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Resumo de História na Educação 2 (Conteúdo da 1º a 8º semana : Textos complementares I a IV e Aulas propostas) 1º Semana – O Ensino da História – Textos complementares I e II na aula 1 da plataforma Texto complementar I: REPENSANDO O ENSINO DA HISTÓRIA, PRODUZINDO CONHECIMENTO 1- Justificativa Desde que foi incluída nos currículos escolares, ou seja, desde que se tornou uma disciplina ministrada na escola, a História ensinada tem mantido uma relação de proximidade com o conhecimento histórico acadêmico. Em alguns contextos, é bem verdade, as políticas públicas brasileiras para a educação buscaram diferenciar ao extremo o saber escolar do saber acadêmico; contudo, sempre houve vozes que contestaram essa separação. Nas últimas décadas, percebe-se o crescente aumento da preocupação de professores e outros especialistas em educação no sentido de questionar e analisar mais criticamente a relação existente entre o saber histórico acadêmico e - como se tornou comum denominar - o saber histórico escolar. Isto acontece num momento em que a discussão sobre educação passa a contestar o estabelecimento de técnicas e metodologias gerais para o ensino em todas as áreas de conhecimento, negando suas especificidades, juntamente com uma preocupação mais explícita no desenvolvimento de habilidades cognitivas que permitam aos alunos dos ensinos fundamental e médio experimentar uma autonomia intelectual, retirando dos instrumentos didáticos e do professor a unanimidade de donos do conhecimento. 2 - O SABER HISTÓRICO ESCOLAR Tradicionalmente, a produção do conhecimento histórico é vista como prerrogativa dos centros acadêmicos. Mesmo hoje em dia, apesar da discussão que apontada acima, e que envolve muitos de nossos currículos e programas, encontramos professores acreditando que sua função no ensino básico resume-se à reprodução de forma coerente, seja através de uma perspectiva linear, seja problematizadora, de um conteúdo cuja elaboração independe de sua ação, pelo menos na função de professor dos ensinos fundamental e médio, quer dizer, mesmo quando desenvolve atividades ligadas à pesquisa histórica e/ou ensino superior, o professor estabelece diferenças qualitativas entre estas funções e aquela desempenhada no ensino básico. Contudo, apesar de uma tradição empírica de ensino, fundamentada no prestígio de individualidades da historiografia nacional e da estrangeira, vem consolidando-se entre professores a perspectiva de que o processo de ensino-aprendizagem de história no ensino básico é também produtor de conhecimento: o conhecimento histórico escolar. O que se pretende com a postura apresentada é que se encare o ensino-aprendizagem de História na Escola Básica sob as mesmas perspectivas. Assim sendo, que o sujeito seja produtor de um tipo de aprendizado que “não fique apenas na superfície, mas que crie condições para que o aluno adquira os instrumentos conceituais que lhe permitam decodificar idéias já existentes e produzir novas”. Busca-se pensar o processo de ensino-aprendizagem a partir das especificidades do campo de conhecimento histórico, ou melhor, a partir da epistemologia da História. Acredita-se, pois, ser possível que “da epistemologia da História, como forma característica de pensar a organização do conhecimento histórico e a realidade humana, se retirem normas, critérios, elementos balizadores da atividade docente, na tarefa de procurar com os alunos, abordar o passado, provocando neles compreensão e auto-conhecimento humano” Dessa forma, a preocupação de educadores e profissionais antecipa uma metodologia de ensino aprendizagem em História consolidada na necessidade do desenvolvimento de instrumentos que possibilitem o incremento da autonomia intelectual dos alunos a partir de um refinamento do pensamento. Este refinamento relaciona-se à preocupação com o desenvolvimento de habilidades cognitivas facilitadas pelas especificidades da produção do conhecimento histórico. Classificar, descobrir critérios contidos em classificações, comparar, relacionar, levantar hipóteses, etc. são algumas das atividades mentais que podem caminhar juntas com o ensino de História. A preocupação com o desenvolvimento de competências/habilidades como prerrogativa do ensino básico tem sido a tônica de pesquisas e documentos sobre educação no Brasil, inclusive os oficiais, tais como os Parâmetros Curriculares do MEC (PCN). A principal questão levantada é a de que o conhecimento não se situa fora do indivíduo e nem se produz como algo que ele constrói fora da realidade exterior. É, antes de qualquer coisa, uma construção histórica e social na qual interagem fatores de diversas origens: antropológica, psicológica, cultural, entre outros. Uma das maiores dificuldades dos licenciandos em História, em suas primeiras experiências como estagiários ou mesmo como profissionais, é a transposição de conteúdos históricos acadêmicos na elaboração de seus planos de aula ou de curso. O elemento fundamental na elaboração de qualquer seleção de conteúdos consiste em identificar critérios que a fundamentem e justifiquem. Sem dúvida tais critérios estão relacionados à concepção de História na qual se assenta a prática do professor. Contudo, se o docente não teve a oportunidade de constituí-la e de refletir sobre sua construção, ele utilizará o modelo que certamente viu se repetir, desde cedo, em sua formação escolar, e este é, tradicionalmente, o narrativo cronológico. “Se aceitarmos o princípio de que, no processo de aprendizagem, não se retém apenas o conteúdo, mas se fixam simultaneamente imagens, modelos e valores que se tendem a manifestar posteriormente, os futuros professores adquiriram, ao longo da escolaridade a que estiveram submetidos, métodos e modelos de ensino que não se coadunavam com as novas concepções (históricas e pedagógicas) difundidas” O que a autora quis dizer com o texto acima é que estes professores não aprenderam a perceber a História como uma construção dinâmica. Como discentes, em sua prática cotidiana, eles não tiveram oportunidade de estudar os textos e documentos históricos como produtos de “mecanismos que vinculam a dinâmica das estruturas à sucessão dos acontecimentos, nos quais intervêm os indivíduos e o acaso”.Como docentes, portanto, eles assumirão, por ignorância, um posicionamento simplista de falsa neutralidade, que desemboca, quando muito, na seleção cronológica linear como a única possível. De forma alguma, um docente com essas deficiências terá condições de pensar sua prática profissional na escola básica como de produção de conhecimento; muito menos, acreditar que sua interação com os alunos, mediada por métodos e estratégias variadas - levando em consideração a utilização de procedimentos da pesquisa histórica - resulte na produção de algum tipo de conhecimento. Este profissional foi preparado para, quando muito, destacar-se por ser um bom repetidor das mais atuais teorias e discussões da historiografia moderna. Faltar-lhe-á a capacidade básica do profissional da história, a habilidade na utilização dos procedimentos do fazer histórico, dedique-se à pesquisa ou ao ensino. Embora os textos que destacam a necessidade de reflexão sobre este assunto afirmem que o que se procura não é produzir pequenos historiadores na escola básica, busca-se, seja como for, “a realização na sala de aula da própria atividade do historiador, a articulação entre elementos constitutivos do fazer histórico e do fazer pedagógico. (...) Fazer com que o conhecimento histórico seja ensinado de tal forma que dê ao aluno condições de participar do processo do fazer, do construir a História. Que o aluno possa entender que a apropriação doconhecimento é uma atividade em que se retorna ao próprio processo de elaboração do conhecimento.” 3 – O LIVRO DIDÁTICO Vê-se que o caminho que se construiu nas últimas décadas não modificou essencialmente a prática docente cotidiana. Muitas variáveis explicam esse descompasso, mas, sem dúvida, uma das mais citadas tem sido o papel do material didático utilizado como sustentação do processo de aprendizagem. Dentre todos, sobressai o livro didático, pela situação de verdadeira muleta que assume para a prática docente na maioria das salas de aulas. Não cabe aqui aprofundar a discussão, de outra forma já bastante batida, sobre a validade ou não da utilização do livro didático na prática docente. Cabe, sim, questionar de que forma este produto, vinculado a imposições de diversas ordens, principalmente aquelas ligadas às regras do mercado editorial, pode adaptar-se às prerrogativas que se apresentam para o ensino básico e que serviram de apoio para este artigo. Entre as práticas mais criticadas está a utilização do livro didático, tal qual existe hoje no mercado, como fonte essencial para o processo de ensino-aprendizagem. Sem dúvida, as prerrogativas do mercado editorial formulam um roteiro específico para o conteúdo dos livros didáticos. Por sua vez, essas prerrogativas são, de certa forma, originadas de interferências das esferas oficiais que estabelecem currículos mínimos e formas de pressão sobre estratégias que devem ser valorizadas. Se historicamente no Brasil tais condições produziram textos didáticos que deixam a desejar quanto a sua capacidade de serem instrumentos produtores de reflexão e de conhecimento - servindo essencialmente como receptáculos de informações - vemos hoje a possibilidade de modificar esta situação, utilizando-se da mesma lógica do processo produtivo que caracteriza a edição do livro didático no país. A pressão político-social