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ISSN 1982 - 0283 Gestão para inclusão no ciclo de alfabetização Ano XXIII - Boletim 7 - MAIO 2013 Gestão para inclusão no ciclo de alfabetização sumário apresentação .......................................................................................................................... 3 Rosa Helena Mendonça introdução .............................................................................................................................. 4 Riva Cusnir Valansi texto 1 - Gestão da alfabetização, inclusão e currículo ........................................................ 10 Riva Cusnir Valansi texto 2 - incluir ou integrar: a diversidade na educação .......................................................20 Leandra Cadinha Deister texto 3 - Gestão compartilhada em educação: uma prática necessária ................................25 Euzinéa Miranda de Oliveira Bernardo 3 ApresentAção Gestão pArA inclusão no ciclo de AlfAbetizAção 1 Supervisora Pedagógica do programa Salto para o Futuro (TV Escola/MEC). A publicação Salto para o Futuro comple- menta as edições televisivas do programa de mesmo nome da TV Escola (MEC). Este aspecto não significa, no entanto, uma sim- ples dependência entre as duas versões. Ao contrário, os leitores e os telespectadores – professores e gestores da Educação Bási- ca, em sua maioria, além de estudantes de cursos de formação de professores, de Fa- culdades de Pedagogia e de diferentes licen- ciaturas – poderão perceber que existe uma interlocução entre textos e programas, pre- servadas as especificidades dessas formas distintas de apresentar e debater temáticas variadas no campo da educação. Na página eletrônica do programa, encontrarão ainda outras funcionalidades que compõem uma rede de conhecimentos e significados que se efetiva nos diversos usos desses recursos nas escolas e nas instituições de formação. Os textos que integram cada edição temática, além de constituírem material de pesquisa e estudo para professores, servem também de base para a produção dos programas. A edição 7 de 2013 traz como tema Gestão para inclusão no ciclo de alfabetização e conta com a consultoria de Riva Cusnir Va- lansi, professora Inspetora Escolar da Secre- taria Municipal de Educação, Esporte e Re- creação de Miguel Pereira, RJ. Os textos que integram essa publicação são: texto 1: Gestão da alfabetização, inclusão e currículo texto 2: incluir ou integrar: a diversidade na educação texto 3: Gestão compartilhada em educa- ção: uma prática necessária Boa leitura! Rosa Helena Mendonça1 4 saber ler e escrever é estar alfabetizado? Historicamente, a palavra alfabetizado de- signa aquele que sabe ler e escrever, en- quanto o vocábulo analfabeto refere-se ao que não sabe. São termos familiares, consi- derados de universal compreensão, princi- palmente, no âmbito escolar. Já a palavra letramento, recentemente in- troduzida em nosso vocabulário, é utilizada com muita frequência nos meios acadêmi- cos. Inicialmente, foi interpretada por mui- tos como o domínio da tecnologia de codi- ficar e decodificar. Com o passar do tempo, a expressão foi se aprimorando e passou a denotar uma concepção mais ampla de al- fabetização, entendida como processo de inserção e participação do indivíduo na cul- tura escrita. Ler e escrever são processos frequente- mente vistos como imagens espelhadas uma da outra, como reflexos sob ângu- los opostos de um mesmo fenômeno: a comunicação através da língua escrita. Mas há diferenças fundamentais entre as habilidades e conhecimentos empre- gados na leitura e aqueles empregados na escrita, assim como há diferenças consideráveis entre os processos envol- vidos na aprendizagem da leitura e os envolvidos na aprendizagem da escrita (Smith, 1973, p.117). A partir do asseverado por Smith, letramen- to pode ser entendido como uma forma de reflexão sobre um fenômeno que vem acon- tecendo nas sociedades centradas na escri- ta, em que é insuficiente estar alfabetizado. As demandas contemporâneas, impostas pela sociedade atual, determinam que os indivíduos relacionem a leitura e a escrita a outros contextos. Nessa perspectiva, letra- mento e alfabetização constituem processos diferentes, cada um com suas especificida- des, mas complementares e indispensáveis. 1 Professora Inspetora Escolar - Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Recreação de Miguel Pereira, RJ. Mestranda em Educação pela Universidade Del Salvador, Buenos Aires-Argentina. MBA em Gestão Empreendedora na Educação pela Universidade Federal Fluminense-UFF. Consultora da edição temática. Gestão pArA inclusão no ciclo de AlfAbetizAção introdução Riva Cusnir Valansi1 5 Assim, letramento é um processo de intera- ção entre os sujeitos e inicia-se muito cedo, antes mesmo de o aluno ingressar na escola. Também não tem um final exato, previsto, pois as pessoas vão desvelando sentidos e significados às experiências vivenciadas com o propósito de realmente edificar uma cul- tura escrita. De acordo com Val (2004), não se trata de alfabetizar ou letrar, trata-se de “alfabetizar letrando”. Quando se orienta a ação peda- gógica para o letramento, isso não significa que o docente se descuide dos aspectos es- pecíficos da linguagem escrita. Não se pode pensar nos dois processos, alfabetização e letramento, como sequenciais, ou seja, o le- tramento como preparação para a alfabeti- zação e a alfabetização como condição para o letramento. Dessa forma, para o indivíduo atuar no mundo grafocêntrico não basta que ele aprenda só a ler e a escrever, alfa- betizando-se através da técnica de codifica- ção e de decodificação. É imprescindível que ele se aproprie da escrita, de forma que seja capaz de fazer uso e identificar as funções das práticas sociais de leitura e escrita que circulam na sociedade. Portanto, na pers- pectiva do “alfabetizar letrando”, a leitura propicia uma participação eficaz do cidadão no ambiente em que se encontra inserido, possibilitando-lhe a compreensão do mundo circundante e facilitando-lhe o desenvolvi- mento da expressão oral adequada. Nesse sentido, alfabetizar e letrar constituem-se duas modalidades fundamentais para uma condição de progressão e inclusão social e cultural, permitindo o redimensionamento e a ressignificação da importância da aprendi- zagem; porém, para que o acesso à leitura e à escrita ocorra, é relevante a promoção de situações, processos, condições e circuns- tâncias que viabilizem o desenvolvimento de habilidades, atitudes, competências e moda- lidades que levem o indivíduo a transpor o exigido pela alfabetização. A partir de 1980, o conceito de alfabetização começou a ser reavaliado e revisto depois dos estudos da psicogênese da língua es- crita. Este novo olhar foi influenciado pelas pesquisas e experiências de Emília Ferreiro e Anna Teberosky. Essa nova concepção de alfabetização levou ao entendimento de que não bastava mais só aprender a ler e a escre- ver, pois as pessoas alfabetizadas não neces- sariamente adquiriam competência leitora e escritora. Diante do exposto e consoante com as ideias de Soares, depreende-se que a leitura, como tecnologia, baseia-se num conjunto de habilidades linguísticas e psico- lógicas que se estendem desde a habilidade de decodificar palavras escritas até a capaci- dade de compreender diversos tipos de tex- tos escritos. A aquisição da escrita também exige um conjunto de habilidades linguísti-cas e psicológicas, porém diferentes daque- las suscitadas pela leitura. Então, conclui-se que essas duas categorias, leitura e escrita, não se opõem; complementam-se. 6 O desafio que se coloca hoje à escola é o de conciliar alfabetização e letramento, asse- gurando aos alunos a apropriação da lingua- gem oral e escrita de forma convencional e a plena condição de uso da língua nas práticas sociais de leitura e escrita. Para tanto, a arti- culação entre alfabetização e letramento, na sala de aula, requer competência dos docen- tes no que se refere aos conhecimentos teó- rico-metodológicos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem no que tange à alfabetização. “todos nós refletimos na ação e sobre a ação, e nem por isso nos tornamos profissionais reflexivos” A partir de inúmeras pesquisas, tornou-se necessário compreender o conceito de com- petência; atualmente entendido como a ca- pacidade de agir em situações previstas e não previstas, com