Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Junho/2017 Sessões de 1º a 30 de junho de 2017 70 número 2 Junho de 2017 Compilação dos Informativos nos 868 a 870 O Informativo por Temas apresenta todos os resumos de julgamentos divulgados pelo Informativo STF concluídos no mês a que se refere e é organizado por ramos do Direito e por assuntos. SUMÁRIO Direito Administrativo Contratação Temporária Professor substituto e contratação temporária Servidor Público Jornada de trabalho reduzida e legislação específica Promoção funcional retroativa nas nomeações por ato judicial Direito Constitucional Competência Legislativa Meio ambiente e poluição: competência municipal Orçamento ADPF e expropriação de recursos administrados pelo poder público estadual Princípio da Igualdade Cotas raciais: vagas em cargos e empregos públicos e mecanismo de controle de fraude Processo Legislativo Interpretação do art. 62, § 6º, da CF e limitação do sobrestamento Direito Penal Colaboração Premiada Homologação de acordo de colaboração premiada e limites de atuação do relator Direito Processual Civil Suspensão Processual Repercussão geral: suspensão processual e prescrição Direito Processual Penal Competência Início de investigação e conexão Prevenção Colaboração premiada: prevenção e conexão Prisão Preventiva Súmula 691/STF e supressão de instância Prisão preventiva e excesso de prazo Prisão preventiva e destruição de provas Prova Crime achado e justa causa Sentença Absolutória Falsidade ideológica e ausência de dolo 3 Direito Tributário Taxas Base de cálculo de taxa de fiscalização e funcionamento e número de empregados 4 DIREITO ADMINISTRATIVO Contratação Temporária Professor substituto e contratação temporária É compatível com a Constituição Federal a previsão legal que exija o transcurso de 24 (vinte e quatro) meses, contados do término do contrato, antes de nova admissão de professor temporário anteriormente contratado. Com base nesse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Tema 403 da repercussão geral, por unanimidade, deu provimento a recurso extraordinário para denegar a ordem de mandado de segurança e declarar a constitucionalidade do art. 9º, III, da Lei 8.745/1993 (1). O dispositivo veda a contratação de professor substituto com contrato ainda vigente ou finalizado há menos de dois anos na mesma modalidade. Para o Tribunal, a Lei 8.745/1993, que dispõe sobre a contratação temporária, demonstra de forma expressa recaírem as hipóteses de contratação sobre atividades de caráter permanente, como a contratação de professores. No entanto, o fato de a necessidade ser temporária, sobretudo nos casos em que a atividade é contínua, não garante, por si só, que, ao término de determinado contrato, nova contratação se realize, caso a necessidade temporária persista. A impossibilidade de prorrogação não impede que os já contratados também possam participar de nova seleção. Tal situação traz, porém, um inegável risco. O servidor admitido sob regime temporário pode, ainda que por meio de um novo processo seletivo, ser mantido em função temporária, transformando-se em ordinário o que é, por sua natureza, extraordinário e transitório. O dispositivo legal questionado visa a mitigar esse risco com a consequência – restritiva do ponto de vista dos direitos fundamentais – de diminuir a competitividade, excluindo candidatos potenciais à seleção. Essa medida, no entanto, é necessária e adequada para preservar a impessoalidade do concurso público. Admitida a legitimidade, a necessidade e a impessoalidade na cláusula de barreira imposta pelo art. 9º, III, da Lei 8.745/1993, caberia perguntar se ela é, de fato, proporcionalmente ajustada. A resposta dada pelo Poder Judiciário deve, contudo, assumir uma deferência ao Poder Legislativo. Em situações como essa, cabe ao Poder Judiciário reconhecer ao legislador margem de conformação para elencar qual princípio deve prevalecer. Assim, não configura ofensa à isonomia a previsão legal de proibição, por prazo determinado, de nova contratação de candidato já anteriormente admitido em processo seletivo simplificado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. (1) Lei 8.745/1993: “Art. 9º O pessoal contratado nos termos desta Lei não poderá: (...) III - ser novamente contratado, com fundamento nesta Lei, antes de decorridos 24 (vinte e quatro) meses do encerramento de seu contrato anterior, salvo nas hipóteses dos incisos I e IX do art. 2o desta Lei, mediante prévia autorização, conforme determina o art. 5o desta Lei”. RE 635648/CE, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 14.6.2017. (Informativo 869, 2ª Turma) 5 Servidor Público Jornada de trabalho reduzida e legislação específica A Segunda Turma, por unanimidade, concedeu a segurança para anular acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) no ponto relativo a irregularidades na fixação de jornada de trabalho diária reduzida para ocupantes de cargos de analista judiciário - especialidades medicina e odontologia que não exerçam função de confiança ou cargo em comissão, mantendo vigentes os parâmetros adotados no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região (TRT20). No caso, o TRT20 fixou a jornada de trabalho dos servidores ocupantes dos cargos de analista judiciário, área apoio especializado, especialidades medicina e odontologia em quatro e seis horas diárias (vinte e trinta horas semanais), respectivamente, devendo o servidor designado para exercer cargo em comissão ou função de confiança cumprir a jornada integral de trabalho estabelecida para os demais servidores do órgão regional. O TCU, por sua vez, concluiu pela existência de irregularidades na prestação ordinária de contas dos gestores do TRT20, entre elas a jornada de trabalho reduzida para aqueles analistas. Diante disso, determinou que o referido tribunal trabalhista fixasse a jornada de trabalho dos servidores médicos e odontólogos em consonância com o regime jurídico estabelecido pela Lei 11.416/2006, c/c o art. 19 da Lei 8.112/1990 (1). A Turma destacou que o Supremo Tribunal Federal já assentou, em precedente específico (2), que a jornada diária de trabalho do médico servidor público é de quatro horas, nos termos do Decreto-Lei 1.445/1976 e da Lei 9.436/1997 (à época, posteriormente revogada pela Lei 12.702/2012) – normas que regulamentam o tema. Diante da existência de legislação específica (ainda que não trate categoricamente dos servidores do Poder Judiciário) disciplinando a matéria em discussão, aplica-se o princípio da especialidade da lei, o que afasta a observância da regra geral inserta no caput do art. 19 da Lei 8.112/1990. O Colegiado também pontuou que idêntico raciocínio deve ser adotado acerca da jornada de trabalho dos analistas judiciários da área de odontologia, mas sem equiparar essa situação à dos analistas judiciários da área de medicina, ante a necessidade de observância do princípio da legalidade. De fato, para os odontólogos, há regramento distinto que instituiu jornada de trabalho reduzida [Decreto-Lei 2.140/1984, art. 6º (3)]. Por fim, ressaltou que essa conclusão não contempla servidores analistas judiciários — especialidades medicina ou odontologia — ocupantes de cargo em comissão e função comissionada, cujo respeito à jornada integral de trabalho já foi substancialmente firmado pela Corte em outras ocasiões. (1) Lei 8.112/1990: “Art. 19. Os servidorescumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente”. (2) MS 25.027/DF, DJ de 1º.7.2005. (3) Decreto-Lei 2.140/1984: “Art. 6º Fica extinto o regime de trabalho de 40 (quarenta) horas semanais em relação às categorias funcionais mencionadas no artigo 5º, permanecendo o de 30 (trinta) horas semanais”. MS 33853/DF, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 13.6.2017. (Informativo 869, 2ª Turma) Promoção funcional retroativa nas nomeações por ato judicial A nomeação tardia de candidatos aprovados em concurso público, por meio de ato judicial, à qual atribuída eficácia retroativa, não gera direito às promoções ou 6 progressões funcionais que alcançariam houvesse ocorrido, a tempo e modo, a nomeação. Com base nessa orientação, o Plenário, apreciando o Tema 454 da repercussão geral, por unanimidade, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia o direito à promoção funcional retroativa de candidatos nomeados por ato judicial. No caso, candidatos aprovados em concurso para o cargo de defensor público do Estado de Mato Grosso impetraram mandado de segurança voltado ao reconhecimento do direito à nomeação. O pleito foi acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em sede de recurso ordinário. Os declaratórios formalizados pelos participantes do certame lograram êxito. Assim, todos os direitos inerentes ao cargo, inclusive financeiros, foram reconhecidos em caráter retroativo à data final do