dos exames de acesso às universidades públicas deu a estas instituições – mesmo que de forma enviesada – a oportunidade de se transformarem em pólo de mudanças no ensino médio. As discussões teórico-metodológicas com profissionais que têm o ensino como seu objeto de pesquisa e/ou sua prática cotidiana permitem propor novas formas de pensar o material didático utilizado no processo de ensino-aprendizagem das diversas áreas de conhecimento. No caso das Ciências Humanas, em especial a História, o processo deve valorizar o diálogo interdisciplinar, a construção de um pensamento articulador de fatos, conceitos e processos e a contextualização dos processos histórico. Espera-se com isso que o processo de ensino- aprendizagem desenvolvido na Escola Básica prepare o aluno para a desnaturalização da produção do conhecimento, de forma que ele se coloque como sujeito de sua prática. Em outras palavras, dê-lhe instrumentos que o coloquem no caminho de sua autonomia intelectual, fundamental, tanto para ingressar na vida acadêmica, quanto para a participação social como cidadão. Ora, sabe-se que a principal característica do livro didático tradicional é ser generalista e, preso às premissas do mercado editorial, ainda essencialmente atento à tradição empirista que caracteriza nossos programas e currículos. Como então transformá-lo em instrumento dos objetivos propostos acima? A linha argumentativa deste trabalho propõe uma modificação no eixo norteador da discussão. Qualquer instrumento didático utilizado no processo de ensino-aprendizagem deve ser visto como um meio e não como uma finalidade. No caso específico do ensino de História, o livro didático adquiriu a característica de ser receptáculo dos fatos importantes, coleção de imagens e acontecimentos que foram considerados significativos pelos responsáveis pela vulgarização de uma perspectiva simplista de História, cuja leitura a conceitua como ciência do passado. Embora essa caracterização já encontre detratores importantes no meio acadêmico e editorial, ainda é forte no senso comum e produz um amálgama difícil de ser desfeito entre alunos e muitos docentes da Escola Básica. Os “métodos e valores” adquiridos por docentes no processo de seu próprio aprendizado são responsáveis, em grande parte, pela forma imobilizadora como eles encaram a sala de aula e a utilização dos materiais didáticos. Sente-se a falta de orientação e a necessidade de princípios que ancorem a sua prática. Os responsáveis pela formação acadêmica dos professores devem encarar como um de seus objetivos primordiais a investigação de metodologias para o ensino de História, no sentido de buscar integrar as novas práticas pedagógicas às especificidades desse campo de conhecimento que tem maneiras próprias de trabalhar os seus objetos de investigação. A relação entre o campo pedagógico e o histórico é de constituição delicada, porém fundamental na formação docente. A preocupação metodológica nos cursos de graduação é comumente confundida com o ensino de técnicas diversificadas e a utilização de variados recursos didáticos. Mesmo na formação dita teórica, dentro dos institutos básicos, a metodologia da História acaba sendo vista como uma disciplina sem qualquer relação com as demais. Ao contrário, a preocupação metodológica não deveria ser específica de uma disciplina isolada, mas o resultado da prática cotidiana de docentes e alunos do ensino superior em sala de aula, visando à reflexão crítica sobre a produção do conhecimento e a instrumentalização, para que todos se vejam como sujeitos dessa produção. A referida prática é pressuposto fundamental para que os futuros professores de História possam se perceber como produtores de conhecimento e não apenas como reprodutores, utilizando para isso todo e qualquer material didático, inclusive o livro-texto, como instrumento auxiliar nessa produção e não como fonte da verdade histórica ou apoio irrestrito para sua falta de tempo e salário. Tal comportamento capacita os docentes a transpor os procedimentos da pesquisa histórica para seu cotidiano profissional, tanto no planejamento curricular, quanto na rotina do convívio com seus alunos e na seleção e utilização de recursos e estratégias didáticas. Através dessa reflexão, busca-se deslocar o eixo problematizador do livro didático para a formação docente. Se as universidades - principalmente os cursos responsáveis pela formação de professores - ampliarem os núcleos de pesquisa nos quais o ensino e as especificidades de sua prática sejam o objeto de investigação, os professores estarão mais bem preparados para a reflexão sobre a utilização do livro didático e, com certeza, surgirá um maior número de propostas não deslocadas da prática docente e que poderá resultar em transformações mais duradouras. Texto complementar II – QUESTÕES SOBRE O ENSINO DA HISTÓRIA NA CONTEMPORANEIDADE PROPOSTA PEDAGÓGICA : ESPAÇOS EDUCATIVOS E ENSINO DE HISTÓRIA O ensino de História no Ensino Fundamental, e também no Ensino Médio, tem como objetivo fundamental proporcionar a nossos(as) alunos(as) as condições para que eles(as) consigam se identificar enquanto sujeitos históricos, participando de um grupo social, ao mesmo tempo único e diverso. Talvez este seja o nosso maior desafio, como professores: ensinar primeiramente a pensar, criticar, propor! Despertar em nossos estudantes o desejo de conhecer, de participar ativamente da sociedade em que vivem de forma crítica, reflexiva e transformadora. Mais essencial do que ensinar conteúdos específicos, que também são importantes, o ensino de História na Educação Básica possui o sentido maior de construção do cidadão crítico, que tenha a capacidade de participar ativamente da sociedade em que vive e de se indignar com os acontecimentos do cotidiano. Umtrabalho sobre o ensino de História deve estabelecer o encontro ou, pelo menos, a junção de três vertentes do conhecimento humano: a ciência histórica, o saber histórico escolar e as ciências da Educação. Assim sendo, o objetivo do ensino de História é compreender mudanças e permanências, continuidades e descontinuidades, para que o aluno aprenda a captar e valorizar a diversidade e participe de forma mais crítica da construção da História. Faz parte, então, do procedimento histórico a preocupação com a construção, a historicidade dos conceitos e a contextualização temporal. Escola, memória e espaços educativos não-formais Na perspectiva dos Estudos Culturais, segundo Tomaz Tadeu da Silva (1999), a cultura é pedagógica e a pedagogia é cultural. Diversos programas de televisão, mesmo que não tenham o objetivo explícito de ensinar, educam. Por outro lado, toda a pedagogia está inserida num contexto histórico e cultural. Todo conhecimento se constrói, portanto, num sistema de significados. A escola não é o único “lugar de conhecimento” e, portanto, de transformação de subjetividades, como nos afirma o autor. Existem outros espaços de saber que também educam – espaços nãoformais de educação –, como museus, arquivos, programas de televisão e/ou rádio (educativos ou apenas de lazer), filmes, peças de teatro, músicas, espaços de exposições etc. Os museus, arquivos, locais de exposições e outros lugares de memória possuem cultura própria, ritos e códigos específicos. Por outro lado, as escolas apresentam universos particulares, também com lógica própria. Faz-se necessária, então, a busca de caminhos para a construção de uma pedagogia de museus, como nos afirma Marandino (2000). Esta autora nos alerta para a necessidade da construção de uma pedagogia de museus, levando em consideração a especificidade pedagógica dos museus para otimizar as visitas escolares. Não se trata, segundo a autora, de opor o museu à escola, mas de definir as especificidades relacionadas ao lugar, ao tempo e aos objetos no espaço do museu, o que é essencial e deve ser incluído na formação de educadores numa didática de museu. Nesse sentido, poderíamos ampliar esse entendimento não só para museus, como também para outros espaços educativos: exposições, arquivos públicos, centros culturais, arquitetura de ruas antigas, monumentos etc. Motivos que levam os professores a buscar os espaços educativos não-formais como lugares alternativos de aprendizagem A apresentação interdisciplinar dos temas, a interação com o cotidiano dos estudantes e, por fim, a possibilidade de ampliação cultural proporcionada pela visita. Assim, as visitas teriam o objetivo de fazer uma alfabetização científica do cidadão. Para isso, trabalha-se com elementos de relevância social que informam os indivíduos e os conscientizam de problemas político-sociais. O incentivo à participação e à interatividade que acontece nos museus de ciência e técnica se estende aos museus como os de história, arqueologia, etnografia e ciências naturais através, sobretudo, do advento de novas tecnologias. A base filosófica dessas mudanças reside na democratização do acesso ao saber que está “depositado” nos museus. Em contrapartida, a escola deve permitir a influência desses espaços educativos alternativos, incentivando as visitas pedagógicas e as ações de parcerias. Memória Para os gregos antigos, memória significava vidência e êxtase. É com tal alegria e êxtase que esperamos que nossos alunos e alunas consigam perceber e apreender nossa memória através de vivências extramuros escolares. A preservação da memória torna-se fundamental na ampliação de vivências pedagógicas diferenciadas para nossos estudantes. Espaços educativos não-formais Como já foi dito anteriormente, faz-se necessário desvelar o horizonte universitário