rapidez e eficiência, arti- culando-se conhecimentos tácitos e científi- cos a experiências vivenciadas ao longo das histórias pessoais de cada um. O conceito de competência tem sido vinculado à ideia de solucionar problemas após mobilização de conhecimentos, transferindo-os para novas situações; supondo, portanto, a capacidade de atuar gerando novas aprendizagens. Embora os conhecimentos estejam integra- dos às competências, não se pode confundir esses dois termos. Há, pois, que se diferen- ciar a teoria da prática, articulando-as em dois momentos que, dialeticamente, se re- lacionam no conceito de práxis: a teoria e a ação. E, a partir desta diferenciação, com- preender a especificidade do trabalho edu- cativo escolar, para que se possa verificar a possibilidade do desenvolvimento de com- petências a partir da escola. Em primeiro lugar, é preciso considerar a re- alidade que os alunos vivenciam como parte relevante do processo de alfabetização. Essa realidade, reproduzida no pensamento, ad- quire significado. A (re)criação da realidade no pensamento é um dos muitos modos de relação sujeito e objeto, cuja dimensão mais essencial é a compreensão da realidade en- quanto relação humana e social. Em segundo lugar, é preciso considerar que a prática não fala por si mesma. Os fatos práticos ou fenômenos têm que ser identifi- cados, contados, analisados, interpretados, pois a realidade não se deixa revelar através da observação imediata. É imprescindível ver além da imediaticidade, para a compre- ensão das relações, das conexões, das estru- turas internas, das formas de organização, das relações entre parte e totalidade, das finalidades que não se deixam conhecer nos primeiros momentos, quando apenas os fa- tos superficiais são percebidos e ainda não se constituem em conhecimento. Ou seja, o ato de conhecer não prescinde do trabalho 7 intelectual e teórico que se dá no pensamen- to, que se debruça sobre a realidade a ser co- nhecida. É neste movimento do pensamento que surgem as primeiras e imprecisas per- cepções relacionadas com a dimensão empí- rica da realidade, que se deixa parcialmente perceber por aproximações sucessivas, cada vez mais específicas e, ao mesmo tempo, mais amplas, construindo-se os significados. Ao colocar a práxis como fundamento do co- nhecimento, rechaçando ao mesmo tempo a possibilidade de aprendizagem pela con- templação ou pela mera ação do pensamen- to, Marx nos mostra que conhecer é conhecer objetos que se integram na relação entre o ho- mem e o mundo, ou entre o homem e a nature- za, relação esta que se estabelece graças à ati- vidade prática humana. Ressalta-se, então, que não se trata de reproduzir a realidade como ela se apresenta ao homem e, tam- pouco, apenas pensar sobre a mesma. O que é pertinente é a transformação do conheci- mento a partir da atividade crítico-prática. Ao discutir os conceitos de atividade e de práxis, Vázquez afirma que toda a práxis é ati- vidade, mas já nem toda atividade é práxis. O que é, então, atividade? A que se refere o conceito de competência: à atividade ou à práxis? Atividade entendida como sinônimo de ação é o ato (ou conjunto de atos) através do qual o sujeito modifica uma matéria-pri- ma, independentemente de qual seja a sua natureza, através do trabalho material ou não material. Este ato (ou conjunto de atos) se traduz em resultados ou produtos; por- tanto, é orientado por finalidades e culmina com resultados que, em princípio, se pre- tendia alcançar, desde que as ações fossem eficientes e eficazes. O que caracteriza a ati- vidade é seu caráter real, sua materialidade. Assim, o processo educativo escolar se con- figura como espaço de articulação com o conhecimento socialmente produzido, en- quanto produto, e como espaço de apre- ensão das categorias de produção deste conhecimento, enquanto processos meto- dológicos. São, por excelência, espaços da produção teórica e do trabalho intelectu- al, sempre que possíveis articulados à prá- xis. Diante desta afirmação, é correto afir- mar que a escola é o lugar próprio para o indivíduo aprender a interpretar o mundo, tornando-se capaz de transformá-lo, a partir do domínio das categorias de método e de conteúdo que o inspirem e que se transfor- mem em práticas de emancipação humana em uma sociedade cada vez mais mediada pelo conhecimento. Assim, a prática social e produtiva possibilita o desenvolvimento de competências que, por sua vez, mobilizam conhecimentos, mas que com eles não se confundem. Todos nós refletimos na ação e sobre a ação, e nem por isso nos tornamos pro- fissionais reflexivos. É preciso estabele- cer a distinção entre a postura reflexiva 8 do profissional e a reflexão episódica de todos nós sobre o que fazemos (Perre- noud, 2002, p. 13). Cabe às escolas, portanto, desempenhar com qualidade seu papel na criação de situa- ções de aprendizagem que permitam ao alu- no desenvolver as capacidades cognitivas, afetivas e psicomotoras relativas à atividade intelectual, sempre articulada, mas não re- duzida ao mundo do trabalho e das relações sociais, possibilitando o desenvolvimento de competências na prática social e produtiva. É papel do professor transformar sua pos- tura frente à classe, integrar as diferentes disciplinas e estar aberto a aprender com seus alunos. Para tanto, segundo Perrenoud, algumas qualidades profissionais precisam ser construídas e mobilizadas pelo docente, a partir de uma postura reflexiva, no senti- do de proporcionar aos alunos o desenvol- vimento de competências, tais como: orga- nizar o trabalho em meio aos mais vastos espaços-tempos de formação (ciclos, proje- tos da escola); cooperar com os colegas, pais e outros adultos; conceber e dar vida aos dis- positivos pedagógicos complexos; suscitar e animar as etapas de um projeto como modo de trabalho regular; identificar e modificar aquilo que proporciona ou diminui o sentido aos saberes e às atividades escolares; criar e gerir situações-problema, identificar os obstáculos, analisar e reordenar as tarefas; observar os alunos nos trabalhos; avaliar as competências em construção. Esse é o grande desafio: fazer o professor perceber-se como organizador de situações didáticas e atividades que tenham sentido para os alunos e que sejam capazes de en- volvê-los e, ao mesmo tempo, gerar aprendi- zagens significativas. Na verdade, “ser pro- fessor é cuidar que o aluno aprenda, não é dar aula” (Demo, 2004). É, por conseguinte, elaborarpropostas inclusivas que desenvol- vam as habilidades de todos os alunos, com ou sem dificuldades de aprendizagem, ajus- tadas às novas dinâmicas sociais, culturais, econômicas e tecnológicas relacionadas ao mundo do trabalho e aos seus desafios, como também à pluralidade dos usos e fun- ções da cultura escrita. textos da edição temática Gestão para inclusão no ciclo de alfabetização2 O ciclo de alfabetização e a inclusão das crianças com necessidades educacionais especiais; a inclusão como princípio do processo educativo; estratégias de atendimento às crianças que não estejam progredindo conforme as definições dos direitos de aprendizagem; a inclusão das 2 Os textos desta publicação eletrônica são referenciais para o desenvolvimento dos assuntos abordados na edição temática Gestão para inclusão no ciclo de alfabetização, com veiculação no programa Salto para o Futuro/TV Escola nos dias 20 e 22 de maio de 2013. 9 crianças com dificuldades de aprendizagem. A sala de aula, a sala de recursos, atendimentos especializados, parcerias, concepção de gestão da equipe técnica da SME, avaliação e monito- ramento e os espaços de formação continuada em exercício de professores na perspectiva da inclusão. Estes temas são abordados e discutidos com profundidade nos três textos da edição temática: texto 1: Gestão da alfabetização, inclusão e currículo O primeiro texto problematiza questões teórico-metodológicas relativas à implantação do Ci- clo de Alfabetização no Município de Miguel Pereira/RJ, com destaque para a gestão para a inclusão de todas as crianças na escola. texto 2: incluir ou inteGrar: a diversidade na educação O segundo texto coloca em destaque teorias e práticas com inclusão educacional para todos os alunos, considerando a diversidade de ritmos e necessidades de cada um. texto 3: Gestão compartilhada em educação: uma prática necessária O terceiro texto destaca a importância da gestão compartilhada na criação de uma escola re- almente inclusiva. 