prazo de validade do concurso. O STJ, em novos declaratórios, esclareceu o alcance dos direitos. Entendeu ser devido o cômputo do tempo de serviço a partir da expiração da validade do certame, bem assim, a título indenizatório, o equivalente às remunerações que teriam sido percebidas a contar daquele marco até a entrada em exercício no cargo. Deixou de reconhecer o direito às promoções funcionais, pois envolveriam, como requisito, não apenas o decurso do tempo, mas o atendimento a critérios previstos na Constituição Federal e na Lei Orgânica da Defensoria do Mato Grosso. Contra esse pronunciamento, foi interposto recurso extraordinário. O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) salientou que a controvérsia se resume em definir a pertinência das promoções funcionais – independentemente da submissão e do sucesso no estágio probatório – de candidatos aprovados em concurso público que tiveram assegurada judicialmente a nomeação, com efeitos retroativos, em razão da prática de ato da Administração. Não se questiona a natureza do ato formalizado pelo Poder Público, se lícito ou ilícito. Tampouco se discute o direito à nomeação, bem assim à indenização equivalente às remunerações que deixaram de ser pagas e à contagem retroativa do tempo de serviço, presente o retardamento da nomeação. Debate-se, tão somente, o direito às promoções sob os ângulos funcional e financeiro. A Corte pontuou, ainda, que a promoção ou a progressão funcional – a depender do caráter da movimentação, se vertical ou horizontal – não se resolve apenas mediante o cumprimento do requisito temporal. Pressupõe a aprovação em estágio probatório e a confirmação no cargo, bem como o preenchimento de outras condições indicadas na legislação ordinária. Diante disso, asseverou que, uma vez empossado no cargo, cumpre ao servidor atentar para todas as regras atinentes ao respectivo regime jurídico, incluídas as concernentes ao estágio probatório e as específicas de cada carreira. Assim, somente considerado o desempenho do agente, por meio de atuação concreta a partir da entrada em exercício, é possível alcançar a confirmação no cargo, bem como a movimentação funcional, do que decorreriam a subida de classes e padrões, eventual alteração na designação do cargo ou quaisquer outras consequências funcionais. RE 629392 RG/MT, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 8.6.2017. (Informativo 868, Plenário, Repercussão Geral) 7 DIREITO CONSTITUCIONAL Competência Legislativa Meio ambiente e poluição: competência municipal O Município tem competência para legislar sobre meio ambiente e controle da poluição, quando se tratar de interesse local. Com esse entendimento, o Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se debateu a competência dos Municípios para legislar sobre proteção do meio ambiente e controle da poluição. Cuida-se, na espécie, de recurso extraordinário contra acórdão de tribunal estadual que, ao julgar apelação em mandado de segurança, reconheceu a legitimidade de legislação municipal com base na qual se aplicaram multas por poluição do meio ambiente, decorrente da emissão de fumaça por veículos automotores no perímetro urbano (vide Informativos 347, 431 e 807). O Colegiado, preliminarmente e por decisão majoritária, conheceu do recurso. Entendeu viável a utilização de mandado de segurança, uma vez ter sido impugnado, no caso, ato concreto fundado na legislação municipal, cuja alegada não recepção pelo ordenamento constitucional vigente é objeto de controvérsia no recurso. Vencido, no ponto, o ministro Dias Toffoli, que reputou extinto o mandado de segurança e, subsequentemente, prejudicado o recurso. Aduziu não caber mandado de segurança contra lei em tese (1). No mérito, o Plenário considerou que as expressões “interesse local”, do art. 30, I, da Constituição Federal (CF), e “peculiar interesse”, das Constituições anteriores, se equivalem e não significam interesse exclusivo do Município, mas preponderante. Assim, a matéria é de competência concorrente (CF, art. 24, VI), sobre a qual a União expede normas gerais. Os Estados e o Distrito Federal editam normas suplementares e, na ausência de lei federal sobre normas gerais, editam normas para atender a suas peculiaridades (2). Por sua vez, os Municípios, com base no art. 30, I e II, da CF (3), legislam naquilo que for de interesse local, suplementando a legislação federal e a estadual no que couber. Vencidos os ministros Cezar Peluso, Eros Grau e Gilmar Mendes, que proveram o recurso. Asseveraram que a matéria de fundo diz respeito ao art. 22, XI, da CF (4). (1) Enunciado 266 da Súmula do STF: “Não cabe mandado de segurança contra lei em tese.” (2) Constituição Federal/1988: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição. § 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.” (3) Constituição Federal/1988: “Art. 30. Compete aos Municípios: I – legislar sobre assuntos de interesse local; II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.” (4) Constituição Federal/1988: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XI – trânsito e transporte. RE 194704/MG, rel. orig. Min. Carlos Velloso, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgamento em 29.6.2017. (Informativo 870, Plenário) 8 Orçamento ADPF e expropriação de recursos administrados pelo poder público estadual O Plenário do Supremo TribunalFederal, por maioria, deferiu parcialmente liminar em ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), para suspender, até o julgamento de mérito, os efeitos de todas as decisões judiciais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) e do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT1) que tenham determinado o arresto, o sequestro, o bloqueio, a penhora ou a liberação de valores das contas administradas pelo Estado do Rio de Janeiro, para atender a demandas relativas a pagamento de salários, a satisfação imediata de créditos de prestadores de serviços e tutelas provisórias definidoras de prioridades na aplicação de recursos públicos, exclusivamente nos casos em que estas determinações tenham recaído sobre recursos escriturados, com vinculação orçamentária específica ou vinculados a convênios e operações de crédito, valores de terceiros sob a administração do Poder Executivo e valores constitucionalmente destinados a municípios, devendo, ainda, ser devolvidos os recursos que ainda não tenham sido repassados aos beneficiários dessas decisões judiciais. Preliminarmente, o Tribunal reconheceu a legitimidade ad causam ativa do governador do Estado do Rio de Janeiro para o ajuizamento da ação, nos termos dos arts. 2º, I, da Lei 9.882/1999 (1) e 103, V, da Constituição Federal (2). A Corte, por maioria, também reputou cabível a ADPF, que tem por objeto, na forma do art. 1º, caput, da Lei 9.882/1999, evitar ou reparar lesões a preceitos fundamentais resultantes de “atos do Poder Público que determinam a expropriação de recursos administrados pelo Poder Executivo estadual”. Nesse sentido, citou a orientação fixada no julgamento da ADPF 33/PA (DJ de 27.10.2006), que afirma não se configurar lesão a preceito fundamental apenas quando verificada possível afronta a um princípio fundamental, tal como assente na ordem constitucional, mas também quando observada ofensa a regras que confiram densidade normativa ou significado específico a esse princípio. O Colegiado aduziu que a ADPF desempenha, no conjunto dos mecanismos de proteção da higidez da ordem constitucional, função específica de evitar, à falta de outro meio eficaz para tanto, a perenização no ordenamento jurídico de comportamentos estatais – ostentem eles ou não a natureza de atos normativos – contrários a um identificável núcleo de preceitos – princípios e regras – tidos como sustentáculos da ordem constitucional estabelecida. Consignou que, sem risco de vulgarizar o conteúdo do núcleo essencial merecedor da proteção singular da ADPF, pode-se afirmar que o descumprimento de preceito fundamental acionador do mecanismo de defesa da ordem constitucional [art. 102, § 1º, da CF (3)] se manifesta na contrariedade às linhas mestras da Constituição, àquilo que, mesmo não identificado com esta ou aquela fração do texto positivado, tem sido metaforicamente chamado, por escolas do pensamento jurídico, de seu espírito, pilares de sustentação, explícitos ou implícitos, sem os quais a ordem jurídica delineada pelo Poder Constituinte, seja ele originário ou derivado, ficaria desfigurada na sua própria identidade. A própria redação do art. 102, § 1º, da CF, ao aludir a preceito fundamental “decorrente desta Constituição”, é indicativa de que esses preceitos não se restringem às normas expressas no seu texto, incluindo também prescrições implícitas, desde que revestidas dos indispensáveis traços de essencialidade e fundamentalidade. Sustentou, nesse sentido, parecer