e pedagógico para a utilização dos espaços educativos alternativos. Como exemplo de um espaço educativo não formal temos o “Espaço da Ciência de Olinda”, em Pernambuco, criado em 1994, que desenvolve capacitação de professores através de centros de referência criados em 21 escolas da rede pública. Também há o MAST/ CNP, que em 1997 estabeleceu um projeto denominado “Formação continuada de professores de ciências e os espaços não-formais de Educação” para produzir material didático junto às escolas públicas municipais. Desta forma, em tais visitas pedagógicas seria oferecido aos nossos alunos e alunas diferentes leituras da ciência e do mundo. É essencial, cada vez mais, a parceria dos museus com as universidades, secretarias municipais e estaduais para a realização de cursos de formação de professores em todos os níveis. Além disso, é muito importante a implantação de pesquisas nos museus e investigações sobre a relação museus/espaços culturais e escola. Esses estudos darão subsídios maiores aos programas educativos e culturais desenvolvidos nessas instituições. Em última instância, entender história é entender o tempo em movimento em múltiplos espaços. Se entendemos que o ensino de História tem o sentido de formação da cidadania no Ensino Fundamental e Médio, devemos ter o compromisso de proporcionar oportunidades para que os(as) alunos(as) transportem esse conhecimento aprendido para suas vidas cotidianas, para que possam participar de forma mais consciente da construção de um mundo mais justo e solidário. PGM 1: OS SENTIDOS DO ENSINO DE HISTÓRIA No primeiro programa da série, vamos debater estes temas, entre outros: o papel da escola e a importância do ensino de História para a formação da cidadania; o respeito pelo saber do educando; o encontro entre saberes escolares e não-escolares, entre cultura erudita e popular; a construção do conhecimento de forma dialógica, participativa, entre alunos e professores, a favor de uma educação emancipatória; as concepções teóricas no ensino de História e na Educação que permeiam tais opções educacionais; alternativas metodológicas ao método tradicional. PGM 2 – Memória e ensino de História O segundo programa tem como proposta discutir: o conceito de memória; a relação memória, tempo e História; o tempo histórico e suas principais características: sucessão, duração e simultaneidade; a perpetuação dos povos através da memória ou do “esquecimento”; o que se quer lembrar e o que se quer esquecer nas sociedades; o jovem e a sociedade presentista; a necessidade de se impor a “ausência” de memória nas sociedades contemporâneas; mudanças e permanências nas sociedades. PGM 3 – Lugares de memória O terceiro programa vai enfocar estes temas: lugares de memória; a relação entre cultura e pedagogia na perspectiva dos Estudos Culturais; a educação transformando subjetividades; a escola não é o único lugar que educa; os espaços educativos não-formais, especialmente os museus e exposições; os lugares de memória e suas culturas próprias, seus ritos e códigos específicos; a democratização do acesso ao saber “depositado” nos museus; a busca pela construção de uma pedagogia de museus; os espaços educativos não-formais como lugares alternativos de aprendizagem. PGM 4 – Espaços públicos de memória Neste quarto programa, permanece a discussão sobre os espaços educativos não formais, analisando estes temas, entre outros: a paisagem como algo socialmente transformado pelo tempo e depositária de diferentes temporalidades; o espaço e o tempo-mundo fundidos na cidade; a necessidade de o professor ensinar História fora dos muros da escola, utilizando excursões pedagógicas pelas ruas de sua cidade, por exemplo; a análise das “migalhas”deixadas pelo tempo nas marcas da arquitetura, monumentos, transportes etc. de uma cidade; o processo de ensino-aprendizagem nesses espaços alternativos, na perspectiva dos estudos sobre transposição didática ou museográfica. PGM 5 – Espaços educativos não-formais e formação de professores O quinto programa vai abordar: a importância de se incorporar, nos estágios curriculares dos cursos de Licenciatura, esses espaços educativos não-formais; a necessidade de se estreitar laços entre as práticas curriculares nos cursos de formação de professores e os lugares de preservação da memória; a urgência de se estabelecer políticas públicas de formação de professores que se comprometam em reinventar a escola, visando à construção de uma cidadania participativa e democrática. Programa 1 OS SENTIDOS DO ENSINO DE HISTÓRIA A constituição da história como disciplina escolar ao longo do século XIX, no Ocidente, implicou um processo de seleção cultural e didatização necessário para tornar ensináveis os saberes então selecionados para serem aprendidos pelas novas gerações. Essa operação cultural e política, de forte conteúdo simbólico, nos possibilita compreender dimensões presentes no ensino de História, enquanto espaço/tempo no currículo escolar (ainda) privilegiado nas sociedades contemporâneas, destinado à construção de significados necessários à leitura e à compreensão do mundo, nacionalmente ou globalmente organizado. Esses são alguns dos desafios do ensino de História: 1) Tornar acessível aos alunos o conhecimento constituído sobre as sociedades e ações humanas do passado, passado recomposto pelos historiadores a partir de documentos tomados como fontes; 2) Possibilitar a leitura de textos e imagens, a escrita de suas apropriações-aprendizagens, a (re)construção de representações; 3) Selecionar quais saberes, quais narrativas, quais poderes legitimar ou questionar. Esse texto tem por objetivo discutir esses desafios e também as questões que se apresentam nos processos inerentes ao ensino de História (e à sua pesquisa) que envolve não apenas o domínio de saberes referentes ao passado mas, também, a compreensão da historicidade da vida social e do diálogo com os diferentes saberes que circulam e se difundem nas sociedades. Este processo implica um trabalho que auxilie os alunos a atribuir sentido às ações humanas e aos atores sociais, em perspectiva sincrônica e diacrônica, e a aprofundar o pensamento crítico em face dos poderes instituídos através da análise, e possível desmistificação, de rituais, atores, imagens e processos de participação, atribuição e questionamento do poder nas sociedades. 1. Renovação teórica no campo do currículo e do ensino: o conceito de saber escolar Nas três últimas décadas do século XX, os estudos e pesquisas voltados para as questões relativas ao currículo escolar voltaram-se para a investigação das relações entre escola e cultura, buscando melhor compreender o papel desempenhado pela escola na produção da memória coletiva, das identidades sociais e da reprodução (ou transformação) das relações de poder. Os saberes ensinados, na maior parte do século XX, não foram objeto de maior questionamento ou reflexão. Eram definidos e apresentados nos currículos e programas como aqueles a ensinar, oriundos de base científica e cultural ampla, através de meios e procedimentos adequados, escolhidos num “receituário ou arsenal” construído e fundamentado cientificamente nos conhecimentos oferecidos pela psicologia, pela psicopedagogia e pela didática. Pesquisas confirmam que o currículo é campo de criação simbólica e cultural, permeado por conflitos e contradições, de constituição complexa e híbrida, com diferentes instâncias de realização: currículo formal, real, oculto (Moreira, 1997). No campo da epistemologia, discutem-se a historicidade e a relatividade do conhecimento científico, questionando-se a idéia de que a ciência produz a única forma de conhecimento válido e verdadeiro, reconhecendo-se a diversidade das formas de conhecimento, com diferentes racionalidades e formas de validação. No meio educacional, os estudos reconhecem as características, cada vez mais evidentes, dos fenômenos práticos: complexidade, incerteza, instabilidade, singularidade e conflitos de valores. Os diferentes sujeitos, com visões de mundo e interesses diferenciados, estabelecem relações entre si com múltiplas possibilidades de apropriação e interpretação. Essas novas perspectivas permitem avançar em relação a estudos e análises que, ao não reconhecerem a especificidade da cultura escolar, buscavam a melhoria do ensino através da maior aproximação com o conhecimento científico. O ensino seria aperfeiçoado na medida em que mais semelhante, coerente e atualizado fosse em relação à produção científica. Não podemos negar que o diálogo com o conhecimento científico é absolutamente fundamental. Mas é preciso compreender melhor como se dá a construção do saber escolar, que envolve a interlocução com o conhecimento científico, mas também com outros saberes que circulam no contexto cultural de referência. Nesse sentido, o conceito de saber escolar, referenciado em pesquisadores do campo educacional da área do currículo e da história das disciplinas escolares, oferece contribuição importante para a melhor compreensão dos processos educativos. Entre os primeiros podemos citar, na tradição francesa: Forquin, 1992, 1993, 1996; Moniot, 1993; Develay, 1994; 1996; Allieu, 1995; Lautier, 1997 e, no Brasil, Santos, 1990; Moreira, 1997; Silva, 1999; Lopes, 1999; Monteiro, 2002, 2003. Na história das disciplinas escolares, temos o trabalho de Chervel (1990) e, na vertente inglesa, temos os trabalhos de Goodson (1995), que utiliza uma abordagem sócio-histórica para análise da construção curricular. A perspectiva com a qual eu trabalho reconhece a especificidade epistemológica desta construção