10 texto 1 Gestão da alfabetização, inclusão e currículo1 Riva Cusnir Valansi2 O Ciclo de Alfabetização, implantado na rede municipal de ensino desde 2001, é organizado num período constituído por três anos, vol- tado para o atendimento aos alunos a partir dos seis anos de idade, com foco na alfabeti- zação e no letramento. Sua organização trie- nal tem como propósito evitar a ruptura do processo de aprendizagem e possibilitar ao aluno um redimensionamento dos tempos e espaços de aprendizagem, capacitando-o a adotar posturas flexíveis frente ao desenvol- vimento das capacidades necessárias para consolidação do processo de alfabetização. O sucesso desse tipo de organização, entre- tanto, depende da existência de diversas me- didas e estratégias que permitam viabilizá-lo e que não se encontram somente direciona- das ao ensino e à aprendizagem, mas sim ao entorno educativo, à infraestrutura, à formação continuada oferecida aos alfabeti- zadores, ao acompanhamento das ações do- centes e discentes pela equipe de coordena- ção, ao monitoramento dos resultados das avaliações diagnósticas, à autoavaliação da prática pedagógica para reflexão coletiva, às metodologias inovadoras adotadas, às estra- tégias diferenciadas para contemplar a di- versidade, à coerência e coesão do agir con- forme o documento curricular municipal e o pretendido no projeto político pedagógico das unidades escolares. Todo o trabalho de subsídio aos professores alfabetizadores foi possível devido ao redimensionamento da concepção de gestão implantado na rede municipal, atualmente voltado para a inclu- são, em que todos os alunos e professores são personagens principais nesse contexto e necessitam ser atendidos em suas particula- ridades emergenciais. Com o objetivo de reafirmar alguns princí- pios supracitados e normatizar condutas, foi necessário o esclarecimento dos aspectos sobre os quais ainda ocorrem controvérsias, equívocos e inadequações sobre os procedi- mentos pedagógicos recomendados para o 1 Relato sobre a experiência na rede pública municipal de Miguel Pereira/Rio de Janeiro. 2 Professora Inspetora Escolar - Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Recreação de Miguel Pereira, RJ. Mestranda em Educação pela Universidade Del Salvador, Buenos Aires-Argentina. MBA em Gestão Empreendedora na Educação pela Universidade Federal Fluminense-UFF. Consultora da edição temática. 11 Ciclo de Alfabetização da rede municipal. Para tal, tornou-se imperativo transformar o sentido da escola, das práticas avaliativas, dos conteúdos curriculares, do trabalho pe- dagógico e da própria organização escolar. Sendo assim, o Ciclo de Alfabetização pas- sou a se basear, recentemente, em conceitos relevantes que permeiam todo o processo e, por isso, tornaram-se norteadores das prin- cipais ações: codificação, decodificação, lei- tura e escrita, interpretação, compreensão, extrapolação, uso social. Essas sete ações ancoram a prática pedagógica dos professo- res que atuam no Ciclo e possibilitam aos mesmos uma organização de estratégias e metodologias em favor de usos diversifica- dos da leitura e da escrita, tornando-se pos- sível, assim, a promoção e consolidação de habilidades, competências e experiências numa perspectiva de democracia escolar e respeito à inclusão. Para tanto, necessitou-se discriminar quais conhecimentos e habilidades deveriam ser dominados pelos alunos nas diferentes eta- pas do Ciclo, pois os objetivos e as metas, simples e claras, é que forneceram as con- dições para que os professores pudessem realizar as transposições didáticas da teoria para a prática. Desta forma, coletivamen- te, as escolas passaram a ter instrumentos eficientes para avaliar os conhecimentos prévios suscitados pela experiência dos edu- candos, elaborar o planejamento didático, estabelecer objetivos para a avaliação e re- fletir coletivamente sobre os resultados al- cançados em reuniões e oficinas em que tro- cas produtivas também foram evidenciadas. Foi criado, então, para o Ciclo de Alfabeti- zação, um mapa conceitual que representa e transparece a concepção ora apresentada, assim como a síntese dos processos sequen- ciais que ajudaram os docentes a efetuar os planos e planejamentos de ensino. O Ciclo de Alfabetização passou a adotar uma “con- cepção de inclusão”, assim como, uma “ges- tão para a diversidade”. A ideia de inclusão adotada no Ciclo de Al- fabetização envolve todos os atores do pro- cesso ensino-aprendizagem: professores, alunos, pais, instituição, entre outros. Desta forma, a compreensão sobre inclusão não permite restrições, delimitações, frontei- ras... A inclusão é voltada para aqueles que, envolvidos neste processo, apresentam uma ou outra dificuldade. Da mesma maneira, a compreensão sobre gestão inclusiva extra- pola os domínios dos gestores da Secretaria Municipal de Educação. Os professores e os alunos envolvidos nessa empreitada, conse- quentemente, assumem responsabilidades de acordo com suas competências e habili- dades dentro dessa concepção de educação. Através da gestão da inclusão no pro- cesso de alfabetização, ancoramos e credi- tamos os sucessos que se vêm obtendo por meio da identificação das possibilidades in- 12 dividuais dos alunos e dos professores. Valo- rizou-se a elaboração de planos de trabalho específicos capazes de atender a todos os alunos e aos professores diante de suas ne- cessidades e aspirações. Constata-se, cada vez mais, através da avaliação, do monito- ramento, dos gráficos, dos dados estatísti-cos e das pesquisas externas que mais alu- nos, com ou sem dificuldades específicas, se apropriam da base alfabética da psicogênese da leitura e da escrita. A partir do suporte oferecido aos professores e dos resultados positivos obtidos nas classes, os docentes cumprem as metas ousadas estabelecidas pela equipe técnico-pedagógica numa pers- pectiva sistêmica de ensino: “alfabetização para todos”. Isto só foi possível porque, numa gestão para a diversidade, a escola não é mais encarada como uma célula iso- lada do sistema. Nessa nova concepção de gestão, os atores do processo ensino-apren- dizagem são os próprios partícipes deste sis- tema inclusivo, que também executam suas ações, tanto de ensino como de aprendiza- gem, através da visão holística. Assim, não se surpreendem com o forte compromisso que assumem frente às consequências dos trabalhos. Os novos e complexos desafios transfiguram-se em força propulsora para que os avanços e conquistas alcancem a meta primordial nesse contexto. Para ilus- trar essa visão, elaborou-se um mapa con- ceitual que surgiu a partir da necessidade de formalizar e realizar a transposição didática da teoria, já tão conhecida pelos docentes municipais, para a prática, ainda um tanto desencontrada de significado, ou seja, teo- ria e prática não andavam de braços dados nas práticas escolares. O mapa conceitual, então, funcionou como um alicerce para basear a nova concepção de alfabetiza- ção inclusiva, possibilitando a organização das ações pedagógicas apresentadas pelos professores que atuam nas três etapas (ou anos) do Ciclo de Alfabetização e, também, forneceu uma identidade própria de traba- lho para facilitar a elaboração dos objetivos e possibilitar que as metas traçadas fossem alcançadas em sala de aula. O mapa concei- tual a seguir deve ser entendido como um diagrama bidimensional que procura mos- trar as relações hierárquicas entre conceitos de um corpo de conhecimento e sua própria estrutura. De uma maneira ampla, ele é ape- nas um diagrama que indica relações entre conceitos. A ideia é identificar os conceitos- chave, organizá-los relacionando-os a algum tipo de hierarquia e direcioná-los explicita- mente através de ligações às suas conceitu- ações, dando significado à esquematização. 