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U�IVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS DEPARTAME�TO DE CIÊ�CIAS DOS ALIME�TOS CIÊ�CIA E TEC�OLOGIA DE PRODUTOS HORTÍCOLAS (GCA-124) “Fisiologia e tecnologia pós-colheita de frutas e hortaliças in natura e minimamente processadas” PROF. EDUARDO VALÉRIO DE BARROS VILAS BOAS LAVRAS - MG 2012 2 2 1 I�TRODUÇÃO Os frutos e as hortaliças são componentes essenciais da dieta humana. Eles se caracterizam por não possuírem colesterol, como todo produto de origem vegetal e apresentarem, normalmente, baixos teores de gorduras. Desempenham um importante papel nutricional na alimentação do dia-a-dia, fornecendo principalmente vitaminas, minerais, fibras e energia, além de se mostrarem como aqueles produtos que mais correspondem às expectativas sensoriais dos consumidores, por satisfazerem suas exigências e apelos por produtos agradáveis à visão, paladar, olfato e tato. Entretanto, os frutos e hortaliças são produtos perecíveis que apresentam um ativo metabolismo durante o período pós-colheita. Logo o adequado manuseio dos mesmos assume um papel de destaque no incremento da disponibilidade de alimentos. A fisiologia pós-colheita é a facção da fisiologia vegetal que trata dos processos funcionais do vegetal após ele ter sido colhido. Ela lida com o período de tempo entre a colheita ou remoção do vegetal de seu ambiente normal de crescimento e o momento final de sua utilização, deterioração ou morte. Os fatores relacionados à pré-colheita e colheita também são considerados como componentes vitais no estudo da pós-colheita, quando influenciam-na direta ou indiretamente. Para um melhor entendimento da vida pós-colheita de frutos e hortaliças e para uma melhor exploração de todo o potencial destes produtos é fundamental o estudo dos aspectos fisiológicos que afetam o seu desenvolvimento. 2 DEFI�IÇÃO E CLASSIFICAÇÃO A definição botânica de um fruto - o produto do crescimento de uma flor ou inflorescência de uma angiosperma - é restrito aos frutos de polpa comestíveis encontrados no comércio. A definição botânica compreende os frutos de polpa que surgem da expansão do ovário da flor, e não inclui frutos de polpa que surgem do crescimento de estruturas outras que não o ovário, tais como receptáculos (maçã, morango), brácteas e pedúnculo (abacaxi). Não inclui, ainda, os frutos secos, tais como nozes, grãos e legumes, que não são considerados comercialmente como frutas. O dicionário inglês Oxford define frutos como o produto comestível de uma planta ou árvore, consistindo de semente e seu invólucro, principalmente o último, quando suculento e polposo. Uma definição de fruto sob o ponto de vista do consumidor seria "produtos vegetais com sabor e aroma agradáveis, que são naturalmente doces ou adoçados normalmente antes de se comer": eles são essencialmente alimentos de sobremesa. 3 3 Estas definições são mais adequadas para o uso comum do termo fruto. A origem de alguns frutos comuns a partir de um ovário e tecidos adjacentes é apresentado na Figura 1. O desenvolvimento exagerado de certas partes da estrutura básica dos frutos surgiu naturalmente, embora tenha sido acentuado por programas de melhoramento genético que visam a maximização das características desejáveis de cada fruto e a minimização das características dispensáveis. A produção de cultivares sem semente de certos frutos representa uma das grandes vitórias do melhoramento. As hortaliças não representam um grupo botânico específico, e exibem uma variedade enorme de estruturas vegetais. Elas podem, contudo ser agrupadas em três categorias: sementes e vagens; bulbos, raízes e tubérculos; flores, botões, caules e folhas. A classificação das hortaliças de acordo com órgão consumido é apresentada na Tabela 1. A parte vegetal da qual se origina as hortaliças é visualmente aparente na maioria dos casos. Em alguns casos, entretanto, a caracterização é mais difícil, especialmente para órgãos tuberosos de desenvolvimento subterrâneo. A batata, por exemplo, é um caule modificado (tubérculo), embora outros órgãos de armazenamento subterrâneo, tais como a batata doce e a mandioca, são simplesmente raízes entumecidas. Além disso, alguma confusão ainda é feita visto que vários produtos que são considerados frutos sob o ponto de vista botânico são comumente chamados de hortaliças: abobrinha, tomate, ervilha, feijão e berinjela, por exemplo. Esta confusão surge, principalmente, em função de uma classificação do consumidor de que hortaliças são produtos vegetais comestíveis que normalmente são salgados, ou no mínimo não adoçados, cozidos e geralmente comidos com carne ou peixe. Na literatura podemos encontrar numerosas definições para hortaliças. Entretanto, as hortaliças não podem ser descritas botanicamente ou morfologicamente, visto que compreendem numerosos órgãos vegetativos ou reprodutivos. Certos tipos crescem sob condições tropicais e subtropicais apenas, enquanto outros crescem apenas em climas temperados. Estes diferentes tipos de plantas pertencem a um largo número de famílias botânicas. Tabela 1 Classificação de hortaliças de acordo com o órgão vegetal (Weichmann, 1987) Classe Exemplos de hortaliças Raízes e tubérculos Cenoura, alho, cebola, batata inglesa, batata doce, mandioca, beterraba Folhosas Repolho, alface, espinafre, couve, chicória Flores Couve-flor, brócolis Frutos imaturos Vagem, pepino, ervilha, pimentão, abóbrinha, milho doce 4 4 Frutos maturos Melão, tomate Uma definição compreensiva de hortaliças dada por Schuphan necessita ser mudada e extendida para se evitar confusão. De acordo com esta definição as hortaliças se constituem em qualquer produto vegetal que não pertence ao grupo de frutas ou cereais e que são consumidas frescas, cruas ou processadas sem substancial extração (como o açúcar da beterraba). A despeito de alguns problemas parece que esta definição cobre da melhor maneira o tópico hortaliças e é usada por numerosos autores. Os frutos e as hortaliças podem, então, ser classificados de diferentes maneiras. Eles são classificadas usualmente de acordo com os requerimentos culturais tais como a adaptação ao calor e ao frio, cultivo protegido ou produção em campo aberto, estação de cultivo e colheita em diferentes regiões e adaptabilidade a condições de solo e clima. Muito geralmente os frutos e as hortaliças são classificados de acordo com seu relacionamento botânico. Para propostas da fisiologia pós-colheita, outras classificações parecem ser mais significativas, tais como: • Uso de diferentes órgãos vegetais: raízes, folhosas, flores, frutos imaturos e maturos. • Sensibilidade ao frio durante o período pós-colheita: produtos sensíveis ao "chilling" e não sensíveis ao "chilling" ("chilling" é um termo genérico utilizado para caracterizar desordens fisiológicas ocasionadas pelo frio que comprometem a qualidade de frutos e hortaliças). • Vida de armazenamento do produto: baixa resistência ao armazenamento, menor que duas semanas: aspargos, feijão, pepino, alface, ervilha, pimenta, espinafre, morango, tomate; resistência moderada ao armazenamento, entre duas e oito semanas (couve flor, repolho chinês, ruibarbo, laranja); alta resistência ao armazenamento, de dois a seis meses (repolho, cenoura, cebola, maçã). • Intensidade do metabolismo, possivelmente em relação a substratos respiratórios disponíveis. Ambos parâmetros se relacionam muito bem com a resistência ao armazenamento. A intensidade do metabolismo pode também ser definida como produção de etileno. • Sensibilidade a certas pressõesparciais de gases na atmosfera de armazenamento, principalmente dióxido de carbono, oxigênio e etileno. • Padrão respiratório durante o amadurecimento. Esta classificação é significativa principalmente para os frutos: frutos climatéricos (banana, melão e tomate) e não climatéricos (laranja, limão e pepino). 5 5 3 ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO A vida pós-colheita de frutos e hortaliças é fortemente influenciada pela sua estrutura básica. Desta forma é interessante se familiarizar com a estrutura do produto, bem como com os tecidos e células que o compreendem. Um conceito extremamente importante da morfologia vegetal é que a estrutura, seja em nível de órgão, tecido ou célula não é fixa, mas um estado de transição. As mudanças na estrutura são especialmente importantes no período pós-colheita. A unidade estrutural uma vez formada é fadada a ser degradada e reciclada a dióxido de carbono. Os frutos e hortaliças sofrem, naturalmente, pronunciadas mudanças estruturais durante seu ciclo de vida, que podem ser exacerbadas por fatores externos como condições ambientais, o ataque de patógenos e o próprio consumo. O sucesso do armazenamento de produtos vegetais se baseia, principalmente, na redução da taxa destas mudanças estruturais. 