restarem poucas dúvidas de que a lesão ao postulado da separação e independência entre os Poderes, ao princípio da igualdade ou 9 ao princípio federativo, considerada a centralidade da posição por eles ocupada no complexo deontológico e político consubstanciado na Constituição, desfigura a própria essência do regime constitucional pátrio. O mesmo pode ser dito quanto à garantia de continuidade dos serviços públicos, na medida em que estes assumem, no regime previsto na Carta de 1988, instrumentos particularmente relevantes de distribuição de direitos materiais subjetivos, notadamente os de natureza prestacional. Observou, no entanto, que é preciso reconhecer a dificuldade em se incluir, entre os preceitos fundamentais da ordem constitucional, normas veiculadoras de opções políticas relativas a determinados arranjos financeiros e orçamentários, caso dos invocados “princípios e regras do sistema orçamentário” [art. 167, VI e X, da CF (4)], e “regime de repartição de receitas tributárias” [arts. 34, V (5); 158, III e IV (6); 159, §§ 3º e 4º (7); e 160 da CF (8)] e da alusão à “garantia de pagamentos devidos pela Fazenda Pública em ordem cronológica de apresentação de precatórios” [art. 100 da CF (9)]. Nada obstante, reconheceu que tais aspectos têm relação com a efetividade do modelo de organização da Administração Pública preconizado pela Lei Maior e, em alguma dimensão, com a interação entre os Poderes e a dinâmica do modelo federativo. Tendo isso em conta, a Corte reputou enquadrar-se a controvérsia, tal como apresentada, em hipótese de lesão a preceitos fundamentais indicados na inicial. Registrou, ademais, que, em certo sentido, a tutela sobre o descumprimento de preceito constitucional alcança um universo de comportamentos estatais mais amplo do que o de inconstitucionalidade, a abranger a lesão à Constituição resultante de “ato do Poder Público” outro que não apenas a “lei ou ato normativo”, sempre que traduza efetivo e material descumprimento da Constituição. Citou, no ponto, o que decidido na ADPF 101/DF (DJE de 4.6.2012) e na ADPF 144/DF (DJE de 26.2.2010). Concluiu que o conjunto de decisões do TJRJ e do TRT1 analisado amolda-se ao conceito de ato do poder público passível de impugnação pela via da ADPF e considerou demonstrada, ao menos em juízo delibatório, a insuficiência dos meios processuais ordinários para imprimir solução satisfatória à controvérsia objeto da ADPF [Lei 9.882/1999, art. 4º, § 1º (10)]. Ressaltou, ainda, não ter o condão de elidir o cabimento da ADPF o deferimento das medidas liminares requeridas no MS 34.483/RJ (DJE de 1º.12.2016) e na Rcl 25.581/RJ (DJE de 25.11.2016), em que tratada a questão relativa ao repasse do duodécimo orçamentário do Poder Judiciário fluminense para fins de pagamento de salários e subsídios de servidores e magistrados. Tais decisões estão contidas no escopo da ADPF, cujo objeto, no entanto, é mais amplo e abrange contrições de receitas que objetivam atender, além de determinações de imediato pagamento de salários de servidores estaduais ativos e inativos (objeto das liminares citadas), a satisfação imediata de créditos de prestadores de serviços e o cumprimento imediato de tutelas provisórias que estabelecem prioridades políticas para a aplicação de recursos públicos. Quanto ao pedido de liminar, o STF esclareceu, de início, ser o pano de fundo das decisões judiciais impugnadas na presente ADPF a notória situação de grave dificuldade econômica e financeira pela qual passa o Estado do Rio de Janeiro, especialmente ante as mudanças ocorridas no mercado petrolífero mundial, a sensível redução na receita dos royalties da exploração do petróleo, a grave crise pela qual passa a Petrobras e toda a sua cadeia de produção, e a desaceleração da economia, com a consequente redução das receitas tributárias do Estado. Consignou que os documentos trazidos aos autos apontam que as sucessivas expropriações de numerário existente nas contas do Estado do Rio de Janeiro, para saldar os valores fixados nas decisões judiciais, têm alcançado recursos de terceiros, 10 escriturados contabilmente, individualizados ou com vinculação orçamentária específica.Essas determinações judiciais de bloqueio, penhora, arresto, sequestro e liberação de verbas públicas alteram a destinação orçamentária dos recursos públicos, remanejando-os de uma categoria de programação para outra, sem prévia autorização legislativa. Por isso, pelo menos aparentemente, são dificilmente conciliáveis com as vedações contidas no art. 167, VI e X, da Constituição da República. A aparente usurpação de competências constitucionais reservadas ao Poder Executivo (exercer a direção da Administração) e ao Poder Legislativo (autorizar transposição, remanejamento ou transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro) sugere configurada, na hipótese, provável lesão aos arts. 2º (11); 84, II (12); e 167, VI e X, da Carta Política. O Tribunal, por fim, asseverou ser passível de tutela jurisdicional a realização de políticas públicas, sobretudo para atender mandamentos constitucionais e assegurar direitos fundamentais. No entanto, a subtração de qualquer margem de discricionariedade do chefe do Poder Executivo na execução das despesas sugere haver indevida interferência do Poder Judiciário na administração do orçamento e na definição das prioridades na execução de políticas públicas, em conflito com o disposto nos arts. 2º e 84, II, da Carta Política, o que suscita preocupações também sob o prisma da harmonia entre os Poderes. Além de comprometer a autonomia administrativa do Estado, por retirar do chefe do Poder Executivo os meios essenciais à alocação de recursos financeiros, a proliferação de decisões judiciais que determinam constrições imediatas, em descompasso com o cronograma de desembolso orçamentário, parece colocar alguns credores em situação mais vantajosa do que outros em igual condição fática e jurídica, quebrando a isonomia. Reputou presente, portanto, o fumus boni iuris e devidamente preenchido o requisito do periculum in mora em face do elevado risco de comprometimento do patrimônio e das receitas correntes do Estado do Rio de Janeiro. Vencidos os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. O ministro Marco Aurélio, preliminarmente, entendeu pelo não cabimento da arguição e, no mérito, votou pela improcedência dos pedidos. O ministro Ricardo Lewandowski concedeu parcialmente a liminar em menor extensão. (1) Lei 9.882/1999: “Art. 2o Podem propor arguição de descumprimento de preceito fundamental: I - os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade”. (2) Constituição Federal/1988: “Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (...) V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal”. (3) Constituição Federal/1988: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (...) § 1.º A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei”. (4) Constituição Federal/1988: “Art. 167. São vedados: VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa; (...) X - a transferência voluntária de recursos e a concessão de empréstimos, inclusive por antecipação de receita, pelos Governos Federal e Estaduais e suas instituições financeiras, para pagamento de despesas com pessoal ativo, inativo e pensionista, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. (5) Constituição Federal/1988: “Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (...) V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que: a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior; b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei”. (6) Constituição Federal/1988: “Art. 158. Pertencem aos Municípios: (...) III - cinquenta por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus territórios; IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação”. (7) Constituição Federal/1988: “Art. 159. (...) § 3º Os Estados entregarão aos respectivos Municípios vinte e cinco por cento dos recursos que receberem nos termos do inciso II, observados os critérios estabelecidos no art. 158, 11 parágrafo único, I e II. § 4º Do montante de recursos de que trata o inciso III que cabe a cada Estado, vinte e cinco por cento serão destinados aos seus Municípios, na forma da lei a que se refere o mencionado inciso”. (8) Constituição Federal/1988: “Art. 160. É vedada a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos, nesta seção, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, neles compreendidos adicionais e acréscimos relativos a impostos. Parágrafo único. A vedação prevista neste artigo não impede a União e os Estados de condicionarem a entrega de recursos: I – ao pagamento de seus créditos, inclusive de suas autarquias; II – ao cumprimento do disposto no art. 198, § 2º, incisos II e III”. (9) Constituição Federal/1988: “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim”. (10) Lei 9.882/1999: “Art. 4o A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator, quando não for o caso de arguição de descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta. § 1o Não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”. (11) Constituição Federal/1988: “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. (12) Constituição Federal /1988: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal”. ADPF 405 MC/RJ, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 14.6.2017. (Informativo 869, Plenário) 1ª Parte: 2ª Parte: 1ª Parte: 2ª Parte: 3ª Parte: Princípio da Igualdade Cotas raciais: vagas em cargos e empregos públicos e mecanismo de controle de fraude É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente o pedido formulado em ação declaratória de constitucionalidade em que se discutia a legitimidade da Lei federal nº 12.990/2014. A norma reserva aos candidatos que se autodeclararem pretos ou pardos 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos e empregos públicos. Prevê também que, na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão, após procedimentoadministrativo. A lei ainda dispõe que a nomeação dos candidatos aprovados respeitará os critérios de alternância e proporcionalidade, que consideram a relação entre o número de vagas total e o número de vagas reservadas a candidatos com deficiência e a candidatos negros (vide Informativo 864). Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) enfrentou a questão das cotas raciais em três planos de igualdade, tal como compreendida na contemporaneidade: a) formal; b) material; e c) como reconhecimento. A igualdade formal impede a lei de estabelecer privilégios e diferenciações arbitrárias entre as pessoas, isto é, exige que o fundamento da desequiparação seja razoável e que o fim almejado seja compatível com a Constituição. No caso analisado, o fundamento e o fim são razoáveis, motivados por um dever de reparação histórica e por 12 circunstâncias que explicitam um racismo estrutural na sociedade brasileira a ser enfrentado. Quanto à igualdade material, o Colegiado observou que o racismo estrutural gerou uma desigualdade material profunda. Desse modo, qualquer política redistributivista precisará indiscutivelmente assegurar vantagens competitivas aos negros. Enfatizou, em relação à igualdade como reconhecimento, que esse aspecto identifica a igualdade quanto ao respeito às minorias e ao tratamento da diferença de um modo geral. Significa respeitar as pessoas nas suas diferenças e procurar aproximá-las, igualando as oportunidades. A política afirmativa instituída pela Lei 12.990/2014 tem exatamente esse papel. Frisou haver uma dimensão simbólica importante no fato de negros ocuparem posições de destaque na sociedade brasileira. Além disso, há um efeito considerável sobre a autoestima das pessoas. Afinal, cria-se resistência ao preconceito alheio. Portanto, a ideia de pessoas negras e pardas serem símbolo de sucesso e ascensão e terem acesso a cargos importantes influencia a autoestima das comunidades negras. Ademais, o pluralismo e a diversidade tornam qualquer ambiente melhor e mais rico. O STF concluiu que a lei em análise supera com facilidade o teste da igualdade formal, material e como reconhecimento. Afastou a alegada violação ao princípio do concurso público. Afinal, para serem investidos em cargos públicos, os candidatos negros têm de ser aprovados em concurso público. Caso não atinjam o patamar mínimo, sequer disputarão as vagas. Observou que apenas foram criadas duas formas distintas de preenchimento de vagas, em razão de reparações históricas, sem abrir mão do critério mínimo de suficiência. Rejeitou a apontada violação ao princípio da eficiência. Registrou ser uma visão linear de meritocracia a ideia de que necessariamente os aprovados em primeiro lugar por um determinado critério sejam absolutamente melhores que os outros. Tal conceito já havia sido rechaçado pelo ministro Ricardo Lewandowski no julgamento da ADPF 186/DF (DJE de 20.10.2014), segundo o qual a noção de meritocracia deve comportar nuances que permitam a competição em igualdade de condições. Afirmou haver um ganho importante de eficiência. Afinal, a vida não é feita apenas de competência técnica, ou de capacidade de pontuar em concurso, mas, sim, de uma dimensão de compreensão do outro e de variadas realidades. A eficiência pode ser muito bem-servida pelo pluralismo e pela diversidade no serviço público. A Corte também não vislumbrou ofensa ao princípio da proporcionalidade. A demanda por reparação histórica e ação afirmativa não foi suprida pelo simples fato de existirem cotas para acesso às universidades públicas. O impacto das cotas raciais não se manifesta no mercado de trabalho automaticamente, pois há um tempo de espera até que essas pessoas estudem, se formem e se tornem competitivas. Ademais, seria necessário supor que as mesmas pessoas que entraram por cotas nas universidades estariam disputando as vagas nos concursos. Reputou que a proporção de 20% escolhida pelo legislador é extremamente razoável. Se essa escolha fosse submetida a um teste de proporcionalidade em sentido estrito, também não haveria problema, porque 20%, em rigor, representariam menos da metade do percentual de negros na sociedade brasileira. Quanto à autodeclaração, prevista no parágrafo único do art. 2º da Lei federal 12.990/2014, o Supremo asseverou que se devem respeitar as pessoas tal como elas se percebem. Entretanto, um controle heterônomo não é incompatível com a Constituição, 13 observadas algumas cautelas, sobretudo quando existirem fundadas razões para acreditar que houve abuso na autodeclaração. Assim, acrescentou que é legítima a utilização de critérios subsidiários de heteroidentificação para concorrência às vagas reservadas. A finalidade é combater condutas fraudulentas e garantir que os objetivos da política de cotas sejam efetivamente alcançados, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e assegurados o contraditório e a ampla defesa. Citou, como exemplos desses mecanismos, a exigência de autodeclaração presencial perante a comissão do concurso, a apresentação de fotos e a formação de comissões com composição plural para entrevista dos candidatos em momento posterior à autodeclaração. A reserva de vagas vale para todos os órgãos e, portanto, para todos os Poderes da União. Os Estados e os Municípios não estão obrigados por essa lei, mas serão consideradas constitucionais as leis estaduais e municipais que adotarem essa mesma linha. Quanto aos critérios de alternância e proporcionalidade na nomeação dos candidatos, o Plenário exemplificou a forma correta de interpretar a lei. No caso de haver vinte vagas, quatro seriam reservadas a negros, obedecida a seguinte sequência de ingresso: primeiro colocado geral, segundo colocado geral, terceiro colocado geral, quarto colocado geral, até que o quinto convocado seria o primeiro colocado entre os negros, e assim sucessivamente. Dessa forma, evita-se colocar os aprovados da lista geral primeiro e somente depois os aprovados por cotas. Os ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli consignaram que a lei é constitucional apenas quanto ao provimento inicial dos cargos e empregos públicos. Após o ingresso na carreira, o sistema de cotas não deve ser usado na ascensão interna, a qual se dá mediante concursos internos de promoção e remoção com critérios específicos, determinados pela Constituição, de antiguidade e merecimento. Os ministros Edson Fachin e Luiz Fux entenderam que o art. 4º da Lei 12.990/2014 se projeta não apenas na nomeação, mas em todos os momentos da vida funcional dos servidores públicos cotistas, tais como remoção e promoção. O ministro Roberto Barroso (relator) esclareceu que a questão da promoção não foi enfrentada porque não consta do pedido nem foi discutida em memoriais. Para o ministro Luiz Fux, por se tratar de política pública calcada no preâmbulo da Constituição Federal, a lei vale para todas as unidades federadas. ADC 41/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 8.6.2017. (Informativo 868, Plenário) 1ª Parte: 2ª Parte: 1ª Parte: 2ª Parte: 3ª Parte: Processo Legislativo Interpretação do art. 62, § 6º, da CF e limitação do sobrestamento O Supremo Tribunal Federal, em conclusão de julgamento e por maioria, denegou a ordem em mandado de segurança impetrado por parlamentares contra decisão do presidente da Câmara dos Deputados em questão de ordem. No ato coator, foi fixada a orientação de que a interpretação adequada do art. 62, § 6º (1), da Constituição Federal (CF) implicaria o sobrestamento apenas dos projetos de lei ordinária, apesar de odispositivo prever o sobrestamento de todas as deliberações legislativas da Casa em que 14 estiver tramitando medida provisória não seja