13 mapa conceitual do ciclo de alfabetização No quadro acima são apresentadas as três etapas de trabalho que compõem o Ciclo de Alfabetização - Etapas I, II e III. Espera-se que na Etapa I (que representa o primeiro ano letivo do Ciclo), os alunos se apropriem do princípio alfabético da língua. Neste momento, o professor atua como mo- delo, criando oportunidades para que os alu- nos observem a relação entre o que se lê e os signos presentes nos registros. Na Etapa II (que representa o segundo ano letivo do Ciclo), objetiva-se que os educan- dos desenvolvam, respectivamente, a inter- nalização dos conceitos, dos conhecimentos e dos conteúdos. Os alunos devem agregar ao acervo de conhecimentos, já consolida- dos na Etapa I, a leitura e a escrita autôno- ma de palavras e sentenças com fluência e rapidez; a promoção da leitura e da escrita, com independência, de textos curtos, mes- mo que com algumas hesitações e erros, e a compreensão e a produção de textos, po- rém, contando ainda, com a ajuda do pro- fessor. Já na Etapa III (que se refere ao terceiro ano do Ciclo) deverá acontecer a consolidação dos conhecimentos apresentados nas etapas anteriores. Os alunos devem estar lendo e escrevendo com fluência textos extensos e complexos pertinentes à faixa etária; com- preendendo e produzindo diversos gêneros textuais com autonomia e criatividade; en- tendendo os significados e usos das palavras 14 em diferentes contextos; utilizando a escrita de acordo com as funções sociais exigidas pela sociedade letrada. Conhecer a evolução do aluno na apropria- ção do sistema de escrita através da identi- ficação das hipóteses apresentadas por cada um auxilia o professor a organizar as ativi- dades propostas na sala de aula, permitindo uma intervenção na relação deste com a es- crita, mobilizando uma aprendizagem para todos, ou seja, uma educação inclusiva; pois é possível ao professor oferecer apoio indi- vidual ao educando de acordo com suas di- ficuldades e o estágio em que ele se encon- tra. Essa diversidade pode ser aproveitada ao valorizar-se a troca de experiências e o conhecimento entre as crianças. O contexto escolar tem de valorizar a interação. Uma vez finalizado o Ciclo de Alfabetização, podemos considerá-lo bem sucedido se os alunos dominarem as competências e habi- lidades que o garantem. No prosseguimen- to da escolaridade, o trabalho com a língua assumirá outros aspectos mais complexos como a correção ortográfica, o domínio da sintaxe, a compreensão e a produção de tex- tos, entre outros. O importante é que esteja claro para os professores quais as compe- tências e habilidades específicas da alfabe- tização, de forma que possam traçar suas metas, elaborar planejamentos, promover a avaliação e a correção de rumos através da rotina da ação reflexiva sobre as suas pró- prias ações. Através do complexo processo mental que envolve capacidades de abstração, classifi- cação e categorização, é preciso observar que conceituar e abstrair não são sinôni- mos. A abstração contrapõe-se à concretiza- ção, pressupondo um maior grau de distan- ciamento em relação a uma circunstância observável. Ainda assim, a experiência abs- traída pode ser em algum momento ob- servada. No entanto, para conceituar tam- bém é necessário classificar e categorizar. Meireles e Correa (2005) ressaltam que os conhecimentos mais básicos da associação entre letras e sons não são suficientes para que a criança domine o sistema de escrita de maneira correta e consistente. Faz-se ne- cessário que a criança conheça os aspectos ortográficos da língua e saiba lançar mão dos mesmos, o que aparece como mais uma fonte de dificuldades. A criança precisa ana- lisar a língua de maneira mais complexa, assim como conhecer diferentes regras or- tográficas. “Em alguns momentos precisará atentar para a posição de determinada letra na palavra, em outros precisará observar a classe gramatical à qual a palavra pertence, entre outras estratégias que precisará utili- zar” (Meireles & Correa, 2005, p. 77). Neste estágio de complexidade, o compro- misso com o Ciclo de Alfabetização também envolve o trabalho com o desenvolvimento do raciocínio lógico. A Matemática e as de- 15 mais áreas do conhecimento também fazem parte do processo de letramento e assumem papéis importantes na consolidação dos processos de leitura e escrita e estão inse- ridas, de forma marcante, em nossas vidas. Essa proposta para o Ciclo ressalta, portan- to, a relevância de um trabalho contextuali- zado e a promoção da interdisciplinaridade com as outras áreas do conhecimento, pois, ao final do Ci- clo, os alunos deve- rão ter adquirido as noções mais rele- vantes contidas na Proposta Curricular Municipal, sendo capazes de prosse- guir os estudos com segurança e compe- tência. Para que os alunos possam desenvolver as habilidades pro- postas para cada etapa do Ciclo de Alfabe- tização, na concepção de alfabetização in- clusiva, faz-se necessária uma avaliação que não se limite apenas aos resultados finais traduzidos em notas ou conceitos. Deve-se ter como objetivo o conhecimento de cada aluno, o acompanhamentode seu desempe- nho durante as atividades de aprendizagem e o entendimento de seus avanços e dificul- dades evidenciadas em cada etapa, tendo em vista a (re) orientação das práticas de en- sino. Ao avaliar, é importante que o profes- sor valorize a possibilidade de interpretação das capacidades dos alunos através de crité- rios que sinalizem progressivos avanços no processo de alfabetização. As observações sobre as sondagens dos conhecimentos pré- vios auxiliam o professor a definir o que ele deverá introduzir, levando os alunos a se familiarizarem com conteúdos e conhecimentos; retomar, eventual- mente, quando se tratar de conceitos ou de capacidades que já deveriam es- tar consolidadas em período anterior; trabalhar, siste- maticamente, para favorecer o desen- volvimento pelos alunos; consolidar as competências desenvolvidas no processo de aprendizagem dos alunos, sedimentando os avanços em seus conhecimentos e capa- cidades. Por isso é que, na formação permanen- te dos professores, o momento funda- mental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prá- tica de hoje ou de ontem que se pode Para que os alunos possam desenvolver as habilidades propostas para cada etapa do Ciclo de Alfabetização, na concepção de alfabetização inclusiva, faz-se necessária uma avaliação que não se limite apenas aos resultados finais traduzidos em notas ou conceitos. 16 melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática. O seu “distanciamento” epistemológico da prática, enquanto objeto de sua análi- se, deve dela “aproximá-lo” ao máximo (Paulo Freire, 2006). Dessa forma, para o desenvolvimento de um trabalho eficaz e significativo no Ciclo, o professor, com sensibilidade, precisa cons- truir sua prática pedagógica considerando a realidade de seus alunos. Através dos com- ponentes observáveis (registros reflexivos e descritivos, trabalhos individuais e cole- tivos, portfólios, exercícios e relatórios), o professor tem condições para descrever fielmente os desempenhos de seus alunos e oportunizar situações que os levem a su- perar os descompassos e as inconsistências que surgirem durante o processo de alfabe- tização. Nesta visão, o professor não está somente interessado no resultado que o aluno apresenta, mas, principalmente, em todo o processo que ele realiza até chegar à aquisição da hipótese alfabética. Para finalizar, considera-se que a concepção da gestão da inclusão no Ciclo da Alfabeti- zação leva em conta que todo conhecimen- to adquirido na escola não é neutro, o que torna necessária a (re)significação das ques- tões relativas à produção, à organização e à distribuição do conhecimento, implicando que o pedagógico se torne mais político e vice-versa, revisando o modo como o conhe- cimento vem sendo trabalhado e seleciona- do como verdadeiro e legítimo. Assim, é per- tinente afirmar, de acordo com Morin, que (...) o objetivo da educação não é o de transmi- tir conhecimentos sempre mais numerosos ao aluno... É, justamente, mostrar que ensinar a viver necessita não só dos conhecimentos, mas também da transformação, em seu próprio ser mental, do conhecimento adquirido em sapiência... A educação deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar a assumir a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar cidadão (MORIN, 2000). Ao contrário da crença fundamentada numa epistemologia em que o ser humano tem uma “predisposição” para pensar, agir e para julgar com bases racionais, que durante muitos anos influenciou a prática escolar de toda a humanidade, o movimento de refle- xão: prática-teoria-prática permitiu a toda a comunidade educacional transcender e crer na construção do conhecimento pelo pró- prio aluno. O que se propõe é a inter-relação de quem ensina e de quem aprende, ambos envolvidos, íntima e pessoalmente, ao que se está ensinando e estudando, mediados pelo ato de conhecer que assume uma natu- reza provisória, já que não existe o