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ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Departamento de Engenharia Naval e Oceânica ESPECIALIZAÇÃO EM ENGENHARIA NAVAL Módulo 3: Hidrodinâmica PROF. DR. ALEXANDRE NICOLAOS SIMOS Material de apoio ao curso oferecido na Universidade de Pernambuco – UPE 2007 Especialização em Engenharia Naval 1 Módulo 3 – Hidrodinâmica Versão Data Observações Final 14/02/2007 Texto Completo Apostila: ESPECIALIZAÇÃO EM ENGENHARIA NAVAL Módulo 3: Hidrodinâmica Dept./Unidade Ano Autor PNV/EPUSP 2007 Prof. Dr. Alexandre Nicolaos Simos Curso oferecido pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo na Escola Politécnica da Universidade de Pernambuco Especialização em Engenharia Naval 2 Módulo 3 – Hidrodinâmica ÍNDICE 1. Introdução............................................................................................... 4 1.1 O curso: Objetivos, conteúdo e abordagem...................................... 4 1.2 Programação do Módulo 3: Hidrodinâmica ....................................... 5 2. Resistência ao Avanço e Potência Requerida..................................... 7 2.1 Decomposição da Resistência.......................................................... 8 2.1.1 Resistência Friccional ................................................................ 9 2.1.2 Resistência de Pressão Viscosa.............................................. 12 2.1.3 Resistência de Ondas.............................................................. 15 2.2 Resistência Total............................................................................. 20 2.3 Métodos para Estimativa da Resistência ao Avanço ...................... 22 2.3.1 O Emprego de Ensaios em Tanques de Provas...................... 22 2.3.2 O Emprego de Métodos Simplificados..................................... 29 2.4 Determinação da Potência Requerida ............................................ 31 3. Comportamento no Mar....................................................................... 32 3.1 O Ambiente Marítimo – Ondas........................................................ 33 3.1.1 Ondas Regulares ..................................................................... 33 3.1.2 Ondas Irregulares – O Mar ...................................................... 39 3.1.3 Espectro de Energia das Ondas do Mar .................................. 48 3.1.4 Espectros de Energia Padrão .................................................. 54 3.2 Funções de Transferência de Movimento ....................................... 57 3.2.1 Equações Diferenciais e Períodos Naturais dos Principais Movimentos do Navio .............................................................. 58 3.2.2 Funções de Transferência do Navio ou RAO’s........................ 62 3.3 Cálculo dos Movimentos (Cruzamento Espectral) .......................... 66 3.3.1 Exemplo................................................................................... 68 Especialização em Engenharia Naval 3 Módulo 3 – Hidrodinâmica 3.3.2 Período de Encontro e Modificação do Espectro ..................... 72 3.4 Estabilização................................................................................... 73 4. Manobrabilidade................................................................................... 78 4.1 Equações do Movimento e Estabilidade Direcional ........................ 80 4.2 Ensaios em Tanques de Provas ..................................................... 88 4.3 Avaliação da Manobrabilidade em Escala-Real .............................. 90 4.4 Dispositivos de Manobra: O Leme .................................................. 96 4.4.1 Os Principais Tipos de Lemes ................................................. 99 4.4.2 Fórmulas Simplificadas para Cálculo da Força e Torque no Leme................................................................................. 100 5. Referências Bibliográficas ................................................................ 103 APÊNDICE A: Análise Dimensional no Problema de Resistência ao Avanço ............................................................................................... 105 APÊNDICE B: O Oscilador Massa-Mola................................................... 108 Especialização em Engenharia Naval 4 Módulo 3 – Hidrodinâmica 1. INTRODUÇÃO “...THERE WAS FAR MORE IMAGINATION IN THE HEAD OF ARCHIMEDES THAN IN THAT OF HOMER.” VOLTAIRE 1.1 O curso: Objetivos, conteúdo e abordagem A mecânica dos fluidos é uma ciência fundamental para diversas áreas da engenharia, como mecânica, hidráulica, aeronáutica, naval e oceânica. Obviamente, cada uma das diferentes áreas de aplicação tecnológica requer conhecimentos específicos e, assim, por exemplo, efeitos de compressibilidade no escoamento se mostram de fundamental importância para a engenharia aeronáutica, enquanto efeitos de superfície-livre estão freqüentemente presentes nos estudos de engenharia naval e oceânica. O desafio do engenheiro naval consiste em projetar sistemas que naveguem ou permaneçam estacionários no mar de forma eficiente. A medida de tal eficiência depende do tipo de sistema em questão, mas, de uma maneira geral, objetivos como a redução da potência necessária para navegação, um bom comportamento em ondas, estabilidade direcional e manobrabilidade adequada são constantemente perseguidos. Para que estes objetivos possam ser alcançados, é essencial o conhecimento das forças externas que atuarão sobre o sistema, permitindo uma correta avaliação de sua dinâmica sobre a ação destas forças. Além das forças aerodinâmicas decorrentes da ação do vento, os sistemas navais e oceânicos estão constantemente submetidos à ação de correnteza e ondas de superfície. Conseqüentemente, a hidrodinâmica assume papel crucial na formação do engenheiro naval, permitindo que o mesmo modele a ação destes agentes ambientais e, dessa forma, possa prever suas conseqüências sobre o sistema a ser projetado. Além disso, com esse conhecimento, o projetista pode adotar, de antemão, medidas que procurem minimizar os efeitos indesejados na operação do futuro sistema. Especialização em Engenharia Naval 5 Módulo 3 – Hidrodinâmica As aplicações da hidrodinâmica na área de engenharia naval e oceânica são vastas. Em geral, o estudo do desempenho hidrodinâmico de uma embarcação pode ser desmembrado em três áreas principais: resistência e propulsão, manobrabilidade e comportamento no mar (seakeeping). O objetivo principal deste módulo consiste em familiarizar o aluno com os aspectos centrais de cada um destes tópicos, servindo como base para um estudo mais aprofundado. Esta apostila foi elaborada com o intuito de servir como um texto introdutório em hidrodinâmica marítima e é voltada ao aluno que pretende uma especialização nesta área. Ela deve ser entendida como um guia para a orientação dos estudos, os quais devem ser complementados através de referências bibliográficas específicas sugeridas ao longo do texto. O conjunto de referências que servirá de apoio para o curso é composto tanto por obras de introdução geral à engenharia naval como obras já clássicas em hidrodinâmica marítima, as quais possibilitam um aprofundamento nos conceitos básicos. O aluno deve ter em mente que o estudo destes textos complementares é essencial para a solidificação dos conceitos que serão discutidos no curso. 1.2 Programação do Módulo 3: Hidrodinâmica O módulo se inicia comuma discussão sobre “Resistência ao Avanço”. Neste tópico serão apresentados os principais fenômenos físicos que dão origem às forças que se opõem ao deslocamento de uma embarcação, bem como a metodologia normalmente empregada para avaliar a magnitude destas forças. O segundo tópico se refere ao problema de “Comportamento no Mar” de um navio ou sistema oceânico. Trata, especificamente, da avaliação dos movimentos induzidos por ondas do mar. Para o estudo deste tópico será apresentada, primeiramente, uma introdução sobre a descrição estatística das ondas do mar. O módulo se encerra com o estudo de “Manobrabilidade”, no qual serão discutidos aspectos de estabilidade direcional e apresentados os principais mecanismos que garantem o controle do curso do navio. Serão também discutidos os principais testes de verificação de manobrabilidade aos quais um navio é normalmente submetido. Especialização em Engenharia Naval 6 Módulo 3 – Hidrodinâmica A carga horária deste terceiro módulo será de 30 (trinta) horas-aula, de acordo com a seguinte programação: Data Período Horários Assunto 18:30h – 19:20h Apresentação: Professor, alunos e módulo 3 19:20h – 20:10h Resistência ao Avanço: Introdução 20:10h – 21:00h Resistência Friccional 22 /0 2/ 20 07 Q ui nt a- fe ira N oi te 21:00h – 21:50h Resistência de Pressão Viscosa 18:30h – 19:20h Resistência por Geração de Ondas 19:20h – 20:10h Métodos para Estimativa de Resistência 20:10h – 21:00h Ensaios em Tanque de Provas 23 /0 2/ 20 07 S ex ta -fe ira N oi te 21:00h – 21:50h Estimativa de Potência 08:00h – 08:50h Comportamento no Mar: Introdução 08:50h – 09:40h O ambiente marítimo: Ondas 09:40h – 10:10h Ondas Regulares M an hã 10:10h – 11:00h Ondas Irregulares 13:00h – 13:50h O Conceito de Espectro de