que tem na escola o locus por excelência, escola que deixa de ser considerada apenas local de instrução e transmissão de saberes, para ser compreendida como espaço educacional, configurado e configurador de uma cultura escolar, na qual se confrontam diferentes forças e interesses sociais, econômicos, políticos, culturais. Filia-se mais diretamente aos autores franceses que estudam os processos de transposição didática. Nesta perspectiva, os saberes escolares, antes inquestionáveis e universais, passam a ser objeto de indagações que se voltam para aspectos relacionados à seleção cultural – quais saberes, motivos de opção, implicações culturais e repercussões sociais e políticas das opções, negações, ocultamentos, ênfases. Mas não basta selecionar. É preciso tornar os saberes possíveis de serem aprendidos. Nesse sentido, os estudos voltados para os processos de organização destes saberes investigam os processos de didatização, buscando superar a perspectiva instrumental e técnica, utilizando o conceito de transposição didática (Chevallard, 1991; Develay, 1992) ou mediação didática (Lopes, 1999) para analisar os processos realizados para viabilizar aprendizagens. (Forquin, 1992; Lopes, 1997) 3. A História como saber escolar A possibilidade de utilização dos conceitos de saber escolar e de transposição didática no campo da História precisa ser discutida de forma a considerar problemas e características específicos aos processos de sua constituição, que envolvem aspectos distintos daqueles relacionados à Matemática, por exemplo. É importante avaliar possibilidades e limites dos conceitos quando eles são transplantados do seu contexto de produção original e utilizados como instrumentos de inteligibilidade em diferentes campos disciplinares. Autoresfranceses que pesquisam a didática da História, e que têm procurado incorporar e avaliar a potencialidade teórica das proposições de Chevallard Entre eles, Moniot (1993) faz algumas ponderações importantes, ao discutir e contextualizar a transposição didática no processo de elaboração da História em sua versão escolar. Inicialmente, ele concorda com Chevallard sobre a anterioridade do saber acadêmico em relação ao saber escolar, ao lembrar que, por exemplo, na França, a História dos historiadores precede a História escolar, constituída num processo que se desenvolveu ao longo do século XIX (Furet, 1978). Mas, por outro lado, como o autor destaca, a História escolar também fez a fortuna da História universitária, havendo uma conivência entre uma e outra, de forma que até hoje uma legitima a outra. “Não há dúvida de que, no século XX, a história escolar tem características próprias, numa configuração com sua força instalada. Se, por um lado, ela depende moralmente da história acadêmica, ela produz, para esta, uma reverência e uma segurança pública, pela cultura e pelos sentimentos que ela destila: de fato, há uma troca de legitimações reais entre duas entidades específicas” (Moniot, 1993, p. 26). No Brasil, podemos dizer que um processo semelhante ocorreu. A constituição de uma História do Brasil, pautada em princípios definidos com base em metodologia científica, se deu em meados do século XIX, no contexto de uma instituição acadêmica que era o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (Guimarães, 1988). A elaboração da História Geral do Brasil em 1854, por Francisco Adolfo de Varnhagen, constituiu a primeira versão que atendia aos princípios de uma História “científica” escrita a partir de documentos e que serviu de base para a elaboração de livros didáticos, entre eles aquele intitulado Brasil em Lições, de Joaquim Manuel de Macedo, usado durante décadas no Colégio Pedro II e que serviu de referência para a História do Brasil ensinada em todo o país (Mattos, 2000). Já a diferença entre o saber acadêmico e o saber escolar em História constitui, para Moniot, um “segredo de polichinelo”. A História, diferentemente das matemáticas, que possuem uma definição acadêmica muito clara, apresenta diferentes perspectivas de inteligibilidade – História positivista, dos Annales, marxista e das análises macroeconômicas, Nova História, e de composições, que se complementam freqüentemente, a partir de diferentes formas de definição e de organização dos eixos de análise: temática – História política, História social, História econômica, História cultural; geopolítica – História do Brasil, História da América, História da Europa, História do Extremo Oriente, etc.; cronológica – Antigüidade, Idade Média, Idade Moderna, Idade Contemporânea, Tempo Presente, etc.; espacial – global, nacional e regional. Essa característica suscita, de imediato, uma questão de alguma complexidade: qual História utilizar como referência acadêmica para se contrastar com o saber a ensinar? Outra questão refere-se ao movimento que articula os saberes e que, para Chevallard, é prioritariamente descendente: do saber acadêmico ao saber escolar. Allieu (1995, p. 152), ao discutir a transposição didática no âmbito da História, questiona essa visão, afirmando que “a relação entre o saber ensinado e as noções ‘científicas' correspondentes produzidas na academia é mais ascendente do que descendente: mais do que uma transposição, nós preferimos falar de uma interpelação.” Quem é responsável por essa atribuição de sentido na história escolar? O professor de História que, para isso, não segue um modelo predefinido, geral ou estrutural que oriente a transposição: a história escolar é reinventada em cada aula, no contexto de situações de ensino específicas, onde interagem as características do professor (e onde também são expressas as disposições oriundas de uma cultura profissional), dos alunos e aquelas da instituição (aí podendo ser considerada tanto a escola como o campo disciplinar), características essas que criam um campo de onde emerge a disciplina escolar. Esses atores estão imersos no mundo, ou seja, numa sociedade dada, numa época dada, em que as subjetividades expressam e configuram representações que, por sua vez, interferem na definição das opções que orientam os sentidos atribuídos aos acontecimentos (Allieu, 1995, p. 153-4). Assim, Allieu prefere falar em interpelação, e não transposição, porque para atribuir sentido ao que ensina, o professor recorre ao saber acadêmico, em suas diferentes escolas e matrizes teóricas, para buscar subsídios que lhe permitam produzir versões coerentes com seus pontos de vista, e que tenham uma base de legitimidade dentro do campo. Aliás, no saber escolar encontramos muito mais uma síncrese de diferentes matrizes teóricas do que filiações definidas a determinadas correntes. Além do mais, lembra Moniot, diferentemente da Matemática e da Biologia, a História tem como principal aplicação ser comunicada, divulgada, questão essa que tem ressonância tanto na referência como na transposição. A História é fonte de referência e está presente em várias dimensões e espaços da vida social atual, as chamadas “práticas sociais de referência” (Martinand, 1986). Ela não é apenas um objeto, um relato do passado dos homens, ela é uma linguagem partilhada e uma prática. Para tantos usos e finalidades contribui a história acadêmica, ou as práticas sociais de referência, ou a história escolar? Ou todas contribuem? Se estas finalidades não são explicitadas nos objetivos do seu ensino, que muitas vezes apresentam formulações mais “nobres” e “politicamente corretas”, elas estão presentes assim mesmo. Elas permitem compreender, então, como a História escolar tem diferentes referências muito reais. Para Moniot, a história escolar não precisa buscar nenhuma prática social de referência: ela própria, no sentido de História vivida, é a primeira dessas práticas sociais. Mas, além disso, a História escolar dialoga com as visões, os textos e as expressões históricas presentes em diferentes e específicas “práticas sociais de referência”: a dos autores, diretores e narrativas de filmes históricos, documentários, programas de televisão, novelas ou peças teatrais; na prática social de curadores de exposições museológicas, artísticas, científicas; dos jornalistas e comentaristas políticos; dos guias de atividades de turismo; nas práticas e discursos das diferentes religiões; nas práticas cotidianas dos diferentes grupos sociais, entre eles o familiar, e que servem de referência e dialogam com o saber acadêmico na constituição do saber escolar, chegando à escola através dos diferentes meios de comunicação, dos alunos, dos professores e de seus pais. Além disso, as dimensões axiológica e política têm uma importância significativa na constituição da História escolar que não pode ser desconsiderada. Perspectivas diferentes implicam ênfases, negações, ocultamentos ou denúncias que têm profundas implicações na versão efetivamente ensinada. Esse autor reconhece, portanto, a existência de uma história escolar que possui três principais referências, e não apenas a História acadêmica: • a história acadêmica , da qual ela toma problemas e inteligibilidades e de onde retira sua legitimidade; • um conjunto de valores que dá sentido à vida coletiva e que inspira a socialização pela escola; ninguém ensina publicamente a História sem motivo, não se contam as coisas simplesmente porque elas pertencem ao passado. Mesmo aqueles que denunciam uma mitologia ou ideologia possuem outra proposta para a substituir; • a cultura que é transmitidapela História, em três sentidos: o que ela transmite faz parte do senso comum e da experiência geral das relações humanas, com seu vocabulário e categorias, o código semântico e