3.1 Estrutura tissular Os órgãos são divididos em sistemas tissulares que incluem os tecidos dérmico, fundamental, vascular, de suporte e meristemático. Tecidos dérmicos Os tecidos dérmicos cobrem a superfície externa do vegetal ou parte do vegetal e formam a interface entre o produto colhido e seu ambiente externo e como conseqüência são extremamente importantes após a colheita. Eles geralmente têm uma influência dominante sobre as trocas gasosas (vapor, oxigênio e dióxido de carbono) e a resistência do produto a danos físicos e patológicos durante o manuseio e armazenamento. O tecido dérmico de alguns frutos e hortaliças após a sua colheita são importantes determinantes do apelo visual. O brilho imposto por ceras epicuticulares sobre maçãs ou a presença de desejável pigmentação na superfície celular são exemplos típicos. Os dois principais tipos de tecidos dérmicos são a epiderme e a periderme. Epiderme As células epidermais que recobrem a superfície do vegetal são totalmente variáveis em tamanho, forma e função. A maioria é relativamente não especializada, embora dispersas entre estas 6 6 estejam células ou grupos de células altamente especializadas tais como os estômatos, tricomas e hidatódios. Os estômatos são aberturas especializadas na epiderme que facilitam a troca bidirecional de gases (água, oxigênio, dióxido de carbono, etc). Os estômatos são constituídos de células especializadas, chamadas células guarda, que em função das mudanças em sua pressão interna alteram o tamanho da abertura estomatal. Abaixo das células guarda encontra-se a câmara estomatal. São encontrados em abundância nas folhas. A abertura estomatal é alterada pela luz, concentração de dióxido de carbono e estado hídrico do vegetal. O fechamento estomatal representa um mecanismo de conservação da água dentro do tecido. Quando partes dos vegetais são destacadas de sua planta mãe através da colheita, o suprimento de água do sistema radicular é eliminado e a abertura estomatal é diminuída marcadamente. Durante o período pós-colheita, os estômatos representam sítios em potencial para a entrada de alguns fungos patogênicos. Estes fungos atravessam os mecanismos de defesa superficiais do vegetal (principalmente as ceras cuticulares e epicuticulares) e ganham rapidamente o interior do órgão. Os tricomas representam outro tipo de células epidermais especializadas que pode ser encontrado em qualquer parte do vegetal. São altamente variáveis em estruturas e se estendem para fora da superfície. Os quatro grupos primários incluem pêlos das superfícies aéreas dos vegetais, escamas, vesículas de água e pêlos radiculares. A superfície fibrosa do pêssego constitui-se num exemplo de tricomas. Os tricomas podem atuar na atração ou combate a insetos, podendo também afetar as trocas gasosas. Durante o período pós-colheita a quebra de tricomas pode proporcionar sítios de entrada para patógenos. Os hidatódios são muito mais complexos que células epidermais modificadas. Eles representam uma modificação dos tecidos vascular e fundamental ao longo das margens das folhas que permitem a liberação passiva de água através dos poros superficiais. Os hidatódios representam sítios em potencial para perda de água e entrada de patógenos em hortaliças folhosas após a colheita. Uma importante característica de células epidermais é a membrana cuticular. A transpiração, entrada de patógenos e penetração de químicos são uma função da extensão de cutinização da epiderme. Uma cutícula muita fina e complexa cobre a epiderme, particularmente em frutos. A membrana cuticular é vista convencionalmente como uma multicamada. O tecido sobre a camada péctica consiste da cutícula propriamente dita (camada externa composta predominantemente de cutina) e a camada cuticular (camada interna composta de cutina incrustada sobre a celulose). Os frutos apresentam uma proeminente película cerosa, como em uvas e laranjas. Geralmente, os frutos são mais encerados que as folhas. Hortaliças folhosas, como repolho, são mais enceradas que raízes como 7 7 beterraba e batata doce. A quantidade de cutícula pode diferir de acordo com a espécie e fatores ambientais. Periderme A epiderme é substituída por um tecido protetivo chamado periderme sobre as partes vegetais tais como raízes e caules que aumentam sua espessura devido ao crescimento secundário. A periderme também é formada em resposta ao ferimento na maioria das espécies. Quando raízes são danificadas durante a colheita a periderme se forma sobre a superfície de ferimento, reduzindo o risco de entrada de patógenos. Alguns produtos, após a colheita, devem ser mantidos sob condições favoráveis que estimulem a formação da periderme de ferimento, antes do armazenamento, como é o caso da batata doce e batata inglesa. Altas temperatura e umidade relativa favorecem a formação rápida da periderme de ferimento, reduzindo, portanto, as perdas de água e invasão por patógenos durante o armazenamento. Dispersas sobre a periderme encontram-se as lenticelas, grupos de células com substancial espaço intercelular, envolvidos aparentemente na facilitação da difusão de gases dentro e fora do vegetal. Ao contrário dos estômatos, as lenticelas não apresentam mecanismos de abertura e fechamento, e como conseqüência sua presença aumenta o potencial de perda de água do produto após a colheita. Tecido fundamental As células do parênquima formam o tecido fundamental da maioria dos produtos após a colheita. Nos frutos de polpa, raízes e sementes eles agem como sítios de armazenamento para carboidratos, lipídeos ou proteínas e constituem porção comestível. Em tecidos folhosos, as células do parênquima apresentam numerosos cloroplastos, assumindo função fotossintética. As células do parênquima podem também agir como células secretórias e podem resumir atividade meristemática em resposta ao ferimento. As células parenquimatosas apresentam numerosas faces e formatos. Apresentam, ainda, a parede celular relativamente fina, o que as torna frágeis e faz com que percam rapidamente a forma e as propriedades texturais quando perdem água. A percentagem de água, de muitos frutos e hortaliças após a colheita, que deve ser perdida antes que alterações significativas ocorram nas propriedades físicas dos tecidos é, geralmente, relativamente pequena.8 8 Tecido de suporte Colênquima As células do colênquima são relativamente similares às do parênquima, embora apresentem paredes celulares grossas e proporcionem suporte estrutural para o vegetal. As células são fortes e flexíveis com paredes celulares primárias não lignificadas. As células do colênquima podem, em partes velhas do vegetal, formar paredes secundárias, tornando-se esclerênquima. Como um tecido de suporte, o colênquima é encontrado em partes aéreas do vegetal e não nas raízes. As células, geralmente, são localizadas logo abaixo da superfície das folhas, pecíolos e caules herbáceos. Este tipo de célula é adaptado para dar suporte aos órgãos jovens em crescimento. As fibras de células encontradas nas porções comestíveis dos pecíolos de aipo são células do colênquima e tecido vascular. As células do colênquima compõe a hipoderme do abacate. Esclerênquima As células do esclerênquima proporcionam dureza e rigidez estrutural aos vegetais e partes dos mesmos. Apresentam paredes celulares secundárias formadas após as células terem completado a expansão. Sua forma é altamente variável, embora seja usada como base para sua classificação em duas categorias: escleritos e fibras. Os escleritos tendem a ser mais curtos e compactos que as fibras que são tipicamente elongadas. Os escleritos são encontrados em camadas de tecidos epidérmicos, fundamental e vascular de caules, folhas, sementes e frutos. As células "stone" observadas em pêras constituem-se num exemplo de escleritos. As fibras funcionam como elementos de suporte em partes vegetais que não estão em elongamento, especialmente caules, folhas e frutos de algumas espécies. A formação de fibras pode ocorrer após a colheita de alguns produtos, comprometendo sua aceitação, por exemplo em aspargo e quiabo. Tecido vascular Os tecidos vasculares proporcionam o canal para o movimento de água e nutrientes através do vegetal. Dos tecidos encontrados no vegetal, o vascular é o mais complexo, sendo composto de vários tipos de células. O xilema e o floema são dois grupos gerais de tecidos vasculares. Água, minerais e compostos orgânicos se movem dentro do xilema, a partir do sistema radicular subindo em direção ao vegetal. O floema é um tecido de condução de fotossintatos das plantas vasculares. Os carboidratos (principalmente a sacarose) e em muito menor extensão outros compostos orgânicos formados nas 9 9 folhas ou meristemas apicais são transportados via floema. Tecido meristemático Os tecidos meristemáticos são compreendidos por grupos de células que retêm a habilidade para divisão celular. Sua função primária está na síntese protoplasmática e na formação de novas células. Quando partes vegetais são cortadas na colheita, existe geralmente baixa atividade nos tecidos meristemáticos. Alguns tecidos, contudo, podem reciclar nutrientes e água nestas células, resultando no crescimento. Após longo armazenamento a frio, a porção apical do caule de repolho irá crescer. Durante o armazenamento de vegetais intactos, as condições são geralmente selecionadas para minimizar o crescimento e como uma conseqüência, a atividade meristemática também é reprimida. A manutenção do tecido meristemático numa condição saudável em vegetais intactos, contudo é essencial. Com o armazenamento inadequado, os meristemas apicais podem morrer, reduzindo a qualidade do produto e a taxa na qual ele se recupera no plantio. 