Energia 13:50h – 14:40h Espectros de Energia Padrão 24 /0 2/ 20 07 S áb ad o Ta rd e 14:40h – 15:30h Aspectos de Geração de Ondas do Mar Data Período Horários Assunto 18:30h – 19:20h Revisão dos Tópicos Anteriores 19:20h – 20:10h Equações de Movimento e Períodos Naturais 20:10h – 21:00h Funções de Transferência dos Movimentos 01 /0 3/ 20 07 Q ui nt a- fe ira N oi te 21:00h – 21:50h Exemplos 18:30h – 19:20h Cálculo dos Movimentos: Cruzamento Espectral 19:20h – 20:10h Exemplo 20:10h – 21:00h Período de Encontro 02 /0 3/ 20 07 S ex ta -fe ira N oi te 21:00h – 21:50h Estabilizadores 08:00h – 08:50h Manobrabilidade: Introdução 08:50h – 09:40h Modelagem Hidrodinâmica 09:40h – 10:10h Ensaios em Tanque de Provas M an hã 10:10h – 11:00h Testes de Mar 13:00h – 13:50h Lemes: Principais Tipos 13:50h – 14:40h Forças e Torque 03 /0 3/ 20 07 S áb ad o Ta rd e 14:40h – 15:30h Discussão e Encerramento Especialização em Engenharia Naval 7 Módulo 3 – Hidrodinâmica 2. RESISTÊNCIA AO AVANÇO E POTÊNCIA REQUERIDA Mesmo com o avanço da capacidade de processamento computacional e das técnicas numéricas que constituem a chamada “mecânica dos fluidos computacional” (computational fluid dynamics, CFD), ainda hoje não existem meios consolidados e validados para uma estimativa numérica confiável da força de resistência experimentada por um navio ao se deslocar sobre a superfície da água. De fato, o problema de determinação da resistência ao avanço de uma embarcação de superfície ainda depende fortemente de ensaios em tanque de provas e do emprego de modelos empíricos aproximados. Dada a intrincada natureza do fenômeno, até meados do século XIX não havia formas de se estimar a resistência que um determinado casco sofreria ao se deslocar com uma certa velocidade, ou, o que é equivalente, não havia meios científicos capazes de prever a força necessária para mover um determinado casco com uma certa velocidade de avanço. A razão para as dificuldades apontadas acima reside na própria natureza do fenômeno, com sua forte dependência de efeitos de viscosidade do fluido e da interação destes com efeitos ondulatórios na superfície-livre. De fato, quando um navio de formas usuais se movimenta com velocidade de avanço constante (V) em águas calmas (na ausência de ondas), ele experimenta a ação de uma força que se opõe ao seu deslocamento. Esta força é formada pela composição de diversos fatores que interagem entre si; dentre estes se encontram o atrito da água sobre o casco, a geração de uma esteira rotacional à jusante do escoamento e a formação de ondas na superfície. Para estimar a resistência ao avanço de um determinado navio, os engenheiros navais normalmente recorrem a modelos simplificados que se fundamentam em uma decomposição dos diferentes efeitos hidrodinâmicos. Através desta simplificação, as componentes de resistência são trabalhadas de forma independente, embora alguns coeficientes de correção sejam introduzidos para, de certa forma, levar em conta as interações entre as componentes. Especialização em Engenharia Naval 8 Módulo 3 – Hidrodinâmica 2.1 Decomposição da Resistência Ao longo do tempo, a forma como a decomposição da resistência é realizada foi exaustivamente discutida no meio científico. Um dos modelos de maior aceitação atualmente é ilustrado na figura abaixo. Uma discussão detalhada sobre os métodos mais modernos de decomposição da resistência pode ser encontrada no trabalho de Larsson & Baba (1996). Figura 1: Decomposição da Resistência ao Avanço. Extraída de Bertram (2000) A seguir, discutiremos a origem e os métodos existentes para estimar as principais componentes de resistência ao avanço. Veremos que dois parâmetros adimensionais (a saber, o número de Reynolds Rn e o número de Froude Fn) desempenham um papel fundamental sobre a magnitude destas componentes. A representatividade destes parâmetros como indicadores das características hidrodinâmicas do problema pode ser entendida através de um exercício simples de análise dimensional, apresentado no Apêndice A desta apostila. Recomenda- se ao aluno que visite este apêndice antes de prosseguir no texto. Especialização em Engenharia Naval 9 Módulo 3 – Hidrodinâmica 2.1.1 Resistência Friccional A chamada Resistência Friccional (em inglês Frictional Resistance) corresponde à força de atrito exercida pelo fluido sobre a superfície molhada do casco. Esse atrito esta diretamente ligado à viscosidade da água e a força total exercida pelo fluido será diretamente proporcional à área de superfície molhada do casco (SW). Em razão da origem viscosa do fenômeno, a magnitude das forças de atrito depende do número de Reynolds (Rn), dado por: µρ /WLn VLR = , onde µ representa o coeficiente de viscosidade dinâmica do fluido. Definindo o chamado coeficiente de viscosidade cinemática (ν) como ρµν /= , o número de Reynolds também pode ser escrito como ν/WLn VLR = . Fisicamente, o parâmetro Rn relaciona a magnitude das forças inerciais (de aceleração do fluido) e viscosas de um escoamento. O método empregado para determinar a resistência friccional de um navio admite, como passo inicial, a hipótese de que esta será igual à força exercida pelo fluido sobre uma placa plana com área igual à área de superfície molhada do casco (SW). Se denotarmos esta componente de resistência friccional por RF0, podemos definir um coeficiente de resistência friccional (CF0), que será função de Rn: )( 2/1 2 0 0 n W F F RfVS RC == ρ (1) A função f(), por sua vez, depende do tipo de escoamento sobrea placa, ou seja, se estamos falando de um escoamento laminar (possível para baixos números de Reynolds) ou turbulento. De fato, o tipo de escoamento exerce uma influência grande sobre as tensões de cisalhamento (ou seja, sobre o atrito) exercido pelo fluido sobre a placa. Esta influência é ilustrada na figura a seguir, onde se apresenta um conjunto de resultados experimentais obtidos em ensaios com placas planas e os valores previstos através de duas funções teóricas que relacionam o coeficiente de fricção na placa com o Rn do escoamento: Especialização em Engenharia Naval 10 Módulo 3 – Hidrodinâmica Figura 2: Fricção em placa plana sobre regime laminar e turbulento (extraída de PNA, 1988) A função que ajusta os resultados para escoamento laminar é a chamada linha de Blasius (válida para valores de Rn baixos). Quando falamos de navios, no entanto, estamos geralmente interessados em escoamentos com elevados números de Reynolds1. O escoamento sobre o casco do navio, portanto, é tipicamente turbulento. Nesse regime, como indica a Figura 2, a função que melhor ajusta o coeficiente de fricção sobre uma placa plana é a chamada linha de Schoenherr (proposta originalmente em Schoenherr (1932)), a qual é expressa por: ).(log )( 242.0 0105 0 Fn F CR C = (2) A figura acima também mostra que existe uma região de transição, tipicamente na faixa , na qual o coeficiente de fricção é muito sensível a pequenas perturbações no escoamento (note que nesta região muitas vezes valores distintos de coeficiente de atrito são obtidos em ensaios com o mesmo R 65 1010 << nR n). Voltaremos a discutir esta região de transição quando estudarmos o emprego de ensaios em tanques de provas. 1 De fato, basta observar, por exemplo, que para um casco com LWL = 100m que se desloca com uma velocidade V = 5m/s (aprox. 10 nós), temos Rn = 5x108 Especialização em Engenharia Naval 11 Módulo 3 – Hidrodinâmica É importante observar que uma estimativa de resistência de fricção baseada exclusivamente no modelo de placa plana equivalente não seria precisa, pois, como já indicado anteriormente na Figura 1, há uma influência da geometria do casco sobre as forças de atrito. As razões desta influência são simples: Em primeiro lugar, a velocidade local do escoamento em cada ponto do casco difere da velocidade de avanço V e depende fundamentalmente das formas da região submersa. Assim, próximo à proa e à popa do navio, a velocidade do fluxo tende a ser menor do que V, enquanto na região central a velocidade tende a ser maior do que V. Em função desta variação de velocidade há uma variação na tensão de cisalhamento. Além disso, também motivada pelas variações de velocidade na região de popa, em geral ocorre uma separação da camada-limite (que discutiremos mais adiante), a qual também afeta a resistência friccional nesta região do casco. Para garantir uma estimativa mais precisa da resistência friccional sobre cascos de formas usuais, a ITTC (International Towing Tank Conference) de 1957 se baseou em uma série de medições de resistência de navios (escala real) e em ensaios com modelos em tanques de provas para propor a seguinte linha de correlação, a partir da qual é possível calcular a resistência friccional (RF): 2 10 2 )2(log 075.0 2/1 −== nW F F RVS RC ρ (3) O termo “correlação” aqui se refere à extrapolação dos resultados obtidos em ensaios de tanque de provas (com modelos em escala reduzida) para a escala real (navio). Discutiremos o emprego de modelos para a determinação da resistência ao avanço mais adiante, na seção 2.3.1. A variação da componente friccional prevista pela linha da ITTC é ligeiramente diferente daquela obtida pela linha de Schoenherr (placa plana equivalente), como ilustra a figura a seguir. Especialização em Engenharia Naval 12 Módulo 3 – Hidrodinâmica Figura 3: Comparação das linhas de Schoenherr e ITTC 1957. Extraída de Tupper (1996) 2.1.2 Resistência de Pressão Viscosa Conforme discutimos acima, existe uma parcela de resistência viscosa que depende da forma do casco. Em parte, isso se dá simplesmente pelo fato de a velocidade do fluxo variar ao longo do casco. Além disso (e aqui o aluno deve se recordar dos fundamentos de mecânica dos fluidos), a presença da chamada “camada-limite” sobre o casco e sua eventual separação afetam a distribuição de pressão sobre a superfície molhada e, conseqüentemente, a força resultante sobre o casco. Aqui, vale uma pequena recordação de alguns conceitos básicos: A Figura 4 ilustra alguns fenômenos importantes no problema de escoamento ao redor de um corpo submerso. A parte (a) da figura indica como seria a distribuição de pressão sobre o corpo caso os efeitos de viscosidade do fluido não existissem2. 