princípio da certeza absoluta quanto ao conhecer. Para isso é necessária uma outra forma de conhecimento, um conhecimento 17 compreensivo e íntimo que não nos se- pare e antes nos una pessoalmente ao que estudamos (SANTOS, 1999). Nossa visão epistemológica, além de contra- por os pilares modernos, extrapola-os e abre espaço para a historicidade, para o caos, para a diferença, para a pluralidade dos mo- dos de viver de diferentes grupos e culturas. É a sapiência de conviver com a presença de vários métodos sem a pretensão de que eles, por si só, darão conta da totalidade dos aspectos que constituem o conhecimento, mas com a convicção de que são meios e instrumentos relevantes para a garantia do conhecimento. Se há uma pluralidade de co- nhecimento, não é mais possível e viável a existência de um método único. Valoriza-se uma aprendizagem significativa, identifican- do os conhecimentos prévios, diferenciando os conteúdos e os integrando em uma inten- ção pedagógica voltada para o crescimento humano de todos e de cada um. Sendo assim, a Gestão da Inclusão para o processo de Alfabetização é organizada com base em um enfoque globalizante, aberto, dinâmico, em constante construção e trans- formação. Introduzimos e oportunizamos uma nova maneira de pensar a alfabetização no Ciclo, inspirados na antropologia, que é capaz de alterar percepções, visões de mun- do, valores, saberes; instaurar, em lugar da competitividade, a cooperação; colocar a sabedoria intuitiva e cotidiana em lugar do conhecimento racionalizante; transformar o indeterminado e o incerto, em lugar do determinado e causal. Morin concebe essa epistemologia como pertencente e relacio- nada ao “pensamento complexo” e, portan- to, necessária ao projeto de educação do futuro. Nessa perspectiva, de acordo com a assertiva a seguir, é que podemos dizer que nossa proposta está ancorada na realidade do nosso contexto educacional: Uma tal necessidade só pode impor-se progressivamente ao longo de um ca- minho onde apareceriam em primeiro lugar os limites, as insuficiências e as carências do pensamento simplificador, depois as condições nas quais não pode- mos evitar o desafio do complexo. (...) Não se tratará de retomar a ambição do pensamento simples, que era controlar e dominar o real. Trata-se de exercer um pensamento capaz de tratar o real, de dialogar e de negociar com ele (MORIN, 1995). fontes de pesQuisa Orientações para a organização do Ciclo Inicial de Alfabetização. Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita. Belo Horizonte: Secreta- ria de Estado de Educação de Minas Gerais, 2005. Parecer CNE/CEB Nº04/2008. Orientações sobre os três anos iniciais do Ensino Fun- 18 damental de nove anos. Brasília, DF: Minis- tério da Educação/ Secretaria de Educação Básica, 2008. Proposta Curricular Municipal do Ensino Fundamental dos Anos Iniciais. Miguel Pe- reira: Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esporte, 2011. Gestão Curricular – fundamentos e práticas. Lisboa: Ministério da Educação/Departa- mento da Educação Básica, 1999. UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas espe- ciais. Brasília: CORDE, 1994. MORIN, E. Articular os saberes. 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Rio de Janeiro: Paz e Terra,1977. 20 texto 2 incluir ou inteGrAr: A diversidAde nA educAção Leandra Cadinha Deister1 A diversidade humana é indiscutível e a es- cola, apesar de ser um espaço sociocultural com várias diferenças, nem sempre reconhe- ceu sua existência ou não a considerou total- mente em sua complexidade. Sempre foi e continua sendo um desafio possibilitar pro- cessos pedagógicos de qualidade para todos, a partir e para as diferenças. Então, o que de fato é a inclusão? Tantos conceitos, tantas leituras, tantas definições, mas a melhor ex- plicação para o termo talvez seja aquela que vem do coração, ou seja, da sensibilidade de cada um em aceitar o próximo do jeito que ele é, respeitando-o em suas limitações, di- ficuldades, necessidades e aspirações. Logo, a inclusão deve estar voltada para a nossa capacidade de entender e perceber o outro, de compartilhar e, acima de tudo, de com- preender e aceitar as diferenças existentes entre todos os indivíduos, pois não somos iguais. Torna-se imperativo desconstruir an- tigas práticas sociais, valores, concepções e crenças que acentuavam a discriminação no âmbito escolar para, numa visão holística, buscar garantir ao aluno as respostas que, individualmente, cada um deles necessita. Podemos designar o termo “inclusão” com o sentido de “estar com”. Diante dessa pers- pectiva, a educação inclusiva deve ser aque- la em que todas as pessoas são acolhidas, sem exceção, sem discriminação, valorizan- do um novo modelo de atuação dos sujeitos em suas interações com o mundo. Para a educadora Maria Teresa Eglér Man- toan, a “Inclusão é o privilégio de conviver com as diferenças”. Sendo assim, a ideia fundamental da inclusão deve ser a adapta- ção do sistema escolar às necessidades dos alunos e não a tentativa de tornar os alu- nos iguais para o sistema. Ou seja, a inclu- são propõe um único sistema educacional de qualidade para todos os alunos, com ou sem deficiência, com ou sem dificuldade de aprendizagem. Uma escola inclusiva neces- sita promover o desenvolvimento dos seus 1 Mestranda em Educação pela Universidade Del Salvador, Buenos Aires, Argentina; Pós-graduada em Psicopedagogia, pela Universidade Severino Sombra; Pedagoga pela Universidade Veiga de Almeida; Setor de Inspeção Escolar da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esporte de Miguel Pereira. 21 alunos, independentemente de suas limita- ções. Dessa forma, o currículo precisa ser re- pensado, reavaliado e desenvolvido de modo que não prestigie minorias nas unidades escolares. As propostas curriculares devem visar ao atendimento das individualidades de cada educando, viabilizando a progres- são de habilidades e aptidões para que não mais ocorra a segregação e a discriminação na trajetória escolar, uma vez que o próprio vocábulo “inclusi- vo” já traz implíci- ta a concepção de exclusão, pois só se inclui alguém que já foi excluído. En- tão, ao se falar so- bre inclusão escolar, faz-se necessário o repensar constante sobre o sentido que se dá à educação in- clusiva, conforme as solicitações urgen- tes da sociedade em que estamos inseri- dos. Diante do exposto, considera-se que a adaptação curricular para a eficácia de um trabalho pedagógico inclusivo necessita ser diversificada para contribuir com o desen- volvimento de todos os envolvidos: alunos, professores, pais, diretores, instituição. A atualização de concepções e a ressignifica- ção do processo de construção do indivíduo conduzem à compreensão do que vem a ser a verdadeira inclusão na sala de aula, me- diante a diversidade. Essa nova visão do aco- lhimento num contexto inclusivo serve de aprendizado significativo para todos os en- volvidos no processo ensino-aprendizagem, pois a convivência das crianças que mani- festam dificuldades com aquelas que não apresentam gera a conscientização de que todos nós somos diferentes e, assim, ressal- ta que cada um apre- senta uma maneira e um tempo para aprender. Conclui-se, então, que a indivi- dualidade e a subjeti- vidade tornam cada ser único. Os sistemas edu- cacionais precisam avaliar suas posturas e viabilizar mudan- ças de paradigma que proporcionem ao aprendiz tornar- se o centro do processo educacional, con- siderando-se todas as suas capacidades, habilidades e potencialidades. Diante das demandas atuais, aponta-se a qualificação da equipe escolar como um aspecto impor- tantíssimo e fundamental para a garantia de transformação que a escola necessita, a fim de atender a todos de forma igualitária. Vale salientar que a liderança do gestor também Os sistemas educacionais precisam avaliar suas posturas e viabilizar mudanças de paradigma que proporcionem aoaprendiz tornar-se o centro do processo educacional, considerando- se todas as suas capacidades, habilidades e potencialidades. 