3.2 Estrutura celular As células são unidades estruturais de organismos vivos que quando agregadas formam os tecidos. As células vegetais variam largamente em tamanho, organização, função e resposta após a colheita. Elas diferem das células animais pela presença de uma parede rígida e um grande vacúolo central. Interior à parede celular encontra-se a membrana plasmática ou plasmalema que separa o interior da célula e seus conteúdos, o protoplasma, do ambiente externo da célula. Dentro do citoplasma das células eucarióticas (organismos outros que não as bactérias e algas azul-verdes) estão numerosas organelas e estruturas citoplasmáticas. Estas proporcionam um mecanismo de compartimentalização de áreas dentro da célula que têm funções específicas. As organelas tais como o núcleo, mitocôndria, plastídeos, microcorpos e dictiosomas e estruturas citoplasmáticas como os microtúbulos, ribosomas e o retículo endoplasmático são encontradas dentro do citoplasma. A resposta de produtos vegetais após a colheita é uma função das respostas coletivas dessas organelas celulares. Um entendimento da estrutura e função das células e seus componentes individuais proporciona a base para um entendimento mais perfeito das alterações pós-colheita que ocorrem em frutos e hortaliças. As células dos frutos e hortaliças são típicas células vegetais; os principais componentes são apresentados na Figura 2. As células vegetais são circundadas por uma parede ao mesmo tempo rígida e flexível. Esta parede celular é composta por carboidratos (celulose, hemicelulose, substâncias pécticas) além de 10 10 lignina, proteínas, substâncias incrustantes, como cutina e suberina e minerais. A lamela média, camada constituída principalmente por substâncias pécticas, atua como agente cimentante que mantém as células unidas. Células adjacentes geralmente apresentam canais de comunicação, chamados plasmodesmatas que ligam seus conteúdos citoplasmáticos. A parede celular é permeável à água e solutos. As suas principais funções são as seguintes: • suportar o conteúdo celular pela proteção da parte externa da membrana celular, o plasmalema, contra pressões hidrostáticas do conteúdo celular que poderiam estourar a membrana; • dar suporte estrutural à célula e aos tecidos vegetais. Dentro do plasmalema, o conteúdo celular compreende o citoplasma e normalmente um ou mais vacúolos. Os últimos são reservatórios fluidos contendo vários solutos, tais como açúcares, aminoácidos, ácidos orgânicos e sais, e são circundados por uma membrana semi-permeável, o tonoplasto. Juntamente como o plasmalema semi-permeável, o tonoplasto é responsável pela manutenção da pressão hidrostática da célula, permitindo a passagem de água, mas restringindo seletivamente o movimento de solutos ou macromoléculas, tais como proteínas e ácidos nucléicos. A resultante turgidez da célula é responsável pela crocância e suculência dos frutos e hortaliças. O citoplasma compreende uma matriz fluida de proteínas e outras macromoléculas e vários solutos. Importantes processos que ocorrem nesta parte fluida do citoplasma incluem a degradação de carboidratos de reserva pela glicólise e síntese protéica. O citoplasma também compreende várias organelas importantes com funções especializadas. O núcleo, a maior organela, é o centro de controle da célula contendo a informação genética na forma de DNA. Ele é circundado por uma membrana porosa que apresenta orifícios distintos quando visto através de microscópio eletrônico. Estes permitem o movimento do mRNA, o produto da transcrição do código genético do DNA, no citoplasma onde o mRNA é traduzido em proteínas a partir dos ribosomas. A mitocôndria contém as enzimas do ciclo dos ácidos tricarboxílicos e a cadeia de transporte de elétrons que sintetiza ATP. A mitocôndria utiliza os produtos da glicólise para produção de energia. Os cloroplastos, encontrados nas células verdes, constituem-se no aparato fotossintético da célula. Eles contêm a clorofila, um pigmento verde, e o aparato fotoquímico para conversão de energia solar em energia química. Eles também possuem as enzimas necessárias para a fixação do CO2 atmosférico utilizado na síntese de açúcares e outroscompostos orgânicos. Os cromoplastos se desenvolvem, principalmente, a partir de cloroplastos maduros, quando a clorofila é degradada. Eles contêm carotenóides, pigmentos que conferem coloração amarela e 11 11 vermelha aos frutos. Os amiloplastos são os sítios do desenvolvimento dos grânulos de amido, embora os grânulos de amido também sejam encontrados nos cloroplastos. O conjunto de cloroplastos, cromoplastos e amiloplastos é conhecido como plastídeos. Outros sistemas circundados por membranas dentro do citoplasma também são encontrados. O complexo de Golgi é uma série de vesículas achatadas. São importantes, provavelmente, na síntese da parede celular e secreção de enzimas a partir da célula. O retículo endoplasmático é uma rede de túbulos dentro do citoplasma que pode agir como um sistema de transporte no citoplasma. O mais claro é que o retículo endoplasmático geralmente apresente ribosomas aderidos a ele, que são os sítios de síntese protéica. Outros ribosomas são encontrados livres no citoplasma. Os ribosomas contêm ácido ribonucléico e proteínas. 3.3 Composição química Água A maioria dos produtos vegetais contém mais que 80% de água, sendo que alguns, tais como pepino, alface, melões e melancias, contendo cerca de 95%. Os tubérculos, raízes e sementes amiláceas, por exemplo o inhame, mandioca e milho, contém menos água, mas mesmo eles compreendem mais que 50% de água. Grandes variações nos teores de água podem ocorrer dentro de uma mesma espécie, visto que o teor de água de células individuais varia consideravelmente. O teor de umidade de um produto é dependente da disponibilidade de água no momento da colheita, tanto que o teor de água do produto irá variar durante o dia se houver flutuações diurnas de temperatura. Para a maioria dos produtos, é desejável fazer-se a colheita quando o máximo de água estiver presente considerando-se um reflexo positivo na textura. Logo, o momento da colheita pode ser um importante ponto a se considerar, particularmente para hortaliças folhosas, que exibem altas e rápidas variações no teor de umidade em resposta a mudanças ambientais. Carboidratos Os carboidratos se constituem, normalmente, no grupo mais abundante de compostos, após a água, dos frutos e hortaliças. Eles podem estar presentes como açúcares de baixo peso molecular ou polímeros de alto peso molecular. Podem compreender de 2 a 40% do tecido, com baixos níveis sendo encontrados em cucurbitáceas, por exemplo abobrinha, e altos níveis em hortaliças que acumulam amido, por exemplo, mandioca. Os açúcares estão presentes, principalmente, no fruto maduro, e o 12 12 amido ocorre em frutos e hortaliças imaturas. Os principais açúcares presentes nos frutos são a sacarose, glucose e frutose, com o açúcar predominante variando em diferentes frutos (Tabela 2). O homem pode digerir e utilizar açúcares e amido como fontes de energia, logo hortaliças com alto teor de amido são importantes contribuintes para o requerimento diário de energia de populações de diferentes classes sociais. Os consumidores têm uma tendência de consumo de açúcares em função do mesmo proporcionar desejável sabor doce aos frutos, embora também forneçam energia para o corpo. Tabela 2 Teor de açúcar de alguns frutos maduros (Wills et al., 1998) Açúcar (g/100g de peso fresco) Fruto Glucose Frutose Sacarose Abacaxi 2 1 8 Banana 6 4 7 Cereja 5 7 0 Laranja 2 2 5 Maçã 2 6 4 Pêra 2 7 1 Pêssego 1 1 7 Tâmara 32 24 8 Tomate 2 1 0 Uva 8 8 0 Uma substancial proporção de carboidratos está presente como fibra dietária, que não é digerida pelo organismo passando pelo trato gastro intestinal. Celulose, hemicelulose e substâncias pécticas são os carboidratos que constituem a fração fibra. A lignina, um complexo polímero fenólico, é também um importante componente da fração fibra. A fibra dietária não é digerida pelo homem uma vez que ele não é capaz de secretar as enzimas necessárias à degradação dos polímeros a unidades básicas monoméricas que possam ser absorvidas pelo trato intestinal. O amido e a celulose apresentam a mesma composição, visto serem sintetizadas por unidades de glucose, embora a ligação glicosídica entre os monômeros difira. O amido é constituído por unidades de glucose unidas por ligações α-1,4 que são hidrolisadas por uma gama de amilases sintetizadas pelo homem, enquanto a celulose por ligações β-1,4, cujas enzimas hidrolíticas (celulases) não são sintetizadas pelo homem. Similarmente, o homem não produz as enzimas pécticas e hemicelulases necessárias à degradação de pectinas a ácido 13 13 galacturônico e hemicelulose a xilose e outros açúcares neutros. As fibras já foram consideradas um componente desnecessário à dieta humana, embora hoje seja considerada como a panacéa para a cura das doenças da civilização do homem ocidental (Tabela 3). As evidências para as propriedades miraculosas da fibra são resultado da comparação entre sociedades rurais e urbanas, ou "primitivas" e "civilizadas". Tabela 3 Doenças que têm sido associadas com a carência de fibras nas dietas (Wills, 1998) Apendicite Hemorróida Cálculos biliares Hérnia de hiato Câncer do cólon Obsidade Constipação Trombose Diabete Tumores do reto Diverticulite Varises Doenças cardíacas isquêmicas Proteínas Os frutos e hortaliças frescas não são importantes fontes de proteínas. O teor médio de proteínas dos frutos e hortaliças está em torno de 1% e 2%, respectivamente, com os legumes contendo cerca de 5%. As proteínas são, na maioria