2 Em mecânica dos fluidos, escoamentos de fluidos inviscidos são denominados “escoamentos potenciais”. Trata-se, obviamente, de um estudo aproximado, visto que na realidade todo fluido é provido de viscosidade, mas que encontra inúmeras aplicações importantes em engenharia naval e oceânica. Especialização em Engenharia Naval 13 Módulo 3 – Hidrodinâmica Figura 4: Escoamento em torno de um corpo submerso (extraída de PNA, 1988) Nesta condição, a pressão no fluido (p) se relaciona diretamente com a velocidade local do escoamento (v), relação esta ditada pela conhecida Equação de Bernoulli: cteghvp =++ 2 2 ρ (4) É possível mostrar que, se o fluido fosse desprovido de viscosidade, a distribuição de pressão sobre o corpo se daria de tal forma que a força de arrasto resultante sobre o corpo seria nula (este fato é conhecido na hidrodinâmica como Paradoxo de D’Alembert). A Figura 4(a) mostra um caso particular no qual o corpo é simétrico. Neste caso, as linhas de corrente do escoamento (b) e, portanto, o campo de velocidades (v) também o será. Dessa forma, de acordo com a equação de Bernoulli, o campo de pressão resultará simétrico como indica o gráfico em (a). As regiões de proa e popa são regiões nas quais a velocidade do fluxo é menor do que a velocidade ao longe (V), e, por essa razão, a pressão nestas regiões é maior do que a pressão do fluido ao longe (daí o sinal +). Na Especialização em Engenharia Naval 14 Módulo 3 – Hidrodinâmica região média do casco, onde sua largura é maior, a velocidade do fluxo resulta maior do que V, e, portanto, a pressão é menor (daí o sinal (-)). A pressão em cada ponto da superfície do corpo dá origem a uma força perpendicular à superfície no referido ponto e, em virtude da simetria, pode-se inferir na figura (b) que a resultante da força será de fato nula. O problema é que, na realidade, o fluido apresenta viscosidade. Essa viscosidade faz com que a camada de fluido em contato com a superfície do corpo permaneça aderida ao mesmo. A velocidade das partículas fluidas em contato imediato com a superfície do corpo é então nula e aumenta gradualmente à medida que nos afastamos desta superfície. A camada de fluido entre a superfície do corpo e os pontos nos quais a velocidade média do fluxo já é igual a 0.99V é denominada “camada-limite” (em inglês boundary layer), ilustrada na parte (c). Fisicamente, a variação de velocidade na camada-limite é a responsável pelo atrito experimentado pelo corpo, dando origem à resistência friccional, como vimos. Se o corpo tiver variações abruptas de geometria (comuns, especialmente na popa de navios), a camada-limite tende a se “descolar” do corpo, formandoturbilhões no fluxo à jusante do mesmo (esteira). Para formar esses turbilhões (ilustrados na parte (d)), se gasta energia, energia esta que é sentida como uma força de resistência ao avanço. Essa parcela de resistência é conhecida como resistência por geração de vórtices (em inglês, eddy-making resistance). A presença da camada-limite, seu descolamento e a esteira que se forma à jusante do corpo acabam por afetar o campo de velocidades na região de popa e, conseqüentemente, o campo de pressão. Via de regra, a tendência é uma redução da pressão na região de popa, que assim deixa de contrabalançar a região de pressão positiva na proa. Isso acaba por induzir uma força de resistência. Como o mecanismo que gera essa força em sua origem na ação de efeitos de viscosidade sobre o campo de pressão, refere-se a esta componente de resistência como resistência de pressão viscosa (em inglês, viscous pressure resistance). Essa parcela de resistência depende, fundamentalmente, das formas do casco. Em geral, quanto mais rombudo o casco, maior será a participação desta Especialização em Engenharia Naval 15 Módulo 3 – Hidrodinâmica componente na resistência total. Ela não pode ser inferida diretamente em ensaios de resistência e é difícil de estimar de forma teórica ou numérica. Em geral, a magnitude desta parcela é avaliada a partir de medições de resistência em baixas velocidades (ausência de ondas), ao se descontar força medida a parcela friccional. Atualmente, os modelos para cálculo de resistência ao avanço procuram incorporar a influência da forma do casco sobre a resistência viscosa através da adoção do chamado fator de forma (k): )1( kCC FV += (5) onde o valor de k é determinado a partir de regressões matemáticas sobre resultados de ensaios com modelos em escala reduzida. 2.1.3 Resistência de Ondas Corresponde à parcela de resistência que surge sobre o casco devido à geração de ondas na superfície da água conforme a embarcação se desloca. De fato, essas ondas carregam com si uma quantidade de energia, energia essa que advém do deslocamento do corpo e, portanto, a geração destas ondas também está associada a uma força que se opõe a tal deslocamento. A resistência de ondas depende da geometria do corpo e o parâmetro físico que a controla é o chamado número de Froude ( LgVFn ⋅= ) (ver Apêndice A). Fisicamente, a geração de ondas está associada às variações do campo de pressão do fluido, discutidas na seção anterior. As regiões de proa e popa contribuem de forma mais significativa para a geração de ondas, pois são as regiões onde a pressão varia de forma mais abrupta. Um estudo particularmente esclarecedor sobre o mecanismo de geração de ondas por um navio de superfície foi realizado por Wigley (1931), que realizou ensaios com cascos cuja geometria é ilustrada na Figura 5, a seguir. Nela, são mostrados 5 diferentes sistemas de ondas gerados pelo movimento do casco. A interferência entre estes sistemas controla a força de resistência de ondas. Especialização em Engenharia Naval 16 Módulo 3 – Hidrodinâmica Embora os cascos de navios tenham variações de geometria mais suaves do que os cascos Wigley, seu estudo fornece uma boa aproximação para o que ocorre com embarcações em geral. Há um sistema denominado sistema primário, o qual corresponde a elevações da superfície da água nas regiões de pressão mais alta (cristas na proa e popa) e uma depressão na região de pressão mais baixa (cavado no corpo paralelo-médio). No caso do casco Wigley, esse sistema é simétrico graças à simetria do casco em relação à sua seção-mestra. O comprimento da onda do sistema primário independe da velocidade do barco e, assim, é como se essa onda acompanhasse o navio conforme ele se desloca. A altura da onda, por sua vez, varia tipicamente com o quadrado da velocidade de avanço V. Figura 5: Sistemas de Ondas para Cascos Wigley (extraída de PNA, 1988) As outras quatro componentes de ondas que se formam constituem o chamado sistema secundário. A composição destas ondas forma o trem de ondas característico que estamos acostumados a ver à ré de uma embarcação em movimento e que se encontra ilustrado na Figura 6. Especialização em Engenharia Naval 17 Módulo 3 – Hidrodinâmica (a) (b) Figura 6: Vista do campo de ondas gerado pelo deslocamento de um navio: (a) diagrama esquemático; (b) vista aérea. Fonte: PNA, 1988. A uma certa distância do navio esse trem de ondas se mostra composto por um conjunto de ondas que se propaga com direção paralela à direção do movimento (ondas transversais) e um trem de ondas divergente, que se afasta do navio (em forma de “V”). Embora essa geometria global independa da velocidade, o comprimento de onda das componentes do sistema secundário aumenta com a velocidade do navio. Assim, o padrão de interferência na composição das diferentes ondas muda com a velocidade (e, portanto, com o número de Froude). Além do aumento da amplitude de cada componente (tipicamente com V2), com o aumento da velocidade do navio há oscilações na amplitude das ondas resultantes, a qual aumenta em casos de interferência construtiva e diminui em casos de interferência destrutiva. Esse processo está ilustrado na Figura 7, a seguir. Especialização em Engenharia Naval 18 Módulo 3 – Hidrodinâmica Figura 7: Variação na interferência de ondas com o número de Froude. Fonte: Larsson & Eliasson (1994). A força de resistência por formação de ondas (RW) varia com a amplitude de onda ao quadrado e esta, por sua vez, varia tipicamente com a velocidade de avanço ao quadrado. Em