apreciada em 45 dias (vide Informativos 572 e 778). O Colegiado entendeu que a interpretação emanada do presidente da Câmara dos Deputados reflete, com fidelidade, solução jurídica plenamente compatível com o modelo teórico da separação de poderes. Tal interpretação revela fórmula hermenêutica capaz de assegurar, por meio da preservação de adequada relação de equilíbrio entre instâncias governamentais (o Poder Executivo e o Poder Legislativo), a própria integridade da cláusula pertinente à divisão do poder. Nesse contexto, deu interpretação conforme ao § 6º do art. 62 da CF, na redação resultante da Emenda Constitucional 32/2001, para, sem redução de texto, restringir-lhe a exegese. Assim, afastada qualquer outra possibilidade interpretativa, fixou-se entendimento de que o regime de urgência previsto no referido dispositivo constitucional — que impõe o sobrestamento das deliberações legislativas das Casas do Congresso Nacional — refere-se apenas às matérias passíveis de regramento por medida provisória. Excluem-se do bloqueio, em consequência, as propostas de emenda à Constituição e os projetos de lei complementar, de decreto legislativo, de resolução e, até mesmo, de lei ordinária, desde que veiculem temas pré-excluídos do âmbito de incidência das medidas provisórias [CF, art. 62, § 1º, I, II e IV (2)]. Vencido o ministro Marco Aurélio, que concedeu a ordem. Para ele, o dispositivo constitucional em debate é claro no sentido de que a não aprovação de medida provisória após 45 dias deve paralisar toda a pauta, de modo a compelir a Casa Legislativa a se pronunciar de forma positiva quanto à aprovação, ou de forma negativa, considerado o teor da medida provisória. (1) Constituição Federal/1988: “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (...) § 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.” (2) Constituição Federal/1988: “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I – relativa a: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; II – que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; (...) IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.” MS 27931/DF, rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 29.6.2017 (Informativo 870, Plenário) 15 DIREITO PENAL Colaboração Premiada Homologação de acordo de colaboração premiada e limites de atuação do relator O Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento conjunto, resolveu questão de ordem e negou provimento a agravo regimental em petição em que se discutiam, respectivamente, os limites da atuação do relator em homologação de colaboração premiada e a distribuição ao ministro Edson Fachin (relator), por prevenção, da Pet 7.003/DF, em razão do Inq 4.112/DF, cujo objeto são fatos relacionados à operação Lava Jato. A questão de ordem foi suscitada pelo relator tendo em conta petição ajuizada pelo governador do Estado de Mato Grosso do Sul e recebida como agravo regimental. O agravante contestou a distribuição por prevenção, e não por sorteio, dos autos em que foram homologados os acordos de colaboração premiada celebrados entre o Ministério Público Federal (MPF) e integrantes de grupo empresarial. Na petição, o governador pretendia o reconhecimento da inexistência de conexão entre os fatos e condutas a ele imputados na Pet 7.003/DF, bem como aqueles apurados no Inq 4.112/DF, e a consequente determinação da livre distribuição do feito. No bojo desse debate, questionou-se o conteúdo dos acordos formalizados entre os colaboradores e o MPF, com destaque para os limites da atuação jurisdicional no instituto em análise e seus reflexos na persecutio criminis, à luz das garantias constitucionais e das normas regulamentadoras previstas na Lei 12.850/2013. Diante disso, a questão de ordem foi submetida à deliberação do Plenário do STF, com base no princípio da segurança jurídica, insculpido no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal (CF). O Plenário, por maioria, resolveu a questão de ordem no sentido de reafirmar — nos limites dos §§ 7º e 11 do art. 4º (1) da Lei 12.850/2013 e incisos I e II do art. 21 (2) do Regimento Interno do STF (RISTF) — a atribuição do relator para, monocraticamente, homologar acordos de colaboração premiada, oportunidade na qual se limita ao juízo de regularidade, legalidade e voluntariedade da avença. Reafirmou, também, a competência colegiada do STF para avaliar, em decisão final de mérito, o cumprimento dos termos bem como a eficácia do acordo. Além disso, consignou que acordo homologado como regular, voluntário e legal gera vinculação condicionada ao cumprimento dos deveres assumidos pela colaboração. Salientou, ainda, que ao órgão colegiado é facultada a possibilidade de analisar fatos supervenientes ou de conhecimento posterior que firam a legalidade, nos termos do § 4º do art. 966 (3) do Código de Processo Civil/2015 (CPC/2015). Inicialmente, a Corte asseverou haver dois pontos em discussão: o poder do relator à luz do RISTF para a homologação do acordo de colaboração premiada, tanto no que concerne ao alcance quanto no que se refere aos limites dos atos; e o momento de aferição do cumprimento dos termos do acordo e sua eficácia. Diante disso, fixou dois nortes: a) os moldes do que foi decidido no HC 127.483/PR (DJE de 4.2.2016), a fim de reafirmar a atribuição do relator como corolário dos poderes instrutórios para ordenar a realização de meios de obtenção de provas, nos termos que lhe são conferidos pelos incisos I e II do art. 21 do RISTF, e, por conseguinte, homologar monocraticamente acordos de colaboração premiada — oportunidade em que se limita ao juízo de regularidade, legalidade e voluntariedade da 16 avença, nos limites do art. 4º, § 7º, da Lei 12.850/2013; e b) o juízo sobre o cumprimento dos termos do acordo de colaboração e sua eficácia, conforme preceitua o art. 4º, § 11, da Lei 12.850/2013. Nesse sentido, frisou que o que se põe ao exame do Colegiado é o momento dessa apreciação, ou seja, o instante da análise de mérito. Essa é a ocasião da prolação da sentença no STF em decisão colegiada, em Turma ou Pleno, etapa em que se confere concretude ao princípio acusatório que rege o processo penal no Estado Democrático de Direito. Destacou, ainda, que atualmente não há mais controvérsia acerca da natureza jurídica do instituto, considerado, em termos gerais, um negócio jurídico processual firmado entre o Ministério Público e o colaborador. Essa característica é representadapelas normas extraídas dos §§ 6º e 7º do art. 4º da Lei 12.850/2013, as quais vedam a participação do magistrado na celebração do ajuste entre as partes e estabelecem os limites de cognoscibilidade dos termos pactuados. Trata-se, portanto, de meio de obtenção de prova cuja iniciativa não se submete à reserva de jurisdição, diferentemente do que ocorre, por exemplo, com a quebra do sigilo bancário ou fiscal e com a interceptação de comunicações telefônicas. Nesse panorama jurídico, as tratativas e a celebração da avença são mantidas exclusivamente entre o Ministério Público e o pretenso colaborador, o que ocorreu no caso concreto. O Poder Judiciário é convocado ao final dos atos negociais apenas para aferir os requisitos legais de existência e validade, com a indispensável homologação. Nesse sentido foram as conclusões sobre a homologação no julgamento do HC 127.483/PR. A Corte destacou, no ponto, que esse provimento interlocutório — o qual não julga o mérito da pretensão acusatória, mas resolve uma questão incidente — tem natureza meramente homologatória, limitando-se ao pronunciamento sobre a regularidade, legalidade e voluntariedade do acordo (art. 4º, § 7º, da Lei 12.850/2013). O juiz, ao homologar o acordo de colaboração, não emite juízo de valor a respeito das declarações eventualmente prestadas pelo colaborador à autoridade policial ou ao Ministério Público, nem confere o signo da idoneidade a seus depoimentos posteriores. Entendimento contrário colocaria em risco a própria viabilidade do instituto, diante da iminente ameaça de interferência externa nas condições acordadas pelas partes, reduzindo de forma significativa o interesse no ajuste. Essa “postura equidistante” do juiz em relação às partes no processo penal informa o citado comando legal que prestigia o sistema acusatório. Se as declarações do colaborador são verdadeiras ou respaldadas por provas de corroboração, esse juízo será feito apenas “no momento do julgamento do processo”, no momento diferido, qual seja, na sentença, conforme previsto no § 11 do art. 4º da Lei 12.850/2013. Nessa etapa, serão analisados os elementos trazidos pela colaboração e sua efetividade. Dessa forma, o Colegiado considerou ser imprescindível chancelar a importância da preservação da segurança jurídica e da própria figura da colaboração premiada como instrumento relevante para coibir delitos, sobretudo contra o erário. Em