22 influencia na construção da escola numa concepção inclusiva. A concepção da inclusão vem, ao longo dos anos, buscar a não exclusão escolar e pro- por ações que garantam o acesso e a perma- nência do aluno com deficiência no ensino regular. No entanto, o paradigma da segre- gação ainda é forte e enraizado nas escolas. Estas, com todas as dificuldades e desafios que enfrentam, acabam por reforçar o dese- jo de manter alunos com dificuldades e/ou necessidades especiais em espaços especia- lizados. Mas incluir é possibilitar a todos os alunos, com ou sem dificuldades, o acesso à aprendizagem. Quanto mais apoio o aluno receber de seu professor e de outros agentes escolares, maior será a chance de sucesso na aprendizagem. A educação inclusiva possibilita aos que são discriminados pela classe social, pela cor, pelo credo ou pela deficiência o direito de ocupar o seu espaço na sociedade. E ter um lugar no mundo significa reconhecer o lugar do outro. É preciso que fique bem clara a diferença entre integração e inclusão, pois são termos com significações distintas. Em relação à integração é o próprio aluno quem deve se adaptar aos espaços que o circundam, procurando se integrar às circunstâncias da vida. Na inclusão, deve haver um apara- to, um acolhimento dirigido para que essa criança de fato se sinta incluída. Então, res- salta-se a necessidade de o docente utilizar práticas flexíveis e recursos didáticos que possibilitem um aprendizado significativo para todos os alunos, pois tanto aquelas com necessidades especiais quanto as que são ditas “normais” passam pelas mesmas fases de aprendizagem, principalmente em relação à escrita e à leitura. Algumas demo- ram um pouco mais para a consolidação de conceitos e conteúdos, exigindo, dessa forma, mais esforço e dedicação do profis- sional da educação. O ritmo de assimilação e de aprendizagem varia de criança para criança, e deve ser respeitado, portanto, o docente precisa levar o aluno a evoluir sem- pre dentro de suas capacidades e não deixar que ele fique à margem esperando amadu- recimento. Nossa sociedade está organizada de maneira que o acesso aos serviços é sempre dificul- tado. Não existe inclusão se a sociedade se sente no direito de escolher quais deficien- tes podem ou não ter acesso a determina- dos serviços. O grande diferencial no atendi- mento deve ser o ouvir. As pessoas precisam falar por si mesmas, pois só elas sabem de suas necessidades. A partir daí, os sistemas devem desenvolver ações que modifiquem e orientem as formas de se pensar a integra- ção e a inclusão. A escola ainda se caracteriza pela visão da educação que delimita a escolarização como 23 privilégio de poucos, legitimando um pro- cesso de exclusão através de suas políticas e práticas educacionais que reproduzem uma ordem social. E isso precisa mudar. A integração se dá quando o professor ela- bora um projeto educacional para cada alu- no deficiente, ou seja, elabora um planeja- mento que possibilite a integração de todos os alunos, de acordo com as necessidades e peculiaridades de cada grupo e de cada criança. A escola toda precisa ser prepara- da e viver essa inclusão e essa integração e, para isso, é necessária a maturidade de todo o grupo, além de formação permanente de todos os envolvidos no processo de aprendi- zagem. Dessa forma, os estudos suscitarão vários questionamentos às equipes peda- gógicas, tornando-se necessária, também, uma avaliação da realidade e da demanda a ser trabalhada. Aliada a esse contexto escolar, encontra- se também a dificuldade do ponto de vista econômico, principalmente nos pequenos municípios. Os entraves na formação das equipes, as adaptações dos transportes e escolas, a ideia de que essas pessoas são improdutivas dificultam a entrada para a escola e a inserção no mercado de trabalho. Por isso, as mudanças e as iniciativas, por mais simples que sejam, são fundamentais para o processo de inclusão. E a escola deve ser vista como espaço de construção e troca de conhecimento, de experiências formais e não formais e, sobretudo, de vida. A educa- ção deve ter um caráter abrangente, favo- recendo os alunos, independentemente de suas dificuldades. Isso exige mudança de postura e, principalmente, de concepção. Para que a inclusão seja uma realidade, é necessário incorporá-la totalmente. As es- colas necessitam criar diferentes estraté- gias, medidas preventivas que possibilitem a melhora do comportamento, da interação social e a aprendizagem como um todo. É imprescindível focar na formação profis- sional do professor para que ele busque se aprofundar nas discussões teóricas e práti- cas. Torna-se essencial que os professores se apropriem de uma fundamentação teórica sólida para posterior transposição para a prática pedagógica, pela interação teórica e prática capaz de viabilizar o atendimen- to eficaz das necessidades de seus alunos. Assim, será possível proporcionar subsídios significativos à sua ação pedagógica, com vistas à melhoria do processo ensino-apren- dizagem. É importante que a escola asses- sore o professor para a resolução de proble- mas no cotidiano na sala de aula, de forma que este se sinta seguro e capaz de criar al- ternativas que possam beneficiar a todos os alunos com os quais trabalha. É necessário utilizar currículos e metodologias flexíveis, levando em conta a singularidade de cada aluno, respeitando seus interesses, suas ideias e desafios para novas situações. E, 24 também, investir na proposta de diversifica- ção de conteúdos e práticas que possam me- lhorar as relações entre professor e alunos, além de saber avaliar de forma continuada e permanente, dando ênfase na qualidade do conhecimento e não na quantidade, oportu- nizando o desenvolvimento da criatividade e a valorização da cooperação e da partici- pação. A possibilidade de aprender a ler e a escrever representa uma conquista para qualquer ser humano. Sabendo-se que a inclusão é um di- reito, ressalta-se que o professor, ao alfabe- tizar letrando numa alfabetização inclusiva, necessita oferecer diferentes materiais. As- sim, ao alfabetizar, o professor precisa refle- tir, discutir e pensar numa possibilidade de alfabetização para todos. É importante a valorização maior das me- tas e não dos obstáculos encontrados pelo caminho, priorizando as questões pedagógi- cas e não apenas a questão biológica, com a expectativa de que tudo será resolvido pela saúde. Pode-se concluir que para o processo de in- clusão escolar ser satisfatório e atender à diversidade é preciso que haja uma trans- formação no sistema de ensino, com o pro- pósito de beneficiar toda e qualquer pessoa, levando em conta a especificidade do sujeito e não mais as suas deficiências e limitações. referÊncias Ministério de Educação. Secretaria de Educa- ção Especial. Política Nacional de Educação Especial. Brasília, DF: MEC – SEEDSP, 1994. MONTOAM, Maria Tereza Eglér e colabora- dores. Integração de pessoas com deficiência. Editora Memnon edições científicas Ltda., 1997. Ministério da Justiça. Declaração de Sala- manca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília, DF: Corde, 1997. Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Ba- ses da Educação Nacional, 1996. Congresso Nacional. Constituição da Repú-blica Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CNB n.2 de 11 de setembro de 2001. Brasília, DF. FIGUEIRA, E. A Imagem do Portador de Defi- ciência Mental na Sociedade e nos Meios de Comunicação. Ministério da Educação - Se- cretaria de Educação Especial. Poso, Juan Ignácio. Aprendizes e mestres: a nova cultura da aprendizagem. Trad. Emani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2002. 25 texto 3 Gestão compArtilhAdA em educAção: umA práticA necessáriA Euzinéa Miranda de Oliveira Bernardo1 Cadáver bem vivo Robert Dilts conta a história de um homem que acreditava ser um cadáver. Seu psiquiatra, em um esforço de provar sua crença equivocada, perguntou se cadáveres sangram. O homem disse, “Não, não sangram”. O homem então concordou com um experimento, e o bom doutor espetou seu dedo com uma agulha. O homem olhou para seu dedo sangrando e disse: “Eu estava errado, cadáveres sangram” (Will McDonald & Richard Bandler)2. Dialogar gestão: uma discussão pedagógica envolvente para educadores reflexivos, que se propõem a analisar criticamente o desen- volvimento educacional na atualidade, utili- zando-se de estudos voltados para pesquisa investigativa. Trata-se de assunto polêmico e intrigante, mas muito mais instigante e necessário para o cotidiano escolar, tendo em vista a necessidade de se alinhar com a evolução dos recursos humanos. No seu sentido etimológico, a palavra “diá- logo” representa um movimento circular de sentidos e significados que liga e reúne, ao invés de separar e dividir, portanto, o diálo- go não é um instrumento que busca levar as pessoas a defender e manter suas posições, como acontece na discussão e no debate, ao contrário, sua prática está voltada para estabelecer e fortalecer vínculos e ligações e para a formação de redes. Daí o nome de “redes de conversação”, propostas para as experiências de reflexão conjunta, geração de ideias, educação mútua e produção com- partilhada de significados. 