média, portanto, se fizermos um gráfico de RW x Fn, identificaremos uma tendência dada por . O crescimento, no entanto, não será monotônico graças à interferência de ondas e, assim, notaremos aumentos na resistência para valores de F 4)( nW FR ∝ n que implicam em interferência construtiva e reduções caso contrário. Em resumo, a curva RW x Fn apresentará uma tendência média de crescimento com Fn, mas esse crescimento se dá de forma oscilatória. Definimos o coeficiente de resistência de ondas (CW) da seguinte forma: 22/1 VS RC W w W ρ= (6) Especialização em Engenharia Naval 19 Módulo 3 – Hidrodinâmica A Figura 8 apresenta a forma usual da curva CW x Fn, onde podem se identificar as oscilações mencionadas acima. Nesta figura são apresentadas também as contribuições das ondas transversais e divergentes para a resistência total de ondas. Figura 8: Coeficiente de Resistência de Ondas (CW). Extraída de PNA,1988. Em particular, nota-se o abrupto aumento da resistência de ondas em torno de . Nessa faixa de F40.0≅nF n, para conseguirmos um pequeno aumento de velocidade é necessário um grande aumento da potência do motor. Por essa razão as velocidades máximas atingidas pelos navios de carga é em geral limitada a valores próximos de 45.0≅nF 3. Ainda hoje a resistência de ondas não pode ser estimada por intermédio de formulações teóricas, embora estudos nesse sentido tenham sido desenvolvidos ao longo de mais de cem anos. Soluções numéricas baseadas em escoamento potencial conseguem fornecer hoje em dia boas aproximações, mas ainda enfrentam problemas. Uma das complicações decorre do fato de que, acima de 3 Velocidades mais altas são facilmente alcançadas pelos chamados cascos “de planeio” ou por embarcações dotadas de hidrofólios, por exemplo. Especialização em Engenharia Naval 20 Módulo 3 – Hidrodinâmica uma certa velocidade (tipicamente para Fnacima de 0.25), a razão entre a altura e o comprimento da onda gerada4 se torna muito elevada e a onda “quebra”. Quando a onda do sistema primário quebra, ela afeta o padrão de onda do sistema secundário. Além disso, como a elevação da superfície varia ao longo do comprimento do navio, induz-se um trim de popa e a situação de flutuação do casco muda, o que também acaba por afetar o campo de ondas gerado. Em virtude destas dificuldades, a determinação mais precisa da resistência de ondas de uma embarcação ainda depende, em geral, de ensaios em tanques de provas. 2.2 Resistência Total Para embarcações de formas usuais, as três componentes discutidas acima respondem pela maior parte da resistência hidrodinâmica. No entanto, outras componentes existem e também contribuem com uma parcela de força. Dentre essas, uma das mais importantes é a resistência aerodinâmica. Esta parcela se refere à resistência imposta pelo ar ao deslocamento da embarcação e pode chegar a 10% da resistência total para navios de formas usuais. Obviamente, no entanto, a força aerodinâmica total é bastante variável e dependerá das condições de vento enfrentadas pelo navio ao longo do curso. Além disso, todas as parcelas discutidas até então se referem ao deslocamento em águas calmas. No entanto, a correnteza marítima e as ondas do mar também afetam a resistência hidrodinâmica da embarcação. A Figura 9, a seguir, mostra uma relação aproximada entre as principais componentes da resistência ao avanço (em águas calmas) para duas condições de velocidade. 4 A essa razão dá-se o nome de declividade da onda. Especialização em Engenharia Naval 21 Módulo 3 – Hidrodinâmica Figura 9: Relação entre as componentes da resistência em duas condições de velocidade de avanço. Especialização em Engenharia Naval 22 Módulo 3 – Hidrodinâmica 2.3 Métodos para Estimativa da Resistência ao Avanço Ainda hoje, o procedimento para uma determinação mais precisa da resistência ao avanço de uma embarcação requer o emprego de ensaios em tanque de provas. Conforme abordado no primeiro módulo deste curso, o projeto de um navio é geralmente conduzido de forma interativa, seguindo o princípio expresso pela chamada espiral de projeto. Normalmente os métodos de cálculo empregados crescem em complexidade (e custo) ao longo do projeto (de uma volta para outra na espiral). Neste espírito, em etapas preliminares do projeto, quando a geometria do casco ainda pode sofrer maiores modificações, normalmente a resistência é estimada de forma mais grosseira, utilizando, por exemplo, as chamadas séries sistemáticas. Mais adiante no projeto, quando as formas do casco já estão mais consolidadas, via de regra parte-se para ensaios com modelo em tanque de provas. A seguir, discutiremos os principais aspectos envolvidos na estimativa de resistência com base em modelos e, ao final desta seção, abordaremos brevemente o uso de métodos simplificados voltados para as etapas preliminares de projeto. 2.3.1 O Emprego de Ensaios em Tanques de Provas A estimativa da resistência do navio (dito em escala real) é obtida com base no ensaio de reboque de um modelo do casco (dito em escala reduzida) em um tanque de provas, ver Figura 10. O modelo é construído em escala reduzida mantendo semelhança geométrica com o casco real e o mesmo é rebocado com diferentes velocidades. A metodologia que permite extrapolar os resultados obtidos com o modelo para a escala real foi proposta originalmente por William Froude, por volta de 1870. Froude percebeu que as duas principais componentes de resistência (friccional e de ondas) são controladas por parâmetros físicos distintos e que ao reduzir a escala do problema não é possível manter os dois parâmetros inalterados Especialização em Engenharia Naval 23 Módulo 3 – Hidrodinâmica simultaneamente. Dessa forma, não seria possível garantir semelhança dinâmica completa5. (a) (b) Figura 10: Ensaio de reboque em tanque de provas: (a) o carro de reboque (dinamométrico), (b) modelo em escala reduzida. F ser desmembr das, sendo a roude, no entanto, contornou esse problema supondo que a resistência pudesse ada em uma parcela friccional e uma parcela de on parcela de ondas determinável a partir dos ensaios com base em sua “lei de comparação” (similaridade de Froude). Tal lei de comparação consistia em manter inalterado o parâmetro que hoje recebe seu nome. Se denotarmos com o sobre- índice r as medidas em escala real e pelo sobre-índice m aquelas referentes à 5 Por semelhança dinâmica entenda-se semelhança entre as diferentes componentes de força na escala real e na escala do modelo. Especialização em Engenharia Naval 24 Módulo 3 – Hidrodinâmica escala do modelo, o que Froude propôs na realidade é que os ensaios fossem feitos de forma que: Fnm=Fnr Segundo a hipótese de Froude, isso garante que o coeficiente de resistência de ondas do navio real seja igual àquele obtido nos ensaios do modelo, ou seja, CWm ase em ensaios. Seu cia, no ra exemplificar essas = CWr. O coeficiente friccional do navio real poderia então ser obtido a partir da hipótese de placa plana equivalente e, somando as duas componentes (de ondas e friccional) seria determinada a resistência total do navio. O conceito proposto por Froude foi extremamente engenhoso e abriu as portas para a determinação da resistência ao avanço com b sucesso motivou a construção do primeiro tanque de provas em 1879 na Inglaterra e logo outros tanques surgiram em diferentes locais da Europa. O procedimento atualmente utilizado pelos engenheiros navais para a determinação da resistência ao avanço ainda se baseia, em sua essên método proposto por Froude. No entanto, ao longo do tempo algumas modificações foram introduzidas para aumentar a precisão das estimativas, já que existem algumas complicações, como veremos a seguir. O primeiro problema decorre da grande diferença resultante entre o número de Reynolds do navio real e aquele do modelo. Pa discrepâncias consideremos um navio com LWL = 100m e suponhamos que queiramos estimar sua resistência ao avanço quando navegando a uma velocidade de 10 nós (aproximadamente 5 m/s). Para isso, construímos um modelo em escala 1:100 (fator de escala λ = 100). Nesse caso, o valor do número de Froude do navio é Fnr = 0.16 e, para mantermos esse mesmo valor em escala reduzida, o ensaio deverá ser realizado com velocidade de avanço Vm = 0.5m/s (note que a imposição de mesmo Fn implica que a velocidade do ensaio deve ser λ vezes menor do que a velocidade do navio). Ao mesmo tempo, enquanto o número de Reynolds na escala real é de Rnr = 5.108, o valor resultante no ensaio de apenas Rserá nm = 5.105 (é fácil mostrar que, supondo que a densidade e a viscosidade da água seja aproximadamente igual nas duas escalas, o valor de Rn na escala do modelo será 2/3λ menor do que aquele na escala real). Observemos Especialização em Engenharia Naval 25 Módulo 3 – Hidrodinâmica novamente a Figura 2. Essa figura demonstra que, enquanto para o navio sua camada-limite será efetivamente turbulenta sobre o casco, o modelo se situará na chamada faixa de transição. O problema é que, nesta faixa, é muito difícil prever efetivamente qual será o valor da resistência friccional sobre o casco e, com isso, o método perderia precisão. Na prática, tenta-se contornar esse problema com o uso dos chamados excitadores