conclusão quanto ao primeiro ponto discutido, afirmou que, no ato de homologação da colaboração premiada, não cabe ao magistrado, de forma antecipada e extemporânea, tecer juízo de valor sobre o conteúdo das cláusulas avençadas, exceto nos casos de flagrante ofensa ao ordenamento jurídico vigente. Se assim agir, estará interferindo indevidamente na atuação dos órgãos de investigação, porque a celebração 17 do acordo de colaboração premiada não trata de medida submetida à reserva de jurisdição. Repisou que, conforme decidido no julgamento do HC 127.483/PR, o art. 21, I e II, do RISTF confere ao relator poderes instrutórios para ordenar, de forma singular, a realização de quaisquer meios de obtenção de provas. Ressaltou que a natureza jurídica do acordo de colaboração premiada como meio de obtenção de prova é ato inserido nas atribuições regimentais do relator, ainda que os fatos apresentados pelos colaboradores envolvam supostas ações e omissões de ocupante de cargo da Presidência da República, a serem provadas e, se comprovadas, tornadas objeto de processamento de ação penal que compete ao Plenário do STF. Portanto, não há qualquer óbice à homologação do respectivo acordo mediante decisão monocrática. Quanto ao segundo ponto, o Colegiado esclareceu que o ensejo dessa oportunidade se relaciona ao momento para o exercício da aferição do cumprimento dos termos do acordo e da sua eficácia ao que está previsto no § 11 do art. 4º da Lei 12.850/2013. Havendo foro por prerrogativa de função no STF, somente o juízo colegiado — Turma ou Pleno — poderá examinar o recebimento da denúncia e, em caso afirmativo, julgar a respectiva ação penal (RISTF, art. 5º, I). Esse juízo não é do relator, mas do Colegiado, sem embargo, para efeitos ordinatórios e instrutórios, da previsão do art. 21, XV (4), do RISTF. A instauração de inquérito é fase preliminar investigatória, na qual estão as colaborações, que, como meios de obtenção de prova, não são idôneas para se condenar, mas apenas para se ensejar a investigação onde há dúvida a ser dirimida ou indício a ser provado. Por isso, no momento de homologação, o juízo é preliminar e preambular. Somente no julgamento de mérito o Poder Judiciário, autorizado pela lei, poderá definir a extensão da colaboração e analisar o benefício respectivo. A Corte observou, também, que a lei permite ao Judiciário, em fase diferida, após a conclusão da instrução probatória, avaliar se os termos da colaboração premiada foram cumpridos e se os resultados concretos foram atingidos, o que definirá sua eficácia. [Lei 12.850/2013, art. 4º, §§ 9º e 12 (5)] Consignou que a última palavra será sempre do Colegiado, inexistindo quaisquer óbices jurídicos de índole subjetiva ou objetiva aptos a impedir a atuação do relator. O julgamento de mérito será levado a efeito pelo colegiado de juízes do STF ao apreciar os termos e a eficácia do acordo de colaboração. Reside na ambiência inafastável do Pleno a atribuição de juiz natural nos termos da competência deferida pela ordem jurídica, o que não contrasta com os regimentais poderes instrutórios e mesmo cautelares do relator. Salientou, por fim, que o direito subjetivo do colaborador nasce e se perfectibiliza na exata medida em que ele cumpre seus deveres. Estes são condictio sine qua non para que o colaborador possa fruir desses direitos. Nesse contexto, o acordo homologado como regular, voluntário e legal gera vinculação, condicionada ao cumprimento dos deveres assumidos pela colaboração, salvo ilegalidade superveniente apta a justificar nulidade ou anulação do negócio jurídico. Vencidos os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio. O ministro Ricardo Lewandowski divergiu pontualmente. Para ele, na delação premiada, apesar do relevante papel do MPF, a última palavra — não quanto à 18 conveniência e oportunidade da celebração do acordo, mas quanto à legalidade lato sensu da avença — é do Poder Judiciário; neste caso, do juiz relator e também do Plenário, em última análise. Asseverou existirem dois momentos para analisar as cláusulas e condições das delações premiadas. O primeiro, precário e efêmero, é realizado pelo relator, com base no art. 21 do RISTF. Nele se verifica a presença dos requisitos de regularidade, voluntariedade e legalidade. Esta última, no entanto, é empregada em seu sentido amplo. O relator tem o dever de vetar cláusulas que excluam da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direitos; estabeleçam o cumprimento imediato da pena ainda não fixada; fixem regime de cumprimento de pena não autorizado pela legislação em vigor; avancem sobre cláusulas de reserva de jurisdição; determinem o compartilhamento de provas e informações sigilosas sem intervenção da justiça; ou autorizem a divulgação de informações que atinjam a imagem ou a esfera jurídica de terceiros. Em um segundo momento, havendo falha ou dados porventura não examinados na análise perfunctória da legalidade pelo relator, caberá ao Plenário apreciar esses aspectos. A decisão do relator permite que a delação premiada possa efetivar-se no plano da realidade fática, mas, embora importante, não vincula o Plenário no que diz respeito aos aspectosda legalidade lato sensu. Em suma, a última palavra quanto à legalidade e à constitucionalidade das cláusulas e condições ajustadas no acordo de colaboração premiada é do juiz natural, que, nesse caso, é o Colegiado. Para o ministro Gilmar Mendes, a homologação dos acordos de colaboração premiada é de competência do Colegiado, especialmente em casos que envolvam dispensa da denúncia. O acordo de colaboração premiada deve ser admitido, desde que esteja nos limites da Lei 12.850/2013. Compete à Corte realizar o controle efetivo e eficaz dessa legalidade, que tem como limite apenas o espaço conferido pela lei para o juízo de conveniência e oportunidade da acusação e da defesa, mas é poder-dever do juiz aprofundar a avaliação da legalidade do acordo, inclusive quanto à extensão dos benefícios prometidos. Segundo ressaltou, o acordo de colaboração não é simples meio de obtenção de prova, mas um negócio jurídico com efeitos benéficos ao colaborador. Nessa mesma linha, os acordos, que podem envolver redução de penas, não podem vincular o Colegiado, o qual, na fase de julgamento, avaliará apenas sua eficácia. Em alguns casos, é oferecido perdão ao delator, com dispensa de denúncia, o que torna a decisão monocrática ainda mais incompatível com o sistema jurídico caso o processo não seja submetido ao Colegiado. Por fim, o ministro asseverou que a homologação do acordo não tem eficácia preclusiva completa, a afastar totalmente sua revisão, por ocasião do julgamento. Para o ministro Marco Aurélio, os poderes do relator no momento da homologação do acordo de colaboração premiada não deveriam ser tão amplos. Para ele, não compete ao relator avançar e endossar os parâmetros do acordo. Tal faculdade cabe apenas ao órgão que cumprirá o julgamento de eventual ação penal que venha a ser proposta. (1) Lei 12.850/2013: “Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: (...) § 7º Realizado o acordo na forma do § 6º, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o 19 colaborador, na presença de seu defensor. (...) § 11. A sentença apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia.” (2) Regimento Interno do STF: “Art. 21. São atribuições do Relator: I – ordenar e dirigir o processo; II – executar e fazer cumprir os seus despachos, suas decisões monocráticas, suas ordens e seus acórdãos transitados em julgado, bem como determinar às autoridades judiciárias e administrativas providências relativas ao andamento e à instrução dos processos de sua competência, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais não decisórios a outros Tribunais e a juízos de primeiro grau de jurisdição;” (3) Código de Processo Civil de 2015: “Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) § 4º Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.” (4) Regimento Interno do STF: “Art. 21. São atribuições do Relator: (...) XV – determinar a instauração de inquérito a pedido do Procurador-Geral da República, da autoridade policial ou do ofendido, bem como o seu arquivamento, quando o requerer o Procurador-Geral da República, ou quando verificar: a) a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; b) a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; c) que o fato narrado evidentemente não constitui crime; d) extinta a punibilidade do agente; ou e) ausência de indícios mínimos de autoria ou materialidade.” (5) Lei 12.850/2013: “Art. 4º (...) § 9º Depois de homologado o acordo, o colaborador poderá, sempre acompanhado pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do Ministério Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas investigações. (...) § 12. Ainda que beneficiado por perdão