referências sociais correntes; ela é portadora de uma cultura política, no sentido mais amplo, e de uma cultura cultivada, constituída a partir de uma freqüentação qualitativa de lugares do passado (Moniot, 1993, p. 24-33). Assim, para Moniot, “a História escolar é uma enorme e polivalente lição de coisas sociais, morais e intelectuais. Ela pode insuflar tanto a conformidade como o distanciamento, a continuidade e a reavaliação. Terreno complexo para a definição de aprendizagens específicas” (1993, p. 35). Essas considerações, baseadas no texto de Moniot (1993) e de Allieu (1995) oferecem uma perspectiva bastante interessante e fértil para a análise da história escolar. No Brasil, vivemos nas três últimas décadas do século XX, um processo de renovação da pesquisa histórica extremamente rico, que propiciou o rompimento de verdades estabelecidas e iluminou aspectos desconhecidos de nosso passado. Essa renovação se comunicou ao ensino, expressando- se no movimento de reforma curricular que sacudiu e mobilizou professores dos diferentes estados e depois do país, nos últimos quinze anos. No contexto do processo de abertura política, após vinte anos de ditadura militar, as propostas para o ensino de História foram, inicialmente, muito marcadas por uma militância que, de uma fase inicial de ataque aos aspectos reprodutivistas da escola, passou a vê-la e ao seu ensino como os instrumentos da transformação social, senão da revolução. Com isso, o ensino assumiu uma perspectiva quase proselitista, em que a denúncia das situações de exploração ocupava grande espaço nas aulas, com o objetivo de “conscientizar o cidadão” através da superação de concepções de mundo ideologicamente configuradas, ideologia considerada na concepção marxista de falsa consciência. Muitas vezes esta postura gerou, por parte dos professores, atitudes voluntaristas e autoritárias voltadas para a afirmação de determinadas verdades e rejeição de saberes e práticas dos alunos, vistos como expressão de alienação. Conclusão (Programa 1) Sem perder a dimensão política e de formação da cidadania, fundamental para o ensino de História, e presente em qualquer ato educativo, cabe considerar as reflexões de Moniot quanto à relação complexa e profunda do ensino de História com a cultura, de forma ampla, e com a memória coletiva. Elas nos fazem perceber que a relação da educação realizada em espaços formais com aquela efetivada em espaços não formais, que acontece de forma difusa, independentemente da ação docente, é uma possibilidade de diálogo fértil e enriquecedor para professores e alunos. Acredito que estas considerações nos ajudam a melhor compreender tantas dificuldades vividas por alunos e professores, no dia-a-dia do seu trabalho. Ao mesmo tempo, abrem novas perspectivas para pensar, com mais humildade, alternativas para o nosso fazer, e para que estejamos mais abertos para ouvir os alunos e seus saberes, para que juntos possamos avançar na superação do senso comum. Se o trabalho for realizado com abertura para ouvir o outro e desenvolvendo a razão crítica, estaremos contribuindo para auxiliar nossos alunos a compreender a historicidade da vida social, com os seus riscos e suas possibilidades. PROGRAMA 2 MEMÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA Um novo olhar sobre o passado e o futuro se elabora sob as pressões do presente vivido. A partir do presente, a visão do passado se altera e age sobre a visão e a produção do futuro. (Reis, 1994) Como em toda discussão sobre um determinado tema, existem diferentes “portas de entrada” para participar do debate em torno da relação que pode ser estabelecida entre Memória e ensino de História. Essas entradas dependem do lugar do qual falamos, dos nossos olhares, dos nossos interesses, das nossas escolhas políticas, das utopias pelas quais lutamos. O que ensinamos nas aulas de História tem alguma relação com Memória? Aparentemente simples e mesmo óbvia, essa questão exige, portanto, algumas reflexões e posicionamentos prévios. Reflexão, em primeiro lugar, sobre a própria razão de ser deste tipo de questionamento isto é, sobre o próprio contexto histórico no qual essa questão é formulada, que permite explicar a centralidade, nas últimas duas décadas, da temática da memória e sua relação com a história, e, conseqüentemente, também com o seu ensino. Esse esforço de contextualização é importante, na medida em que nos leva a explicitar o que estamos chamando de memória e como percebemos sua articulação com essa área de conhecimento. Em seguida, trata-se de pensar sobre o papel desempenhado pela memória no processo de construção dos saberes históricos escolares e na relação que os sujeitos envolvidos – professores/as e alunos/as – estabelecem com esses saberes ensinados e aprendidos. A memória na berlinda Memória e História são formas de “visitar” o passado, que durante muito tempo, no âmbito da trajetória de construção desta disciplina – seja na sua versão acadêmica, seja na versão escolar e, em particular, no que se refere à História Nacional – tenderam a serem confundidas. Essa (con)fusão já estava presente no momento da própria emergência deste campo disciplinar no século XIX, na medida em que a sua constituição pode ser explicada e justificada pela necessidade de elaboração de uma memória nacional que pudesse garantir e legitimar a consolidação dos Estados nacionais modernos. Com efeito, o período que vai do século XIX até as primeiras décadas do século XX correspondeu ao apogeu da História-memória , da História Nacional, na qual memória, nação e história eram percebidas através de uma relação de "circularidade complementar, uma simbiose em todos os níveis: científicos, pedagógico, teórico e prático" (Nora, 1993). Essa história-memória, a despeito das particularidades de cada contexto, desempenhou um papel central na constituição do nacional e, por conseguinte, da construção do sentimento de pertencimento a essa marca identitária. A história e o seu ensino se apresentavam, dessa forma, como guardiãs importantes da identidade nacional concebida até então como um elemento unificador e homogeneizador das diferenças regionais, políticas, sociais e culturais consideradas indispensáveis para a construção e manutenção dos Estados-Nacionais modernos. Até época relativamente recente não havia, pois, espaço para o questionamento ou problematização desta forma de significar esse tipo de relação. Como entender, então, as citações acima? Em que momento e por que razão essas duas formas de se relacionar com o passado se distanciaram e tenderam a se opor de tal maneira que hoje alguns estudiosos chegam a afirmar não apenas o distanciamento mas o próprio desaparecimento de um desses pólos? Expressões como “apagamento da memória” ou “enfraquecimento da historicidade” (Jameson, 1997) são comuns nos dias de hoje, indicando uma mudança considerável na forma de conceber essa relação. Essas novas formas de percepção de passado, presente e futuro e da relação entre memória e história não podem ser naturalizadas. Ao contrário, elas foram sendo construídas historicamente. Estudos tendem a mostrar que momentos de simbiose, de autonomia e de (re)fusão aparecem como fases neste processo de construção permanente da relação entre história e memória e refletem uma faceta do equacionamento buscado nos diferentes presentes entre os campos de experiência (passado) e os horizontes de expectativa (futuro). O processo de distanciamento entre memória e história se fez de forma gradativa. A aceleração do ritmo das mudanças geradas a partir doadvento da modernidade só fez acirrar este processo de distanciamento, fazendo-o chegar ao ponto convulsivo que marca esta passagem de século, onde o esgarçamento dos fios das tramas que se tecem entre passado e futuro situa-nos em um presente que se apresenta como um mero simulacro, no qual memórias e projetos, tradição e utopia perdem o sentido. Uma breve incursão na trajetória da construção da História Nacional nos oferece algumas chaves de leitura para a compreensão desse processo, no qual História-nação, memória nacional e identidade nacional passam a serem vistas, elas próprias, como objetos de investigação para o historiador. A história deixa de se confundir com a história da nação, a memória nacional passa a ser apenas uma modalidade de memória entre outras tantas memórias coletivas. Por volta dos anos 30 do século passado, no campo da historiografia, em particular da historiografia francesa, a nação deixa de ser o quadro unitário que encerraria a consciência da coletividade, libertando-se dessa forma de sua identificação nacional. Memória, História e Nação assumem uma autonomia em relação ao período precedente. O objeto de investigação privilegiado pelos historiadores deixa de ser o passado glorioso da nação e centra-se sobre a própria sociedade, abrindo espaço para a emergência de outras memórias particulares e coletivas. Este movimento de passagem da memória para a história obriga cada grupo a redefinir a sua identidade pela revitalização da sua própria história. É como se ocorresse uma verdadeira implosão da história nacional, da história-memória, dando origem a uma pluralidade de memórias particulares que reclamam a sua própria história. Em síntese, esta fase poderia ser resumida pela dilatação, democratização, descentralização e multiplicação da memória e se insere num contexto histórico específico marcado pelas crises do nosso presente. Todavia, se de um lado este momento é apresentado como um momento de agudização do processo de distanciamento de história e memória, de outro, é