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Homens e atenção à saúde no trabalho Fabrício Augusto Menegon Lizandra da Silva Menegon Rodrigo Otávio Moretti Pires Douglas Francisco Kovaleski UFSC 2016 Homens e atenção à saúde no trabalho Fabrício Augusto Menegon Lizandra da Silva Menegon Rodrigo Otávio Moretti Pires Douglas Francisco Kovaleski Florianópolis UFSC 2016 Catalogação elaborada na Fonte. Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária responsável: Eliane Maria Stuart Garcez – CRB 14/074 U588p Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências da Saúde. Curso de Atenção Integral à Saúde do Homem – Modalidade a Distância. Homens e atenção à saúde no trabalho [recurso eletrônico] / Universidade Federal de Santa Catarina. Fabrício Augusto Menegon [et al.] (Organizadores). — Florianópolis : Universidade Federal de Santa Catarina, 2016. 68 p. Modo de acesso: www.unasus.ufsc.br Conteúdo do módulo: Saúde do trabalhador. Doenças e acidentes relacionados ao trabalho. Ações de saúde do trabalhador na atenção básica.. ISBN: 978-85-8267-088-0 1. Saúde do homem. 2. Prevenção de doenças. 3. Doenças do trabalho. I. UFSC. II. Menegon, Fabrício Augusto. III. Menegon, Lizandra da Silva. IV. Pires, Rodrigo Otávio Moretti. V. Kovaleski, Douglas Francisco. VI. Título. CDU: 613.9 5 GOVERNO FEDERAL Ministério da Saúde Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) Departamento de Gestão da Educação na Saúde (DEGES) Coordenação Geral de Ações Estratégicas em Educação na Saúde Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) Departamento de Ações Programáticas Estratégicas Coordenação Nacional de Saúde do Homem UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Reitor: Luis Carlos Cancellier de Olivo Vice-Reitora: Alacoque Lorenzini Erdmann Pró-Reitor de Pós-Graduação: Sérgio Fernando Torres de Freitas Pró-Reitor de Pesquisa: Sebastião Roberto Soares Pró-Reitor de Extensão: Rogério Cid Bastos CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE Diretora: Isabela de Carlos Back Vice-Diretor: Ricardo de Sousa Vieira DEPARTAMENTO DE SAÚDE PÚBLICA Chefe do Departamento: Antonio Fernando Boing Subchefe do Departamento: Fabricio Menegon Coordenadora do Curso de Capacitação: Elza Berger Salema Coelho EQUIPE TÉCNICA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE COORDENAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE DO HOMEM Francisco Norberto Moreira da Silva Cicero Ayrton Brito Sampaio Créditos 5 Créditos 6 Juliano Mattos Rodrigues Michelle Leite da Silva Renata Gomes Soares João Calisto Lobo Ameno Lúcia Helena Pontes de Oliveira Lambert Kátia Maria Barreto Souto GESTORA GERAL DO PROJETO Elza Berger Salema Coelho EQUIPE DE PRODUÇÃO EDITORIAL Carolina Carvalho Bolsoni Deise Warmling Elza Berger Salema Coelho Larissa Marques Sabrina Faust EQUIPE EXECUTIVA Gisélida Vieira Patrícia Castro Rosangela Leonor Goulart Sheila Rubia Lindner Tcharlies Schmitz CONSULTORIA TÉCNICA Eduardo Schwarz AUTORIA DO MÓDULO Fabrício Augusto Menegon Lizandra da Silva Menegon Créditos 6 CréditosCréditos 7 Rodrigo Otávio Moretti Pires Douglas Francisco Kovalesk REVISÃO DE CONTEÚDO Revisor interno: Antonio Fernando Boing Revisores externos: Helen Barbosa dos Santos Igor Claber ASSESSORIA PEDAGÓGICA Márcia Regina Luz ASSESSORIA DE MÍDIAS Marcelo Capillé DESIGN INSTRUCIONAL Soraya Falqueiro IDENTIDADE VISUAL E PROJETO GRÁFICO Pedro Paulo Delpino DIAGRAMAÇÃO Paulo Roberto da Silva ESQUEMÁTICOS, AJUSTES E FINALIZAÇÃO Tarik Assis Pinto REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA E ABNT Eduard Marquardt Créditos 7 CréditosCréditos 8 8 9 9 Apresentação do módulo Este módulo tem por objetivo colocar você em contato com aspectos teóricos e históricos da saúde do homem trabalhador, com a legislação brasileira em saúde do trabalhador, com a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora e com a discussão sobre os aspectos mais relevantes relacionados à saúde do homem no trabalho. As transformações observadas nos modos de produção e nos padrões de consumo da so- ciedade, principalmente das últimas décadas do século XX até os dias de hoje, condiciona- ram o homem a novas formas de trabalhar e de se organizar no trabalho. Veremos, assim, que mais do que fonte de renda, o trabalho desempenha papel central na determinação da saúde e da doença. Além disso, detalhamos como e por que as doenças relacionadas e os acidentes de trabalho devem ser encarados como importante demanda referente à saúde do homem. A saúde do trabalhador, enquanto campo de conhecimento, se preocupa em analisar, ava- liar e intervir na relação saúde-trabalho, utilizando metodologias de base quantitativa e qualitativa para mergulhar na imbricada relação entre o mundo do trabalho e a saúde hu- mana. Também, procura lançar um olhar ampliado sobre o tema, que avance para além das tradicionais teorias da segurança e higiene ocupacional, compreendendo a centralidade do trabalho na vida das pessoas e no desenvolvimento de suas potencialidades. Veremos que, no entanto, caminhar por essa perspectiva nos obriga a romper com certos paradigmas e preconceitos historicamente construídos e socialmente legitimados. Exem- plo disso é a noção de “ato inseguro” ou de “falha humana”, como fatores explicativos da 10 10 ocorrência dos acidentes de trabalho. Perceberemos que, na maioria das vezes, a ocorrên- cia destes eventos é circunstanciada por fatos pregressos acumulados ao longo do tempo, “democratizando” o risco entre aqueles que trabalham, e culminando num desfecho nega- tivo: o acidente em si. Neste contexto, o homem atua ajustando os sistemas e absorvendo as variabilidades, condições frequentemente desconsideradas no planejamento das tarefas de trabalho. A implementação da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast) é a estratégia recente para a efetivação da atenção integral à saúde do trabalhador, e tem por objetivo integrar a rede de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) à assistência e à vigilância em saúde do trabalhador, além da notificação de agravos à saúde relacionados ao trabalho em rede de serviços sentinela. A Renast tem nos Centros de Referência em Saú- de do Trabalhador (Cerest) o polo irradiador de saberes e práticas relacionados à atenção à saúde desta parcela significativa da população, congregando profissionais capacitados para o matriciamento e apoio às equipes de saúde, principalmente as da Estratégia de Saú- de da Família (ESF). Estes conhecimentos se voltam a uma abordagem aplicada ao cotidiano da saúde do traba- lhador na Atenção Básica (AB), instrumentalizando você, profissional do SUS, para a cons- trução de um olhar mais fiel à dura realidade vivida nas múltiplas dimensões da Saúde do Trabalhador no Brasil, dotando-o de mais instrumentos para cumprir o seu papel de agente de Estado, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida do homem trabalhador, e, por consequência, para a garantia de seu direito à saúde. Apresentação do módulo 11 11 Objetivos de aprendizagem e carga horária Este módulo busca trabalhar as questões envolvidas na saúde do homem trabalha- dor mediante a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora e o papel do profissional de saúde frente a esta po- pulação. Objetivos de aprendizagem para este módulo Ao final deste módulo, você será capaz de reconhecer os riscos à saúde, as doenças ocupacionais e do trabalho e as ações de saúde do trabalhador na Atenção Básica. Carga horáriade estudo recomendada para este módulo 30 horas 12 12 13 13 Sumário Unidade 1 Saúde do trabalhador 15 1.1 A evolução do conceito de saúde ocupacional: da medicina do trabalho à saúde do trabalhador 21 1.2 Aspectos da legislação brasileira e políticas públicas em saúde do trabalhador 27 1.3 Riscos à saúde do trabalhador 33 1.4 Recomendação de leituras complementares 36 Unidade 2 Doenças e acidentes relacionados ao trabalho 37 2.1 Doenças profissionais ou doenças ocupacionais 42 2.2 Doenças no trabalho 45 2.3 Acidente de trabalho 48 2.4 Recomendação de leitura complementar 52 Unidade 3 Ações de saúde do trabalhador na Atenção Básica 53 3.1 Recomendação de leitura complementar 62 Resumo do módulo 63 Referências 65 Sobre os autores 67 14 UN1 Saúde do trabalhador 16 16 17 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho O trabalho é uma atividade humana que acompanha o homem desde os primórdios de sua existência. Por meio do trabalho, o homem transforma o ambiente em que vive e por ele é transformado. No mundo do trabalho, as características físicas, cogni- tivas e emocionais de cada pessoa são co- locadas à prova em situações dinâmicas que demandam troca de saberes e experi- ências acumuladas. Quando trabalhamos, podemos desenvolver ações individuais com vistas a alcançar objetivos previa- mente estabelecidos. Essas ações indivi- duais; no entanto, têm repercussão coleti- va, pois nenhum ser humano está sozinho no planeta. Portanto, toda ação de traba- lho interfere na vida e no trabalho de outras pessoas. Dessa forma, assumimos o trabalho como componente central para a compreen- são da sociedade, da saúde, das formas de sociabilidade e dos modos de pro- dução da vida. Sendo