1 Pedagoga; Pós-graduada em Psicopedagogia; Doutoranda em Humanidades e Artes com menção em Ciências da Educação, oferecido pela UNR - Universidad Nacional de Rosario, Argentina, em parceria com a Progredir Projetos Educacionais. Participou na elaboração da Proposta Curricular Preliminar do município de Miguel Pereira, Rio de Janeiro, onde é professora da Sala de Recursos. 2 No livro An Insider’s Guide to Submodalities. Tradução: Virgílio Vasconcelos Vilela. 26 A proposta deste texto, em forma de diálo- go, é a de oportunizar possibilidades para a construção de uma nova concepção de gestão com ênfase na diversidade. Rever conceitos e valores é o primeiro passo para viver essa mudança paradigmática, confor- me dito, ainda que de maneira implícita, no texto de Will McDonald e Richard Bandler. É, sem dúvida, um ato de coragem e de pos- sível internalização, quando abordado com ‘adultez’ e ‘madurez’. É ainda, um exercício “desafiador” e urgente em face das múlti- plas complexidades de uma sociedade tão diversa que é a que compõe a natureza hu- mana. Numa certa feita, li uma frase que dizia que “a gente muda quando a dor de não mudar fica maior que a dor de mudar” e resolvi, então, transladá-la, pensando em educação. Foi assim que percebi que a “dor da mudan- ça” é uma “dor de crescimento” capaz de promover possibilidades do “ser” se lançar para viver a mágica da transformação, em que o conhecimento se concretiza através da busca pela identidade educativa. concepções de Gestão: modelo tradicional versus modelo atual Conhecer um pouco da história da educa- ção (origem da gestão, como acontecia e/ou acontece, de que forma favorece o ambien- te de aprendizagem) é um estudo de funda- mental relevância para quem deseja experi- mentar e arriscar “mudar suas concepções”. Longa é a trajetória de luta dos educadores a favor deste novo fazer pedagógico, que se consolidou com a democratização da so- ciedade e a ampliação/fortalecimento dos movimentos sociais de forma reorganizada (final da década de 1970 e início dos anos 1980). Até este período histórico, a concepção de gestão escolar se pautava num modelo clás- sico de “administração” empresarial, conce- bido como processo meramente técnico, de- terminado e burocrático. A aceitação deste modelo de gestão parecia unânime. O lema do “fazer” se consolidava nos sistemas edu- cativos em detrimento ao “ser”. Produtivi- dade, valorização da economia do tempo e dos recursos faziam parte deste pacote. Tal concepção foi sustentada pela adoção e aplicação de normas extremamente rígi- das, onde a postura do gestor tinha de ser autoritária, centralizadora, hierarquizada, impositiva e com uma relação de estrutura completamente vertical. Esta “concepção de administração” de prá- tica controladora era tida como racional e necessária para se alcançar os resultados esperados. Para tanto, funções eram exerci- 27 das de forma linear, fragmentada e rotinei- ra, com ênfase na competitividade e indivi- dualização do saber. Tal práxis ainda se faz presente em alguns Sistemas Educacionais, e pode ser bem exemplificada quando vimos o “foco” das ações coletivas em detrimento das individuais. Para nossa alegria, fatos e fenômenos deixa- ram de expressar toda a riqueza de sua re- presentatividade com o passar dos tempos, sinal das primeiras mudanças significativas para a diversidade, não só em se tratando de linguística, mas também de cultura da evo- lução humana. Eis que surge, então, o termo “gestão”, que traz consigo não apenas uma substituição de cunho terminológico, mas conceitual e paradigmático. A primeira e a mais simples é aquela que faz a transposição do conceito do campo empresarial para o campo educa- cional (a fim de submeter a administração da educação à lógica de mercado). A segun- da aborda um novo conceito de gestão, que ultrapassa este que era voltado para a admi- nistração com o envolvimento e a partici- pação da comunidade nas decisões tomadas na escola (LUCK, 2000). Neste momento, o “encontro” com a Gestão Compartilhada, ou Gestão Democrática, é experimentado e consolidado. A palavra democracia tem sido uma das mais pronunciadas nos dias atuais, tanto no contexto educacional brasileiro quanto no latino-americano. Sua origem vem da Grécia Antiga (demo = povo e kracia = go- verno), que, num sentido genérico ou glo- bal, significa “governo do povo, pelo povo e para o povo”. Foi a partir do processo de redemocratização política do país e do fim da ditadura militar que novas abordagens administrativas, com enfoques mais des- centralizados e participativos, influencia- ram os debates educacionais. Neste pro- cesso de democratização, destacaram-se as eleições diretas para os cargos executivos, incluindo-se a Presidência da República. Desencadeiam-se, também, as primeiras manifestações para eleições diretas dos diri- gentes de instituições de ensino eleitos pela comunidade. Despontava, neste momento, o movimento para “democratizar a gestão na escola”, através de discursos favoráveis à luta contra a intolerância e o autoritaris- mo, buscando a participação, o diálogo e a construção de novas formas de se fazer ou- vir. Esta mudança de paradigma aponta para uma ótica globalizadora, dinâmica, interati- va, problematizadora, horizontal, complexa, com objetivos comuns e corresponsabilida- de com os resultados alcançados. Na Gestão Compartilhada, a prática peda- gógica está associada àparticipação dos professores e pais nas decisões a respeito do processo educativo, que abrange composi- ção de instâncias colegiadas (conselhos es- colares, grêmios estudantis). É uma gestão 28 a favor das eleições para os cargos adminis- trativos, com introdução de mecanismos que favoreçam a eliminação da burocracia e a flexibilização normativa e organizacional do sistema. Não se trata apenas da mudan- ça da prática, mas sim da mudança de con- cepção da ótica fragmentada para a ótica de conjunto; da limitação de responsabilidade para sua expansão; da centralização da au- toridade para sua descentralização; da ação episódica por eventos para o processo dinâ- mico, contínuo e global; da burocratização e hierarquização para a coordenação e ho- rizontalização; da ação individual para a coletiva. a favor da Gestão para diversidade Não há receita já pronta para servir em todas as circunstâncias, mas existem ideias, experiências e inovações que podem ser utilizadas com a condição de que aprendamos a escutar e a refletir juntos (Koïchiro Matsuura, Diretor-Geral, UNESCO). A legitimação da UNIVERSALIZAÇÃO DO EN- SINO DE QUALIDADE PARA TODOS (Consti- tuição Federal, 1988) fez com que a gestão compartilhada se consagrasse componente democrático no Sistema Educacional Brasi- leiro e as mudanças paradigmáticas que en- volvem a gestão nos impulsionaram a viver um “renovo”: torna-se inevitável não aten- tar para “diversidade” e/ou “para além da diversidade”. Características individuais e de grupos so- ciais são ultrapassadas. O foco passa a ser a “gestão para valorização das diferenças”. Trabalhar a diversi- dade é viver a inteire- za de uma relação de interdependência que transcende o corpo e alcança a alma numa magnífica entrega do “fazer” para que o outro “seja”. O desafio da diversidade permeia as discus- sões educacionais/pedagógicas, portanto, “deve” fazer parte da pauta dos Encontros de Formação Continuada articulados pela equipe diretiva, a saber, pelo gestor educa- cional. Para se desvendar os segredos de uma ges- tão para diversidade é necessário se consi- derar alguns princípios norteadores, tendo em vista que não se dorme “administrador” e se acorda “gestor para diversidade” como num toque de mágica. A reflexão coletiva sobre a prática cotidiana, exercício necessário a todo bom educador, talvez seja a condição primeira para gestar a diversidade. 