de turbulência. Esses excitadores são normalmente faixas de areiaou pinos posicionados próximos à proa do modelo de forma a induzir artificialmente a turbulência da camada-limite para que esta se aproxime da situação prevista para o navio real. A Figura 11, abaixo, ilustra um dos aparatos empregados para a medição da força de resistência em um modelo. Esse método se baseia no uso de cabos e polias e dois contra-pesos. A figura também ilustra, esquematicamente, a presença do excitador de turbulência (no caso, uma faixa de areia). Figura 11: Ilustração do aparato para medição de resistência em um modelo. Extraída de Bertram (2000). de que este não leva e cia de pressão viscosa, O segundo problema na aplicação direta do método proposto por Froude é o fato m conta a chamada resistên incluindo aí a parcela que depende da geometria do casco. Essa componente, dada a sua origem viscosa, também depende fundamentalmente do número de Reynolds e, quanto menor o valor de Rn, maior tende a ser sua contribuição. Esse fato pode ser observado através de um conjunto de experimentos realizados com o navio Lucy Ashton na década de 50. A Figura 12, a seguir, apresenta uma Especialização em Engenharia Naval 26 Módulo 3 – Hidrodinâmica comparação dos resultados do coeficiente de resistência medidos em ensaios de reboque do navio e aqueles obtidos com seis modelos em diferentes escalas. Figura 12: Estudo de Resistência do Navio Lucy Ashton. Fonte: Tupper(1996) Os testes foram realizados para difer s de avanço. À medida que velocidade diminui, a resistência de ondas decresce rapidamente e, segundo a omponente. Em geral, essa entes velocidade a hipótese de Froude, a curva de resistência deveria se aproximar de forma assintótica à curva de resistência de fricção de uma placa plana equivalente (linha de Schoenherr). Todavia, fica claro na figura que a resistência medida tende para uma curva com valores maiores do que os previstos por Schoenherr. Essa discrepância é resultado da componente de pressão viscosa, que depende da forma do casco, conforme discutimos anteriormente. Por essa razão, nos métodos de cálculo de resistência mais recentes, é feita uma correção que busca representar a influência dessa c correção se baseia no emprego do coeficiente de forma k, já discutido na seção 2.1.2. Especialização em Engenharia Naval 27 Módulo 3 – Hidrodinâmica O modelo de cálculo de resistência ao avanço mais comumente empregado hoje em dia foi proposto pela ITTC em 1978. Esse procedimento será discutido em C 1978 maiores detalhes a seguir. O Método de Cálculo da ITT m um ensaio de reboque com modelo em escala reduzida mede-se a resistência inada velocidade de avanço do modelo (Vm). E total do modelo RTm para uma determ Com isso, obtém-se o coeficiente de resistência total do modelo: 2)(2/1 mmW m Tm T VS RC ρ= (7) A partir desse coeficiente, calcula-se o coeficiente de resistência de ondas do modelo, descontando-se a parcela de resistência viscosa: do através da fórmula proposta pela ITTC 1957 (ver eq. (3)), empregando-se para tanto o número de de (ou seja, para uma velocidade de avanço m F m T m W CkCC )1( +−= (8) O coeficiente de resistência friccional do modelo é calcula Reynolds do modelo Rnm. O fator k é o fator de correção de forma que deve ser obtido através dos ensaios de reboque. O procedimento para sua obtenção será discutido mais adiante. O coeficiente de resistência de ondas do navio é igual ao do modelo para o mesmo número de Frou mr VV .λ= ). WFT CCCCkC )1( (9) onde o valor de será novamente calculado pela eq. (3), mas agora a fórmula é usada com Rnr. ios novos, normalmente se utiliza Portanto, para essa velocidade: mW r W CC = O coeficiente de resistência total do navio será então dado por: rrr ++++= AAA r FC O coeficiente CA é um fator de correção que leva em conta a rugosidade do casco do navio. Para nav 00041.0=AC . Especialização em Engenharia Naval 28 Módulo 3 – Hidrodinâmica O coeficiente CAA contabiliza a resistência aerodinâmica do navio. É calculado através da seguinte expressão: r W T AA S AC .001.0= (10) Onde AT representa a área projetada frontal do navio acima da linha d’água Finalmente, a força de resistência total do navio para a velocidade . mr VV .λ= é (11) Repetindo-se o procedimento acima para diferentes velocidades de reboque é ossível obter a curva de resistência ao avanço do navio em função do número de então obtida: r T rr W r T CVSR 2)(2/1 ρ= p Froude (RT x Fn). A Figura 13, abaixo, apresenta o formato típico da curva de coeficiente de resistência total. Figura 13: Curva de Resistência Típica. Fonte: PNA,1988. Resta ape partir dos sultados experimentais levantados para as diferentes velocidades de reboque (e, portanto, para os diferentes valores de Fn ensaiados). De posse dos valores nas discutir a obtenção do fator de forma k. Este é obtido a re Especialização em Engenharia Naval 29 Módulo 3 – Hidrodinâmica medidos de coeficiente de resistência total, o método da ITTC propõe que se use a seguinte regressão: m F bm n m F m T C Fak C C )()1( ++= (12) Ajustando-se a função acima à curva experimental são obtidos os valores dos parâmetros de ajuste a e b e do fator de forma k, suposto o mesmo para o modelo e o navio. prego de Métodos Simplificados nsaios em tanques de provas envolvem processos demorados e custosos. Além disso, nas etapas iniciais de projeto, estimativas preliminares de resistência imadamente o peso e volume : As chamadas séries sistemáticas consistem e para um determinado casco (por 2.3.2 O Em E devem ser realizadas para se avaliar aprox necessário de motor e o volume dos tanques de combustível. Como esse procedimento envolve interações sucessivas, ensaios em tanque de provas não são uma alternativa viável em termos de custos e prazos para essas primeiras avaliações. Dessa forma, as estimativas iniciais de resistência recaem sobre procedimentos empíricos, dentre os quais podemos destacar: • Séries Sistemáticas basicamente na organização de um grande conjunto de resultados experimentais. Define-se um modelo-bas exemplo, um navio petroleiro) e, então, se constrói uma série de outros modelos variando-se sistematicamente alguns parâmetros geométricos (como, por exemplo, L/B, B/T, Cb, Cp, etc...). Os diferentes modelos são ensaiados em tanque de provas e regressões matemáticas sobre os resultados permitem exprimir a influência dos diferentes parâmetros na resistência do navio. Os resultados finais são normalmente apresentados em conjuntos de gráficos ou tabelas. Principalmente entre as décadas de 30 e 70 um grande número de séries sistemáticas foi publicado. Exemplos são a série de Taylor, a série 60 e a SSPA. Hoje em dia, porém, é Especialização em Engenharia Naval 30 Módulo 3 – Hidrodinâmica consenso entre os projetistas de que as séries para navios mercantes já se encontram ultrapassadas, não representando adequadamente os cascos atuais. Por essa razão, o seu emprego se encontra cada vez mais em desuso. As exceções são embarcações com cascos especiais como veleiros, lanchas de planeio e catamarãs, para os quais séries ainda se encontram em desenvolvimento. Regressões baseadas em diferentes navios (ex Lap-Keller; Holtrop- Mennen, Hollenbach): São trabalhos baseados em regressões estatísticas sobre um grande número de res • ultados obtidos para diferentes tipos de • relacionar a potência necessária navios. Fornecemestimativas grosseiras, mas, graças à facilidade de programação, se encontram implementadas em vários programas de CAD/CAM voltados para projetos navais. Comparação com navio semelhante: Uma boa estimativa inicial pode ser obtida por comparação com navio semelhante (parent ship). Normalmente se emprega um fator de conversão para no navio projetado com aquela instalada no semelhante. Um dos fatores mais aceitos atualmente é o coeficiente de almirantado (dado por PotênciaV 3/23∆ ). Obviamente, a aproximação será tanto melhor quanto mais próximos forem os parâmetros geométricos e a velocidade dos dois navios. m mente, todavia, que qualquer um dos métodos acima é te aproximado e se destina apenas a inferências iniciais. No decorrer do Deve-se sempre ter e bastan projeto do navio, métodos mais sofisticados vão sendo empregados para avaliar a resistência de forma mais confiável. Hoje em dia, métodos numéricos (como programas de CFD) são cada vez mais empregados, embora esta ainda não seja a regra. As avaliações finais continuam a depender de ensaios em tanque de provas, discutidos na seção precedente. Especialização em Engenharia Naval 31 Módulo 3 – Hidrodinâmica 2.4 Determinação da Potência Requerida s estudos de resistência ao avanço fornecem os resultados necessários para se eterminar a potência de motor necessária para que um determinado navio possa atingir uma certa velocidade. V) e a resistência ao avanço eria a potência necessária para rebocar o navio (sem apêndices) com essa velocidade de avanç ença do propulsor altera o escoamento sobre o em “águas abertas”) e o reflexo destas O d Uma vez definida a velocidade máxima de projeto ( associada a esta velocidade (RT), sabe-se a potência necessária para manter o movimento (dada simplesmente pelo produto da força pela velocidade): VRP ⋅= . T