das vezes, funcionais, por exemplo as enzimas, antes que uma reserva como em grãos e nozes. Lipídeos Os lipídeos compreendem menos que 1% da maioria dos frutos e hortaliças e estão associados com camadas protetoras de cutícula sobre a superfície dos produtos e com as membranas celulares. O abacate e a azeitona são exceções, tendo cerca de 20% e 15% de óleo, respectivamente. Ácidos orgânicos A maioria dos frutos e hortaliças contém ácidos orgânicos em níveis acima daqueles requeridos para a operacionalização do ciclo TCA e outras rotas metabólicas. O excesso é geralmente armazenado no vacúolo aparte de outros componentes celulares. Limões, espinafre e "black currants" contêm cerca de 3% de ácidos orgânicos. Os ácidos predominantes nos vegetais são, normalmente, o cítrico e o málico (Tabela 4). Outros ácidos predominam em certos produtos, como o tartárico, em uvas, oxálico, 14 14 em espinafre e isocítrico, em "blackberries". Tabela 4 Alguns frutos e hortaliças cujos ácidos predominantes são o cítrico e o málico (Wills, 1998) Ácido cítrico Ácido málico Abacaxi Goiaba Aipo Cebola Batata Legumes Alface Cenoura Beterraba Pêra Ameixa Cereja Citros Tomate Banana Maçã Folhosas Brócolis Melão Vitaminas e minerais A vitamina C (ácido ascórbico), um constituinte encontrado em baixas concentrações em frutos e hortaliças, desempenha um papel crucial na nutrição humana na prevenção do escorbuto. Virtualmente, toda vitamina C da dieta do homem é obtida a partir dos frutos e hortaliças. O requerimento diário do homem com relação à vitamina C é de cerca de 50 mg, e muitos produtos contêm esta quantidade em menos que 100 g de tecido. Frutos e hortaliças podem também ser importantes fontes nutricionais de vitamina A e ácido fólico, contribuindo comumente com cerca de 40% dos requerimentos diários. A vitamia A é requerida pelo corpo para manter a estrutura do olho; uma prolongada deficiência de vitamina A pode, eventualmente, levar à cegueira.O componente ativo da vitamina A, o retinol, não está presente nos produtos, embora alguns carotenóides tais como o β-caroteno possam ser convertidos a retinol pelo homem. Apenas cerca de 10% dos carotenóides conhecidos presentes em frutos e hortaliças são precursores de vitamina A; todos os outros carotenóides tais como o licopeno, o principal pigmento em tomates, não apresentam atividade vitamínica A. O ácido fólico está envolvido na síntese de RNA, e sua deficiência irá resultar em anemia. Hortaliças folhosas verdes são ricas fontes de folato; a intensidade da coloração verde é uma boa indicação para o teor de folato. A Tabela 5 apresenta algumas importantes fontes de Vitaminas C e A. A manutenção destas vitaminas durante o manuseio e armazenamento deve ser considerada, uma vez que elas são extremamente instáveis. 15 15 Tabela 5 Níveis aproximados de vitamina C, vitamina A e ácido fólico de alguns frutos e hortaliças (Wills, 1998) Produto Vit.C (mg/100g) Produto Vit.A (µg/100g) Produto Folato (µg/100g) Camu-camu 3000 Cenoura 1000 Espinafre 80 Acerola 1500 Espinafre 500 Brócolis 50 Goiaba 200 Agrião 400 Alface, repolho 20 Brócolis 100 Manga, tomate 200 Banana 10 Mamão 80 Damasco 150 Maioria frutos <5 Citros, morango 40 Batata doce 50 Alface, repolho 35 Banana 20 Cenoura, manga 30 Batata <5 Abacaxi, banana batata, mandioca vagem, tomate 20 Maçã, pêssego 10 Beterraba, cebola 5 16 Muitas outras vitaminas e minerais essenciais estão presentes nos frutos e hortaliças, embora sua contribuição para os requerimentos dietários totais seja de menor importância. Ferro e cálcio podem estar presentes em níveis nutricionalmente significativos, embora geralmente em uma forma que não estejam bioindisponíveis para o homem, por exemplo, a maioria do cálcio no espinafre está presente como oxalato de cálcio que não é absorvido pelo homem. O valor nutricional de vários frutos e hortaliças depende não apenas da concentração de nutrientes no produto mas também da quantidade de tal produto consumido na dieta (Tabela 6). Tomates e laranjas são relativamente pobres em concentração de nutrientes mas dão a maior contribuição de todos os produtos nas dietas de americanos por causa do seu grande consumo "per capita". Voláteis Todos os frutos e hortaliças produzem uma gama de compostos de baixo peso molecular (PM<250) que possuem alguma volatilidade à temperatura ambiente. Estes compostos não são importantes quantitativamente (normalmente menos que 100 microgramas por grama de peso fresco estão presentes), mas são importantes na produção das características de "flavor" e aroma dos frutos e hortaliças. A maioria dos frutos e hortaliças contém centenas de compostos voláteis em quantidades traças. Os compostos são principalmente ésteres, álcoois, aldeídos, cetonas, ácidos e lactonas. Estudos conclusivos correlacionando a identificação de um produto pelo consumidor em função de seu perfil de emanação volátil tem demonstrado que apenas um pequeno número de compostos é responsável pelo reconhecimento do consumidor. 17 Tabela 6 Concentração relativa de um grupo de dez vitaminas e minerais em frutos e hortaliças e contribuição relativa de vitaminas e minerais destes produtos na dieta dos Estados Unidos (Salunke et al., 1998) Concentração de nutrientes Contribuição de nutrientes à dieta Cultura Posição Cultura Posição Brócolis 1 Tomate 1 Espinafre 2 Laranja 2 Vagem 4 Batata 3 Ervilha 5 Alface 4 Aspargos 6 Milho doce 5 Couve-flor 8 Banana 6 Batata doce 9 Cenoura 7 Cenoura 10 Repolho 8 Milho doce 12 Cebola 9 Batata 14 Batata doce 10 Repolho 15 Ervilha 15 Tomate 16 Espinafre 18 Banana 18 Brócolis 21 Alface 26 Vagem 23 Cebola 31 Aspargos 25 Laranja 33 Couve-flor 30 18 4 FISIOLOGIA E BIOQUÍMICA Um importante fato a ser considerado no manuseio pós-colheita de diversos produtos é que os frutos e hortaliças colhidos são estruturas vivas. É claramente aceito que o produto é uma entidade biologicamente viva quando está unida à planta mãe em seu ambiente agrícola. Mas mesmo após a colheita, o produto permanece vivo continuando a desenvolver as reações metabólicas e manter os sistemas fisiológicos que ocorriam quando estava unido à planta. Uma importante característica de plantas, e portanto de frutos e hortaliças, é que elas respiram, absorvendo oxigênio e liberando gás carbônico e calor. Eles também transpiram, isto é, perdem água. Enquanto ligados à planta mãe, as perdas devidas à respiração e transpiração são repostas a partir do fluxo de seiva, que contém água, fotossintatos (principalmente sacarose e aminoácidos) e minerais. A respiração e transpiração continuam após a colheita, e uma vez o produto é destacado de sua fonte de água, fotossintatos e minerais, ele passa a depender inteiramente de suas próprias reservas e teor de umidade. Várias mudanças ocorrem na composição da parede celular e estrutura que resultam no amaciamento dos frutos e hortaliças. Em geral, flagrantes mudanças na coloração da casca ocorrem à medida que a clorofila vai sendo degradada e novos pigmentos vão sendo desmascarados ou sintetizados. A respiração em frutos e hortaliças envolve a oxidação enzimática de açúcares a dióxido de carbono e água, acompanhada pela liberação de energia. Contudo, outras substâncias tais como ácidos orgânicos e proteínas também entram na cadeia respiratória. Conseqüentemente, a perda destas reservas em frutos e hortaliças resulta na produção de energia. A água celular é perdida por causa da respiração e transpiração, resultando em frutos e hortaliças macios, enrugados e flácidos. As antocianinas, pigmentos que dão coloração alaranjada, avermelhada, azulada e outros pigmentos de alguns frutos e hortaliças podem aumentar após a colheita. Frutos e hortaliças amiláceos sofrem um decréscimo no teor de amido e incremento em açúcares e ácidos após a colheita. Entretanto, podem acontecer mudanças nos tipos de ácidos presentes. Em certos casos, com o avanço da maturidade, a adstringência causada por fenólicos, principalmente taninos, reduz. Voláteis e componentes do aroma de muitos tipos de frutos e hortaliças são produzidos após a colheita, se os mesmos estiverem maturos ou maduros. Contudo, quando eles são colhidos precocemente, num estádo verde ou imaturo, não geram aroma típico. O etileno é um dos voláteis sintetizados em certos frutos e hortaliças em certos estádios de maturidade e desenvolvimento; quando atinge uma concentração alta o bastante, engatilha o processo do amadurecimento, estimulando a produção de mais etileno e o processo de amadurecimento é acelerado. 