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Discurso de Poder

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DISCURSO DE PODER E A LEGITIMAÇÃO DA VIOLÊNCIA [1: Trabalho apresentado como avaliação parcial para a disciplina Discurso de Poder e Segurança Pública, ministrada ao 6º período do curso de Bacharelado em Segurança Pública e Social, do Departamento de Segurança Publica (DSP), do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (InEAC), da Universidade Federal Fluminense (UFF).]
Rodson William Barroso Juarez[2: E-Mail: rodsonjuarez@id.uff.br (DSP/UFF)]
Considerando o discurso que inaugural da 69ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro de 2014, a então presidente Dilma Rousseff “acusou” a comunidade internacional de ser incapaz de lidar com antigos conflitos e impedir o surgimento de novas crises. Naquela fala, a presidente atestava a prontidão do Brasil em contribuir na administração de grandes desafios internacionais. A noção de que aquela geração de líderes mundiais era "incapaz de resolver velhas disputas e evitar o surgimento de novas", enunciando que “o uso da força é incapaz de eliminar as causas profundas de conflito" possibilita reflexões sobre o ato de fala, considerando o lugar do discurso, o que representa, e a quem se dirige.
a) Partindo da caracterização do “lugar”, para além do espaço físico no qual a fala foi construída, sem deixar de considerando tal espaço e os símbolos que representa, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) é, por natureza, um ambiente elitista, congregando as elites políticas representativas de 193 países membros, com votos iguais entre eles. Mesmo com esse esforço pela isonomia, há claras manifestações de poder dentro da ONU. E a conformação da linguagem e se relaciona diretamente com o poder simbólico produzido pelas relações dos participantes do grupo. Para Pierre Bourdieu (1996), por exemplo, essa conformação está inserida em lógicas de trocas não somente simbólicas, mas com podem ser negociadas e valoradas para a troca. Assim, o uso da linguagem pode significar capital, tanto quanto sua conformação e cm o lugar e com a estratégia da fala em relação aos seus objetivos.
O ato de fala que preenche o discurso de um chefe de Estado latino-americano, de um país em desenvolvimento e do hemisfério sul, tem posição marcada hierarquicamente inferior, caso seja comparada com a posição de países do norte e desenvolvidos, por exemplo. Assim, o discurso se dirigia aos componentes da Assembleia como um todo, mas especificamente aos membros do Conselho de Segurança da ONU, àqueles que administravam os principais conflitos mencionados no discurso de Dilma Rousseff e que produziam violência sobre a territorialidade apontada, agravando os conflitos e produzindo um cenário ainda mais caótico, perigoso e tenso.
b) Como em uma vitrine, potencialmente amplificadora da difusão convencional, os discursos proferidos nas reuniões da ONU recebem visibilidade maior que a normalidade, seja quem for o emissor da mensagem. Ao utilizar os espaços da ONU, o orador ganha referencial universalista e tons de verdade majorados. A presidente Dilma aproveitou o evento para anunciar avanços sociais e institucionais do Brasil e ganhou notoriedade internacional por criticar grandes potências políticas, econômicas e militares em relação ao papel que desempenhavam no agravamento dos conflitos no oriente médio. A assembleia ocorreria independente do calendário eleitoral de qualquer que fosse o país-membro, o que deixou a presidente, que concorria pela reeleição, em eminência em relação aos concorrentes. 
A fala de Dilma precisou ser bem construída para que a ONU não fosse interpretada, direta e simplesmente, como um palanque da campanha eleitoral, que corria por todo o Brasil. Mas as impressões internas de um Brasil que acabara de recepcionar um grande evento como a Copa do Mundo de 2014, organizada pela Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA), que receberia em pouco tempo outro evento global, os Jogos Olímpicos, foram relatadas: avanços no combate à pobreza e à fome; estabilidade institucional; regime democrático; Estado de Direito. Seu discurso vendeu muito bem o lado positivo do Brasil, que pleiteava assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas, alcanço duplo sucesso, pois a repercussão interna garantiu fôlego para a disputa eleitoral e afagou ressentimentos populares que promoveram manifestações contra o governo Dilma. [3: Único órgão da ONU capaz de adotar decisões obrigatórias para todos os 193 Estados-membros, podendo inclusive autorizar intervenção militar para garantir a execução de suas resoluções.]
c) Considerando impressões de Foucault (2013) no texto “a ordem do discurso”, os atos de fala na sociedade são controlados, selecionados e organizados, sendo que uma das formas de manter esse controle é através das instituições, as quais instauram e/ou reproduzem os discursos, visando instaurar uma verdade. Assim, o Discurso de Dilma Rousseff nas Nações Unidas pode ser considerado um discurso de poder, ao passo que a ONU representa uma instituição que congrega muitas outras instituições, sendo relevante e carregada de poder simbólico, a manifestação de qualquer um que se utilize desse respaldo institucional, mesmo que goze de hierarquia inferior dentro do grupo.
Não estaria nem o Brasil, nem sua representante, alijados da produção do poder através de seu discurso permitido. Nessa perspectiva, a fala de Dilma não seria classificada junto àqueles que não se enquadram no contexto discursivo limitado, com ponderações sobre o que se pode e não se pode dizer ou fazer, os quais sofrem procedimentos de interdição e de exclusão, sendo caracterizados, por exemplo, como loucos. De acordo com Foucault, esse procedimento de exclusão ocorre por meio de três grandes sistemas: a palavra proibida, a segregação da loucura e a vontade de verdade. Nenhum desses processos é observado nas circunstâncias de fala da presidente, o que evidencia seu discurso de poder como tal.
d) A política de segurança pública fomentada pelo governo Dilma nos anos anteriores, como sequencia de uma lógica iniciada em dois mandatos presidenciais anteriores, fortalecia a possibilidade de reforço às agências estaduais e federais através da Força Nacional de Segurança Pública. Essa estratégia reforça a “preservação da ordem pública, a segurança das pessoas e do patrimônio, atuando também em situações de emergência e calamidades públicas”. Uma resposta aguda, ostensiva, violenta e militarizada. Justamente ao que a presidente se referia à administração de conflitos no oriente médio, com vistas a diminuir a intervenção violenta e militar nessas áreas, o que provocaria “aprofundamento da crise”. Seria uma fala controversa e demagoga.