o trabalho essen- cial para a sobrevivência e também fator de reconhecimento e inclusão social, ele marca a identidade das pessoas e está diretamente ligado à qualidade de vida. A temática relaciona-se diretamente com a Saúde do Homem na medida em que, se- gundo a Politica Nacional de Atenção Inte- gral à Saúde do Homem (PNAISH), Uma questão apontada pelos homens para a não procura pelos serviços de saúde está ligada a sua posição de pro- vedor. Alegam que o horário do funcio- namento dos serviços coincide com a carga horária do trabalho. Não se pode negar que na preocupação masculina a atividade laboral tem um lugar desta- cado, sobretudo em pessoas de baixa condição social o que reforça o papel historicamente atribuído ao homem de 18 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho ser responsável pelo sustento da famí- lia. Ainda que isso possa se constituir, em muitos casos, uma barreira impor- tante, há de se destacar que grande parte das mulheres, de todas as cate- gorias socioeconômicas, faz hoje parte da força produtiva, inseridas no mer- cado de trabalho, e nem por isso dei- xam de procurar os serviços de saúde (BRASIL, 2012). A relação entre o trabalho e a saúde/doen- ça constatada desde a Antiguidade, e exa- cerbada a partir da Revolução Industrial, nem sempre se constituiu em foco de aten- ção. No trabalho escravo ou no regime ser- vil inexistia a preocupação em preservar a saúde dos que eram submetidos ao traba- lho, pois este era considerado um castigo. Para fazermos uma aproximação do campo da Saúde do Trabalhador, é necessário de- finir qual conceito de saúde estamos falan- do. O conceito de saúde proposto pela Or- ganização Mundial da Saúde (OMS, 1947) entende-a como “um completo estado de bem-estar físico, mental e social e não ape- nas a ausência de doenças”. Embora esse conceito já tenha sido aprimorado pela própria OMS, traz a noção de um estado de saúde estático, sem movimento, inerte, o que inviabilizava atingir um “completo es- tado de bem-estar”. Ora, o homem é um ser vivo em constante movimento. É impossível pensar num es- tado de bem-estar que desconsidere essa característica da natureza humana. Dejours (1986), ao criticar o conceito proposto pela OMS, destaca a contribuição da Fisiologia, da Psicossomática e da Psicopatologia do Trabalho para a compreensão do conceito de saúde. A Fisiologia contribui com a noção de que o organismo humano vive em um esta- do dinâmico, sendo importante observar que a condição de saúde depende deste movimento. O corpo deve ter movimen- “Saúde do Trabalhador” é o termo usado para de- marcar as ações de saúde relacionadas ao trabalho, e constitui um campo de estudo e atuação onde uma ampla gama de profissionais deve atuar de forma multidisciplinar. As relações entre trabalho e saúde têm sua origem e seguimento em cenários políticos e sociais (MENDES; DIAS, 1991). O processo saúde- doença dos trabalhadores, como e por que adoecem e morrem, e como são organizadas e atendidas suas necessidades de saúde são construções sociais que mudam em cada sociedade e momento histórico (DIAS, 2000). 19 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho tos livres para o trabalho, evitando-se posturas rígidas e extremas. Aponta-se que existem relações substanciais entre corpo e mente, demonstrando que cada pessoa tem sua história, seu passa- do, suas experiências, sua família, e que ter saúde significa ter também desejo e esperança. Importante! A Psicopatologia do Trabalho aponta o trabalho como um elemento funda- mental para a saúde, sendo a organização do trabalho o aspecto de maior impacto no fun- cionamento psíquico. A redefinição do conceito de saúde da OMS proposta por Dejours (1986, p. 11) foi: A saúde para cada homem, mulher ou criança é ter meios de traçar um ca- minho pessoal e original, em direção ao bem-estar físico, psíquico e social. Para o bem-estar físico é preciso a li- berdade de regular as variações que aparecem no estado do organismo. O bem-estar psíquico é, simplesmente, a liberdade que é deixada ao desejo de cada um na organização de sua vida. O bem-estar social é a liberdade de se agir individual e coletivamente sobre a organização do trabalho, ou seja, so- bre o conteúdo do trabalho, a divisão das tarefas, a divisão dos homens e as relações que mantêm entre si. O conceito de saúde que pauta nosso en- tendimento e as ações no Brasil, chama- do conceito ampliado de saúde, conside- ra que a saúde é influenciada por fatores condicionantes e determinantes, como o acesso à alimentação, condições de moradia, saneamento básico, meio am- biente, condições de trabalho, renda, ní- vel educacional, atividade física, meios de transporte, acesso ao lazer e aos bens e serviços essenciais para a vida (BRASIL, 1990). Dessa forma, há uma visível supe- ração do conceito da OMS, pois materia- liza a saúde na vida das pessoas e coloca o trabalho em papel de destaque, valori- zando assim a saúde do trabalhador. De- vemos lembrar que a questão do homem no trabalho tem especificidades diferen- tes em relação ao mundo do trabalho das mulheres. Isso demanda um enfoque dis- tinto para a abordagem da saúde do tra- balhador e da trabalhadora pelos profis- sionais de saúde. O trabalho também apresenta diferen- tes definições. Adotamos a definição de Abbagnano (1999, p. 964), que afirma: o trabalho representa a atividade cujo fim é utilizar as coisas naturais ou mo- dificar o ambiente e satisfazer as ne- cessidades humanas. A capacidade humana de executar o tra- balho foi chamada de força de trabalho. 20 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho A força de trabalho enquanto capacida- de de realizar trabalho físico e psíquico pelo homem adquiriu a dimensão de valor econômico e social. Enquanto valor eco- nômico, a força de trabalho pode ser tro- cada por salário e constituir-se em uma mercadoria. Mercadoria > é tudo aquilo que é colocado no mercado para ser vendido. Para Braverman (1980, p. 55), o trabalho, antes entendido como processo criador de valor útil para a sociedade, passou a ser produto de exploração do capital, com o objetivo direto de expansão de ganhos e criação do lucro. No estudo da Saúde do Trabalhador é im- portante compreendermos o processo de reestruturação produtiva que ocorreu ao longo dos últimos anos, e que gerou pro- fundas transformações na forma de se tra- balhar e de se viver. A Reestruturação Produtiva ou capitalismo flexível foi um processo que se iniciou na segunda metade do século XX e que cor- respondeu ao processo de flexibilização do trabalho na cadeia produtiva. Está associa- da à Terceira Revolução Industrial, também chamada de Revolução Técnico-Científica Informacional, e ao processo de implemen- tação do Neoliberalismo enquanto sistema econômico. A flexibilização do trabalho > está relacionada à crise do sistema fordista/taylorista de produ- ção. Assim, onde antes predominava o modo de produção caracterizado pelo trabalho repe- titivo executado pelo trabalhador e o processo de produção em massa de mercadorias, agora se pratica a flexibilidade do trabalho, em que o mesmo empregado executa variadas funções no ambiente da empresa. Os objetivos da “Saúde no Trabalho” (OMS, 1975) incluem o aumento da expectativa de vida, a minimização da incapacidade (do- ença, dor, desconforto), a realização pesso- al, a criatividade e a melhoria da capacida- de mental e física. Mendes (2003), analisando a “Doença no Tra- balho” inclui o estudo do agravo à saúde oca- sionado pelo exercício cotidiano do trabalho. O conceito de doença transita entre o subjeti- vo e o objetivo, entre o individual e o coletivo, entre o físico e o mental na história da huma- nidade. Esse autor identifica duas dimensões das doenças: a primeira seria a dimensão in- dividual, em que a ideia sobre o que é o dano ou agravo à saúde sofre influência de valores culturais, de acordo com o nível de sensibili- dade e idiossincrasias de cada pessoa (o que pode ser agravo para um pode não ser para outro). A segunda é a dimensão populacional, que resulta das dimensões individuais. Essa dimensão é socialmente fundamentada na dinâmica de padrões culturais, econômicos, políticos, científicos e do conhecimento. 21 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho 1.1 A evolução do conceito de saú- de ocupacional: da medicina do trabalho à saúde do trabalhador Veremos, a seguir, que a construção do conceito de saúde do trabalhador se dá por meio de um processo de amadureci- mento do entendimento sobre os impac- tos do trabalho na saúde do homem. Para descrever mais claramente por que o tra- balho pode ser fonte de adoecimento, é necessário romper com pragmatismos té- orico-práticos saturados e insuficientes. A este processo somam-se novas teorias que analisam o trabalho de maneira mais ampliada. 