Essa potência é normalmente chamada de potência efetiva (normalmente abreviada por EHP, de effective horse power). Deve-se observar que essa s o. Na realidade, a pres casco e, portanto, tem efeito sobre a resistência. Além disso, devido a perdas de potência associadas ao propulsor, à transmissão e ao próprio motor, a potência instalada deverá ser maior do que a efetiva. Dessa forma, para a determinação desta potência, devem ser consideradas as diferentes eficiências mecânicas (do propulsor, da transmissão, do motor). A incorporação destes efeitos dá origem ao então chamado estudo de interação casco-hélice-motor. Este estudo se destina a quantificar as interações hidrodinâmicas entre o casco e o propulsor (cujas características são usualmente obtidas na ausência de um casco, ou sobre a potência requerida. Maiores detalhes serão fornecidos no Módulo 5, que trata de sistemas de propulsão. Especialização em Engenharia Naval 32 Módulo 3 – Hidrodinâmica 3. COMPORTAMENTO NO MAR Quando falamos do problema de “comportamento no mar” de uma embarcação, nos referimos ao estudo para previsão dos movimentos que essa embarcação apresentará quando submetida à ação das ondas do mar. Na literatura de língua inglesa, esse tópico é conhecido por seakeeping. Há vários motivos pelos quais o projetista deseja limitar os movimentos e acelerações de um navio em ondas, dentre os quais, podemos destacar: • Segurança ao emborcamento (garantir a estabilidade dinâmica do sistema); • Reduzir episódios de “água no convés” (greenwater); • Reduzir a carga de slamming (impacto da proa do navio contra as ondas, causando vibrações estruturais); • Evitar acréscimos consideráveis de resistência ao avanço (resistência adicional em ondas); • Conforto e segurança da tripulação. No caso de sistemas oceânicos, como plataformas de petróleo flutuantes, há outros problemas causados pela ação das ondas, como: • As cargas dinâmicas sofridas pelos risers e umbilicais dependem diretamente dos movimentos do sistema flutuante; • Alguns equipamentos de convés apresentam níveis máximos de movimento e/ou aceleração para sua operação. Atualmente, existem métodos de eficiência comprovada que permitem estimar as características de comportamento no mar de uma determinada embarcação. Os métodos mais empregados pelos projetistas de grandes sistemas se baseiam em softwares que resolvem o problema hidrodinâmico e calculam as forças impostas pelas ondas sobre o sistema e, assim, sua resposta dinâmica. Nosso objetivo neste capítulo será o de compreender o mecanismo através do qual a dinâmica de um corpo flutuante é excitada pelas ondas do mar, identificar Especialização em Engenharia Naval 33 Módulo 3 – Hidrodinâmica quais os principais parâmetros de projeto que controlam as características de movimento de um sistema naval e quais são as medidas que podem ser adotadas para reduzir os movimentos. Como primeiro passo, veremos as principais características das ondas do mar e quais os modelos matemáticos normalmente utilizados para descrevê-las. 3.1 O Ambiente Marítimo – Ondas Para entendermos o princípio através do qual os projetistas calculam os movimentos de sistemas flutuantes no mar, precisamos estudar a forma mais simples de uma onda de superfície e sua descrição matemática. Este é o tópico fundamental da chamada Hidrodinâmica Marítima, da qual estaremos interessados apenas em alguns resultados principais. A hidrodinâmica de ondas é um dos tópicos mais complexos na área de engenharia naval e oceânica e, em geral, requer recursos avançados de cálculo. O PNA (1988), Vol III oferece uma introdução a este tópico. Para aqueles que desejarem se aprofundar no assunto, recomenda-se a leitura de Newman (1977), este já com tópicos bem mais avançados. 3.1.1 Ondas Regulares A onda elementar na descrição matemática do mar é chamada de onda plana progressiva regular e está ilustrada na figura abaixo: Figura 14: Onda Plana Progressiva. Especialização em Engenharia Naval 34 Módulo 3 – Hidrodinâmica Obviamente, a forma da superfície varia tanto no espaço como no tempo. A parte (a) da figura ilustra a variação espacial (é como se fosse uma fotografia da onda em um instante de tempo fixo). A parte (b) representa o que chamamos de série temporal da onda, ou seja, representa a variação da superfície em um determinado ponto (x,y) ao longo do tempo. No caso exemplificado na figura, a onda se propaga na direção do eixo x. Dizemos que se trata de uma onda plana pois a elevação se repete em qualquer cota y. Assim, podemos descrever completamente a elevação da superfície (ζ) a partir de duas variáveis apenas: ζ(x,t). O que caracteriza uma onda regular é o fato de ela ter um período de oscilação (T) bem definido. Esse período pode ser medido, por exemplo, como o intervalo de tempo entre duas cristas (ou cavas) sucessivas. O período das ondas do mar é expresso normalmente em segundos. Muitas vezes, ao invés do período, preferimos trabalhar com a freqüência de ondas (f=1/T, em Hertz) ou, alternativamente, com a chamada freqüência angular ( fT ππω 22 == , em rad/s). Enquanto o período (ou freqüência) caracteriza a variação da onda no tempo, o comprimento de onda (λ) caracteriza sua variação no espaço. Trata-se, como mostra a figura, da distância entre duas cristas ou cavas sucessivas. Para que a descrição da onda elementar esteja completa resta ainda um parâmetro, que é a sua amplitude (chamaremos, por simplicidade de A, embora na figura denote-se por ζa). A chamada altura de onda (H) é o dobro da amplitude ( AH 2= ). Por fim, dizemos que a onda é progressiva porque um observador fixo veria as cristas (e as cavas) se deslocando numa certa direção como passar do tempo. A velocidade com a qual o observador vê esse movimento é a chamada velocidade de fase ou velocidade de propagação e é dada por Tc λ= . Doravante, nos referiremos sempre ao problema de profundidade infinita, caso em que a profundidade do mar no local (h) é muito maior do que o comprimento típico de ondas. Essa hipótese é sempre adotada nos estudos de sistemas navais e oceânicos em “mar aberto”. Especialização em Engenharia Naval 35 Módulo 3 – Hidrodinâmica Uma das propriedades mais importantes das ondas de superfície é o fato de o comprimento de onda estar relacionado com a freqüência da mesma. Mostra-se que, em profundidade infinita, a relação entre esses dois parâmetros é dada por: g k 22 ω λ π == (13) onde g é a aceleração da gravidade. O parâmetro k é conhecido como número de onda. A relação (13) é conhecida como Relação de Dispersão e desempenha um papel fundamental para a compreensão do ambiente marítimo. Com base na equação (13), podemos reescrever a velocidade de propagação de uma onda de várias formas alternativas: π λω ω λ 2 g g k T c ==== (14) Fisicamente, então, a relação de dispersão implica que as ondas mais “longas” têm velocidade de propagação maior. Na forma de representação mais simples de uma onda plana regular, a oscilação da superfície-livre é descrita através de senos ou cossenos, como, por exemplo: )cos(),( εωζ +−= tkxAtx (15) onde ε representa uma certa fase da onda (determina um valor inicial da função para o instante de tempo t=0). A teoria de ondas em hidrodinâmica se preocupa em descrever o escoamento de água abaixo da superfície, quando da passagem de uma onda. Trata-se de uma teoria muito bonita e que permite chegar a resultados analíticos que retratam a realidade de forma bastante fiel. Essa teoria permite, por exemplo, descrever a velocidade que o escoamento terá em cada ponto e em cada instante de tempo. A Figura 15, a seguir, ilustra a direção e a magnitude da velocidade da água abaixo de uma onda que se propaga com velocidade de fase c=VP no sentido indicado. Especialização em Engenharia Naval 36 Módulo 3 – Hidrodinâmica Figura 15: Campo de velocidades sob uma onda plana progressiva. A ilustração acima nos permite ressaltar algumas características interessantes. Em primeiro lugar, deve-se observar que a velocidade do fluxo sob a onda é menor do que a velocidade de propagação (aquela com que vemos a onda se deslocar). Sob as cristas, a velocidade da água tem o mesmo sentido da propagação da onda, enquanto sob as cavas, esse sentido se inverte. Na realidade, cada partícula de fluido descreverá uma trajetória circular ao longo do tempo. Para nós, um dos fatos mais importantes indicados na figura diz respeito à rápida atenuação da velocidade do escoamento à medida que nos deslocamos para pontos de maior profundidade. De fato, sendo z=0 a posição da superfície-livre média, com z orientado conforme a Figura 14, a teoria mostra que a velocidade do fluxo cai exponencialmente com a profundidade, ou seja, cai com . Isso significa que os efeitos da onda decrescem muito rapidamente com a profundidade kze 6. Da mesma forma que a onda induz um movimento do fluido, induz também um campo de pressão neste fluido. Esse campo de pressão será o responsável pelas forças que farão um corpo flutuante se movimentar nas ondas. A teoria também 6 Este é um fato conhecido, por exemplo, por quem mergulha. Especialização em Engenharia Naval 37 Módulo 3 – Hidrodinâmica mostra que esse campo de pressão será composto pela soma de duas