19 4.1 Crescimento, maturação e senescência O crescimento, desenvolvimento, prematuração, maturação, amadurecimento e senescência (Figura 3) são as fases mais importantes na ontologia de frutos e hortaliças, sendo que o seu ciclo vital pode ser resumido em fertilização, formação, crescimento, maturação e senescência. O limiar entre cada uma destas etapas é estreito, o que dificulta a distinção precisa de cada uma delas. O crescimento envolve a divisão celular e subsequente alargamento da célula, que determina o tamanho final do produto. A maturação normalmente começa antes do crescimento cessar e inclui diferentes atividades em diferentes produtos. O crescimento e a maturação se referem, geralmente, ao estádio de desenvolvimento. A senescência é definida como o período quando os processosbioquímicos anabólicos (sintéticos) dão lugar aos catabólicos (degradativos), levando ao envelhecimento e finalmente morte do tecido. Considera-se, geralmente, que o amadurecimento, um termo reservado para frutos, começa nos últimos estádios de maturação até se tornar o primeiro estádio da senescência. A mudança de crescimento para senescência é relativamente fácil de se delimitar. Geralmente, a maturação é descrita como o tempo entre estes dois estádios, sem qualquer definição clara sobre a base bioquímica ou fisiológica. É difícil se determinar parâmetros bioquímicos ou fisiológicos para delinear os vários estádios, visto que os parâmetros para diferentes produtos não são idênticos em sua natureza ou tempo. A Figura 4 mostra os estádios na vida do abacaxi, juntamente com as mudanças em certos parâmetros bioquímicos e fisiológicos. As mudanças relativas no peso (como uma medida de crescimento), clorofila e pH na polpa são comuns a muitos frutos, mas para outros parâmetros, tais como os carotenóides e ésteres, as mudanças são específicas para o abacaxi. Consideração especial será dada posteriormente aos diferentes padrões respiratórios pelos quais os frutos podem ser classificados em climatéricos e não climatéricos. O abacaxi é um fruto não climatérico. O desenvolvimento e maturação de frutos são completados apenas quando eles estão unidos à planta mãe, embora o amadurecimento e senescência possam continuar no fruto unido ou não à planta mãe. Os frutos são colhidos quando maturos ou quando maduros, embora alguns frutos que são consumidos como hortaliças, possam ser colhidos mesmo antes da maturação ter iniciado, por exemplo abobrinha. Terminologia similar pode ser aplicada às hortaliças, exceto a ocorrência do amadurecimento. Como conseqüência é mais difícil se delinear as mudanças a partir da maturação à senescência em hortaliças. As hortaliças são colhidas numa larga faixa de idades fisiológicas, isto é, de um tempo bem antes do início da maturação até o início da senescência (Tabela 7). 20 Tabela 7 Idade fisiológica de alguns produtos na maturidade comercial Crescimento Maturação Amadurecimento Abobrinna Banana Jabuticaba Ervilha Maçã Laranja Pepino Pêra Tangerina Do ponto de vista prático, a fisiologia de frutos e hortaliças começa com a fertilização dos óvulos das flores. O grão de pólen contém substâncias de promoção do crescimento (auxinas e giberelinas), embora o grande ímpeto para o crescimento seja a produção hormonal pelo desenvolvimento das sementes e paredes jovens do ovário. Os hormônios produzidos são auxinas, giberelinas, citocininas e outros. A fertilização nem sempre é necessária para o desenvolvimento dos frutos e hortaliças. Sem fertilização o fruto será sem semente ou partenocárpico. Alguns exemplos são bananas, abacaxis, laranjas de umbigo, figos e algumas cultivares de uva. Os frutos apresentam uma rápida taxa de metabolismo, quando a divisão celular ainda está ocorrendo, no estádio de crescimento. A respiração, como um indicador da atividade metabólica atinge seu pico durante este período. À medida que o fruto cresce em tamanho, em grande parte pelo aumento no teor de umidade, aumenta-se a respiração. Isto é esperado porque neste momento existem poucas células por quilo e a respiração é um processo celular. As definições dos estádios de crescimento, desenvolvimento e maturidade comercial de frutos e hortaliças são apresentadas a seguir: 1. Desenvolvimento: o período do final do florescimento ao amadurecimento do fruto, inclusive, durante o qual novos tecidos são formados e acabados morfologicamente e mudanças químicas de aperfeiçoamento ocorrem. Ele cobre os estádios de prematuração e maturação, incluindo parte do amadurecimento. 2. Prematuração: o período de desenvolvimento do fruto após o florescimento e um período desenvolvimental antes do início do processo de maturação. Geralmente inclui, no mínimo, metade do intervalo entre o florescimento e a colheita e é caracterizado por grande alargamento celular. 3. Maturação: o período durante o qual os frutos emergem do estádio incompleto para atingir uma plenitude de crescimento e qualidade comestível. Grande parte do processo de maturação deve ser completado enquanto o fruto ainda está ligado à planta. 4. Amadurecimento: o período final da maturação no qual o fruto se desenvolve plenamente e atinge sua máxima qualidade estética e comestível. Mudanças bioquímicas significativas ocorrem durante 21 este período. O amadurecimento pode ocorrer antes ou após a colheita do fruto; em alguns casos o fruto deve ser destacado da planta para poder amadurecer. 5. Senescência: o período após o amadurecimento e pleno desenvolvimento do fruto durante o qual o crescimento parou e processos bioquímicos de envelhecimento substituem as mudanças do amadurecimento. A senescência pode ocorrer antes ou após o fruto ser colhido. Em geral, o ciclo de vida dos frutos iniciando com o desenvolvimento e terminando com a senescência é controlado pelos hormônios vegetais que por sua vez estimulam a síntese enzimática. Na maioria dos casos, existe um curto período de rápida divisão celular após o qual o crescimento ocorre por entumescimento celular. Durante este período, o fruto está acumulando açúcares, ácidos, "flavors" e compostos aromáticos. O fruto começa, então, a maturar, atinge o tamanho máximo e desenvolve características típicas. O amadurecimento começa na planta ou após a colheita. Ele, normalmente, é iniciado pelo etileno. Finalmente, o processo de senescência culmina com o fruto tornando-se sobremaduro, geralmente farináceo, seco, escuro, sem valor e não consumível. 6. A deterioração dos frutos e hortaliças é devida a vários fatores ambientais tais como umidade relativa, luz, composição, etileno, dióxido de carbono, oxigênio, temperatura, dentre outros. Formação e crescimento É a primeira fase no ciclo vital do fruto, caracterizada por um rápido crescimento do ovário, que usualmente se segue à polinização e fertilização, que são acompanhadas por mudanças tais como, murchamento de pétalas e estames. Considera-se que o crescimento do fruto começa no primórdio floral. O pericarpo se desenvolve a partir da parede do ovário e pode diferenciar-se em três regiões distintas: o exocarpo, o mesocarpo e o endocarpo. Entretanto, o desenvolvimento do fruto não se restringe ao ovário e algumas vezes envolve as partes não carpelares da flor. O crescimento inicial ocorre principalmente por divisão celular. Os frutos provêm da expansão das paredes do ovário. Na realidade, a maioria dos frutos provém do crescimento de ovários isolados. Outros, como os morangos, são formados por diversos ovários, pertencentes a uma única flor e espalhados sobre a superfície de um único receptáculo; as estruturas semelhantes às sementes, que aparecem na periferia do morango, são, na realidade, frutos, sendo o receptáculo, a principal porção comestível. Alguns frutos consistem em ovários alongados justapostos, incluindo as partes florais secundárias, fundidas para formar um único fruto, ou infrutescência como o abacaxi. Considerando-se as diferenças existentes entre as espécies, pode-se afirmar que, praticamente, todas as partes da estrutura da flor ou inflorescência se desenvolvem em polpa, conforme exemplos apresentados na Figura 1. Não existe nenhuma diferença no comportamento do desenvolvimento, em relação às diferenças 22 na origem morfológica. Não é, portanto, de interesse fisiológico se o fruto se desenvolveu por crescimento das paredes ováricas, a partir do receptáculo ou se resulta da fusão do tecido do ovário com as porções florais. Eles têm,em comum, o fato de que seu desenvolvimento necessita de um estímulo hormonal procedente do pólen, de um extrato do pólen ou das sementes em desenvolvimento. Regulação do crescimento O estádio crítico do crescimento do ovário, órgão que irá constituir o fruto, ocorre na antese (abertura da flor). A polinização, a germinação do pólen e o crescimento do tubo polínico na direção do óvulo, têm importante papel na formação do fruto. Em alguns casos, a mera germinação do pólen ou o crescimento parcial do tubo polínico, sem fertilização (fusão de núcleos masculino e feminino) são suficientes para causar o crescimento das paredes do ovário ou outras partes florais, que transformar- se-ão em fruto. Na polinização, os núcleos masculinos são descarregados no saco embrionário, onde normalmente um deles se une com a oosfera para formar o embrião diplóide e o outro se funde com dois núcleos polares para produzir o endosperma triplóide. A auxina é o principal hormônio responsável pelo crescimento das paredes do ovário ou das outras partes florais que transformar-se-ão em fruto. O crescimento do tubo polínico dentro do ovário resulta numa grande produção de auxina enquanto que, a semente em crescimento, particularmente o endosperma, é uma importante fonte de inibidores, bem como de promotores do crescimento do fruto. Outros fitormônios como as giberelinas e citocininas são fatores adicionais na germinação e crescimento do tubo polínico, bem como na formação e crescimento do fruto até a maturidade. O crescimento inicial dos frutos é, portanto, dependente dos hormônios produzidos pelas sementes. Para os frutos que não dependem do crescimento associado da semente (por exemplo, frutos partenocárpicos como a laranja de umbigo, abacaxi e banana), os mesmos tipos de hormônios são envolvidos na prevenção da abcisão e promoção do crescimento do