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RETROATIVIDADE E IRRETROATIVIDADE DA NORMA A norma deve ter, como regra geral, uma abrangência mais ou menos ampla, isto é, uma generalidade e abstração, para situações futuras. Daí também a sua característica de hipotetividade. A noção fundamental é que a lei, uma vez promulgada e publicada, só poderá atingir relações jurídicas que a partir de sua vigência ocorrerem. Em situações apenas excepcionais, porém, mormente no regime democrático, que garante os direitos individuais, há hipóteses nas quais as leis atingem fatos pretéritos. O efeito retroativo deve ser visto como exceção a confirmar a regra pela qual a lei é uma norma para o futuro. Se as leis atingissem ordinariamente os fatos passados, as relações jurídicas se tornariam instáveis e estaria instaurado o caos. Sob esse prisma, a Constituição Federal de 1988 dispõe, no art. 5º, inciso XXXVI, dentro do longo elenco de direitos individuais, que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". Cada um desses três institutos merece estudo monográfico e aprofundamento conceitual que refoge a estas primeiras linhas. Contudo, como primeiro enfoque, entenda-se que adquiridos são os direitos que já se incorporaram definitivamente ao patrimônio jurídico da pessoa, que já estão sendo exercidos ou que já podem ser exercidos. Desta sorte, a lei não poderá tolhê- los. Assim, quem já se aposentou, ou sob a lei vigente adquiriu direito à aposentadoria, não pode ter seus direitos violados ou modificados por uma lei nova que, por exemplo, estende a idade para que seja concedido o benefício. No entanto, a conceituação de direito adquirido é por demais tormentosa e com muita frequência os tribunais são chamados a examiná-los, mormente o Supremo Tribunal Federal, a quem cabe decidir em última ou única instância sobre a constitucionalidade. A verdade é que essa é sempre uma questão em ebulição, dúctil e que atinge diretamente os interesses do Estado em confronto com os interesses e direitos individuais. Também não é menos verdade que todos os que se lançam a conceituar, definir e delimitar os direitos adquiridos enfrentam escolhos de difícil transposição. Ato jurídico perfeito é aquele já praticado e que surtiu os consequentes efeitos.Um contrato elaborado sob lei que o autorize não pode ser invalidado porque lei posterior considere esse contrato ilegal. A coisa julgada é o principal efeito da sentença. Trata-se da decisão judicial da qual não caiba mais recurso. Há instrumentos processuais que permitem, sob certas circunstâncias, alterar a coisa julgada: a ação rescisória no campo civil e a revisão criminal no campo penal. Essa matéria será estudada na ciência processual. No entanto, o princípio da imutabilidade da coisa julgada modernamente também deve ser visto sob outra ótica. Não mais se pode afirmar, como no passado, que a sentença faz do negro, branco, e do branco, negro; que coloca uma pedra sobre a questão controvertida. Há realidades materiais que nos atingem mais recentemente, mormente sob influência da tecnologia, que nem o direito adquirido, nem o ato jurídico perfeito, nem a coisa julgada podem alterar. Sob esse aspecto, apenas como argumento inicial para meditação, lembre-se de uma sentença trânsita em julgado que tenha apontado a paternidade de uma pessoa, com base em exame incorreto do DNA. Ninguém pode ser qualificado como pai genético se verdadeiramente não o for. Imaginem-se os dramas sociais que uma decisão incorreta desse jaez pode ocasionar. Nossos tribunais já se têm ocupado da questão. O fato é que tanto no que diz respeito aos direitos adquiridos como no tocante à coisa julgada há um novo horizonte a ser descortinado neste século, sempre, é verdade, buscando a proteção da dignidade humana, pedra de toque da aplicação do direito contemporâneo. Por último neste tópico, recorde-se de que no campo criminal admite-se a retroação benéfica da lei, a retroatio in mellius. Assim, alguém que tenha sido condenado por uma lei da época da conduta, e a lei nova deixa de descrevê-la como crime, deve ser beneficiado. Se estiver cumprindo pena, será posto em liberdade. Ademais, todos os registros e consequências