Mas outros esforços não relacionados estritamente às políticas de segurança pública estariam na redistribuição de renda, garantia de direitos, capacitação de mão de obra, fortalecimentos dos resultados com educação, por exemplo, próprios dos anos anteriores, o que aproximaria com o discurso proferido na ONU, afastando-a de um perfil hipócrita em relação ao uso da força e da utilização da violência como meio para alcançar a harmonia ou estabilidade institucional, ou mesmo o poder. Mas essas relações são consideradas mediatas pela prática política e com relação distanciada, tanto pelos efeitos produzidos, quando pelos instrumentos de execução da política. Assim, uma aparente discrepância entre discurso e prática da política de segurança pública podem ser ponderados pela análise de outras políticas sociais adotadas durante seu governo.
Questão 02: Hannah Arendt (1985) e Walter Benjamin (2011) discutem essas questões relacionadas à promoção da violência por parte do Estado. Com circunstâncias próprias, produzem significados próximos, mas com peculiaridades entres si. Mas as categorias que apresentam, bem como as possibilidades de correlação com a finalidade do Estado são intercambiáveis, mesmo quando se distanciam, mas provocam reflexões sobre os significados do uso da força e da instrumentalização do poder através da violência,ou a mera possibilidade de seu uso.
Para Arendt (1985), a violência pode ser interpretada como um recurso do poder, criticando grupos que isolam a violência como fenômeno autônomo, percebendo que a tal fenômeno está imbricado na dinâmica da construção do poder, bem como de seus efeitos. Na concepção da autora, bandido e policial, por exemplo, poderiam ser equiparados pelo exercício do poder através da violência, servindo esta como meio para o exercício do domínio. Seja tal dominação legal ou ilegal, o ferramental para construção do poder estar no uso ou possibilidade de uso da violência, que pode se manifestar pela autoridade (meio legítimo) ou pelo terror (meio ilegítimo), próprio da tirania, que poderia ter na violência a própria finalidade da ação em cenário de ódio.
A violência, ao se tornar a finalidade da ação do Estado, passaria a ser revelado o ódio do agente público, o que afastaria da própria noção de formação do Estado como exercício weberiano da esquematização da racionalidade pela burocracia. Estaria evidente o perfil irracional do uso da violência como finalidade, mas o uso desta como ferramenta poderia legitimar determinada finalidade hobbesiana no Estado. Para Arendt (1985), a violência não cria coisa alguma, mas o medo por sua aplicação teria essa função. Assim, a obediência poderia ser construída pelo medo da violência, não por ela em si. 
A compreensão de Walter Benjamin (2011) considera a sociedade sob a dinâmica da luta de classes, que justificaria a utilização da violência como meio de transformação da ordem social, construindo um caminho para legitimação dos meios com vistas à finalidade justa. Assim, Benjamin flexibiliza a percepção da violência enquanto um meio, que pode ser interpretada conforme as orientações finalísticas de uma ação. Ou seja, a violência contra um sistema soberano violento pode ser legítima, com a finalidade de construir um sistema socialmente justo, pois seria a maneira de anular forças mantenedoras de status e formuladoras de mais violência simbólica e conformadora, do que propriamente física.
Por outro lado, pode perceber a manutenção de um Estado de Direito, por meio do uso autorizado da violência, como meio ilegítimo de manutenção de privilégios. Nesse caso, o Direito, como manifestação material dos interesses da burguesia, seria uma força violenta de manutenção das classes, representando uma superestrutura para conformação do comportamento social. Assim, dependendo de onde se enxerga e se apropria da violência como meio, existe a possibilidade de ser classificada como legítimo ou ilegítimo tal instrumento, de acordo com interesses de quem a classifica.
Mesmo considerando cenário específico dos autores, ambas percepções podem colaborar com a análise de situações atuais e recorrentes no Brasil e em outras partes do mundo, no sentindo em que proporcionam argumentação de reflexão sobre o papel do Estado na configuração do poder, podendo tecer escolhas entre meio legítimos e ilegítimos para a promoção de suas ações e alcance dos objetivos. A criminalidade urbana, seja através de organizações criminosas ou entes difusos, pode sofre um processo de ressignificação e influenciar na escolha da estratégia para mitigação dos efeitos sociais danosos. Mas apropriar-se de forma justa instrumental “violência” pode representar legitimação e apoio social às ações estatais.
Referências
ARENDT, Hannah. Da Violência. Brasília: Ed. UnB, 1985.
ARENDT, Hannah. Eichman em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
BENJAMIN, Walter. Crítica da violência: crítica do poder. In _____. Escritos sobre mito e linguagem (1915-1921). São Paulo: Editora 34, 2011. 176 pp.
BOURDIEU, P. A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer. São Paulo: EdUSP, 1996.
DILMA CONDENA USO GENERALIZADO DA FORÇA NA ONU. Carta Capital. 24 set. 2014. on line. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/internacional/dilma-condena-uso-generalizado-da-forca-na-onu-1522.html> Acesso em 13 jun. 2017.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Aula Inaugural no Collége de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 2013.

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