parcelas na forma: kz atm etxggzptzxp ),()(),,( ζρρ +−= (16) Aqui, patm representa a pressão atmosférica na superfície. O termo entre parênteses representa nada mais do que a pressão hidrostática no fluido (lembrar que z é negativo abaixo da superfície). Essa parcela de pressão é responsável pelo empuxo e, portanto, pela flutuação de um corpo na superfície. Soma-se a esta uma parcela de pressão diretamente proporcional à elevação da onda em um determinado ponto. Essa parcela é conhecida como pressão dinâmica. Com auxílio da equação (15), é fácil perceber, então, que a pressão dinâmica tem média nula e oscila no tempo com a mesma freqüência da onda, ou seja, oscila com freqüência ω. É essa parcela de pressão a responsável pelos movimentos de uma embarcação quando submetida a ondas. As forças sobre o corpo (dadas, em cada instante, pela integração do campo de pressão) também oscilarão com ω e, conseqüentemente, os movimentos do corpo se darão na mesma freqüência da onda que incide sobre ele. É importante notar, todavia, que a pressão dinâmica também decai exponencialmente com a profundidade. Assim, um corpo submerso praticamente não “sentirá” mais os efeitos da onda a partir de uma certa profundidade de submersão. De fato, é esse o princípio que norteia o projeto de muitos sistemas oceânicos, caso, por exemplo, das plataformas semi-submersíveis. A idéia aqui é simples: posicionar a maior parte do volume de flutuação do corpo em uma profundidade na qual a ação das ondas já seja pequena (ver Figura 16) e, com isso, reduzir os movimentos em ondas. Outros sistemas oceânicos (como as plataformas TLP e SPAR), adotam o mesmo princípio para o projeto de seus cascos. Nos navios de superfície, por outro lado, o projeto do casco não é orientado tendo como objetivo principal reduzir os movimentos em ondas, mas sim almejando uma boa relação entre a capacidade de carga e a resistência ao avanço. Dessa forma, Especialização em Engenharia Naval 38 Módulo 3 – Hidrodinâmica com um grande volume próximo á linha d’água, os navios sofrem diretamente a ação das ondas e podem experimentar grandes movimentos. Figura 16: Plataforma semi-submersível. Tudo o que discutimos até o momento diz respeito a uma onda elementar. As ondas do mar, em geral, não apresentam uma freqüência bem definida, mas sim uma combinação de ondas que se propagam com amplitudes, freqüências e até mesmo direções distintas. Para prevermos o movimento excitado por estas ondas precisaremos saber como a energia se distribui entre essas diferentes componentes. Em termos de modelagem matemática, representamos o mar como sendo a somatória de um grande número de ondas elementares, cada uma com suas características próprias. Essa modelagem será discutida a seguir. Especialização em Engenharia Naval 39 Módulo 3 – Hidrodinâmica 3.1.2 Ondas Irregulares – O Mar Dentre os diferentes fenômenos físicos responsáveis por induzir efeitos ondulatórios no ambiente marítimo, encontramos a geração de ondas causada pela ação do vento sobre a superfície do mar. As ondas de superfície originadas por esta ação são aquelas que apresentam maior interesse no contexto da engenharia naval e oceânica porque apresentam períodos e amplitudes típicas capazes excitar de forma significativa a dinâmica de navios e sistemas oceânicos usuais. Estas ondas freqüentemente apresentam caráter bastante aleatório, com períodos e alturas de ondas variando continuamente com o tempo e, muitas vezes, com ondas se propagando em diferentes direções. Essa aleatoriedade nos obriga, então, a uma abordagem estatística das ondas do mar, com o intuito de extrairmos informações importantes sobre os efeitos causados por diferentes “estados de mar”. Atualmente, existem diversas bases de dados que reúnem informações estatísticas das ondas de mar para diferentes regiões do globo. Estas bases foram construídas ao longo dos anos combase em registros de ondas dos diferentes locais. Esses registros podem ser obtidos por diferentes meios. Antigamente, as informações sobre as ondas eram quase que exclusivamente baseadas em observações visuais reportadas pelas tripulações das embarcações. Hoje, no entanto, há diversos meios, muito mais precisos, para a inferência estatística das ondas do mar em determinado local. O método mais difundido consiste na utilização das chamadas bóias oceanográficas, mas alternativas se tornam cada vez mais difundidas como, por exemplo, a medição de ondas através de radares ou por satélite. A Figura 17, a seguir, apresenta um trecho típico de um registro de ondas do mar. Especialização em Engenharia Naval 40 Módulo 3 – Hidrodinâmica Figura 17 – Trecho de Série Temporal de um Registro de Ondas Quando este tipo de registro se encontra disponível, uma análise simplificada é suficiente para obtermos informações estatísticas importantes. Via de regra, considera-se que o tempo de registro deve ser pelo menos 100 vezes maior do que o maior período de ondas registrado para garantir uma base estatística confiável. A seguir, discutiremos alguns dos parâmetros estatísticos mais importantes para a descrição das ondas do mar. Nosso objetivo, por enquanto, é introduzir alguns parâmetros estatísticos fundamentais através de um exemplo numérico e um tratamento simplificado. Período Médio de Ondas O período médio de ondas T (average wave period) pode ser obtido facilmente a partir de um registro como a média dos períodos entre zeros ascendentes (average zero up-crossing period) ou dos períodos entre cristas ou cavas sucessivas. Estatísticas de Altura de Ondas De um modo bem simplificado, a altura média de ondas pode ser obtida com base em um histograma contendo as informações do número de ocorrências dentro de determinadas faixas de alturas de ondas. A razão entre o número de ocorrências em cada faixa e o número total de ciclos contido no registro fornece quocientes de Especialização em Engenharia Naval 41 Módulo 3 – Hidrodinâmica freqüência que caracterizam a chamada função densidade de probabilidade f(x) (probability density function). A soma cumulativa destes quocientes fornece, por fim, a chamada função de distribuição F(x) (distribution function) das alturas de onda. Um exemplo numérico é fornecido abaixo, para um registro de 150 ciclos: Os resultados acima são apresentados graficamente na figura abaixo. A função densidade de probabilidade se apresenta na forma de um histograma (a). A função de distribuição é dada em (b). Figura 18 – Função Densidade de Probabilidade e Função de Distribuição de Alturas de Ondas Especialização em Engenharia Naval 42 Módulo 3 – Hidrodinâmica Informações estatísticas importantes podem ser obtidas a partir da função f(x). Por exemplo, a probabilidade de que a altura de onda no registro exceda um determinador valor a é dada simplesmente por: ∫ ∞=> a w dxxfaHP )(} ~{ (17) Como exemplo, é fácil verificar no caso acima que a probabilidade de a altura de onda exceder 3.25 m é de 4%. A altura média de ondas H (mean wave height) é dada por: ∫∞= 0 )(. dxxfxH (18) e, no caso acima, 64.1=H m. Um parâmetro importante normalmente empregado para a descrição de um determinado estado de mar é a chamada altura significativa de ondas H1/3 (significant wave height)7. A altura significativa é definida como a médias das ondas 1/3 maiores. Assim, dividindo-se a área do histograma da função f(x) em três partes iguais e denotando por a0 o limite inferior do terço mais à direita, a altura significativa será dada por: ∫∞= 0 )(.3/1 a dxxfxH (19) No exemplo numérico acima, a altura significativa é dada pela média das 50 maiores ondas no registro e, portanto, 51.23/1 =H m. 7 A razão para o emprego da altura significativa como parâmetro estatístico tem origem histórica. Estudos mostraram que um observador bem treinado tende a fornecer como a altura característica de ondas irregulares um valor que se aproxima muito de H1/3. Assim, dada a importância já ressaltada das inferências visuais como fonte original para as estatísticas de ondas do mar, a altura significativa passou a ser um parâmetro usual na modelagem. Especialização em Engenharia Naval 43 Módulo 3 – Hidrodinâmica A Estatística das Ondas do Mar Para um tratamento estatístico mais apropriado, uma análise mais completa do registro de ondas se faz necessária. Neste caso, uma amostragem (sampling) da elevação da superfície será realizada a partir de um número grande (N) de registros tomados a intervalos de tempo iguais ( t∆ ), conforme ilustrado na figura a seguir. O tempo total do registro é dado por TR=N t∆ e a freqüência de amostragem (sampling frequency) é dada por tf S ∆= 1 . Na análise das ondas do mar, usualmente se utilizam registros que variam de 15 a 20 minutos de aquisição, com freqüência de amostragem típica por volta de 2 Hz. Esses valores de tempo de registro são altos o suficiente para garantir a aquisição de um número mínimo de ciclos de ondas, mas ainda baixos o suficiente para evitar a influência espúria de fenômenos de baixa freqüência, como a variação dos níveis de maré. Figura 19 – Amostragem de um registro de ondas. Através da amostragem, gera-se uma série com N valores da elevação nζ medida a cada intervalo de tempo. A seguir, discutiremos