da condenação devem deixar de operar. REVOGAÇÃO E CONFLITO DE NORMAS Quando uma lei entra em vigor não tem, como regra geral, prazo de vigência, salvo a exceção restrita já vista das leis temporárias. Assim, tem aplicação o art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil: "Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou a revogue”. Revogar significa tornar sem efeito algo até então existente. Destarte, somente lei existente pode ser revogada. Vimos que o art. I a da citada LICC dispõe que, salvo disposição em contrário, a lei começa a vigorar em todo o país 45 dias depois de oficialmente publicada. Embora ainda não vigente, a lei em período de vacatio legis já é existente, como vimos, e, apesar de não ser opinião uníssona, mesmo durante esse período, a lei em vacatio pode ser revogada, como já ocorreu em nosso ordenamento. Como vimos, pode o legislador optar pela vigência imediata da lei, quando de sua publicação. Quando há período de vacatio legis, que pode ser maior ou menor que os citados 45 dias, é porque a lei necessita de prazo para os especialistas e interessados se adaptarem à nova norma e para que eventuais aprestos materiais com relação à nova lei sejam ultimados. Revogação é termo geral que abrange a derrogação e a ab-rogação. Na derrogação, a lei nova apenas revoga parcialmente lei anterior. Na ab-rogação, a revogação atinge completamente lei anterior. Quando há derrogação, o ordenamento ficará com ambas as leis em vigor, cabendo ao intérprete, no mais das vezes, indicar quais os dispositivos da lei antiga que ainda remanescem vigentes e eficazes. A revogação é, como facilmente se nota, questão de vital importância. Afinal, cabe à sociedade ter plena ciência da existência, validade e eficácia de uma norma. Como está descrito no próprio artigo aqui citado, uma nova lei pode modificar ou revogar outra lei. Começa aí um dos grandes e mais complexos problemas da ciência do Direito. Por vezes, como deveria suceder sempre, o legislador é expresso, mencionando, no bojo da nova lei, quais as leis ou artigos de leis revogados pela nova norma. Nesse aspecto, perante a revogação expressa, não haverá maior problema para o intérprete. Os dispositivos mencionados na lei nova fazem desaparecer do mundo jurídico a vigência e a eficácia da lei antiga. Podem remanescer efeitos de vigência da lei antiga, para atos praticados sob seu pálio, o que deve ser examinado no caso concreto. Assim, por exemplo, um contrato redigido sob lei antiga seguirá, em princípio, seus dispositivos. A questão, porém, não guarda essa tal simplicidade, pois há normas programáticas, mesmo em sede de contratos, que se aplicam de plano, mesmo para negócios jurídicos praticados sob a lei anterior. De qualquer forma, há que se preservar a vontade idônea manifestada sob a lei revogada. Problema maior, por vezes de alta complexidade, ocorre quando a nova lei é omissa sobre a modificação ou revogação da lei antiga e a novel lei mostra-se contraditória ou confusa com a legislação antiga ou disciplina total ou parcialmente a matéria até então regulada. Trata-se da problemática da revogação tácita. Nessas hipóteses, há todo um trabalho de raciocínio, de interpretação e integração das normas dentro do ordenamento a fim de se concluir pela subsistência, modificação, derrogação ou revogação de lei antiga. A técnica inclui-se mais propriamente no tema da interpretação, que trataremos a seguir, mas seprende diretamente à normatividade e aqui não pode ser esquecida. Há que se verificar, nesse caso, as incompatibilidades da lei nova com a lei antiga. O tema é conhecido como conflito de normas ou antinomias. Haverá conflito de normas sempre que duas ou mais leis se contraponham. Se esse conflito é apenas aparente, ou real, isto será o objeto da interpretação. Em cada caso, o intérprete examinará a abrangência da lei nova, com relação a uma lei já existente. Do caldeamento dos julgados, ter-se-á, por fim, um quadro claro sobre qual lei deve ser aplicada. Nesse prisma, expressa a Lei de Introdução ao Código Civil: "A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior" (art. 2º, § Iº). "A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior" (art. 