29 A reflexão coletiva sobre a prática cotidiana, exercício necessário a todo bom educador, talvez seja a condição primeira para gestar a diversidade. Parafraseando Isaac Newton, ao dizer que para toda ação há sempre uma reação opos- ta e de igual intensidade, as nossas ações resultam em efeitos impactantes para as pessoas que nos cercam. E todo gestor que se propõe a trabalhar “com” e “para” a di- versidade precisa atentar para esse fato. Isto significa entender a flexibilidade como outra condição indispensável para garantir seu trabalho. Promover espaços para discussões coletivas, tendo a participação da comunidade escolar com “voz e vez”, é também tarefa a ser arti- culada pelo gestor. Compete ao gestor compreender e fazer a escola compreender a sua função social. Além de pensar, é preciso fazer a escola pensar numa Educação para transformação e pleno desenvolvimento dos indivíduos. Em suma, o céu é o limite para o gestor que res- pira a diversidade. O agregamento desses valores no corpo da escola (administrativo, técnico, pedagógi- co e comunidade) passa a ser a “senha”, o “mapa do tesouro”, o estar “pronto” para construção de um Projeto Político Pedagógi- co rumo à diversidade. Um projeto que seja claro tanto para as escolas quanto para as secretarias de educação. Um projeto com identidade e com a astúcia de uma águia que mira sua presa, não abrindo mão dela. Assim, o gestor mira seus objetivos (a cur- to, médio ou longo prazo) e não abre mão deles. A experiência com a diversidade faz parte do processo de socialização, humanização e desumanização presente na produção de saberes, práticas, valores, linguagens, repre- sentações de mundo... Trata-se de uma rela- ção estreita entre OLHAR e TRATO PEDAGÓ- GICO, contrária, portanto, à concepção de educação etnocêntrica. Elvira de Souza Lima (2006, p. 17) escreve assim: (...) a diversidade é norma da espécie hu- mana: seres humanos são diversos em suas experiências culturais, são únicos em suas personalidades e são também diversos em suas formas de perceber o mundo. Seres humanos apresentam, ainda, diversidade biológica. Algumas dessas diversidades provocam impedi- mentos de natureza distinta no processo desenvolvimento das pessoas (as comu- mente chamadas de “portadoras de ne- cessidades especiais”). Como toda forma de diversidade é hoje recebida na escola, demanda óbvia, por um currículo que atenda a essa universalidade. 30 O trabalho com a diversidade faz mudar o olhar. Ele fica “vibrante”, “contagiante”, “encorajador”, “ousado”. Faz gerar a tercei- ra visão – uma espécie de “chacra frontal” – que nos permite “enxergar” o que parecia obscuro, focando na “essência do outro”. A capacidade de pensar um planejamento para diversidade exige saber que a evolução e a transmissão dos conhecimentos se pro- pagam velozmente e que a formação do pro- fessor não dá conta dessa demanda, caben- do assim ao gestor investigativo possibilitar a construção de um currículo renovador e atento à diversidade. Pimenta (2002) afirma que a formação inicial, por melhor que seja, não dá conta de colo- car os profissionais da educação à altura des- ta responsabilidade. Desta forma, evidencia uma das competências descritas por Perre- noud (2000), que é a de o docente adminis- trar sua própria formação contínua. Não te- mos aqui a intenção de aprofundar o debate a respeito dos conceitos de “competência” e “habilidade”, mas ressaltamos ser esta uma tarefa relevante para o gestor educacional. No livro Gestão da Escola, Desafios a Enfren- tar, Vieira (2002) aborda a educação contem- porânea e os aspectos que influenciaram esse sistema. Dos fatores destacados, um é bastante pertinente para a reflexão de que a escola por si só não garante os desafios para diversidade. Vieira (2002) transferiu de for- ma grandiosa a responsabilidade dos pilares da educação ao sistema de gestão da escola, ou seja, aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser (UNESCO 1999) não é função apenas dos sistemas edu- cacionais, mas competência a ser conquista- da pelo gestor educacional. 1. Aprender a conhecer o mundo contem- porâneo e relacioná-lo com as deman- das de cada escola (sua clientela – seus sonhos, suas necessidades, seus direi- tos – seus profissionais, sua vizinhan- ça, suas condições etc.); 2. Aprender a planejar e fazer (construir, realizar) a escola que se quer (o seu projeto pedagógico); 3. Aprender a conviver com tantas dife- rentes pessoas, definindo e partilhan- do com elas o projeto da escola; 4. Aprender a utilizar, sem medos, as pró- prias potencialidades de crescimento e formação contínua. Vasconcelos (1995) confirma essa hipótese, quando diz que o planejamento é o proces- so de tomada de decisões sobre a dinâmica da ação escolar e que é uma previsão siste- mática e ordenada de toda a vida escolar do aluno. 31 A perspectiva de uma prática que envolve singularidades e aspectos culturais/sociaisdo meio dependerá do “olhar” do gestor. Para Sacristan (2000), planejar é ir além de atender os objetivos e conteúdos do currículo, tornando assim o contexto de sala de aula um ambiente em que a aprendizagem ocor- ra de acordo com os ideais da realidade. Nesta perspectiva, torna-se essencial que o gestor esteja envolvido pela diversidade para construir um projeto pedagógico que valori- ze as diferenças e especificidades do seu sis- tema educativo, operacionalizados através da criação de projetos. O trabalho por projetos traz, na sua essên- cia, uma dinâmica de prática educacional associada a propostas de reformas na esco- la brasileira que favorece as mudanças nas concepções de ensino-aprendizagem e no fazer pedagógico. Repensar a práxis coletivamente é atender à demanda da diversidade. É buscar uma pedagogia de acolhimento onde TODOS pos- sam se desenvolver não só intelectualmente, mas também enquanto pessoas humanas. Ao gestor, cabe realizar seu trabalho pau- tado numa gestão democrática, com olhar voltado para todos os envolvidos no proces- so de ensino-aprendizagem; cabe direcionar o trabalho de forma integrada, objetivando a transformação da escola; cabe propiciar um ambiente de estudo e de formação que fortaleça as relações de “empatia” no grupo. Estamos à procura de um gestor que tenha consciência de que a escola acolhedora é aquela que se compromete com “o outro”, tornando a escola aberta, viva, que compar- tilha um currículo construído para além dos muros escolares: para a diversidade. referÊncias ARROYO, Miguel G. Administração da edu- cação é um problema político. RBAE, Porto Alegre, 1(9): 122-8 jan. /jun. 1983. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamen- tal. Parâmetros Curriculares Nacionais. Plu- ralidade cultural, orientação sexual. Secreta- ria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/ SEF, 1997. BRASIL. Constituição Federal de 1988. ______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira. Lei nº 9.394/96. CAVALCANTE, Meire. Como criar uma esco- la acolhedora. In: Nova Escola, mar. (ed. 180) São Paulo, Abril, 2005. FREIRE, Paulo. A escola. Instituto Paulo Frei- re: www.paulofreire.org GADOTTI, Moacir e ROMÃO, José Eustáquio (orgs.). Autonomia da escola: princípios e propostas. 5 ed. São Paulo: Cortez, Instituto 32 Paulo Freire, 2002 (Guia da Escola Cidadã). LÔBO, Yolanda L. Administração escolar: li- ções anisianas. Rio de Janeiro, 1999. ZUNG, Acácia K. A. A teoria da administra- ção educacional: ciência e ideologia. Cader- nos de pesquisa, São Paulo, (48): 39-46, fev. 1984. LÜCK, Heloísa. Ação integrada: administra- ção, supervisão e orientação educacional. 23 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. SACRISTAN, Gimeno. O Currículo, uma refle- xão sobre a prática. Porto Alegre: Editora Art- med, 2000. SAGE, D. D. Estratégias administrativas para a realização do ensino inclusivo. In: SATAIN- BACK, S.; SATAINBACK, W. 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Gestão Escolar, desafios a enfrentar. 2002. 33 presidência da república ministério da educação secretaria de educação básica tv escola/ salto para o futuro supervisão pedagógica Rosa Helena Mendonça acompanhamento pedagógico Soraia Bruno coordenação de utilização e avaliação Mônica Mufarrej Fernanda Braga copidesque e revisão Magda Frediani Martins diagramação e editoração Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa – TV Brasil Gerência de Criação e Produção de Arte consultora especialmente convidada Riva Cusnir Valansi e-mail: salto@mec.gov.br home page: www.tvbrasil.org.br/salto rua da relação, 18, 4o andar – centro. cep: 20231-110 – rio de Janeiro (rJ) maio 2013
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