fruto, porém, eles são sintetizados no próprio fruto. As auxinas, giberelinas, citocininas, abscisinas e etileno são freqüentemente produzidos em grandes quantidades e numa seqüência típica para cada espécie. Parece haver um controle pela interação e balanço entre esses hormônios. O crescimento do fruto é marcado pelo aumento do volume das células, embora a divisão celular também continue. Em alguns frutos, tais como maçã, a expansão dos espaços intercelulares pode ser um fator contribuinte para a expansão celular. Em geral, a divisão celular predomina nas primeiras etapas de desenvolvimento, enquanto que a expansão celular predomina durante as últimas etapas. Existe, porém, uma grande variação entre as espécies. Padrões mais complicados de 23 desenvolvimento ocorrem em alguns frutos nos quais a divisão celular cessa, em períodos diferentes, nas diversas partes do fruto. O período de crescimento do fruto varia de uma semana a vários meses. Padrões de crescimento Uma vez estimulado, o ovário cresce, podendo apresentar curva de crescimento sigmoidal simples o dupla curva em S. Neste caso, há um crescimento rápido após a fecundação e outro durante um curto período, antes da maturação, com uma zona intermediária de detenção do crescimento (Figura 5). Dentre os frutos que apresentam padrão de crescimento sigmoidal simples, encontram-se: maçã, pêra, tâmara, abacaxi, banana, abacate, morango, laranja, tomate e melão. Dentre os que possuem dupla sigmoidal estão pêssego, nectarina, ameixa, cereja, figo, framboesa, uva e azeitona. Um fator em comum a todos os frutos carnosos ou polposos é que eles acumulam água e muitos compostos orgânicos responsáveis pela sua suculência e atratividade. Os tecidos intraloculares (polpa) são formados por intensa atividade meristemática, após a antese, em uma ou mais superfícies loculares, ou seja, placenta (tomate), septo (banana e uva), endoderma (banana e laranja), etc. Os tecidos então preenchem a cavidade por divisão expansão celular. A divisão do crescimento do fruto em apenas três etapas, algumas vezes não é aplicável para alguns frutos com crescimento sigmoidal duplo. Alguns pesquisadores adotaram uma subdivisão da etapa I, tal como a etapa 0 ou da etapa II, como IIA e IIB (Figura 5). Basicamente as duas curvas sigmóides consecutivas apresentam um período de aceleração, um ponto de crescimento mais rápido e um período de desaceleração, na fase terminal. Em geral, o crescimento por divisão celular é de curta duração, enquanto que a expansão celular pode continuar até a maturidade. O volume do fruto deve-se tanto ao número como ao tamanho das células. Inicialmente as células são constituídas, principalmente, de protoplasma; porém, com o seu crescimento aparecem os vacúolos e ocorre acúmulo de carboidratos e de outros compostos formados nas folhas e trasnlocados para o fruto. Há acúmulo de água, com diluição das substâncias protéicas, havendo também síntese de outros compostos específicos de cada classe de fruto. O intervalo entre a antese e o amadurecimento varia nos frutos das diferentes espécies, entre três semanas (morango) a 60 semanas (laranja Valência); porém, na maioria, é de cerca de 15 semanas. Durante esse período o fruto aumenta milhares de vezes em peso e volume, como, por exemplo, o abacate que apresenta um dos maiores aumentos (300.000 vezes). 24 Embora os frutos apresentem diferenças na sua morfologia e em sua composição, todos são similares em suas atividades fisiológicas e em seu comportamento metabólico. Para que ocorra um completo desenvolvimento fisiológico, bem como para que ocorram as alterações metabólicas, o fruto depende da planta mãe, no que diz respeito à fotossíntese, que se realiza nas folhas, à absorção de minerais e água pelas raízes, à taxa de transporte de materiais orgânicos e inorgânicos através do sistema vascular e, principalmente, dos fitormônios que regulam o seu processo de desenvolvimento e maturação. Maturação A maturação ocorre na vida do fruto, quando o seu desenvolvimento completo é atingido, independentemente da planta mãe. Após a maturação, não há mais aumento no tamanho do fruto. Os frutos são normalmente colhidos nesse estádio, após o qual, vivem utilizando-se dos substratos acumulados. A maturação é um evento interessante no ciclo vital dos frutos, por transformá-los em produtos atrativos e aptos para o consumo humano. É uma etapa intermediária entre o final do desenvolvimento e o início da senescência, sendo um processo normal e irreversível; porém, pode ser retardado com o uso de meios adequados. Essa fase é discutida sob dois aspectos: pode ser entendida como a manifestação da senescência, na qual a organização intracelular começa a ser destruída; representa o estádio final da diferenciação e por isso é um processo dirigido que requer a síntese de enzimas específicas. A maturação dos frutos pode ser definida como a seqüência de mudanças na cor, "flavor" e textura, conduzindo a um estado que os torna comestíveis e, com isto, apropriados para o consumo "in natura" e/ou industrialização. Este, entretanto, não é um estado fisiológico fixo, pois pode variar de um para outro fruto e em alguns casos as mudanças podem ocorrer até em direções opostas. Por exemplo, em maçãs, há uma perda de ácido málico no fruto maduro, porém, em bananas, ocorre o inverso, ou seja, um acúmulo do ácido. 25 As principais mudanças que ocorrem durante a maturação, são as seguintes: • Desenvolvimento das sementes • Mudanças na cor • Mudanças na taxa respiratória • Produção de etileno • Mudanças na permeabilidade dos tecidos • Mudanças na textura • Mudanças químicas nos carboidratos, ácidos orgânicos, proteínas, fenólicos, pigmentos,pectinas, etc • Produção de substâncias voláteis • Formação de ceras na casca Amadurecimento O amadurecimento é a etapa final do estádio de maturação que corresponde às mudanças nos fatores sensoriais do sabor, aroma, cor e textura que tornam o fruto aceitável para o consumo. Logo, o fruto durante o amadurecimento sofre muitas mudanças físico-químicas após a colheita que determinam sua qualidade perante o consumidor. O amadurecimento é um evento dramático na vida de um fruto - ele transforma um órgão vegetal maturo fisiologicamente, embora não comestível em um produto sensorialmente atrativo (aparência, sabor, aroma e textura agradáveis). O amadurecimento marca o término do desenvolvimento de um fruto e o início da senescência, e é, normalmente, um evento irreversível. O amadurecimento é o resultado de um complexo de mudanças, muitas delas ocorrendo, provavelmente, independentes umas das outras. Uma lista das principais modificações que em conjunto promovem o amadurecimento de frutas é apresentada na Tabela 8. O curso de tempo de algumas destas mudanças é mostrado nas Figuras 6 e 7 para banana e tomate, respectivamente, ambos frutos climatéricos. As principais diferenças entre estes frutos e o abacaxi não climatérico é a presença de um pico respiratório que é característico de frutos climatéricos. Um incremento agudo na respiração é mostrado pelo aumento na produção de dióxido de carbono ou redução na concentração de oxigênio interno. Duas das mudanças listadas, a respiração e produção de etileno, têm ganho prioridade na tentativa de desenvolver uma explicação do mecanismo de amadurecimento de frutos. No amadurecimento ocorrem atividades anabólicas e catabólicas. Há perda de energia à medida que os substratos são convertidos em moléculas simples, calor e ligação fosfato (rica em energia). 26 Uma grande demanda de energia ocorre no sistema para a continuação do processo, incluindo síntese protéica, síntese de etileno e compostos aromáticos, dentre outros. A energia é suprida por alguns processos degradativos, particularmente a hidrólise de amido. A glicose produzida por esse processo é conseqüentemente utilizada durante o processo de amadurecimento. A interrelação e os mecanismos pelos quais essas mudanças são coordenadas, ainda não são bem conhecidos. Tabela 8 Transformações que ocorrem durante o amadurecimento de frutos (Biale e Young, 1961) Sínteses Degradações Manutenção da estrutura mitocondrial Destruição dos cloroplastos Formação de carotenóides e antocianinas Quebra de clorofila Interconversão de açúcares Hidrólise do amido Aumento na atividade do ciclo de Krebs Destruição de ácidos Aumento na formação de ATP Oxidação de substratos Síntese de voláteis aromáticos Inativação de fenólicos Aumento na incorporação de aminoácidos Solubilização de pectinas Aumento na transcrição e tradução Ativação de enzimas hidrolíticas Preservação de membranas seletivas Início do rompimento de membranas Estabelecimento da rota do etileno Degradação da parede celular induzida pelo etileno Senescência A senescência é definida como os processos que se seguem à maturidade fisiológica ou horticultural e que conduzem à morte dos tecidos. Não há, entretanto, uma distinção bem delineada entre amadurecimento e senescência, embora cada um dos processos que contribui para a síndrome da senescência, conduza diretamente à morte dos tecidos. O processo da senescência aumenta a probabilidade de morte, como, por exemplo, por desidratação ou invasão de microrganismos; porém não há evidências de que ela inclua a morte programada do tecido. 