2º, § 2º). "Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência" (art. 2º, § 3º). Desse modo, a lei nova pode também não revogar a lei antiga, mas complementá-la, acrescendo novos dispositivos à lei existente. Como também adverte esse dispositivo legal, o fato de uma lei posterior ser revogada não faz com que se restaure lei anteriormente revogada, fenômeno a que se dá o nome de repristinação. Assim, somente por dispositivo expresso em novo diploma legal é possível repristinar lei já revogada. Assim, por hipótese, se uma lei revogasse o atual Código Civil, não seria repristinado o Código de 1916, salvo se houvesse menção expressa do legislador. Geralmente, no último artigo da nova lei encontra-se a expressão "revogam-se as disposições em contrário", a qual pode surgir isoladamente ou em conjunto com o elenco de leis que o legislador deseja expressamente revogar. Ainda que essa expressão de praxe não estivesse presente, por uma questão de princípio e lógica jurídica, ainda que não tivéssemos as normas mencionadas da LICC, as disposições em contrário estariam revogadas. Daí por que essa expressão se mostra, na realidade, no mínimo desconfortável, para não afirmá-la como inútil. Certamente, a primeira pergunta que o iniciante fará a respeito do tema é "por que o legislador não é sempre expresso?", indicando peremptoriamente no texto da nova lei quais os dispositivos e as leis que revoga. Aliás, é mais raro que seja expresso; poucas vezes o será. Como regra geral, opera-se a revogação tácita. Por várias razões isto ocorre. Primeiramente, como temos repetido exaustivamente, é muito difícil ser peremptório na ciência jurídica. O ideal é, sem dúvida, que a lei expresse qual lei ou leis ou artigos de lei que revoga. O legislador cuidadoso assim o fará. Nem sempre há esse cuidado; porém, embora tenhamos uma lei que assim determine (Lei Complementar nº 107, de 26 de abril de 2001), sucede, com frequência, que o legislador não tem ou não deseja ter condições, ao editar a nova lei, de avaliar todos os reflexos que ela ocasionará: por ausência de conhecimentos técnicos, o que ultimamente tem ocorrido infelizmente com persistência, ou porque o tema é por demais amplo e complexo. Assim, não se arrisca o editor da nova lei a revogar expressamente uma norma antiga e relega todo esse trabalho, de forma mais cômoda e com mínimo esforço, para os interessados e os tribunais. Sem dúvida, essa postura traz incertezas e insegurança, mas, amiúde, torna-se de fato inconveniente e inoportuna outra diretriz. A par dos senhores deputados e senadores, nem sempre afeitos à técnica jurídica, as assessorias jurídicas da Câmara e do Senado, bem como das assembleias legislativas estaduais, deveriam ser mais zelosas e escrupulosas a esse respeito. Exemplo lamentável dessa ausência de esmero na elaboração da lei é o Código Civil de 2002: o art. 2.045 apenas revogou expressamente o Código de 1916 e a primeira parte do Código Comercial. Há dezenas de leis que ficaram no limbo, a cargo da jurisprudência, para decidir de sua vigência total ou parcial, como, apenas para citar os exemplos mais patentes, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei do Divórcio, a Lei de Condomínio e Incorporações e a Lei dos Registros Públicos. A citada Lei Complementar nº 107/2001 é exemplo muito elucidativo, conforme já comentado, de lei descumprida pelos próprios legisladores. Seu artigo 9º determina: "A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas." O Código Civil, que se coloca como exemplo mais retumbante, mercê sua capital importância no ordenamento de qualquer nação, deveria ter merecido o cuidado propugnado por essa lei. O legislador omitiu-se. Se uma norma desse nível e dessa importância não obedece ao próprio ordenamento, a uma lei complementar, o que dizer então de leis mais singelas e menos complexas. Trata-se de exemplo claro de desmazelo e despreparo do legislador. O intuito dessa lei complementar foi evidentemente facilitar o trabalho do intérprete e dar maior segurança à sociedade. Portanto, por vontade do próprio Estado, continuamos dependendo dos incertos e demorados ventos da jurisprudência, com incerteza sobre inúmeras