1.1.1 A medicina do trabalho A medicina do trabalho surge na Inglater- ra, na primeira metade do século XIX, com a Revolução Industrial. Naquele momento, o consumo da força de trabalho, resultante da submissão dos trabalhadores a um pro- cesso acelerado e desumano de produção, exigiu uma intervenção, sob pena de tornar inviável a sobrevivência e reprodução do próprio capitalismo (MENDES; DIAS, 1991). Com o advento da Revolução Industrial, o trabalhador, “livre” para vender sua força de trabalho, tornou-se presa da máquina, de seus ritmos, do processo de produção que visava apenas à acumulação rápida de capital e ao máximo aproveitamento dos equipamentos, antes de se tornarem obso- letos. As jornadas extenuantes em ambien- tes extremamente desfavoráveis à saúde às quais se submetiam homens, mulheres e crianças eram incompatíveis com a vida. A aglomeração humana em espaços inade- quados propiciava a proliferação de doen- ças infecto-contagiosas, ao mesmo tem- po em que a periculosidade das máquinas era responsável por mortes e mutilações (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997). Trabalhador “livre” > O termo livre, entre as- pas, enfatiza uma liberdade condicionada: a única opção era submeter-se ao processo de trabalho tal qual estava configurado, não res- tando a este homem a opção da escolha sobre como, onde e quando produzir. As propostas de intervenção estatal nas indústrias expressavam uma sucessão de normatizações e legislações na Ingla- terra. A presença de um médico no inte- rior das unidades fabris representava um esforço em detectar os processos dano- sos à saúde e um aliado do empresário para recuperação do trabalhador, visan- do seu retorno à linha de produção. Ins- taurava-se assim a Medicina do Traba- lho, com suas características, em grande medida, mantidas até hoje: sob uma visão eminentemente biológica e indivi- dual, no espaço restrito da fábrica, bus- cam-se as causas das doenças e aciden- tes (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997). 22 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho A Medicina do Trabalho orienta-se pela uni- causalidade: para cada doença, um agente causador. Transplantada para o trabalho, essa perspectiva isola riscos específicos e atua sobre suas consequências, medicalizando em função de sinais e sintomas associados a uma doença legalmente reconhecida. Como as doenças originadas no trabalho são per- cebidas geralmente em estágios avançados, torna-se difícil identificar os processos que as geraram sob essa perspectiva reducio- nista. Outro papel importante da Medicina do Trabalho é a detecção de doenças na seleção da força de trabalho, um recurso para impedir o recrutamento de indivíduos com problemas de saúde que possam ser percebidos, den- tre tantas outras características (MINAYO- GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997). A implantação de serviços de medicina do trabalho baseados no modelo da unicau- salidade rapidamente se expandiu por ou- tros países além da Inglaterra, assim como para os países capitalistas periféricos em função da transnacionalização das eco- nomias. Esses serviços funcionavam para controlar e atrelar o trabalhador e seus fa- miliares à indústria (MENDES; DIAS, 1991). Figura 1 – A revolução industrial transformou as relações de trabalho Fonte: Fotolia A relação entre trabalho e doença foi esta- belecida por Ramazzini, para 50 profissões, no clássico livro De Morbis Artificum Dia- triba (“As Doenças dos Trabalhadores”), publicado em Módena, Itália, em 1700. Este médico viveu de 1633 a 1714, sendo consi- derado o “Pai da Medicina do Trabalho”. Uma contribuição da obra de Ramazzini foi sua visão sobre a determinação social da doença, mostrando a necessidade do estu- do das relações entre o estado de saúde de uma dada população e suas condições ma- teriais de vida, que são determinadas pela sua posição social e pelos os fatores que agem nos coletivos e nos indivíduos. A abordagem utilizada por Ramazzini inclui a visita ao local de trabalho e entrevistas com trabalhadores. À abordagem clínico -individual, Ramazzini agregou a prática da história ou anamnese ocupacional. Outraárea na qual esse médico deixou sua con- tribuição foi a da sistematização e classifi- cação das doenças segundo a natureza e o nexo com o trabalho. As contribuições de Ramazzini continu- am válidas até hoje, e são aprimoradas de acordo com o desenvolvimento de novas tecnologias de cuidado e diagnóstico. 23 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho 1.1.2 A saúde ocupacional Historicamente, o capitalismo incorporou o trabalho da mulher, o infantil e o da ju- ventude desde o primeiro ciclo da Revo- lução Industrial, na Inglaterra, como for- ma de ampliar a exploração, e aumentar a mais-valia, o que aumenta os ganhos dos empresários. No início do século XX são implantadas modificações dos processos de trabalho para ampliação da mais-valia, como o fordismo e a administração cientí- fica do trabalho de Taylor. Mais-valia > é uma expressão criada por Karl Marx no âmbito da Economia, e significa parte do valor da força de trabalho assalariada e que não é remunerado pelo patrão. Fordismo > refere-se ao modelo de produção em massa de um produto, ou seja, uma linha de produção onde cada trabalhador realiza uma ação específica. O Fordismo foi criado pelo norte-americano Henry Ford, em 1914, revolucionando o mercado automobilístico e industrial da época. O fordismo, como maneira de organização do trabalho, surge em 1914, quando Henry Ford introduz a jornada de oito horas a cin- co dólares de recompensa para o trabalho em linha de montagem, e se expande pelo setor produtivo. Apresentando momentos de diferenciação em seu desenvolvimento, pode-se dizer queo fordismo atinge a ma- turidade no período imediato ao pós-guer- ra, persistindo até 1973. Sobre esse perío- do, Antunes (1995) chama a atenção para o seguinte: O fordismo pode ser compreendido, fundamentalmente, como a forma pela qual a indústria e o processo de traba- lho consolidaram-se ao longo deste século [...], e cujos elementos consti- tutivos básicos eram dados pela pro- dução em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homo- gêneos; através do controle do tem- po e movimentos, pelo cronômetro taylorista e produção em série fordista (ANTUNES, 1995, p. 17). O fordismo e o taylorismo, que predomina- ram em grande parte da indústria capitalis- ta, apresentam ainda como característica a separação sistemática entre quem pensa e quem executa o trabalho. Dessa forma, ob- servam-se tarefas parceladas, repetitivas e alienantes, que caracterizam o advento da organização funcional da indústria (seto- res, gerências e departamentos) (ANTUNES, 1995). Estruturou-se, enfim, o novo sistema de reprodução da força do trabalho com a sociedade do consumo em massa. Taylorismo > tem como base a fragmentação do processo de trabalho, em que cada traba- lhador realiza uma atividade específica no sistema industrial. A organização passa a ser sistematizada e o tempo de produção passa a ser cronometrado. A tecnologia industrial evoluiu de forma acelerada com o desenvolvimento de no- 24 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho vos processos industriais, novos equipa- mentos e com o rearranjo de uma nova divisão internacional do trabalho. Entre outros desdobramentos deste processo, a medicina do trabalho mostra-se insu- ficiente para intervir sobre os proble- mas de saúde causados pelos processos de produção. Cresce a insatisfação e o questionamento dos trabalhadores e dos empregadores, onerados pelos custos ocasionados pelos agravos à saúde dos trabalhadores. Durante esse processo de expansão do capitalismo, o Estado desenvolve políti- cas sociais e de emprego afinadas às exi- gências de produtividade e lucratividade das empresas sob controle das mesmas. Essa intervenção regulacionista, longe de ser universal, é voltada unilateralmente para a força de trabalho economicamen- te ativa e inserida no sistema produtivo (ABRAMIDES; CABRAL, 2003). Considerando a intervenção do Estado no processo de expansão do capitalismo é que podemos definir o surgimento das ações de Saúde Ocupacional. Veja a seguir como isso foi definido pelo Comitê Misto da OIT -OMS, em 1950. A Saúde Ocupacional surge dentro das grandes empresas com o traço da interdis- ciplinaridade, com a organização de equipes multiprofissionais e com ênfase na higiene industrial, refletindo a origem histórica dos serviços médicos e o lugar de destaque da a promoção e manutenção do mais alto grau de bem-estar físico, mental e social em todas as ocupações; a prevenção, entre os trabalhadores, de distanciamentos da saúde causados pelas condições de trabalho; a proteção dos trabalhadores em seus empregos de riscos resultantes de fatores adversos para a saúde; a colocação e manutenção do trabalhador num ambiente de trabalho adap- tado aos seus equipamentos fisiológicos. Para resumir: a adaptação do trabalho ao homem e cada homem à sua atividade (MENDES; DIAS, 1991). A SAÚDE OCUPACIONAL DEVERIA TER COMO FOCO: 25 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho indústria nos países desenvolvidos. A ra- cionalidade científica da atuação multipro- fissional e a estratégia de intervir nos locais de trabalho, com a finalidade de controlar os riscos ambientais, refletem a influência das escolas de saúde pública. A saúde ocupa- cional foi compreendida por Mendes e Dias (1991) como uma atividade de Saúde Públi- ca dirigida para uma comunidade de traba- lhadores, sejam os empregados de um es- tabelecimento, ou os trabalhadores de uma região ou de uma categoria profissional. A Saúde Ocupacional avança então como proposta interdisciplinar de atuação com base na Higiene Industrial, relacionando o ambiente de trabalho e seus efeitos sobre o corpo do trabalhador. Incorpora a teoria da multicausalidade, na qual um conjunto de fatores de risco é considerado na produção da doença, avaliada por meio da clínica mé- dica e de indicadores ambientais e biológi- cos de exposição e efeito. Utiliza dos funda- mentos teóricos de Leavell & Clark, a partir do modelo da História Natural da Doença, simplificando em demasia o entendimento do processo saúde-doença como derivado da interação entre agente-hospedeiro-am- biente. Essa concepção, no entanto, conti- nua insuficiente para uma análise adequa- da das relações entre o homem e o trabalho (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997). O enfoque da Saúde Ocupacional ampliou a atuação da medicina do trabalho, que ante- riormente estava voltada basicamente para o tratamento dos doentes, passando a ava- liar não apenas o indivíduo, mas o grupo de trabalhadores expostos e não expostos a agentes patogênicos, visando agir no nível de prevenção no ambiente de trabalho. 