27 Maturidade fisiológica A maturidade fisiológica é o estádio de desenvolvimento no qual uma planta ou parte dela possui os pré-requisitos básicos para utilização pelos consumidores em função de uma proposta particular. Um dado produto pode estar fisiologicamente maturo em qualquer estádio de seu desenvolvimento. A maioria das frutas pode amadurecer na planta ou fora dela. A maturidade fisiológica ocorre quando a fruta, ao ser colhida, evolui naturalmente para a maturação, que a torna adequada ao consumo humano, com suas peculiaridades sensoriais intrínsecas. Quando é separada da planta mãe após atingir a maturidade fisiológica, a fruta depende de suas próprias reservas para se manter metabolicamente ativa, conservar sua integridade fisiológica e até mesmo reparar possíveis danos à sua estrutura. Os estudos no campo da fisiologia pós-colheita de hortaliças são complicados pelo fato de que o ponto de colheita, considerando-se a maturidade fisiológica, varia entre os diversos produtos e cultivares. A maturidade fisiológica de tomates pode ser identificada por mudanças de cor e textura. Os tomates podem ser colhidos no estádio verde maturo ou "breaker" (início de mudança de cor da casca - fruto verde com traços laranja) que desenvolvem a coloração vermelha típica e qualidade comestível adequada. O milho doce altera sua textura com a maturação. No estádio imaturo as sementes não são suficientemente desenvolvidas no final da espiga. A maturidade é alcançada quando as sementes estão uniformemente desenvolvidas por toda espiga e ainda se mantêm suculentas. Este estádio pode ser determinado através da relação da textura de uma certa quantidade de grãos pela quantidade de suco extraída da mesma quantidade. Grãos sobremaduros têm o estádio de suculência estendido e tornam-se firmes. Hortaliças folhosas, flores e raízes são normalmente colhidas durante o crescimento vegetativo. Não obstante, no mínimo algumas destas hortaliças mostram mudanças fisiológicas que são importantes para a resistência ao armazenamento. Uma boa resistência de repolho ao armazenamento é alcançada quando o caule está enriquecido com substâncias de reserva. Este fato ocorre após a cultura ter alcançado sua máxima produção. Infelizmente a quantidade de tais substâncias de reserva difere entre cultivares bem como de ano para ano. Portanto este conhecimento não pode ser usado como um critério para determinação do ponto ideal de colheita. A composição de raízes muda após alcançar a produção máxima, influenciando a resistência ao armazenamento. Uma grande taxa de monossacarídeos:sacarose em cenouras resulta em boa resistência ao armazenamento. 28 4.2 Fisiologia da respiração O mais importante processo metabólico que ocorre no produto colhido ou em qualquer produto vegetal vivo é a respiração. A respiração envolve a oxidação enzimática de açúcares a dióxido de carbono, água e liberação de energia. Outros substratos como ácidos orgânicos, polissacarídeos, gorduras e proteínas também desempenham um importante papel durante o processo de respiração. Logo, a respiração pode ser descrita como a degradação oxidativa dos mais complexos materiais normalmente presentes nas células, em moléculas menores, com a consequënte produção de energia e outras moléculas que podem ser usadas pela célula para reações sintéticas. A energia produzida pela oxidação de açúcares é convertida na forma de trifosfato de adenosina (ATP). A oxidação de açúcares ocorre em várias etapas sob o controle de enzimas específicas. A respiração pode ocorrer na presença de oxigênio (respiração aeróbica) ou na ausência de oxigênio (respiração aneróbica, algumas vezes chamada fermentação). A seguir é apresentada uma simples fórmula que pode representar a respiração: C6H12O6 + 6O2 →6CO2 + 6H2O + energia Como indicado acima, este tipo de respiração de frutos e hortaliças envolve os seguintes aspectos: 1. Substrato - a quantidade de substrato (predominantementeaçúcares) em frutos e hortaliças disponível para a respiração é um fator decisivo para sua longevidade a uma dada temperatura. A perda de peso devido ao aumento de temperatura e respiração normalmente é maior que 2 a 5% dependendo da estrutura dos frutos e hortaliças. 2. Oxigênio - o suprimento de O2 para a respiração normal é geralmente adequada a menos que ele seja intencionalmente restrito como no caso de armazenamento sob atmosfera controlada. 3. Dióxido de carbono - a remoção do CO2 respiratório requer mais atenção que o suprimento de O2, visto que o CO2 pode estar em excesso mesmo quando o suprimento de O2 é adequado. Três a 5% de redução na concentração de O2 pode não ter um efeito adverso sobre o produto, embora um incremento semelhante em CO2 possa sufocar e arruinar certos frutos e hortaliças. 4. Energia - a remoção de calor oriunda da respiração é vitalmente importante; além disso, a vida de frutos e hortaliças será reduzida em função de uma elevada temperatura ao redor do produto. Incremento na taxa de respiração causa aceleração da utilização de substrato. 5. Taxa de respiração - a taxa de respiração determina a quantidade de O2 que deve estar disponível por unidade de tempo. As quantidade de CO2 e calor de respiração devem ser removidas ao mesmo tempo. Uma elevada taxa de respiração irá reduzir a vida de armazenamento dos produtos. Contrariamente, é certo que uma menor taxa de respiração irá incrementar a vida pós-colheita do 29 produto. A taxa de respiração é uma função da temperatura e concentração disponível de O2 ao redor dos frutos e hortaliças. Além disso, alguns produtos como as batatas irão ter uma menor taxa de respiração que espinafre e alface, por exemplo, devido ao substrato disponível para a respiração e as variações anatômicas inerentes. A taxa de respiração pode ser definida como a massa de CO2 produzida por unidade de peso fresco e tempo (mg CO2/kg/h). A taxa de respiração pode ser expressa em mL CO2/kg/h ou a quantidade de O2 absorvido antes que CO2 liberado. A classificação de frutos e hortaliças de acordo com suas taxas de respiração é apresentada na Tabela 9. 6. Taxa de respiração inicial - a taxa de respiração imediatamente após a colheita o dentro de poucas horas varia dependendo da cultura e temperatura. 7. Taxa de respiração média - é determinada pela medida das taxas num intervalo definido de tempo, somando-se as taxas determinadas e dividindo-se pelo número de intervalos envolvidos. 8. Efeitos da temperatura e dias no armazenamento sobre a taxa de respiração - a taxa de respiração geralmente aumenta com o aumento na temperatura e duração do armazenamento de frutos e hortaliças. Contudo, em temperaturas muito altas e armazenamentos muito longos, a taxa de respiração decresce até a morte dos produtos (Figura 8). 9. Efeitos do produto sobre a taxa de respiração - a taxa de respiração varia dependendo do produto e variedade. 10. Maturidade de frutos e hortaliças sobre a taxa respiratória - frutos e hortaliças colhidos num estádio precoce de maturidade para a distribuição em mercados distantes respiram mais rapidamente que aqueles colhidos na maturidade ideal. 11. Lei de Van't Hoff - esta lei indica que a taxa de reação química é controlada pela temperatura. Van't Hoff criou o termo Q10. Ele indica que a cada aumento de 10 0C na temperatura, a taxa de reação dobra. Contudo, Q10 para respiração nem sempre pode ser dobrada; algumas vezes ele pode ser mais que dobrado dependendo da maturidade e estrutura anatômica dos frutos e hortaliças. 30 Tabela 9 Classificação de frutos e hortaliças de acordo com sua taxa de respiração (Kader, 2002) Classe Respiração a 50C (mgCO2/kg.h) Frutos e hortaliças Muito baixa <5 Tâmaras, frutos e hortaliças secas, nozes Baixa 5-10 Abacaxi, aipo, alho, caqui, cebola, citros, kiwi, maçã, mamão, melancia, melão Moderada 10-20 Alface (cabeça), ameixa, azeitona, banana, cenoura, damasco, figo, manga, nectarina, pêra, pêssego, tomate Alta 20-40 Abacate, alface (folha), couve-flor Muito alta 40-60 Agrião, brócolis, flores Extremamente alta >60 Aspargos, cogumelo, espinafre, milho doce 4.3 Bioquímica da respiração Todos os organismos vivos requerem um contínuo suprimento de energia. Esta energia habilita o organismo a conduzir as reações metabólicas necessárias à manutenção da organização celular, transporte de metabólitos pelos tecidos e manutenção da permeabilidade de membranas. Metabolismo aeróbico Grande parte da energia requerida pelos frutos e hortaliças é suprida pela respiração aeróbica, que envolve a degradação oxidativa de certas substâncias orgânicas armazenadas nos tecidos. O substrato normal para a respiração é a glucose, e, caso ela seja completamente oxidada, o equacionamento da reação é o seguinte: C6H12O6 + 6O2 →6CO2 + 6H2O + energia A respiração é essencialmente o reverso da fotossíntese pela qual a energia derivada do sol é armazenada como energia química, principalmente em carboidratos contendo glucose. A total utilização de glucose envolve duas seqüências básicas de reação: 1. glucose → piruvato; pela rota Embden-Meyerhof-Parnas (EMP) (via glicolítica), localizada no citoplasma (Figura 9); 31 2. piruvato → dióxido de carbono; pelo ciclo TCA (ciclo de Krebs), as enzimas do qual são localizadas na mitocôndria (Figura 10). A glucose livre é convencionalmente o composto envolvido no passo oxidativo inicial, embora não seja a forma de armazenamento de carboidratos no vegetal. O amido, um polímero de glucose, é geralmente o principal carboidrato, e deve ser primeiro degradado em glucose