leis que se colocaram no limbo, com a promulgação do novel diploma civil, fato que ocorre também praticamente com a maioria das normas por aqui editadas. Com isto, fica claro que a própria estrutura legislativa e judiciária do país admite que leis vigentes podem não ser cumpridas. E fato que esse quadro demonstra um despreparo técnico do legislador, com a conivência paralela do Poder Executivo, e uma passividade daqueles que têm por missão fiscalizá-los, pelo voto e pelos instrumentos jurídicos postos à disposição do indivíduo. Sob a vertente da revogação, há sempre dois critérios fundamentais a serem considerados: o cronológico e o hierárquico. O critério cronológico é aplicação do brocardo lex posteriori derrogat priori. A lei posterior derroga a anterior, sendo ambas do mesmo nível hierárquico. Pelo critério hierárquico, uma norma inferior pode ser revogada por norma superior. Assim, as novas normas constitucionais tornam ineficazes todas as normas do ordenamento que conflitem com elas. Sendo a Constituição a lei maior, não há no seu bojo qualquer menção a revogação. Pelo mesmo princípio, uma norma inferior não pode revogar a superior. Desse modo, uma lei municipal não pode derrogar lei estadual ou federal. CONFLITO OU CONCURSO DE NORMAS Como se apontou, o fenômeno da revogação das normas jurídicas pode dar margem a outro fenômeno, qual seja, o do conflito de normas. Haverá, destarte, conflito de normas sempre que disposições de duas ou mais normas se contraponham, de modo que a observância de uma implique o descumprimento de outra. Não ocorrerá essa problemática, como vimos, quando o legislador é expresso e aponta quais as leis que o novo diploma legal revoga. Portanto, na revogação expressa não há conflito. A questão surgirá quando a lei é omissa, bem como perante a vazia expressão revogam-se as disposições em contrário. Na revogação tácita, por conseguinte, poderá surgir a complexidade. O conflito pode ser total ou parcial. Será total quando as normas são totalmente antagônicas; parcial, quando isto não ocorre. Aponta Oliveira Ascensão (2003:523) que, perante uma pluralidade ou concorrência de normas, dá-se o concurso aparente quando houver especialidade, subsidiariedade ou consunção. Quanto à especialidade, a regra a ser lembrada é que, havendo norma geral e norma especial sobre mesma matéria, prevalece a especial, uma vez que a lei geral só revogaa especial quando assim expressamente o declarar. Assim, por exemplo, a Lei do Inquilinato se aplica às locações de imóveis, enquanto o Código Civil se refere à locação em geral. As normas se apresentam como gênero e espécie. Ocorre a subsidiariedade quando os fatos previstos numa norma sobrepõem-se a fatos da mesma natureza descritos em outra. Visto por outro lado, há, então, uma sobreposição de normas. As regras de interpretação devem definir, desse modo, a norma aplicável. Assim, por exemplo, a adoção é tratada entre nós tanto pelo Código Civil, quanto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990). Várias situações semelhantes foram criadas pela edição do mais recente Código Civil. A questão interpretativa é saber se será aplicado exclusivamente o Código Civil, se ambos os diplomas se aplicam para situações diversas ou se o ECA terá apenas aplicação subsidiária. Nem sempre a conclusão será simples. Em síntese, o intérprete terá que definir se uma norma exclui outra ou se ambas convivem. O trabalho do hermeneuta será perguntar qual dos dois complexos normativos deverá ceder perante outro em cada caso. Haverá consunção de normas quando "o interesse tutelado por uma norma absorve o tutelado por outra norma" (Ascensão, 2003:524). Nesse caso, o exegeta conclui que uma norma foi revogada. Ocorre o fenômeno quando norma de abrangência mais ampla absorve também os fatos descritos em norma de alcance mais restrito. Se não houver concurso de normas, nem mesmo aparente, conclui-se pela permanência das normas sob enfoque em plena vigência. Todo esse trabalho requer, como se nota, ingente esforço do intérprete. IGNORÂNCIA DA LEI A lei, uma vez promulgada e publicada, presume-se de conhecimento de todos. O ordenamento entende que a norma legal é obrigatória e ninguém