1.1.3 A saúde dos trabalhadores A temática da saúde do trabalhador ganha reconhecimento nos países industrializa- dos do mundo ocidental, notadamente Ale- manha, França, Inglaterra, Estados Unidos e Itália, e se espalha mundo afora. Os anos da segunda metade da década de 1960 (tendo maio de 1968 como momento decisivo na compreensão desse período, pois foi o pe- ríodo marcado pelas grandes mobilizações das lutas de massas populares, como o mo- vimento operário e o movimento estudantil parisiense), marcados pelo questionamen- to do sentido da vida, o valor da liberdade, o significado do trabalho na vida, o uso do corpo e a denúncia da corrosão dos valores. Esses questionamentos abalaram a con- fiança no Estado e puseram em xequeo lado “sagrado” e “místico” do trabalho, cultivado nos pensamentos que aproximam o traba- lho a questões religiosas e que se fazem ne- cessários para a consolidação do modo ca- pitalista de produção (MENDES; DIAS, 1991). Esse processo ocorre associado ao avan- ço dos movimentos sociais, que estimulam 26 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho maior participação dos trabalhadores nas questões de saúde e segurança no trabalho. Como resposta ao movimento social e dos trabalhadores, novas políticas sociais to- man-se Leis, introduzindo significativas mu- danças na legislação do trabalho e, em espe- cial, nos aspectos de saúde e segurança. Na Itália, a Lei no 300, de 20 de maio de 1970, co- nhecida como “Estatuto dos Trabalhadores”, incorpora princípios fundamentais da agenda do movimento de trabalhadores, tais como a não delegação da vigilância da saúde ao Es- tado, a não monetização do risco, a validação do saber dos trabalhadores e a realização de estudos e investigações independentes, o acompanhamento da fiscalização e o melho- ramento das condições e dos ambientes de trabalho (MENDES; DIAS, 1991). Toda esta nova legislação tem como pila- res comuns o reconhecimento do exercício de direitos fundamentais dos trabalhado- res, descritos a seguir: Quadro 1 – Direitos fundamentais dos trabalhadores O direito ao conhecimento sobre a nature- za dos riscos, as medidas de controle que estão sendo adotadas pelo empregador, os resultados de exames médicos e de avalia- ções ambientais. O direito à recusa ao trabalho em condi- ções de risco à saúde. O direito à consulta prévia aos trabalhado- res, pelos empregadores, antes de mudan- ças de tecnologia, métodos, processos e formas de organização do trabalho. O estabelecimento de mecanismos de par- ticipação, desde a escolha de tecnologias até a escolha dos profissionais que irão atuar nos serviços de saúde voltados aos trabalhadores (MENDES; DIAS, 1991). Fonte: Do autor (2016). Ao lado deste processo de questionamen- to da participação do Estado, na década de 1970 ocorrem profundas mudanças nos processos de trabalho, como o início das terceirizações nos países desenvolvidos, o declínio do setor de produção industrial e o crescimento do setor de serviços com intensa mudança no perfil dos trabalhado- res e nos processos de trabalho. A saúde do trabalhador ampliou as con- cepções hegemônicas no campo do traba- lho e saúde e estabeleceu um vínculo cau- sal entre a doença e um agente específico (medicina do trabalho), ou entre a doença e um grupo de fatores de risco presentes no ambiente de trabalho (saúde ocupacional) (MENDES; DIAS, 1991). Com a nova visão do caráter histórico do processo saúde-doença o conceito da saúde ocupacional passou a ser criticado, pois o trabalho era visto apenas como um problema ambiental, em que o trabalhador está exposto a agentes físicos, químicos, biológicos e psicológicos. Laurell (1981) chama a atenção para o fato de que o tra- 27 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho balho, enquanto categoria social, deve ser assim tratado em suas múltiplas determi- nações, e não só como um fator de risco ambiental. Já a saúde do trabalhador considera o tra- balho, enquanto organizador da vida social, como o espaço de submissão do trabalhador pelo empregador, mas também de resistên- cia e construção de novas perspectivas que colocam a qualidade de vida em evidência. Nessa perspectiva, os trabalhadores assu- mem o papel de atores, de sujeitos capazes de pensar e de se pensarem, produzindo uma experiência própria no conjunto das represen- tações da sociedade (MENDES; DIAS, 1991). Um dos desafios atuais da saúde dos tra- balhadores é a integração das ações com a Saúde Ambiental. A saúde ambiental se desenvolveu na saúde coletiva impulsio- nada pelo controle de fatores biológicos e pelo desenvolvimento da engenharia sani- tária e ambiental em torno de tecnologias de intervenção sobre fatores de risco am- biental, que cada vez mais estão presentes na sociedade. A Saúde do Trabalhador é, por natureza, um campo interdisciplinar e multiprofissio- nal. As análises dos processos de trabalho, dada a sua complexidade, tornam a interdis- ciplinaridade uma exigência intrínseca que necessita preservar a autonomia e a profun- didade do conhecimento de cada profissio- nal envolvido, bem como articular os frag- mentos dos resultados das informações, ultrapassando e ampliando a compreensão pluridimensional dos objetos. Entre as várias áreas de conhecimento e es- pecialidades envolvidas na saúde do traba- lhador, destacam-se as ciências sociais e hu- manas (como psicologia, assistência social e sociologia), as ciências biomédicas (como a clínica e suas especialidades, a medicina do trabalho e a toxicologia), e áreas tecnológicas (como a higiene e engenharia de segurança do trabalho, a engenharia de produção e a er- gonomia) (PORTO; ALMEIDA, 2002). 1.2 Aspectos da legislação brasileira e políticas públicas em saúde do tra- balhador A legislação em Saúde do Trabalhador no Brasil é ampla e sua evolução se deu por meio das conquistas históricas dos trabalha- dores brasileiros. Evidentemente, o decurso histórico da construção do campo da saúde do trabalhador tem um papel fundamental no avanço da legislação, pois os fatos históri- cos, acordos e tratados internacionais reper- cutem positivamente, uma vez que os países se responsabilizam por cumprir o que foi de- terminado nesses documentos. 28 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho 1943 | Consolidação das Leis de Trabalho • Direitos trabalhistas como: férias remuneradas, 13º salário, seguro desemprego, licença maternidade; • Segurança no Trabalho; • Medicina do Trabalho. 1975 | Lei nº 6.259 de 30 de outubro de 1975 • Notificação compulsória de várias doenças, incluindo os acidentes de trabalho. 1978 | Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego • Notificação compulsória de várias doenças, incluindo os acidentes de trabalho. 1943 Consolidação das Leis de Trabalho 1975 Lei nº 6.259 de 30 de outubro de 1975 1978 Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego 1988 Art. 200 Constituição Federal 1990 Lei nº 8.080 1991 Lei nº 8.213 1993 Lei nº 8.689 1998 Portaria nº 3.908/GM 2012 Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Portaria nº 1.823) 2005 Portaria nº 2.427/MS 2002 RENAST As diretrizes básicas que orientam as leis e políticas públicas em Saúde do Trabalhador no Brasil são as seguintes: 29 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho 1988 | Art. 200 Constituição Federal • Coloca o SUS como responsável pela vigilância em Saúde do Trabalhador; • Torna o SUS corresponsável pela proteção ao meio ambiente e ao ambiente de trabalho. 1990 | Lei Federal nº 8.080 SUS deve: • atuar na proteção dos trabalhadores; • recuperação e reabilitação da ST. 1991 | Lei Federal nº 8.213 • Define o que é o acidente de trabalho; • Responsabiliza as empresas pela adoção de medidas de segu- rança aos trabalhadores; • Define acidente de trabalho, doença do trabalho e doença profis- sional. 1993 | Lei Federal nº 8.689 • Extingue o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdên- cia Social. 