advindo da Revolução de 1930, poria fim a esse padrão de desenvolvimento industrial calcado no capital cafeeiro. “A partir de fins da década de 1930 e nos anos seguintes a acumulação industrial passou, gradativamente, a ser fundamentada na reprodução e ampliação de seu próprio capital” (ARIAS NETO, 2006, p. 220). Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes. Nº 1 - Maio de 2009 17 Conclusão A industrialização brasileira foi sendo engendrada em conjunto com a expansão da cafeicultura, concentrando-se, assim, nos lugares onde se dava essa expansão. Não obstante, em outras regiões também ocorreu um processo de industrialização, embora em compasso mais lento. A entrada efetiva do Brasil na divisão internacional do trabalho na condição de agroexportador acabou por condicionar a expansão da cafeicultura ao capital estrangeiro e, dessa forma, a industrialização se deu sob uma dupla subordinação: do capital internacional e do cafeeiro. O fundamento para a primeira acumulação industrial foi o volumoso comércio importador e exportador, no qual se sobressaíam as grandes casas comissárias de café, já nos anos 1880. À essa burguesia comercial se somaram imigrantes como os Matarazzo, Crespi e outros, que constituíram relações de parentesco com a grande burguesia do café, facilitando a fusão de capitais. A burguesia industrial brasileira surgiu, pois, dessa fusão. Porém, a apontada fusão de capitais não engendrou uma comunhão de interesses e mecânico alinhamento político entre as partes. Ocorreram disputas entre cafeicultores, comerciantes e industriais em torno das taxas alfandegárias. A elevação das taxas seria, teoricamente, benéfica aos industriais, que teriam suas atividades resguardadas por barreiras aduaneiras. No entanto, não foi assim, já que os industriais eram dependentes das importações de equipamentos e de manufaturados, como o aço, para a ampliação de suas atividades. Muitas vezes, lutaram por taxas alfandegárias mais baixas apenas para os artigos que precisavam importar. Nesse sentido, se opunham freqüentemente aos comerciantes, e às vezes aos cafeicultores, que receavam sofrer represálias dos compradores internacionais do café se fosse imposta uma política aduaneira protecionista. De qualquer maneira,como as rendas do Estado eram em sua maior parte oriundas das rendas aduaneiras, ou seja, dos impostos sobre as importações, se as taxas fossem demasiadamente altas poderiam fazer com que a arrecadação caísse, afetando os pagamentos da dívida externa, os investimentos Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes. Nº 1 - Maio de 2009 18 públicos etc. É verdade que o Estado buscou estabelecer algum protecionismo e conferir alguns estímulos às atividades industriais. Mas, no conjunto do período (1889-1930), não houve uma política industrializante contínua e sistemática. Por fim, é preciso assinalar que, desde o final do Império, já existia um pensamento industrializante no Brasil. Esse pensamento – de maneira nenhuma homogêneo – teve um importante papel nos “inúmeros debates e polêmicas em nível nacional [ocorridos durante a Primeira República] sobre a questão do protecionismo industrial, identificado, às vezes, em nível ideológico, à segurança e à soberania nacionais” (Idem, p. 224). Muitas das ideias discutidas seriam adotadas algum tempo depois, quando o Estado brasileiro desenvolveria uma política sistemática de industrialização. Bibliografia ARIAS NETO, José Miguel. Primeira República: economia cafeeira, urbanização e industrialização. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano. v.1. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. DEAN, Warren. A industrialização durante a República Velha. In: FAUSTO, Boris (dir.) O Brasil Republicano,v.1 Rio de Janeiro: DIFEL,1963. (Coleção História Geral da Civilização Brasileira.T.3). FAUSTO, Boris. Expansão do café e política cafeeira. In:FAUSTO, Boris (dir.) O Brasil Republicano,v.1 Rio de Janeiro: DIFEL,1963. (Coleção História Geral da Civilização Brasileira. T.3). FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 13. ed. São Paulo: Nacional, 1980. FRITSCH, Winston. “1922: A crise econômica”. In: Revista de Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.6 n°.11, p. 3-8, 1993. Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes. Nº 1 - Maio de 2009 19 PRADO JR, Caio. História econômica do Brasil. 26.ed, São Paulo: Brasiliense, 1981. SINGER, Paul. O Brasil no contexto do capitalismo internacional:1889-1930. In: FAUSTO, Boris (dir.) O Brasil Republicano,v.1 Rio de Janeiro: DIFEL,1963. (Coleção História Geral da Civilização Brasileira.T.3).Letras, 1988.
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