se escusa de cumpri-la. O provecto preceito encontra-se estampado no art. 3º da LICC: "Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece." Como se nota, nosso ordenamento não presume propriamente a lei como conhecida de todos, mas não admite que se possa alegar que não seja conhecida. Há aspectos diversos a serem enfocados. Decorre do dispositivo que a lei, após publicada e decorrido eventual período de vacatio legis, torna-se obrigatória para todos. São muito conhecidos os brocardos ou aforismos em torno do tema: nemo jus ignorare censetur e error júris non excusat, os quais exprimem aproximadamente o mesmo conceito. Contudo, leva-se em conta que o fato de a lei ser presumidamente de conhecimento de todos e, portanto, obrigatória retrata um dos grandes obstáculos técnicos de nossa ciência. Não há que se levar o tema exclusivamente para o âmbito da presunção, pois longe está toda a população e mesmo todos os juristas e técnicos de conhecerem todas as leis. A realidade, como a todos é evidente, mostra-se muito distante disso. Joaquin Costa (1957:13), jurista espanhol que escreveu sobre o tema em meados do século passado, afirma que há mais de dois mil anos sustenta-se a afirmação dessa presunção, "que constitui um verdadeiro escárnio e a maior tirania que se exerceu jamais na história: essa base, esse cimento das sociedades humanas é o que se encerra nesses conhecidos aforismos herdados dos antigos romanistas". A ninguém se permite ignorar as leis (nemine licet ignorare jus). Como consequência, presume-se que todos as conhecem, mesmo aqueles que delas não possuem conhecimento algum (ignorantia legis neminem excusat). Conclui o autor que é conhecimento geral que esses princípios contrariam a realidade das coisas; que se trata de uma ficção e que constitui uma afirmação falsa. Não há dúvida de que apenas uma insignificante parcela da sociedade conhece as leis e, ainda assim, aquelas leis que lhe tocam. Mesmo o mais solerte profissional do Direito não terá conhecimento de todas as leis vigentes de um ordenamento. Não faltam autores que reconhecem a falsidade dessa afirmação, desvinculada da realidade dos fatos. Ocorre que o princípio da inescusabilidade do cumprimento da lei decorre do interesse social, pois não haveria forma de ordenar a sociedade se a cada momento houvesse necessidade de se comprovar o conhecimento da lei pelo destinatário ou interessados. Desse modo, essa norma é conveniente e oportuna, para assegurar certeza jurídica. Destarte, como é facilmente perceptível, cuidando-se esse princípio, qual seja, do conhecimento presumido da lei, de um preceito tão contrário à razão e oposto à natureza e à verdade das coisas, nem o legislador nem os tribunais mantêm-se a ele apegados de forma estrita. Portanto, a aplicação desse princípio, por vezes, deve ser vista com temperamentos. Em princípio, a doutrina admite o erro e a ignorância da lei, erro de direito, ao lado do erro de fato, mormente quando o agente está de boa-fé, no âmbito dos negócios jurídicos. O que se entende é que a ignorância da lei não pode ser escusada para justificar a própria ignorância da lei (Espínola e Espínola Filho, 1999: v. 1, 79). Não há, na verdade, uma presunção de que a lei é conhecida, mas uma conveniência para que seja conhecida. A aplicação do erro de direito é ampla, como relatamos no estudo do negócio jurídico, em nossa obra de direito civil, volume 1. Conclui-se que não se admite a alegação da ignorância da lei ou erro de direito para que o agente se livre das consequências do cumprimento da lei, mas, se tiver por objeto o erro de direito em um negócio jurídico, a alegação é válida e perfeitamente admissível. Assim, por exemplo, pode ser anulado o negócio jurídico quando um agente comerciante, por exemplo, importa mercadoria ignorando que sua comercialização está proibida no território nacional. Essa matéria relativa ao negócio jurídico não se amolda perfeitamente, contudo, aos amplos termos do art. 3º da LICC. A regra geral criticada, em princípio, impõe-se sem outras considerações. REFERÊNCIA: VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2009. (p. 109-117).
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