por amilases e maltase. Outros produtos têm um alto teor de sacarose que pode ser hidrolisado à glucose e frutose pela enzima invertase. A interconversão de sacarose e amido é também importante em muitos tecidos vegetais. A seqüência EMP Uma visão simplificada da seqüência EMP é mostrada na Figura 9. O sistema de reação pode ser equacionado da seguinte forma: Glucose + 2ADP + 2Pi + 2NAD → 2piruvato + 2ATP + 2NADH2 + 2H2O A energia liberada do sistema de reação é armazenada na forma de ATP e NADH2, onde cada molécula de 2NADH2 gera 3ATP. A energia total liberada pela conversão de glucose a piruvato é, portanto, equivalente a 8 ATP. A energia é subseqüentemente disponibilizada ao vegetal pela quebra de uma ponte fosfato na reação reversa: ATP → ADP + Pi + energia Um método alternativo para a conversão de glucose a fosfogliceraldeído envolve a formação e interconversão de açúcares C5 fosforilados, tais como ribulose, ribose e xilulose, embora este ciclo seja considerado, normalmente, menos importante que a seqüência EMP. Glucose ↓ 32 Glucose-6-fosfato ↓ Frutose-6-fosfato ↓ Frutose-1,6-difosfato ↓ Fosfogliceraldeído ↔ fosfodiidroxiacetona ↓ 1,3-difosfoglicerato ↓ 3-fosfoglicerato ↓ 2-fosfoglicerato ↓ Fosfoenolpiruvato ↓ Piruvato → Ciclo TCA Figura 9 Via EMP O ciclo TCA Uma visão simplificada do ciclo total é mostrada na Figura 10. A equação dos sistema de reação é a seguinte: Piruvato + 3O2 + 15ADP + 15Pi → 3CO2 + 2H2O + 15ATP A energia da molécula de glucose original (gerando 2 x piruvato) liberada do ciclo TCA é 30ATP (comparada com 8ATP da seqüência EMP). O dióxido de carbono produzido na respiração é derivado do ciclo TCA sob condições aeróbicas e envolve consumo de oxigênio. A taxa de respiração pode, portanto, ser medida pela quantidade de dióxido de carbono produzidaou oxigênio consumido. A energia química liberada durante a oxidação de 1 mol de glucose é aproximadamente 1,6 megajoules. Cerca de 90% desta energia é preservada dentro do sistema vegetal, e o remanescente é perdido pelo calor. A respiração é, portanto, um eficiente conversor de energia comparado com equipamentos construídos pelo homem para conversão de energia. Quociente respiratório 33 Os vacúolos de muitos frutos e hortaliças apresentam extensas reservas de ácidos orgânicos que podem ser mobilizadas para uso na mitocôndria como substratos oxidáveis no ciclo TCA. A completa oxidação do malato (C4H6O5 + 3O2 → 4CO2 + 3H2O) gera mais dióxido de carbono que a quantidade de oxigênio consumida, enquanto a oxidação de glucose gera uma quantidade igual de dióxido de carbono para o oxigênio consumido. Esta relação torna-se importante quando da determinação da respiração pelas trocas gasosas, em que o dióxido de carbono liberado e o oxigênio consumido são medidos, isto é, é possível se determinar diferentes valores para a respiração dependendo de qual gás é monitorado. Idealmente ambos gases deveriam ser medidos simultaneamente. O conceito de quociente respiratório foi desenvolvido para quantificar esta variação, onde: RQ = CO2 produzido (mL) / O2 consumido (mL) Pela completa oxidação da glucose, o RQ = 1,0, enquanto para o malato o RQ = 1,3. Um substrato alternativo, como por exemplo o ácido esteárico, um ácido graxo de cadeia longa: C18H36O2 + 26O2 → 18CO2 + 18H2O Estes ácidos graxos têm muito menos oxigênio por átomo de carbono que açúcares e, portanto, requerem um maior consumo de oxigênio para produção de CO2. O RQ para a reação acima é de 0,7. Medidas de RQ podem dar uma idéia do tipo de substrato que está sendo respirado: um baixo RQ sugere metabolismo de gorduras e RQ muito alto de ácidos orgânicos. Mudanças no RQ durante o crescimento e armazenamento podem também indicar uma mudança no tipo de substrato que está sendo metabolizado. Quociente de temperatura de respiração O quociente de temperatura para um intervalo de 100C é chamado de Q10, que pode ser calculado pela determinação da taxa de respiração a duas temperaturas, aplicando-se a seguinte equação: 10/(T2-T1) Q10 = (R2/R1) Onde R2 = taxa de respiração a T2 R1 = taxa de respiração a T1 T2 e T1 = temperaturas em 0C Se a diferença entre T2 e T1 é 10 0C, então o Q10 será o quociente das duas taxas. O conceito de Q10 permite o cálculo das taxas de respiração esperadas a partir de uma taxa conhecida. 34 O quociente de temperatura (Q10) não é o mesmo para todos os frutos e hortaliças, nem irá ser o mesmo para diferentes variedades do mesmo fruto. Como uma regra geral, pode ser dito que uma maçã ou uma pêra poderá amadurecer tanto em um dia a 21,10C como em uma semana a 00C. Logo, é aparente que a refrigeração é um mecanismo efetivo de extensão da vida comercial do produto fresco. Produtores e comerciantes de frutos têm aprendido através da experiência prática que a estação de cultivo tem uma influência poderosa sobre o tempo de armazenamento de frutos. Por exemplo, é reconhecido que é desastroso o armazenamento ou transporte para locais distantes de pêras 'Bartlett' cultivadas em áreas frias, visto que elas geralmente desenvolvem o "core breakdown", uma desordem fisiológica que torna as pêras muito macias e escuras. Algumas cultivares de maçãs cultivadas em climas frios não toleram temperaturas de armazenamento de 00C e devem ser armazenadas a temperaturas mais altas, em torno de 2,2 a 4,40C a fim de se evitar a degradação a baixas temperaturas. As reações químicas da respiração são controladas pela temperatura e idealmente, poderia se esperar um Q10 de cerca de 2,5 para a respiração. Isto significa que para um aumento de 10 0C na temperatura, a respiração dobraria. Tecidos jovens que crescem rapidamente respiram mais rápido que aqueles que crescem mais lentamente. A taxa de respiração de aspargos é uma das mais altas dentre os frutos e hortaliças por causa do crescimento rápido. Frutos e hortaliças variam em suas taxas respiratórias e existem diferenças entre cultivares e suas maturidades, tanto que não é de se esperar que a taxa respiratória seja um valor fixo a uma dada temperatura. Ela tende a ser mais constante a temperaturas de 0 a 4,40C que a temperaturas mais altas, da ordem de 21,1 a 26,60C. Nesta faixa de temperatura (0 a 4,40C), onde frutos e hortaliças são mantidos por longo tempo, seu calor de respiração é um fator a ser incluído no cálculo dos requerimentos de refrigeração para armazenamento e transporte refrigerado. No caso de frutos e hortaliças, após a colheita, o resfriamento rápido é geralmente desejável especialmente para os frutos e hortaliças mais perecíveis, como o morango e folhosas. Isto não apenas reduz a atividade respiratória de frutos e hortaliças, mas também controla a deterioração do fruto. Fungos e outros microrganismos aumentam a taxa de respiração, bem como abrasões e injúrias mecânicas; as mais sérias conseqüências da manutenção de frutos e hortaliças a altas temperaturas é a aceleração do amadurecimento, e encurtamento da vida de armazenamento e comercialização. Metabolismo anaeróbico (fermentação) As rotas respiratórias citadas utilizam oxigênio e são as preferenciais em frutos e hortaliças. A 35 atmosfera normal é rica em oxigênio, tanto que a quantidade de oxigênio disponível no tecido é ilimitada. Sob várias condições de armazenamento a quantidade de oxigênio na atmosfera pode ser limitada e insuficiente para manter o metabolismo aeróbico pleno. Sob estas condições o tecido pode iniciar a respiração anaeróbica, pela qual a glucose é convertida a piruvato através da rota EMP. Contudo, o piruvato é metabolizado em ácido lático ou acetaldeído e etanol no processo chamado fermentação. A concentração de oxigênio na qual a fermentação se inicia, varia entre tecidos e é conhecida como ponto de extinção. A concentração de oxigênio neste ponto depende de vários fatores, tais como espécie, cultivar, maturidade e temperatura. A respiração anaeróbica produz muito menos energia por mol de glucose que as rotas aeróbicas, embora permita que alguma energia esteja disponível para os tecidos sob condições adversas. Um alto RQ é, geralmente, indicativo de reações de fermentação. Metabólitos para reações sintéticas As rotas respiratórias não são usadas apenas para produção de energia pelo tecido. Esqueletos de carbono são requeridos por muitas reações sintéticas na célula, e estes esqueletos podem ser removidos em vários pontos. Por exemplo, alfa-cetoglutarato pode ser convertido ao aminoácido glutamato a partir do qual vários outros aminoácidos podem ser produzidos para síntese protéica; succinato pode ser utilizado na síntese de vários pigmentos heme, incluindo a clorofila. A perda de alfa-cetoglutarato e succinato do ciclo TCA por reações sintéticas poderia levar, eventualmente, à paralização do ciclo. Portanto, ácidos C4 são alimentados no ciclo; eles são produzidos principalmente pela fixação de dióxido de carbono no fosfoenolpiruvato dando origem ao oxaloacetato. Alternativamente, reservas vacuolares de, por exemplo, malato podem ser utilizadas. 4.4 Padrões de atividade respiratória A taxa de respiração dos frutos e hortaliças é um excelente indicador da atividade metabólica do tecido e, logo, é um útil guia para a vida de armazenamento potencial do produto. Se a taxa respiratória de um fruto ou hortaliça é medido - como oxigênio consumido ou dióxido de carbono emitido - durante o curso de seu desenvolvimento,
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