1998 | Portaria nº 3.908/GM • Regulamenta os procedimentos para orientar e instrumentalizar as ações do SUS em ST. 2002 | RENAST • Cria a Rede Nacional de AtençãoIntegral à Saúde do Traba- lhador. 2005 | Portaria nº 2.427/MS • Amplia a rede dos Centros de Referência em Saúde do Traba- lhador; • Enfatiza a importância das ações de vigilância e o envolvi- mento da Atenção Básica à saúde do Trabalhador. 2012 | Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Portaria nº 1.823) • Consolida a proposta política que deve ser adotada como ordenadora do cuidado à saúde da população trabalhadora. 30 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho A Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) foi instituída no governo de Getúlio Vargas pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943. Desde então, sofreu várias modifica- ções e ajustes como resultado de conquis- tas sociais dos trabalhadores, mas também com alguns retrocessos. A CLT compõe o conjunto de normas que regulam as relações individuais e coletivas de trabalho no Brasil. Dentre essas regula- ções estão aquelas relativas à segurança e medicina do trabalho (redação alterada pela Lei no 6514/1977). Em 1975, a Lei no 6.259 institui as ações de Vigilância Epidemiológica no Programa Na- cional de Imunizações e estabelece normas relativas à notificação compulsória de do- enças e dos acidentes de trabalho. Aprovadas pela Portaria no 3.214/1978, as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego constituem um conjunto de normatizações técnicas que objetivam a proteção e segurança dos trabalhadores em diversos contextos produtivos e atividades específicas. Regulam, também, as penalida- des que podem ser impostas aos emprega- dores que descumprirem estas normas. As Normas Regulamentadoras (NR) determi- nam a adoção de medidas de segurança e de medicina do trabalho. Estipuladas pelo Mi- nistério do Trabalho e Emprego, e devem ser cumpridas por empresas privadas, públicas e órgãos públicos da administração direta e indireta, bem como pelos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário que possuam empre- gados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Atualmente, existem 36 NRs que tratam de diversos assuntos relaciona- dos ao trabalho. O processo de criação de uma NR depende, assim como a saúde do trabalhador, dos avanços e mudanças expe- rimentadas no trabalho ao longo do tempo. Para conhecer todas as NRs existentes, acesse a página do Ministério do Trabalho e Emprego no endereço a seguir: <http://www.mte.gov.br/ seguranca-e-saude-no-trabalho/normatiza- cao/normas-regulamentadoras>. Algumas NRs merecem destaque: podem ser aplicadas a um grande contingente de trabalhadores no país, independente da si- tuação produtiva ou função que exerçam. São elas: • NR 4: Serviços Especializados em Enge- nharia de Segurança e em Medicina do Trabalho; • NR 5: Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA); • NR 7: Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional; • NR 9: Programa de Prevenção de Riscos Ambientais; • NR 15: Atividades e Operações Insalubres; • NR 16: Atividades e Operações Perigosas; • NR 17: Ergonomia. 31 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho Depois de um período de continuidade da ditadura Militar e de poucas novidades no cenário brasileiro a favor da classe traba- lhadora inicia o período de redemocratiza- ção, que culminou com a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Esse momento histórico e político do país foi marcado por uma forte reorganização dos movimentos sociais dos trabalhado- res, que com auxílio dos deputados garan- tiram, entre outras coisas, o artigo 200 da Constituição, que assegura a responsabi- lização Sistema Único de Saúde com re- lação à saúde do trabalhador. Consta no artigo 200 que compete, além de outras atribuições, nos termos da lei... II – executar as ações de vigilância sanitária e epide- miológica, bem como as de saúde do trabalhador; ... VIII – colaborar na pro- teção do meio ambiente, nele compre- endido o do trabalho. Ainda como resultante das mobilizações do período da redemocratização, a Lei no 8.080 de 19 de setembro de 1990 dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e re- cuperação da saúde, a organização e o fun- cionamento dos serviços correspondentes. As atribuições do SUS em relação à Saúde do Trabalhador são estabelecidas na Lei no 8.080/1990, ao definir no Art. 6o como um conjunto de atividades que se destina, através de ações de vigilância epide- miológica e sanitária, à promoção e proteção dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilita- ção da saúde dos trabalhadores sub- metidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho. De outra forma, seriam: • Ações de vigilância Sanitária em Saúde do Trabalhador; • Promoção e Proteção à Saúde do Traba- lhador; • Recuperação e Reabilitação; • Estudos e pesquisas em Saúde do Tra- balhador; • Informações ao trabalhador. Em 1991 foi promulgada a Lei no 8.213, que trata dos benefícios da Previdência Social e define o que é o acidente de trabalho. Re- centemente, alguns trechos desta lei foram alterados pela Lei Complementar no 150, de junho de 2015. Essa lei responsabiliza as empresas pela adoção de medidas indivi- duais e coletivas de proteção e segurança aos trabalhadores e define o que a legisla- ção considera como acidente de trabalho, doença do trabalho e doença profissional. Mantendo-se na lógica da implementação do SUS e extinção dos serviços que antes ocupavam o seu lugar, a Lei no 8.689 de 1993 extingue o Instituto Nacional de Assistência 32 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho Médica da Previdência Social (Inamps). Des- sa forma, a Medicina do Trabalho, hegemôni- ca até então, perde força, pois o Inamps atu- ava sob a lógica da relação de causalidade. Figura 2 – Medidas de segurança devem ser obrigatoria- mente adotadas Fonte: Fotolia. Mais recente, em 1998, a Portaria no 3.908/ GM propõe uma regulamentação impor- tante, pois estabelece procedimentos para orientar e instrumentalizar as ações e ser- viços de Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS), o que define e orien- ta de forma mais concreta a atuação no SUS nesse setor. Mas é apenas em 2002 que se institui legal- mente a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast) pela Por- taria GM/MS no 1.679, de 19 de setembro de 2002, e redefinida pela Portaria no 2.728/ GM, de 11 de novembro de 2009. Considera- da a principal estratégia para garantir uma estrutura melhorada de Atenção Integral à Saúde dos Trabalhadores e Trabalhadoras, possui como pressuposto o trabalho como determinante no processo saúde-doença. A Renast é financiada por recursos do Fun- do Nacional de Saúde, atuando desde 2003 como estratégia principal para implemen- tação da Política Nacional de Saúde do Trabalhador no SUS. A Renast está estru- turada partir dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest). No ano de 2005, como resultado das deliberações da 3a Conferência Nacional de Saúde do Tra- balhador, foi publicada a Portaria no 2.427 do Ministério da Saúde, que ampliou a rede dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador e enfatizou a importância das ações de vigilância e o envolvimento da Atenção Básica (AB). Importante! Pinheiro et al. (2012) destacam que os Cerest têm a função de oferecer suporte técnico e científico às equipes de saúde, mas também devem ser centros disseminadores da ideia de centralidadedo trabalho na vida das pessoas, e de como este interfere na produção social de saúde e doença nos níveis de atenção e vigilância em saúde. Completando um quadro de grandes avan- ços legais na Saúde do Trabalhador, a Po- lítica Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora foi instituída, após mais de 33 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho uma década de debates, por meio da Por- taria no 1.823/2012 do Ministério da Saúde, e tem como finalidade definir os princípios, as diretrizes e as estratégias a serem obser- vados pelas três esferas de gestão do SUS para o desenvolvimento da Atenção Integral à Saúde do Trabalhador, com ênfase na vigi- lância, promoção e proteção da saúde dos trabalhadores e redução da morbimortalida- de decorrente dos modelos de desenvolvi- mento e dos processos produtivos. Nesse longo processo histórico marcado por avanços do ponto de vista da legisla- ção em defesa da saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras do país, precisamos fi- car atentos para a necessidade de lutas e mobilizações para que a atual Política Na- cional de Saúde do Trabalhador, amparada pela Renast e Cerests, não fique apenas no papel. É preciso um adequado financiamen- to dessa Política e da cooperação de todos os entes governamentais, empresas e so- ciedade civil organizada. A vigilância sobre as conquistas históricas dos trabalhadores deve ser acentuada, pois muitas movimen- tações em sentido contrário à ampliação ou manutenção dos direitos dos trabalha- dores vêm acontecendo. Exemplo disso foi a promulgação da Lei no 13.134, de 16 de junho de 2015, que restringe o acesso e o tempo de benefício dos traba- lhadores ao seguro-desemprego. Com essa nova lei, o acesso ao seguro desemprego foi dificultado pela exigência de maior perma- nência do trabalhador no mesmo emprego com carteira assinada para ter direito a este benefício, no caso de uma demissão. Ora, sabemos que a permanência do trabalhador no emprego depende também da realidade econômica do país. Nesse sentido, a altera- ção nesta regra pode fazer com o que o di- reito ao seguro desemprego vire moeda de troca para se manter empregado, aceitando, inclusive, redução de salário. Outro direito dos trabalhadores que vem sofrendo constantes ataques é a Previdên- cia Social Brasileira, vítima de um falacioso déficit arrecadatório que justificaria cortes nos benefícios e na redução dos direitos previdenciários. 