nele também que emerge, a partir dos anos 80, a possibilidade do novo, de uma nova síntese – os lugares de memória – cuja proposta é a (re) aproximação destes dois conceitos a partir de novas bases. O conceito de lugares de memória cumpriria justamente esta função mediadora entre o mundo dos mortos e o mundo do vivos. Eles nascem e vivem do sentimento de que não há mais memória espontânea, defendem algo ameaçado e pertencem a dois domínios: o da memória espontânea e o da memória alcançada pela história. Nesta perspectiva os lugares de memória são "restos", "rituais de uma sociedade sem rituais”, "sinais de reconhecimento e de pertencimento de um grupo numa sociedade que só tende a conhecer indivíduos", "um vai e vem entre memória e história" "um jogo de memória e história" (Nora, 1993) no qual esses usos sociais do passado são considerados diferentes, mas nem por isso dicotômicos. A memória como fonte e/ou objeto de pesquisa permanece um conceito central para o campo da História, exigindo tomadas de posição frente a essas diferentes concepções. A construção da história nacional e o seu ensino não podem deixar de enfrentar, hoje, as tensões entre memória e história. Sem confundi-las nem tampouco ignorá-las, surgem leituras plurais do passado nacional orientadas pelos interesses em disputa. A memória não é mais monopólio de um grupo e sim um campo de lutas política e cultural, onde lembrar e esquecer depende de quem comemora e memoriza e dos interesses que estão em jogo no presente em que a relação com o passado é estabelecida. Saberes históricos escolares: entre o dever de memória e a reflexão crítica Se a disciplina “história” (matéria de ensino ou domínio de pesquisa) está particularmente exposta aos solavancos da história viva, é porque ela coloca em questão a identidade coletiva, e mais precisamente a identidade nacional (Colliot-Thélène, 1997). Em que medida essas mudanças na forma de apreensão da relação entre memória e história e suas implicações para pensar a questão das identidades podem influenciar o ensino de História? A citação acima deixa transparecer que essas influências são inevitáveis e diretamente relacionadas à função social dessa disciplina. Como já mencionado, tanto a História produzida por pesquisa acadêmica como a História ensinada nas escolas de educação básica são vistas como portadoras de uma missão formadora, pedagógica, muito forte e estreitamente relacionada com a construção de identidades individual, social e cultural dos cidadãos. Atualmente, entre os objetivos mais apontados para o estudo desta disciplina se encontram os de reconstruir memórias coletivas, sejam elas nacionais ou de um grupo social e cultural mais restrito, de formar cidadãos críticos, e de explicar ou dar um sentido ao presente em que se vive. Como professores de História, enfrentamos no cotidiano das nossas aulas as implicações decorrentes dessas tensões inerentes à natureza do conhecimento histórico e que estão diretamente vinculadas à forma privilegiada de equacionarmos memória e projeto, passado e futuro no processo de reelaboração didática. Esse processo diz respeito tanto à seleção dos conteúdos históricos a serem ensinados, das tramas a serem narradas, quanto à escolha dos sujeitos envolvidos, enfim, das memórias coletivas que servem de fonte para a história contada, interpretada, ensinada nas salas de aula desta disciplina. Nesse sentido, o que ensinamos hoje nas nossas aulas está fortemente imbricado com a questão das memórias coletivas, incluindo a memória nacional, sem, no entanto, se confundir com elas. Que estratégias discursivas o ensino dessa disciplina mobiliza, contribuindo para que nos tornemos brasileiros? Que campos de experiência e que horizontes de expectativa interagem na narrativa histórica nacional da atualidade, possibilitando entrever o significado de "estar sendo" brasileiro nas diferentes práticas discursivas dos alunos e professores? Como articular – no ensino da História do Brasil, por exemplo – a necessidade tanto de garantir a transmissão de uma memória nacional legitimada como a de desenvolver a reflexão crítica sobre essa mesma memória, condição imprescindível para fazer emergir novas identidades e possibilidades de representação de brasilidade? Ou, dito de outro modo: Como articular o ensino de uma forma de pensar historicamente e de uma memória já acumulada e consagrada pelas gerações precedentes? Como reelaborar didaticamente capacidade crítica e necessidade de memória? O que está em jogo, aqui, não é apenas a possibilidade de tornar o ensino de História do Brasil ensinável, mas igualmente a necessidade de garantir a sua função formadora no plano cultural e político. Apesar de o Estado Nacional não poder ser mais considerado como o principal e único fator dos destinos dos povos e de ser necessário reconhecer o enfraquecimento dos laços de lealdade a uma cultura nacional – vista como homogênea e estável –, a “possibilidade de um ensino de História totalmente liberado do esquema nacional” (Colliot-Thélène, 1997). Diferentes presentes históricos constroem diferentes narrativas de História nacional e do povo brasileiro. Em cada uma delas, diferentes passados são lembrados e ou esquecidos e diferentes futuros são sonhados. Caberá a cada professor de História selecionar os conteúdos a serem ensinados, ingredientes de uma intriga possível – acontecimentos, sujeitos, concepção de tempo, conceitos, etc. – de forma a permitir a emergência de uma diversidade de narrativas da brasilidade, contribuindo para a construção de um Brasil mais plural e inclusivo. O desafio é pois, saber como usar essas armas da narratividadehistórica a favor da inclusão das diferenças (de posições, de perspectivas, de identidades) na interpretação histórica. PROGRAMA 3 LUGARES DE MEMÓRIA Produção de saberes nos lugares de memória Educar para cidadania Nos dias de hoje, muito se tem discutido e comentado sobre educação. Em reuniões de professores, em escolas, em universidades e em outros espaços sociais – mídia, jornais, rodas de amigos etc. – são pensados e repensados caminhos para a educação brasileira. Paralelamente, impõe-se a importância de se educar para a cidadania. Mas de que tipo de cidadania estamos falando? E que tipo de educação desejamos para se chegar a essa cidadania? Qual o papel da escola, da universidade, dos professores e dos espaços educativos não-formais nessa educação para a cidadania? A função primordial da educação é formar cidadãos capazes de gerir sua própria História, função contrária aos interesses neoliberais. Sendo assim, acreditamos que a educação deva formar cidadãos autônomos, capazes de atuar como leitores, consumidores e agentes críticos no mundo. Memória, museu e escola “Hoje, a função da memória é o conhecimento do passado que se organiza. Ordena o tempo, localiza cronologicamente. Na aurora da civilização grega, ela era vidência e êxtase.” (Bosi, Memória e sociedade, 1979, p. 89)” A função da memória hoje é o conhecimento do passado. Porém, conceituar memória é crucial, complexo e nos levaria a um trabalho sem fim. É importante, então, minimamente, entendermos que um dos meios de se chegar aos problemas do tempo e da história é através do estudo da memória social e são os espaços ditos de memória, onde se pretende preservar o passado para auxiliar a entender e participar do presente, que nós iremos abordar neste texto. A escola é o espaço formal da construção/transmissão do conhecimento, existindo pois, outros espaços de saber que também educam – espaços não-formais de educação – que são os museus, arquivos, programas de televisão e/ou rádio (educativos ou apenas de lazer), filmes, peças de teatro, músicas, espaços de exposições etc. Todos esses lugares – como os museus, arquivos etc. – possuem cultura própria, ou seja, apresentam determinadas especificidades. O museu é um espaço social particularmente diferente da escola. Segundo Marandino (2000), são espaços marginais de educação, daí esta autora nos afirmar a necessidade de se construir uma pedagogia museográfica, ou seja, uma pedagogia dos museus. Estes são espaços fundamentais de educação não-formal. Nos últimos anos, alguns pesquisadores estão se dedicando ao estudo das possibilidades e caminhos educacionais nos museus de ciência. Tais estudos estão se estendendo aos museus de história, antropologia e ciências afins. Em todos eles percebemos a necessidade de se construir e/ou aprimorar uma pedagogia museográfica pautada e adaptada em conceitos de transposição didática ou de recontextualização. Segundo Marandino, alguns autores têm procurado diferenciar escolas e museus frisando as particularidades de cada um desses espaços educativos. Essa autora apresenta um quadro-síntese (2000, p. 202) baseado em algumas diferenças propostas por Allard et alii (1996). Fizemos uma nova diagramação para apresentar tal quadro. Para entendê-lo, relaciona-se quanto ao: - objeto: na escola, deve instruir e educar; já nos museus deve recolher, conservar, expor e estudar; - cliente: na escola ele é cativo e estável, por outro lado, no museu é livre e passageiro; - atividade: fundada no livro e na palavra na escola; já no museu, fundada no objeto; - programa: na escola é imposto, pode fazer diferentes interpretações da lei, mas deve ser fiel a ela; no museu, as exposições são próprias ou itinerantes e suas atividades pedagógicas dependem de sua coleção; - tempo: na escola, de um ano; no museu de 1 a 2 horas. Urge que cada vez mais a escola use esses espaços educativos alternativos, através das visitas pedagógicas e das ações de