judicial ou não denunciado, o colaborador poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial.” Pet 7074 QO/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 21, 22, 28 e 29.6.2017. Pet 7074/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 21, 22, 28 e 29.6.2017. (Informativo 870, Plenário) 1ª Parte: 2ª Parte: 3ª Parte: 4ª Parte: 5ª Parte: 6ª Parte: 7ª Parte: 1ª Parte: 2ª Parte: 3ª Parte: 4ª Parte: 5ª Parte: 6ª Parte: 7ª Parte: 8ª Parte: 9ª Parte: 10ª Parte: 20 DIREITO PROCESSUAL CIVIL Suspensão Processual Repercussão geral: suspensão processual e prescrição O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu julgamento de questão de ordem em recurso extraordinário no qual se discutiam o alcance da suspensão processual preconizada no art. 1.035, § 5º (1), do Código de Processo Civil (CPC) e os seus efeitos sobre os processos penais cuja matéria tenha sido objeto de repercussão geral reconhecida pela Corte. Questionava-se a possibilidade de suspensão – enquanto não julgado o recurso extraordinário paradigma – do prazo prescricional da pretensão punitiva de crimes ou contravenções penais objeto das ações penais sobrestadas. A questão foi suscitada em recurso extraordinário, com repercussão geral reconhecida (Tema 924), que no qual se impugna acórdão que considerou atípica a conduta contravencional do jogo de azar, prevista no art. 50 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/1941) (vide Informativo 867). A Corte, por maioria, acompanhou o voto, ora reajustado, do ministro Luiz Fux (relator). A questão de ordem foi resolvida da seguinte forma: a) a suspensão de processamento prevista no § 5º do art. 1.035 do CPC não consiste em consequência automática e necessária do reconhecimento da repercussão geral realizada com fulcro no caput do mesmo dispositivo, sendo da discricionariedade do relator do recurso extraordinário paradigma determiná-la ou modulá-la; b) a possibilidade de sobrestamento se aplica aos processos de natureza penal; c) neste contexto, em sendo determinado o sobrestamento de processos de natureza penal, opera-se, automaticamente, a suspensão da prescrição da pretensão punitiva relativa aos crimes que forem objeto das ações penais sobrestadas, a partir de interpretação conforme a Constituição do art. 116, I (2), do Código Penal (CP); d) em nenhuma hipótese, o sobrestamento de processos penais determinado com fundamento no art. 1.035, § 5º, do CPC abrangerá inquéritos policiais ou procedimentos investigatórios conduzidos pelo Ministério Público; e) em nenhuma hipótese, o sobrestamento de processos penais determinado com fundamento no art. 1.035, § 5º, do CPC abrangerá ações penais em que haja réu preso provisoriamente; f) em qualquer caso de sobrestamento de ação penal determinado com fundamento no art. 1.035, § 5º, do CPC, poderá o juízo de piso, no curso da suspensão, proceder, conforme a necessidade, à produção de provas de natureza urgente. Asseverou que a suspensão do prazo prescricional para a resolução de questão externa prejudicial ao reconhecimento do crime abrange a hipótese de suspensão do prazo prescricionalnos processos criminais com repercussão geral reconhecida, porquanto a resolução da questão concernente à repercussão. Entendeu que a interpretação conforme a Constituição Federal do art. 116, I, do CP se funda nos postulados da unidade e da concordância prática das normas constitucionais. O legislador, ao impor a suspensão dos processos sem instituir, simultaneamente, a suspensão dos prazos prescricionais, cria o risco de erigir sistema processual que vulnera a eficácia normativa e a aplicabilidade imediata de princípios constitucionais. 21 Além disso, o sobrestamento de processo criminal, sem previsão legal de suspensão do prazo prescricional, impede o exercício da pretensão punitiva pelo Ministério Público e gera desequilíbrio entre as partes. Desse modo, fere a prerrogativa institucional do Parquet e o postulado da paridade de armas, violando os princípios do contraditório e do devido processo legal. Afirmou, ainda, que o princípio da proporcionalidade opera tanto na esfera de proteção contra excessos estatais quanto na proibição de proteção deficiente. No caso, flagrantemente violado pelo obstáculo intransponível à proteção de direitos fundamentais da sociedade de impor sua ordem penal. Observou que a interpretação conforme à Constituição, segundo os limites reconhecidos pela jurisprudência do STF, encontra-se preservada. A exegese proposta não implica violação à expressão literal do texto infraconstitucional, tampouco à vontade do legislador, considerando a opção legislativa que fixou todas as hipóteses de suspensão da prescrição da pretensão punitiva previstas no ordenamento jurídico nacional, qual seja, a superveniência de fato impeditivo da atuação do Estado-acusador. Aduziu que o sobrestamento de processos penais determinado em razão da adoção da sistemática da repercussão geral não abrangerá inquéritos policiais ou procedimentos investigatórios conduzidos pelo Ministério Público. O § 5º do art. 1.035 do CPC prevê apenas a possibilidade de suspensão dos processos pendentes que versarem sobre a questão debatida e tramitarem no território nacional, não ostentando os mencionados expedientes de investigação a natureza jurídica de processo, mas sim de procedimento. Acrescentou que o sobrestamento de processos penais determinado em razão da adoção da sistemática da repercussão geral tampouco abrangerá ações penais em que haja réu preso provisoriamente. Não se mostra admissível, sob pena de ampliação injustificada do período de restrição do direito de liberdade do acusado, que a segregação processual perdure enquanto estiver suspenso o curso da marcha processual e do prazo prescricional concernente às infrações penais cogitadas. Além disso, registrou que, em qualquer caso de sobrestamento de ação penal determinado com fundamento no art. 1.035, § 5º, do CPC, o juízo de piso poderá, a partir de aplicação analógica do disposto no art. 92, “caput”, do Código de Processo Penal (CPP), autorizar, no curso da suspensão, a produção de provas de natureza urgente. Vencidos os ministros Edson Fachin e Marco Aurélio. O ministro Edson Fachin rejeitou a questão de ordem por entender ser necessária lei em sentido formal para que o fenômeno da suspensão seja reconhecido como causa interruptiva da prescrição. O ministro Marco Aurélio assentou a inconstitucionalidade do art. 1.035, § 5º, do CPC por afronta ao art. 5º, XXXV, da CF. Além disso, reputou não ser o referido dispositivo aplicável ao processo-crime, tendo em conta o art. 3º do CPP, por ser com ele incompatível. (1) CPC/2015: “Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo. (...) §5o Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional”. (2) CP/1940: “Art. 116. Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: I - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime”. 22 RE 966177 QO RG/RS, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 7.6.2017. (Informativo 868, Plenário, Repercussão Geral) 1ª Parte: 2ª Parte: 3ª Parte: 23 DIREITO PROCESSUAL PENAL Competência Início de investigação e conexão A Primeira Turma, por maioria, denegou ordem em habeas corpus em que se pretendia revogar a prisão do condenado, ao argumento da incompetência da Justiça Federal de Curitiba/PR para o julgamento de processo-crime relativo aos delitos de estupro de vulnerável e de produção, armazenamento e disseminação de pornografia infanto-juvenil praticados na residência do paciente em São Paulo. O Colegiado pontuou que todas as investigações tiveram início em Curitiba, onde os pedófilos foram presos, a partir das quais foi possível chegar ao paciente e ao site russo pelo qual era disseminada a pornografia infanto-juvenil. Ressaltou que os investigados trocavam informações no eixo Curitiba–São Paulo, o que evidencia a conexão entre os crimes de uns e de outros. Em razão disso, a Turma concluiu não haver ofensa ao princípio do juiz natural. Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que concedeu a ordem para assentar a competência da Justiça Federal de São Paulo, declarando insubsistentes as decisões formalizadas pelo juízo de Curitiba. Asseverou que o fato de informações prestadas em investigação instaurada perante o aludido juízo terem levado ao paciente não foi suficiente para ensejar conexão probatória entre os crimes. HC 135883/PR, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 6.6.2017. (Informativo 868, 1ª Turma) Prevenção Colaboração premiada: prevenção e conexão Quanto à prevenção da relatoria, o Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental. Inicialmente, o Plenário fez uma cronologia da tramitação dos feitos relacionados à operação Lava Jato. Registrou que, nos termos do art. 69 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), as ações e os recursos que tratam de fatos conexos ao objeto da Rcl 17.623/PR foram aglutinados sob a mesma relatoria, entre os quais figuram o Inq 3.883/PR e o Inq 4.112/DF, então distribuídos ao ministro Teori Zavascki. Em razão do falecimento do ministro Zavascki e da posterior opção, por ato da ministra presidente Cármen Lúcia, para integrar a Segunda Turma do STF, o ministro Edson Fachin foi designado, por sorteio, como relator da aludida operação. A redistribuição dos feitos a sua relatoria foi materializada nos autos dos citados inquéritos; pois, à época, a Rcl 17.623/PR já estava arquivada, diante do trânsito em julgado da decisão de mérito. Por isso, tais inquéritos, desde então, vêm sendo utilizados como referência à distribuição por prevenção ao relator dos feitos relacionados à operação Lava Jato, importando afirmar que a correta delimitação do parâmetro de aferição das causas de modificação da competência (conexão e continência) deve ter por referência seus predecessores. Em seguida, teceu considerações acerca do instituto da colaboração premiada, necessárias ao correto desate da controvérsia quanto à prevenção. Nesse sentido, ressaltou que, no seio da avença, o colaborador presta declarações perante a autoridade policial e/ou o 24 Ministério Público com vistas a um ou mais resultados elencados nos incisosdo art. 4º da Lei 12.850/2013. Não raro, como ocorre na hipótese em análise, relata-se mais de um fato delituoso em contextos não necessariamente imbricados. Ponderou que, apesar de a Corte ter decidido, no Inq 4.130 QO/PR (DJE de 3.2.2016), que o juízo homologador do acordo não é, necessariamente, competente para o processamento de todos os fatos relatados, existindo, entretanto, entre esses episódios, ao menos um em que se verifique a presença de conexão com objeto de feito previamente distribuído, faz-se imperiosa a observância da regra prevista no art. 79, caput (1), do Código de Processo Penal (CPP), a demandar a distribuição por prevenção, nos exatos termos do art. 69, caput, do RISTF. Com efeito, verificada a existência de liame de natureza objetiva, subjetiva ou probatória entre o conteúdo de termos de depoimento prestados pelo colaborador e o objeto de investigação em curso, incumbe à autoridade judicial responsável pela supervisão do procedimento investigatório, por força da prevenção, homologar o acordo de colaboração celebrado e adotar, subsequentemente, as providências acerca de cada fato relatado. Tal conclusão resguarda o jurisdicionado dos efeitos da litispendência e da coisa julgada. O Colegiado frisou ser o juízo prevento o detentor de condições mais adequadas para analisar os pontos de contato entre as declarações dos colaboradores e as outras investigações em curso, impondo, se for o caso, a tramitação conjunta. Ressaltou que o pano de fundo da controvérsia está na homologação dos acordos de colaboração premiada celebrados entre integrantes de grupo empresarial e o Ministério Público Federal (MPF). Conforme requerimento ministerial na Pet 7.003/DF, no momento em que submetidos à homologação judicial, noticiou-se a existência, entre os termos de depoimento prestados, de fatos envolvendo autoridades com foro por prerrogativa de função no STF, entre os quais se identificaram procedimentos já distribuídos ao relator com objetos conexos. Salientou que, embora da narrativa exposta pelo MPF não seja possível constatar a prática de atos em detrimento da Petrobras S.A. – parâmetro inicialmente utilizado pela Corte para definir os limites da operação de repercussão nacional (Inq 4.130/PR) e, por conseguinte, a prevenção –, não se verifica qualquer mácula na distribuição do pedido de homologação dos acordos de colaboração. Lembrou, ademais, que a jurisprudência da Corte orienta-se no sentido de ser a fixação da competência de um ministro para relatar causas e recursos um assunto atinente à organização interna do Tribunal e, portanto, indisponível ao interesse das partes. Cuida-se de ato privativo da Presidência do STF, na qualidade de órgão supervisor da distribuição, e, como tal, de mero expediente, a atrair a incidência do art. 504 do Código de Processo Civil. Quanto ao caso em tela, afirmou que, conforme relatório da decisão proferida na Pet 7.003/DF em 18.5.2017, o colaborador, em seus termos de depoimento, relata, entre outros fatos, o sistema de conta-corrente que teria como beneficiário ex-parlamentar. Este, por sua vez, atuaria em favor de grupo empresarial em questões relativas a financiamentos da Caixa Econômica Federal (CEF), especialmente no âmbito do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FI-FGTS). O acordo de colaboração premiada submetido à homologação do STF, por conter menção a autoridades detentoras de foro por prerrogativa, demonstra evidente relação de conexidade com o objeto do Inq 4.266, deflagrado para apurar as condutas supostamente delituosas praticadas pelo então deputado federal em detrimento do FI-FGTS, administrado pela CEF. Considerou, ainda, que, embora o aludido inquérito tenha sido baixado ao primeiro grau de jurisdição, pois o investigado não mais ocupa o cargo que lhe garantia a prerrogativa de foro no STF, o art. 74, § 1º, do RISTF estabelece que “o inquérito ou a ação 25 penal, que retornar ao Tribunal por restabelecimento da competência por prerrogativa de foro, será distribuído ao Relator original”. Em outras palavras, caso o investigado incorra em qualquer das situações jurídicas previstas no art. 102, I, “b” e “c”, da Constituição Federal (CF), os autos devem retornar ao ministro Fachin, na qualidade de sucessor do ministro Teori Zavascki no que toca à cadeia de prevenção estabelecida com a distribuição da Rcl 17.623/DF. Por todas essas razões, o Plenário julgou não se verificar qualquer ilegalidade na distribuição por prevenção do pedido de homologação do acordo de colaboração premiada em análise, diante da evidente existência de fatos relatados conexos com investigações em curso sob sua relatoria. Entendeu não se poder falar, ainda, em violação ao princípio do juiz natural no tocante às providências adotadas na decisão proferida em 18.5.2017, relativamente às pessoas mencionadas nos depoimentos dos colaboradores e desprovidas de foro por prerrogativa na Suprema Corte. Constatado o envolvimento de alguma das autoridades elencadas no art. 102, I, “b” e “c”, da CF, cabe ao STF decidir, com exclusividade, sobre a permanência da investigação ou da ação penal deflagrada em desfavor das demais pessoas não submetidas à jurisdição criminal originária prevista no citado dispositivo constitucional, adotando-se, como regra, o desmembramento, salvo nas hipóteses em que a cisão possa causar prejuízo relevante. Desse modo, tendo em vista que os termos de depoimento prestados pelo colaborador fazem parte de um mesmo acordo de colaboração premiada, os fatos dos quais não há notícia de participação de autoridade detentora de foro por prerrogativa no STF, além daqueles em que não se observa qualquer relação de conexidade com investigações ou ações penais em curso, devem ser encaminhados para tratamento adequado perante a autoridade jurisdicional competente. Na hipótese em concreto, tendo em conta que o agravante atualmente ocupa o cargo de governador do Estado do Mato Grosso do Sul e que os fatos a ele relacionados não se afiguram conexos com quaisquer investigações ou ações penais em curso no STF, o ministro Fachin autorizou o procurador-geral da República a utilizar os respectivos termos de depoimento perante o Superior Tribunal de Justiça, órgão do Poder Judiciário competente, nos termos do art. 105, I, “a”, da CF, para o adequado tratamento dos fatos em observância às garantias constitucionais aplicáveis. Por fim, concluiu não haver qualquer mácula no procedimento adotado na Pet 7.003/DF, seja na sua distribuição por prevenção, seja nas providências deferidas na decisão de 18.5.2017. (1) CPP: “Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo:” Pet 7074 QO/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 21, 22, 28 e 29.6.2017. Pet 7074/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 21, 22, 28 e 29.6.2017. (Informativo 870, Plenário) 1ª Parte: 2ª Parte: 3ª Parte: 4ª Parte: 5ª Parte: 6ª Parte: 7ª Parte: 1ª Parte: 2ª Parte: 3ª Parte: 4ª Parte: 5ª Parte: 6ª Parte: 7ª Parte: 8ª Parte: 9ª Parte: 10ª Parte: 26 Prisão Preventiva Súmula 691/STF e supressão de instância A Segunda Turma, por maioria, não conheceu de pedido de habeas corpus em que se pretendia revogar a prisão preventiva do paciente acusado da prática dos delitos de lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa. No caso, o writ foi impetrado contra decisão monocrática de ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na qual se indeferiu liminar requerida nos autos de recurso ordinário em habeas corpus em trâmite
Compartilhar