1.3 Riscos à saúde do trabalhador Para Assunção e Lima (2001), o risco é par- te inerente da atividade humana e somente é possível avançar no domínio sobre a na- tureza quando se assume uma parcela de risco. O risco seria, então, o tributo que se paga para o desenvolvimento da humani- dade e a busca por melhores níveis de con- forto e segurança. Entretanto, este argu- mento abstrato não justifica a distribuição desigual dos riscos e das responsabilida- des entre trabalhadores e empregadores, e não serve de suporte à ideia de que os acidentes ocorrem em nome do progresso econômico. 34 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho As ações de vigilância em saúde do traba- lhador devem considerar os diversos riscos ambientais e organizacionais a que estão expostos os trabalhadores. Estes riscos são influenciados pelas características dos processos produtivos e pela natureza da atividade de trabalho desenvolvida. Um trabalhador de uma linha de monta- gem de automóveis pode estar exposto a alguns riscos semelhantes aos que se expõe um trabalhador de um frigorífico. Para exemplificar esta comparação, bas- ta considerar o ruído no ambiente de tra- balho, as posturas extremas e as sobre- cargas físicas que podem estar presentes em ambas as situações. Os riscos no ambiente de trabalho são classificados em cinco tipos, com base na Portaria no 3.214 do Ministério do Trabalho do Brasil, de 1978. Observe no esquemático a seguir. Agora que já sabemos um pouco mais so- bre os possíveis riscos à saúde dos tra- balhadores, é preciso considerar que a natureza do trabalho varia bastante en- tre as duas atividades do exemplo citado anteriormente, e isso implica, também, na existência de riscos específicos para cada atividade. Para exemplificar, há o A. Riscos de acidentes: Qualquer fator que coloque o trabalhador em situação vulnerável e possa afetar sua integridade e seu bem-estar físico e psíquico. Exemplos: as máquinas e equipamentos sem proteção, proba- bilidade de incêndio e explosão, arranjo físico inadequado, armazenamento inadequado etc. B. Riscos ergonômicos: Fator que possa interferir nas características psicofisiológicas do trabalhador, causando des- conforto ou afetando sua saúde. São exemplos de risco ergonômico: o levantamento de peso, ritmo excessivo de trabalho, monotonia, repetitividade, postura inadequada de trabalho etc. C. Riscos físicos: Consideram-se agentes de risco físico as diversas formas de energia a que possam estar ex- postos os trabalhadores, tais como: ruído, calor, frio, pressão, umidade, radiações ionizantes e não-ionizantes, vibração etc. D. Riscos químicos: Consideram-se agentes de risco químico as substâncias, compostos ou produtos que possam penetrar no organismo do trabalhador pela via respiratória, nas formas de poeiras, fumos, ga- ses, neblinas, névoas ou vapores; ou que seja de exposição, pela natureza da atividade, e possa ter contato ou ser absorvido pelo organismo através da pele ou por ingestão. E. Riscos biológicos: Consideram-se como agentes de risco biológico as bactérias, vírus, fungos, parasitas, entre outros. 35 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho risco de cortes e os efeitos provocados pela baixa temperatura do ambiente no trabalho em frigoríficos, que podem não estar presentes no trabalho na indústria automobilística. Na mesma linha de raciocínio, é impor- tante considerar a interação entre os ris- cos, mesmo porque, na maioria das vezes, essa interação pode passar despercebida aos olhos de um observador menos aten- to. A avaliação dos riscos relacionados ao trabalho deve transpor de relação uni- causal entre o risco e o seu efeito direto. Nem todos os riscos podem ser identifi- cados, quantificados e localizados fisica- mente no ambiente de trabalho. Observe- se, por exemplo, os riscos psicossociais. Eles não são diretamente mensuráveis. Sua identificação depende de uma análi- se que considere o conteúdo do trabalho das pessoas (o que elas fazem e como elas fazem). Figura 3 – Risco psicossocial Fonte: Fotolia. A lógica tradicional da cultura de seguran- ça se ancora na premissa de que existem relações unicausais entre os riscos e as consequências advindas da adoção dos chamados “atos inseguros”. É como se os acidentes de trabalho ocorressem pela fal- ta de consciência do risco, na maioria das vezes por parte do trabalhador. Com base nessa lógica, se um trabalhador deixa de usar um equipamento de proteção indi- vidual (EPI), ele estaria assumindo o ris- co de sofrer algum evento adverso, como um acidente de trabalho. Essa concepção apresenta profundas limitações, uma vez que desconsidera as causas objetivas e as circunstâncias dinâmicas que levaram o trabalhador a adotar este comportamento. Outro conjunto de riscos a que se tem dado bastante importância são os riscos psi- cossociais. Há algumas décadas, a Orga- nização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconhecema importância do controle dos riscos psicossociais do trabalho como for- ma de cuidar da saúde dos trabalhadores. Uma variedade de estressores, incluindo os relacionados ao ambiente de trabalho, conteúdo do trabalho e condições organi- zacionais, interage com as características pessoais dos trabalhadores, sua cultura, 36 UN1 Saúde do trabalhador Homens e atenção à saúde no trabalho seus hábitos e suas condições de vida, in- fluenciando seu desempenho no trabalho, nível de satisfação e condição de saúde (FISCHER et al., 1998; ASSUNÇÃO, 2003). Como explica Alvarez et al. (2007), para além dos riscos à saúde, no que pese o processo de reestruturação produtiva das empresas de uma forma geral, a busca pela otimização da produção, redução de cus- tos e melhoria dos resultados e terceiriza- ção de serviços pode contribuir para a pre- carização do trabalho e colocar em risco a coesão dos trabalhadores. Para Abrahão e Pinho (2002), esse processo de reestruturação produtiva e organizacio- nal aponta para um esgotamento do mode- lo taylorista-fordista, no qual a tendência será o estabelecimento de novos cenários produtivos, identificados pelas transfor- mações nas estratégias empresariais, que alteram as formas de organização, ges- tão e controle do trabalho, e resultam em novas formas de competitividade entre os trabalhadores. As intenções do campo da saúde do tra- balhador se pautam na concepção de que a saúde no trabalho não significa ape- nas a ausência de doenças ocupacionais e acidentes de trabalho, mas também, e principalmente, a transformação dos processos de trabalho em seus diversos aspectos, na direção de buscar não ape- nas a eliminação de riscos pontuais que podem ocasionar agravos à saúde, e sim outra inserção do trabalhador no proces- so produtivo, que seja potencializadora de saúde e de vida. 1.4 Recomendação de leituras complementares BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria no 1.823, de 23 de agosto de 2012. Institui a Po- lítica Nacional de Saú de do Trabalhador e da Trabalhadora. Diário Oficial da União. Brasília, n. 165, p. 46, 24 ago. 2012. Seção 1. Dispo- nível em <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ sau delegis/gm/2012/prt1823_23_08_2012. html>. DETONI. Priscila. NARDI, Henrique Caeta- no. Seguindo barragens: a itinerância de um contingente masculino. Fazendo Gê- nero 9 - Diásporas, Diversidades, Desloca- mentos. ago. 2010. Disponível em: <http:// www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/ anais/1278276065_ ARQUIVO_Trabalho- completofazendoogenero.pdf> UN2 Doenças e acidentes relacionados ao trabalho 38 Homens e atenção à saúde no trabalho 39 39 UN2 Doenças e acidentes relacionados ao trabalho As doenças relacionadas ao trabalho e os acidentes de trabalho sempre tiveram des- taque no campo da saúde do trabalhador, principalmente por conta do alto gasto previdenciário direcionado ao pagamento de auxílios, aposentadorias e pensões ad- vindas da ocorrência destes eventos. Além disso, há que se considerar que tanto os acidentes quanto as doenças diminuem a capacidade de trabalho do homem, poden- do provocar perdas de ordem funcional, como restrições de movimentos, paralisias e desajustes orgânicos, e, no caso dos aci- dentes de trabalho, também perdas de or- dem material, como danos às instalações ou ao patrimônio das empresas. A legislação brasileira caracteriza o aci- dente de trabalho como o que ocorre pelo exercício do traba- lho a serviço de empresa ou de empre- gador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provo- cando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a per- da ou redução, permanente ou tempo- rária, da capacidade para o trabalho (Art. 19 da Lei no 8.213 de 24 de julho de 1991, com redação dada pela Lei Complementar no 150 de 1o de junho de 2015). A definição sobre a doença, dada pela mes- ma lei, aparece subordinada à definição de acidente de trabalho e está caracterizada de duas maneiras (Art. 20 da Lei no 8.213 de 24 de julho de 1991, incisos I e II): Doença profissional (doença ocupacional), assim entendida a produzida ou desenca- deada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da res- pectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; Homens e atenção à saúde no trabalho 40 40 UN2 Doenças e acidentes relacionados ao trabalho Doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione direta- mente [...]