parcerias. É preciso que inovemos em nossas aulas, que utilizemos outros espaços além daqueles da escola. A aula reprodutiva reduz o aluno, não permite a formação de sua autonomia, já que apresenta modelos prontos, repetitivos e descolados de sua vivência real. Aprender é construir e reconstruir o conhecimento, elaborando e exercendo a autonomia de sujeito histórico. Crianças e jovens devem ser partícipes ativos de sua sociedade, gerando a transformação social e política da mesma. Logo, precisamos reinventar a escola comprometida com uma cidadania participativa e democrática, ampliando e vencendo os seus próprios “muros”. Como já vimos, a escola e o museu têm diferentes propostas e são diferentes espaços educacionais. A escola é o espaço privilegiado de aquisição do saber hegemônico. É o lugar central como espaço de educação. Já no espaço do museu se produz um saber próprio, o saber museal. Logo, a relação dos sujeitos com a produção e aquisição do saber no museu também é diferente. Daí, a necessidade de serem criados modelos pedagógicos próprios. Ainda segundo Marandino, no Brasil, existem diversos programas educacionais proporcionados pelos museus de ciência, em parceria com as escolas, e poderíamos agrupá-los em: • Programas de atendimentos a visitas escolares, por exemplo: no Museu de Astronomia e Ciências Afins – MAST/CNPq (Rio de Janeiro), no Museu da Vida da FIOCRUZ (Rio de Janeiro) e na Estação Ciência da USP (São Paulo); • Programas de Formação de Professores: no Espaço Ciência de Olinda (Pernambuco), no Museu de Ciência e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, dentre outros; • Programas de Produção de Material para Empréstimo: nos Museus de Zoologia, de Anatomia Veterinária e de Oceanografia da USP etc. Conclusão (Programa 3) Segundo Marandino (2000), não se trata de opor o museu à escola, mas de definir as especificidades relacionadas ao lugar, ao tempo e aos objetos no espaço do museu, o que é essencial e que deve ser incluído na formação de educadores numa didática de museu. Nesse sentido, penso que poderíamos, com as suas devidas proporções e particularidades, ampliar esse entendimento não só para os museus, como para outros espaços educativos não-formais em geral, como o de exposições, arquivos públicos, centros culturais etc. Quando os professores procuram os museus querem e desejam encontrar um lugar alternativo à aprendizagem, além de se depararem com temas apresentados de forma interdisciplinar. Isto é fundamental para que possamos pensar que precisamos ampliar a parceria dos museus com as universidades, secretarias municipais e estaduais para a realização de cursos de formação de professores em todos os níveis. PROGRAMA 4 ESPAÇOS PÚBLICOS DE MEMÓRIA Sons de tambores na nossa memória – o ensino de história africana e afro-brasileira A aprovação da Lei n. 10.639 de 9 de janeiro de 2003, que tornou obrigatório o ensino de História da África e da História dos africanos nas escolas de todo o país, além de atender a uma antiga e justa reivindicação, trouxe uma série de conseqüências para o ensino desta área/disciplina em sua totalidade e para a formação dos profissionais que atuam no magistério, em especial aqueles desta área específica – a História. Estaremos lidando com uma matéria-prima fascinante e delicada: os diversos matizes da nossa formação cultural, a memória dos nossos ancestrais e, especialmente, suas heranças, tão longamente invisibilizadas. Todo o cuidado será sempre pouco para não resvalarmos pelas trilhas aparentemente fáceis do maniqueísmo, da simplificação e da folclorização. Vamos pensar, então, na prevenção destes perigosos males que podem enfraquecer nossa percepção e nos distanciar dos nossosobjetivos. Alguns destes cuidados podem parecer óbvios, mas muitas vezes o aparentemente óbvio merece ser re-visto e re-visitado , para refletirmos sobre ele. Cuidados a serem tomados: • Os africanos e seus descendentes nascidos da diáspora no Novo Mundo (as Américas, incluindo o Brasil) eram seres humanos, dotados de personalidade, desejos, ímpetos, valores. Eram também seres contraditórios, dentro da sua humanidade. Tinham seus interesses, seu olhar sobre si mesmos e sobre os outros. Tinham suas experiências de vida – vinham muitas vezes de sociedades nãoigualitárias nem equânimes na África ou nasciam aqui em plena escravidão. Não há como uniformizar atitudes, condutas e posturas e idealizarmos um negro sempre ao lado da justiça e da solidariedade. O que podemos e devemos ressaltar são os exemplos destes valores de humanidade, presentes em muitos, e injustamente negados e tornados invisíveis pela sociedade dominante, durante tanto tempo. Mas sugerimos, veementemente, evitar dividir o mundo em ‘brancos maus' e ‘negros bons', o que não ajuda a percebermos o caráter complexo dos grupos humanos. A idéia é valorizar o positivo, mas sem idealizar. Toda a atenção é necessária e o exercício permanente que fazemos de ouvir pessoas e valorizar saberes não nos deve eximir de estarmos atentos às armadilhas do senso comum. E no mais, deixemo-nos encantar pela história africana e afro-brasileira, porque, como bem sabemos, a aprendizagem se dá pela rota da sensibilidade, e nada melhor que a via do afeto para (re)ver preconceitos. Esta é a perspectiva amorosa de trabalho que valorizamos: que inclui respeito à diferença, que convoca e se propõe à participação, e que atua cooperativa e solidariamente. PROGRAMA 5 ESPAÇOS EDUCATIVOS NÃO-FORMAIS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES Para além do formar professores, dialogar com as experiências vividas Com o avanço da modernidade capitalista, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX, a ciência e a técnica passaram a agir em conjunto, tentando controlar, racionalizar, medir, comprovar, avaliar as ações humanas. Acabaram almejando fazer do homem um produto objetivo, negando- lhe a historicidade e a capacidade de produção autônoma, gerando a racionalidade técnica instrumental. A técnica associou-se ao fazer e a ciência ao como fazer . A técnica não se resume à invenção e ao uso de instrumentos; caracteriza-se por uma intencionalidade, ou seja, há uma predeterminação na elaboração e usos da técnica, justificável a partir da necessidade de aperfeiçoamento das ações humanas. As artes de fazer, as técnicas, estão divididas em diferentes aspectos e princípios. Por um lado, estão voltadas para aqueles que explicam tudo pela técnica, as chamadas ciências exatas e, por outro, para aqueles que relativizam determinados aspectos, ou percebem que nem tudo é possível de ser explicado tecnicamente, que são as ciências humanas. Num tempo em que já não era possível manter-se assentada na idéia de um destino natural, de uma leitura “providencialista da realidade”, a educação, como ciência, foi se tornando cada vez mais dependente das condições sociais, culturais, políticas e econômicas vigentes. Dessa forma, ocorreu uma nítida divisão entre os produtores e os consumidores do conhecimento produzido. Em muitos casos, ocorreu a mecanização do pensamento, a tentativa de negação do mundo das experiências vividas. O conhecimento em geral e, especialmente, o conhecimento do professor foi sendo reduzido à técnica. Houve grande preocupação com a objetividade do conhecimento produzido e, assim, foi separado do significado humano, deixando de ser analisado, questionado e negociado para se tornar administrado e dominado. Visando atender aos ditames da hierarquia, da cientificidade e da racionalidade técnica instrumental, os cursos de formação de professores foram sendo organizados para formar um professor ideal, ou “bom” professor, dentro de um modelo pré-concebido com o desenvolvimento de determinadas competências para o exercício técnico-profissional. Esse tipo de formação pragmática, simplificadora e prescritiva acaba sendo de abrangência restrita, pois prepara o prático, o tecnólogo, isto é, aquele que faz, mas não conhece os fundamentos do fazer. Então, são definidas normas, regras, formas de fazer, que serão transmitidas ao futuro professor. A este futuro professor vai sendo ensinado “o que deve fazer, o que deve pensar, o que deve evitar para adequar a situação educativa ao modelo proposto” (ESTEVE, 1991, p.118). Para atingir o perfil ideal de professor , inicialmente, deverá ocorrer a construção de um cabedal de conteúdos capaz de “dotá-los de recursos oriundos de um componente científico-cultural, para assegurar o conhecimento do conteúdo a ensinar e um componente psicopedagógico, para aprender a atuar eficazmente na sala de aula” (MONTEIRO, 2002, p. 11). Além do componente científicocultural, a formação inicial nestes moldes deverá dotar os futuros professores de um saber-fazer prático que conduza ao desenvolvimento de esquemas de ação que, adquiridos de forma racional e fundamentada, permitam aos professores desenvolverem-se e agirem em situações complexas de ensino. Portanto, a formação da racionalidade técnica está assentada no entendimento de que a escola é um campo de aplicação. O professor-profissional da educação foi sendo transformado em um ser apolítico – sem envolvimento, sem participação, sem poder de decisão e ainda sem instrumental científico – apresentou-se de maneira peculiar na formação dos professores de Estudos Sociais no Brasil, durante as décadas de 1970 e 1980. Nesse período, o professor foi submetido a um treinamento generalizante e superficial, o que conduziria fatalmente a uma deformação e a um esvaziamento de seu instrumental científico, de modo que não havia necessidade em fornecer-lhe elementos que