aspectos estatísticos importantes das ondas do mar. Uma boa referência para um estudo mais profundo dessa abordagem estatística é o livro de Ochi (1998). Especialização em Engenharia Naval 44 Módulo 3 – Hidrodinâmica Irregularidade do Mar e Gaussianeidade A análise de registros de ondas obtidos em campo demonstra que a função densidade de probabilidade da série discreta de elevação da superfície nζ é muito bem reproduzida por uma distribuição Gaussiana (ou normal). Como nζ representa a oscilação da superfície em torno de seu valor indeformado, é óbvio que sua média é nula. Assim, a função densidade de probabilidade de nζ pode ser representada por uma distribuição normal de média nula e desvio-padrão σ : 2 2 2 2 1)( σ ζ πσζ −= ef (20) sendo o desvio-padrão dado por: ∑ =−= N n nN 1 2 1 1 ζσ (21) Uma distribuição Gaussiana é plenamente caracterizada por dois parâmetros: sua média (no caso nula) e seu desvio-padrão. A figura abaixo apresenta a representação gráfica de uma distribuição Gaussiana com média nula e desvio- padrão 1=σ . Figura 20 – Distribuição Normal ou Gaussiana com média nula e 1=σ . Especialização em Engenharia Naval 45 Módulo 3 – Hidrodinâmica Percebe-se que os pontos de inflexão da distribuição são dados por σ±=x . Em uma distribuição normal, a probabilidade de que a variável aleatória exceda um certo valor a é dada por: ∫∫ ∞ −∞ ==> aa dedfaP ζσπζζζ σ ζ 2 2 2 2 1)(}{ (22) A probabilidade de que a variável seja maior do que o desvio-padrão é de aproximadamente 32%, ou seja 32.0}{ => σζP , enquanto que a probabilidade de exceder um valor equivalente a 3σ é de apenas 0.3% ( 003.0}3{ => σζP ). A razão da Gaussianeidade de )(ζf pode ser melhor entendida se nos remetermos ao processo de geração das ondas aleatórias. Estas ondas são resultantes da composição de várias componentes causadas pela ação do vento em diferentes locais da superfície do mar. A ação do vento em regiões distintas ocorre de maneira independente e, assim, as ondas irregularespodem ser entendidas como a soma de variáveis independentes. Sabe-se, a partir do Teorema do Limite Central, que a distribuição de probabilidade de uma variável aleatória composta pela superposição de variáveis independentes é Gaussiana, independentemente da forma das distribuições de probabilidade das variáveis originais. Esse resultado, de fato, constitui a razão fundamental da importância da distribuição normal na teoria da probabilidade. As propriedades matemáticas das distribuições Gaussianas podem ser encontradas em qualquer texto sobre variáveis aleatórias. Uma propriedade em especial é muito importante no contexto do estudo de comportamento no mar e, portanto, merece ser destacada: Uma operação linear sobre uma variável Gaussiana preserva a Gaussianeidade do processo. Em outras palavras, se X é uma variável aleatória com distribuição Gaussiana, média µ e variância , então a variável 2σ baXY += também terá distribuição Gaussiana com média ba +µ e variância . Dessa forma, se pudermos supor que a dinâmica de um sistema oceânico sob ação de ondas irregulares é linear na amplitude de onda, a resposta do sistema será necessariamente Gaussiana na medida que 22σa )(tζ também o é. Especialização em Engenharia Naval 46 Módulo 3 – Hidrodinâmica Distribuição de Rayleigh das Amplitudes Na grande maioria dos casos de interesse é possível mostrar que a estatística de amplitudes (ou alturas) de ondas seguirá um outro tipo de distribuição estatística, conhecida como distribuição de Rayleigh. Esta distribuição é expressa matematicamente por: 2 2 2 2)( σ σ A eAAf −= (23) De acordo com esta distribuição, a probabilidade de que a amplitude de onda A exceda um determinado valor a é dada por: 2 2 2 2 22 2 1)(}{ σσσ a a A a edAAedAAfaAP −∞ −∞ ===> ∫∫ (24) O valor médio das amplitudes que excedem o valor a pode ser visualizado, graficamente, como a coordenada x do baricentro da área hachurada na figura abaixo: Figura 21 – Distribuição de Rayleigh Por definição, a amplitude significativa é dada pela média das amplitudes 1/3 maiores, assim: Especialização em Engenharia Naval 47 Módulo 3 – Hidrodinâmica ∫∞= 0 )(.3/1 a dAAfAA (25) sendo: 3/1}{ 2 2 0 2 0 ==> − σ a eaAP e, portanto, a0 = 1.4823σ. Então, é fácil verificar que: σ σ 4 2 3/1 3/1 ≅ ≅ H A (26) A expressão (24) pode ser reescrita em termos das alturas de onda na forma: 2 2 3/1}{ ⎟⎠ ⎞⎜⎝ ⎛−=> HhehHP (27) que indica a probabilidade de a altura de onda exceder um certo valor h em um mar com altura significativa H1/3. Um outro parâmetro normalmente empregado na análise dinâmica de sistemas oceânicos é a máxima altura de onda (maximum wave height) esperada em um estado de mar. Por convenção, esta altura é calculada como sendo aquela cuja probabilidade de ser excedida é 1/1000. Esse valor, aparentemente arbitrário, foi definido considerando-se que um estado de mar típico tem duração aproximada de 3 horas (tempo característico de uma tempestade) e contém, grosso modo, um número de ciclos de ondas próximo de 1000. Segundo esta convenção, a máxima altura de onda HMAX pode ser calculada em função de H1/3 por intermédio da equação (27): 3/186.1 HH MAX = (28) Até o momento, nos preocupamos em derivar parâmetros estatísticos importantes que podem ser obtidos a partir de registros de ondas. Para um enfoque estatístico da resposta de sistemas oceânicos, todavia, é ainda necessário que caracterizemos de forma mais precisa o que entendemos por “estados de mar”. No projeto de sistemas oceânicos, as análises dinâmicas são realizadas com Especialização em Engenharia Naval 48 Módulo 3 – Hidrodinâmica base em estados de mar típicos da região na qual o sistema irá operar. As características do mar em uma dada região são obtidas através de análises estatísticas de “longo prazo” e a representação de seus diferentes estados é feita através do espectro de energia de ondas. O conceito de espectro de energia será discutido em maiores detalhes a seguir. 3.1.3 Espectro de Energia das Ondas do Mar Vimos que as ondas irregulares do mar podem ser representadas através da superposição de ondas regulares de diferentes amplitudes e freqüências. Representaremos, assim, uma determinada condição do mar através da superposição de ondas elementares, cada qual com freqüência, amplitude e direção de propagação própria, como ilustra a Figura 22. Figura 22 – Representação do mar como superposição de ondas regulares Especialização em Engenharia Naval 49 Módulo 3 – Hidrodinâmica O procedimento clássico para se obter o conteúdo de freqüência de um certo sinal aleatório é decompô-lo em uma série de Fourier8. Suponhamos então um certo registro de onda )(tζ com tempo total de medição TR. Definindo: ωω πω ∆= =∆ j T j R 2 a variação no tempo da elevação da superfície pode ser aproximada pela seguinte série: )cos()( 1 ∑∞ = += j jjj tAt εωζ (29) onde os coeficientes Aj representam a amplitude de cada uma das componentes harmônicas e os coeficientes εj suas respectivas fases. Como )(tζ é Gaussiano de média nula, os coeficientes de Fourier também o serão. Portanto, a amplitude (Aj) segue a distribuição de Rayleigh e a fase εj é uniformemente distribuída no intervalo πεπ ≤≤− j . Uma vez que estamos interessados apenas na estatística e não em reproduzir a real elevação da superfície em dado instante de tempo t, as fases εj entre as componentes harmônicas podem ser desconsideradas. A hidrodinâmica marítima mostra que a energia transportada por uma onda varia com o quadrado da amplitude dessa onda. Assim, uma medida da energia das ondas do mar em torno de uma dada freqüência nω é dada por: ∑∆+∆= ωω ω ζ ωω n n nn AS 2 2 11)( (30) ou, no limite em que 0→∆ω : 8 Maiores detalhes podem ser encontrados, por exemplo, em Ochi (1998). Especialização em Engenharia Naval 50 Módulo 3 – Hidrodinâmica 2 2 1).( nn AdS =ωωζ (31) A função )(ωζS assim definida em (31) é conhecida como “densidade espectral” ou simplesmente espectro de energia das ondas. A figura abaixo ilustra as definições acima. Figura 23 – Definição de Densidade Espectral Por definição, a variância do sinal )(tζ também pode ser dada a partir de seu espectro de energia, na forma: ∫∞= 0 2 ).( ωωσ ζ dS n (32) A Figura 24, a seguir, fornece uma interpretação gráfica do significado físico do espectro de ondas e de como ele se relaciona com o registro de ondas original. Especialização em Engenharia Naval 51 Módulo 3 – Hidrodinâmica Figura 24 – Representação esquemática da relação entre o espectro de energia e o registro de ondas original Em unidades SI, o espectro )(ωζS tem unidade de m2s e pode ser representado também em termos da freqüência de onda em Hertz ( ). Nesse caso, porém, convém observar que o espectro sofre uma transformação. O requisito a ser imposto para a conversão de freqüência é o de que a energia total contida nos intervalos f ω∆ e seja igual, e, portanto: f∆ dffSdS ).().( ζζ ωω = . Como πω 2=dfd , deduzimos que a conversão pode ser feita através de uma conta bastante simples: πω ζ ζ 2 )( )( fS S = (33) A relação (33) permite converter a representação do espectro da freqüência para a freqüência angular e vice-versa. A Figura 25 ilustra a representação de um espectro de mar
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