. Para fins de descrição e caracterização posteriores, padronizaremos a diferencia- ção destes dois grupos de doenças em concordância com a denominação adotada pela legislação brasileira vigente, embora saibamos que podem ocorrer variações de terminologia na literatura. Importante! As definições previstas em lei so- bre os acidentes e doenças do trabalho, embo- ra necessárias para dar ordenamento às deci- sões jurídicas e previdenciárias, não excluem a possibilidade de ampliarmos o entendimento sobre o tema. Para Almeida e Vilela (2010), os acidentes de trabalho e as doenças relacionadas ao trabalho são eventos que se relacionam com a situação imediata de trabalho, ou seja, com as condições com que o trabalho é realizado (maquinários, tarefas, dispositi- vos técnicos e materiais) e também com as relações e a organização do trabalho (regi- mes de contratação, terceirizações, divisão social do trabalho, esquemas de turno, so- brecargas, fadiga e estresse). Essa definição parece mais realista e me- nos “estéril” que a definição da Legislação, uma vez que considera o peso dos fatores organizacionais e da realidade de trabalho na contextualização dos acidentes e doen- ças. De qualquer maneira, admitimos, aqui, a ideia proposta por Areosa (2012) de que os acidentes de trabalho são eventos com- plexos desencadeados por eventos com estreita relação entre si e capazes de pro- duzir efeitos indesejados. Conforme já vimos na Unidade 1, o interes- se do homem pela compreensão do adoe- cimento é antigo. No século XVI, em 1556, foi publicada a obra De Re Metallica (Da Natureza dos Metais), da autoria de Georg Bauer (em latim, Georgii Agricolae). Nesta obra dedicada à descrição sistematizada da arte da mineração, Bauer relata também os riscos desta atividade e os problemas de saúde a que estavam sujeitos os minera- dores. Entretanto, ele culpabiliza o próprio trabalhador sobre a ocorrência da doença ou do acidente, atribuindo sua ocorrência a falta do autocuidado com a segurança. Figura 4– Atividades em mineradoras apresentavam risco para os trabalores Fonte: Fotolia Homens e atenção à saúde no trabalho 41 41 UN2 Doenças e acidentes relacionados ao trabalho Já no século XVIII, no ano de 1700, o italia- no Bernardino Ramazzini, considerado o Pai da Medicina do Trabalho, publicou sua obra clássica De Morbis Artificum Diatriba (As Doenças dos Trabalhadores), considerada a base da medicina ocupacional e traduzida para vários idiomas, entre eles, o português. No Brasil, essa obra é publicada e comercia- lizada pela Fundação Jorge Duprat Figuei- redo de Segurança e Medicina do Trabalho – Fundacentro, órgão de pesquisa ligado ao Ministério do Trabalho e Previdência Social. Sobre o adoecimento da populaçãotraba- lhadora, o Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde sobre doenças rela- cionadas ao trabalho, publicado pelo Minis- tério da Saúde (Brasil, 2001) adverte para o fato de que: Os trabalhadores compartilham os perfis de adoecimento e morte da po- pulação em geral, em função de sua idade, gênero, grupo social ou inser- ção em um grupo específico de risco. Além disso, os trabalhadores podem adoecer ou morrer por causas rela- cionadas ao trabalho, como conse- quência da profissão que exercem ou exerceram, ou pelas condições adversas em que seu trabalho é ou foi realizado. Assim, o perfil de ado- ecimento e morte dos trabalhado- res resultará da confluência desses fatores [...]. Esses fatores podem ser sintetizados em quatro grupos de causas: • Doenças comuns, aparentemente sem qualquer relação com o trabalho; • Doenças comuns (crônico-degenera- tivas, infecciosas, neoplásicas, trau- máticas etc.) eventualmente modifi- cadas no aumento da frequência de sua ocorrência ou na precocidade de seu surgimento em trabalhadores, sob determinadas condições de trabalho. A hipertensão arterial em motoristas de ônibus urbanos, nas grandes cida- des, exemplifica esta possibilidade; • Doenças comuns que têm o espectro de sua etiologia ampliado ou tornado mais complexo pelo trabalho. A asma brôn- quica, a dermatite de contato alérgica, a perda auditiva induzida pelo ruído (ocupacional), doenças musculoesque- léticas e alguns transtornos mentais exemplificam esta possibilidade, na qual, em decorrência do trabalho, so- mam-se (efeito aditivo) ou multiplicam- se (efeito sinérgico) as condições pro- vocadoras ou desencadeadoras destes quadros nosológicos; • Agravos à saúde específicos, tipifica- dos pelos acidentes do trabalho e pe- las doenças profissionais. A silicose e a asbestose exemplificam este grupo de agravos específicos (MENDES; DIAS, 1999). Homens e atenção à saúde no trabalho 42 42 UN2 Doenças e acidentes relacionados ao trabalho Silicose > é uma doença que afeta os pulmões. É causada pela inalação da sílica (quartzo), poeira livre e cristalina, proveniente, principal- mente, da exploração de rochas na indústria de mineração e de beneficiamento de minerais. Atualmente, a silicose é considerada a princi- pal pneumoconiose no Brasil. Asbestose > é uma doença pulmonar causada pela inalação dos asbestos, também conheci- dos como amianto, uma fibra natural utilizada para a fabricação de telhas, pastilhas de freio, isolantes térmicos, materiais de vedação, en- tre outros produtos. No Brasil existe uma po- lêmica discussão sobre a proibição ou não da exploração do amianto, uma vez que ele é re- conhecidamente carcinogênico. É possível perceber que os três últimos grupos constituem o universo das do- enças relacionadas ao trabalho. Evi- dentemente, a natureza dessa relação varia entre os grupos: I, II e III, confor- me apresentados no esquemático a se- guir. Schilling (1984) propôs uma clas- sificação dos grupos de doenças, de acordo com sua relação para com o trabalho: No grupo I, para os agravos específicos es- tão incluídas as doenças profissionais, para as quais se considera que o trabalho ou as condições em que ele é realizado consti- tuem a causa direta para sua ocorrência. Neste caso, a relação causal é direta e ime- diata. Admite-se que a eliminação do agente causal (por exemplo, a sílica ou os asbes- tos) por medidas de controle ou substituição pode assegurar a prevenção do agravo e a erradicação da doença (BRASIL, 2001). 2.1 Doenças profissionais ou doenças ocupacionais As doenças profissionais ou ocupacionais são aquelas desencadeadas pela ativida- de de trabalho em condições específicas. Doenças em que o trabalho é causa necessária, tipificadas pelas doenças profissionais propriamente ditas, e pelas intoxicações agudas de origem ocupacional. Exemplos: intoxicação por chumbo, silicose e outras doenças profissionais legalmente reconhecidas. Doenças em que o trabalho pode ser um fator de risco, contributivo, mas não necessário, exemplifica- das pelas doenças comuns, mais frequentes ou mais precoces em determinados grupos ocupacionais e para as quais o nexo causal é de natureza eminentemente epidemiológica. A hipertensão arterial e as neoplasias malignas (cânceres) em determinados grupos ocupacionais ou profissões constituem exemplo típico. Exemplos: doença coronariana, doenças do aparelho locomotor, câncer e varizes dos membros inferiores. GRUPO I: GRUPO II: GRUPO III: Doenças em que o trabalho é provocador de um distúrbio latente ou agravador de doença já estabele- cida ou preexistente, ou seja, com causa, tipificadas pelas doenças alérgicas de pele, respiratórias e pelos distúrbios mentais em determinados grupos ocupacionais ou profissões. Exemplo: bronquite crônica, dermatite de contato alérgica, asma, transtornos mentais. Homens e atenção à saúde no trabalho 43 43 UN2 Doenças e acidentes relacionados ao trabalho Têm como característica o fato de serem patognomônicas, ou seja, estritamente re- lacionadas com a presença de um agente causador específico que determina o diag- nóstico para a doença. No mundo do trabalho, as doenças pro- fissionais são responsáveis por enor- mes sofrimentos e perdas, mas perma- necem obscurecidas pelos acidentes de trabalho. Estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre as doenças profissionais dão conta de que elas continuam sendo as principais causas das mortes relacionadas com o trabalho. De um total de 2,34 milhões de aci- dentes de trabalho mortais a cada ano, somente 321.000 se devem a acidentes. Os restantes 