permitissem analisar e compreender a realidade que o cercava. Ele também não precisava refletir e pensar, deveria apenas aprender a transmitir (FENELON, 1994). O importante para ser um bom professor era dominar o como fazer e não o que fazer, ou para que fazer. As atividades do professor acabavam tornando-se instrumentais, de treinamento, baseadas na aquisição de competências e habilidades, voltadas para a aplicação de teorias e técnicas. O que impede a racionalidade técnica de se concretizar plenamente é que as situações de ensino, por um lado, são incertas, únicas, variáveis, complexas e portadoras de conflitos de valores na definição das metas e na seleção dos meios; por outro lado, não existe uma teoria científica única e objetiva, que permita uma identificação unívoca de meios, regras e técnicas a utilizar na prática, uma vez identificado o problema e clarificadas as metas. A perspectiva da racionalidade técnica é simplista ao conceber o professor apenas como um canal de transmissão de saberes produzidos por outros. Conhecendo as lutas, as experiências do passado, os sujeitos se instrumentalizam, passam a ter esperança na mudança, na utopia como algo que está se fazendo e não que virá de qualquer forma. Deste modo, as professoras e professores, ao buscarem suas memórias e experiências vividas, passam a ser sujeitos do processo, sentem-se produtores, participantes. Para ocorrer essa passagem do “formar” ao fazer-se professora ou professor é necessário pensar o ato educacional como um campo de possibilidades, com uma história que está aberta, por se fazer, e não como algo pronto, fechado, determinado, no qual falam, expõem e os alunos ouvem e repetem. Assim, ocorreriam diálogos entre diferentes saberes. Não podemos esquecer que o fazer-se dos professores e professoras se dá num processo relacional, ou seja,constrói-se na interação com os outros, isto é, com os professores universitários, os colegas de trabalho, os alunos, com os autores dos livros, com a comunidade escolar, ou ainda, outros situados em diferentes espaços da produção de saberes: na troca de experiências, no diálogo constante é que ocorre a feitura profissional do professor. Esse processo, portanto, dá-se de maneira social e nunca individual; e, em sendo social, não pode ser homogêneo. Neste sentido, para irmos além de dados modelos de “formação” de professores precisamos pensar este sujeito – professor – como um todo, ou seja, um sujeito com experiências vividas que precisam ser ouvidas e, assim, desenvolvermos outras práticas de formação que possibilitem a ocupação de outros espaços para além da universidade e da escola como lugares de formação. Cabem aqui alguns exemplos, que podem contribuir para que os professores se façam ao desenvolver suas atividades educativas nos chamados espaços não formais de formação, ao ocuparem museus, casas de cultura, centros de memória e tantos outros e desenvolverem outras práticas formativas que os possibilitem tornarem-se sujeitos autores e atores de suas práticas, deixando de ficar à mercê do conhecimento que outros produzem, rompendo com a dicotomia produção/reprodução, ou produção/transmissão. Os professores em formação devem realizar seus estágios em diferentes espaços de produção cultural e guarda de memórias, pois acredita-se que as relações entre os diferentes sujeitos, considerando-se as experiências vividas como ponto de partida, possibilitarão a construção de novas práticas escolares. 2º SEMANA À 5º SEMANA – AULAS 1 A 8 DO LIVRO Aula 1: Civilização e cultura Ensinar, mais do que passar conteúdos e informações, é apresentar possibilidades de compreensão do mundo. Quando você ensina algo ao seu aluno, mais do que este algo, ele está aprendendo a lidar com uma novidade. Ele é impelido a interagir mentalmente com elementos dos quais ignorava a existência ou a lógica. A História é uma janela para o mundo. Ela nos permite conhecer múltiplas formas de vida social e nos ajuda a identificar, em nossos comportamentos atuais, traços que são oriundos de outras épocas e outros lugares. Com ela, “viajando” por ela, é mais fácil abrir os olhos para o desconhecido e sensibilizar a inteligência para a compreensão das diferenças que compõem a vivência social. “Viajar” pela História pode torná-lo mais tolerante e, portanto, mais capaz de compreender que o mundo é, e sempre foi, formado por uma quantidade muito grande de experiências sociais. Quando falamos de História do Ocidente, estamos nos referindo àquilo que foi escrito pelos historiadores. Civilização e cultura são, como conceitos, dois importantes instrumentos de análise da História. Civilizar-se é tornar-se cível, ou seja: aquele que vive na cidade e compartilha de suas regras. A palavra cidadania também é um desenvolvimento desse mesmo radical. Portanto, podemos concluir que civilizar-se é uma maneira de participar da vida social das cidades, observando as suas regras e desfrutando dos seus benefícios. A palavra civilização, então, indica sociedades que atingiram alto grau de sociabilização e de desenvolvimento. Quando falamos de cultura, raramente levamos em conta o trabalho na terra, a agricultura. Porém, é importante partir daí, pois este foi o sentido original da palavra. Cultura da vinha, cultura do trigo são apenas alguns dos exemplos. Assim, podemos dizer que a nossa sobrevivência está intimamente ligada a um esforço de criação e reprodução. Transforme a idéia de terra em indivíduo e você terá uma interessante compreensão sobre as pessoas bem informadas e com escolarização. Elas são cultas, porque foram cultivadas. Receberam tratamento especial. Foram alimentadas e estimuladas a pensar e a gerar frutos. Você, professor, é um agricultor. Cuida para que seus alunos cresçam e floresçam, assim como o homem do campo se dedica ao crescimento das suas culturas agrícolas. É desta analogia que vem a nossa insistente utilização do adjetivo “culto” para caracterizar pessoas bem informadas e instruídas. Cultivo do espírito. Por extensão, cultura torna-se o que de material e espiritual é produzido por um grupo social. Assim, nossos hábitos sociais, as músicas, as religiões, as construções, a língua etc. formam a cultura de uma sociedade. Como você leu na definição do Aurélio, cultura é o conjunto de características humanas que não são inatas; portanto, não nasceram com o homem, mas foram por ele criadas, desenvolvidas e transformadas na própria comunicação social. O conceito de civilização, para o historiador, pressupõe ao menos três premissas A primeira está diretamente ligada ao movimento: é preciso haver transformação para que um povo atinja a civilização. A experiência histórica, com as conseqüentes transformações que ela provoca, acarreta uma série de mudanças que tendem para o melhor – melhor no sentido de superior. Um povo que povo não domina a técnica de fabricação de utensílios de metal encontra- se num grau de desenvolvimento inferior quando comparado a um povo que domina essa técnica. Isso nos leva à segunda premissa: a civilização implica hierarquia. Há nações superiores e outras inferiores. Há aquelas que devem e podem dominar o mundo, assim como há aquelas que devem ser dominadas, para que possam aprender, com as primeiras, os segredos e os caminhos do desenvolvimento. Esta premissa esteve na base de justificativa dos movimentos de colonização. Na verdade, a hierarquia define-se em função do aprimoramento técnico e intelectual que as sociedades apresentam num dado momento da sua história. A terceira premissa está relacionada a um olhar geral: o conceito de civilização minimiza as diferenças. Ele está mais preocupado em perceber o que há de comum entre os povos do que em salientar a importância de compreender as diferenças entre eles. Para os historiadores e outros cientistas sociais, cultura é um conceito muito abrangente e que também apresenta algumas premissas. Pode-se dizer que cultura é tudo aquilo que foi transformado pelo homem. A segunda premissa de cultura está relacionada ao particular: é o conceito que dá atenção especial às diferenças, à identidade particular dos grupos. A cultura é um produto de determinada vivência social. Assim, num mesmo país, você encontra vários grupos culturais distintos. A terceira premissa que vamos destacar no conceito de cultura é a não-hierarquização. Uma cultura é uma cultura, e basta! Ela não precisa ser comparada ou confrontada com outras para merecer tal designação. A conseqüência salutar desta premissa está no fato de que todas as manifestações culturais são legítimas em si e, por isso, podem informar sobre os grupos que as praticam, além de dispensarem a idéia de desenvolvimento e de hierarquia. Civilização ou cultura? Esta é uma pergunta que pode receber respostas conflitantes. É preciso, antes de tudo, definir quais objetivos norteiam o trabalho de pesquisa e de ensino. Se você pretende falar para os seus alunos da condição de trabalho no Império Romano, é justo utilizar-se do conceito de civilização, pois você estará criando um panorama, com aquilo que foi comum a todos os trabalhadores do império. Mas se você pretende estudar e ensinar aos seus alunos a respeito dos grupos que primeiramente aceitaram e adotaram o cristianismo como religião, você estará tratando de cultura, pois pretende destacar uma determinada experiência social. Concluindo, o historiador trabalha com conceitos. Eles são os seus instrumentos de análise. Os conceitos de civilização e cultura abrem possibilidades diferentes para compreensão e explicação das experiências
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