2,02 milhões de mortes são causadas por diversos tipos de enfermidades relacionadas com o trabalho, o que equivale a uma média diária de mais de 5.500 mor- tes. Trata-se de um déficit inaceitá- vel [...] A ausência de uma prevenção adequada das enfermidades profis- sionais tem profundos efeitos negati- vos não somente nos trabalhadores e suas famílias, mas também na socie- dade devido ao enorme custo gerado, particularmente no que diz respeito à perda de produtividade e a sobrecar- ga dos sistemas de seguridade social (OIT, 2013). Esta entidade alerta, ainda, para um fato bastante conhecido do setor saúde: o de que a prevenção continua sendo a melhor alternativa para o combate às doenças pro- fissionais. Os exemplos clássicos destas doenças são as pneumoconioses, causadas pela exposi- ção à sílica e ao amianto (asbesto). Pneumoconiose > O termo é largamente utili- zado quando se designa o grupo genérico de pneumopatias relacionadas etiologicamente à inalação de poeiras em ambientes de trabalho (CAPITANI; ALGRANTI, 2006). As pneumoconioses talvez sejam o me- lhor exemplo para analisarmos a atenção à saúde do homem com relação às do- enças profissionais. Tomemos agora por base o protocolo de complexidade dife- renciada para as pneumoconioses (BRA- SIL, 2006). Nele se afirma que é de responsabilidade de toda a rede do SUS, incluindo a rede hospitalar, estar assim preparada para identificar os possíveis casos de pneu- moconioses por meio de protocolo úni- co do sistema de identificação, contem- plando dois programas-chave do SUS: a Estratégia de Saúde da Família (ESF) e o Programa de Controle da Tuberculose. Homens e atenção à saúde no trabalho 44 44 UN2 Doenças e acidentes relacionados ao trabalho Quanto ao papel da ESF, o monitoramento e reconhecimentode possíveis casos de pneumoconioses, no âmbito do território das unidades de saúde, devem ser reali- zados pelo Agente Comunitário de Saúde (ACS), subsidiado por sua equipe de saúde. Na mesma linha, a operacionalização do Programa de Controle da Tuberculose tam- bém envolve um papel de destaque para o trabalho do ACS, uma vez que por conta de sua proximidade com as famílias este pro- fissional da Rede pode identificar pessoas que apresentem tosse e expectoração por três semanas ou mais, por meio do exame bacteriológico. No caso de indivíduos com história de expo- sição às poeiras minerais, o ACS deve estar atento para a possibilidade de associação de tuberculose com pneumoconiose, ou mesmo pneumoconiose isolada. Portan- to, nesse caso deve encaminhar o pacien- te para realização de cultura de escarro e Pneumoconiose Agente(s) Causador(es) Processo Anatomopatológico Silicose Sílica livre Fibrose nodular Asbestose Todas as fibras de asbesto ou amianto Fibrose difusa Pneumoconiose do traba- lhador do carvão (PTC) Poeiras contendo carvão mine- ral e vegetal Deposição macular sem fibrose ou com diferenciados graus de fibrose Silicatose Silicatos variados Fibrose difusa ou mista Talcose Talco mineral (silicato) Fibrose nodular e/ou difusa Pneumoconiose por poeira mista Poeiras variadas contendo me- nos que 7,5% de sílica livre Fibrose nodular estrelada e/ou fibrose di- fusa Siderose Óxidos de ferro Deposição macular de óxido de ferro asso-ciado ou não com fibrose nodular e/ou difusa Estanose Óxido de estanho Deposição macular sem fibrose Baritose Sulfato de bário (barita) Deposição macular sem fibrose Antimoniose Óxidos de antimônio ou Sb me-tálico Deposição macular sem fibrose Pneumoconiose por rocha fosfática Poeira de rocha fosfática Deposição macular sem fibrose Pneumoconiose por abrasi- vos Carbeto de silício (SiC) Óxido de Alumínio (Al2O3) Fibrose nodular e/ou difusa Beriliose Berílio Granulomatose tipo sarcóide. Fibrose durante evolução crônica Pneumopatia por metais duros Poeiras de metais duros (ligas de tungstênio, titânio, Tântalo contendo Cobalto) Pneumonia intersticial de células gigantes. Fibrose durante evolução Pneumonites por hipersen- sibilidade (alveolite alérgica extrínseca) Poeiras orgânicas contendo fungos, proteínas de penas, pe- los e fezes de animais Pneumonia intersticial por hipersensibili- dade (infiltração linfocitária, eosinofílica e neutrofílica na fase aguda e fibrose difusa na fase crônica) Fonte: Adaptado de Brasil (2006) Quadro 2 – Pneumoconioses, agentes causadores e processos anatomopatológicos subjacentes. Homens e atenção à saúde no trabalho 45 45 UN2 Doenças e acidentes relacionados ao trabalho exame radiológico do tórax, com vistas a possível identificação de pneumoconiose. Figura 5 – Tosse e expectoração por três semanas ou mais Fonte: Fotolia Essa operacionalização de ações remete à necessidade de que as equipes de saú- de estejam atentas e ampliem sua visão para as relações sociais de produção, que envolvem a família, incluindo a vocação econômica da região ou município, os processos de trabalho relacionados ao núcleo familiar, ao trabalho formal e in- formal, identificando os potenciais fato- res de riscos existentes e notificando os casos de doenças profissionais que apa- recerem nos serviços de saúde (BRASIL, 2006). Essa prática contribuirá, sobrema- neira, para qualificar o reconhecimento dos agravos em saúde do trabalhador de forma geral, ampliando também as ações da vigilância em saúde. Atividades de trabalho que expõem os tra- balhadores ao risco de inalação de poeiras causadoras de pneumoconioses são rela- cionadas a diversos ramos de atividades, como mineração e transformação de mine- rais em geral, metalurgia, cerâmica, vidros, construção civil (fabricação de materiais construtivos e operações de construção), agricultura e indústria da madeira (poeiras orgânicas), entre outros. Além das pneumoconioses, outros exem- plos de doenças profissionais incluem a leucopenia ocupacional, causada pela ex- posição ao benzeno e comum em traba- lhadores da indústria petroquímica e de refino de petróleo, o saturnismo, causado pela exposição ao mercúrio e comum nos garimpeiros, e o plumbismo, causado pela exposição ao chumbo e comum nos traba- lhadores de fábricas ou de reconstituição de baterias automotivas. 2.2 Doenças no trabalho As doenças do trabalho são aquelas pro- duzidas ou desencadeadas em função das condições especiais em que a atividade de trabalho é realizada, podendo também se- rem determinadas pelas condições ambien- tais de trabalho. Exemplos de doenças do trabalho são as Lesões por Esforço Repe- titivo ou Distúrbios Osteomusculares Rela- cionadas ao Trabalho (LER/DORT), que em Homens e atenção à saúde no trabalho 46 46 UN2 Doenças e acidentes relacionados ao trabalho linhas gerais são caracterizadas como ex- pressões de desgaste das estruturas do sis- tema musculoesquelético, como as tendini- tes, tenossinovites, bursites e a síndrome do túnel do carpo. Sobre as LER/DORT, Salim (2003, p. 11), traz uma importante reflexão: Abstraindo-nos de uma análise sobre as suas manifestações clínicas, pontua-se, no entanto, que, embora não sejam do- enças recentes, as LER/DORT vêm, sem dúvida, assumindo um caráter epidêmi- co, sendo algumas de suas patologias crônicas e recidivas, ou seja, de terapia difícil, porque se renovam precocemente quando da simples retomada dos movi- mentos repetitivos, gerando uma inca- pacidade para a vida que não se resume apenas ao ambiente de trabalho. A teoria tradicional da segurança do trabalho afirma que as doenças do trabalho estão re- lacionadas à exposição do homem trabalha- dor aos riscos químicos, físicos, ergonômi- cos e biológicos (abordados da Unidade 1), quando as medidas de controle e proteção individual ou coletiva não são adotadas de maneira eficaz (por exemplo, pelo não uso dos equipamentos de proteção individual – EPI). Em última análise, este argumento depositaria sobre o homem trabalhador a responsabilidade pelo controle sobre o sur- gimento da doença, uma vez que a ele seria atribuída a obrigação de seguir a risca os procedimentos de segurança e a fazer uso correto dos equipamentos de proteção indi- vidual disponibilizados pelo empregador. É importante perceber que essa abordagem, embora útil para o estabelecimento de re- gras de segurança nos ambientes de traba- lho, não dá conta de circunscrever o universo de possibilidades relacionadas ao aconteci- mento da doença. Conforme já estudamos na Unidade 1, esta abordagem não dá conta porque a doença do trabalho, mais do que a resultante da simples infringência às normas de segurança, tem na sua origem também os “aspectos invisíveis” do trabalho: as metas, o ritmo intenso, a organização das jornadas, a pressão pela produtividade, os conflitos hori- zontais (entre colegas de trabalho) e verticais (superiores e subordinados), a necessida- de de duplas ou triplas jornadas, e isso para exemplificarmos apenas alguns aspectos. Figura 6 – Uso do EPI Fonte: Fotolia. Algumas doenças do trabalho são silen- ciosas, de latência relativamente longa e Homens e atenção à saúde no trabalho 47 47 UN2 Doenças e acidentes relacionados ao trabalho os sintomas aparecem somente depois de alguns anos de exposição do trabalhador aos fatores de risco ou às condições orga- nizacionais em que o trabalho
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