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AN02FREV001/REV 4.0 1 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA Portal Educação CURSO DE TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS Aluno: EaD - Educação a Distância Portal Educação AN02FREV001/REV 4.0 2 CURSO DE TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS MÓDULO I Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização ou distribuição do mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas. AN02FREV001/REV 4.0 3 SUMÁRIO MÓDULO I 1 OS VALORES NA FAMÍLIA 1.1 A FAMÍLIA E A REDE DE RELAÇÃO SOCIAL 1.2 O TRABALHO COM A FAMÍLIA EM VULNERABILIDADE SOCIAL 1.3 A RELAÇÃO FAMÍLIA E ESTADO MÓDULO II 2 AS CONFIGURAÇÕES DA FAMÍLIA E AS TRANSFORMAÇÕES DA CONTEMPORANEIDADE 2.1 DIFERENTES OLHARES SOBRE A FAMÍLIA 2.2 FAMÍLIA BRASILEIRA NA CONTEMPORANEIDADE 2.3 FAMÍLIA E O SERVIÇO SOCIAL 2.4 SERVIÇO SOCIAL E O PROCESSO DE TRABALHO COM AS FAMÍLIAS MÓDULO III 3 OS PRINCÍPIOS DE DIREITO DA FAMÍLIA 3.1 PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 3.2 PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR 3.3 DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA 3.4 PRINCÍPIO DA IGUALDADE NAS RELAÇÕES FAMILIARES 3.5 PRINCÍPIO DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR 3.6 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE AN02FREV001/REV 4.0 4 MÓDULO IV 4 POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E A FAMÍLIA 4.1 A PNAS E SUA DIRETRIZ RELATIVA À FAMÍLIA 4.2 DA CONCEITUAÇÃO AO CONHECIMENTO DA FAMÍLIA 4.3 MATRICIALIDADE SOCIOFAMILIAR: DA NOMEAÇÃO À OPERACIONALIDADE NA PRÁTICA PROFISSIONAL 4.4 SUAS: DESAFIO DA REDE DE PROTEÇÃO SOCIAL COM AS FAMÍLIAS MÓDULO V 5 O PAIF 5.1 O CONCEITO DE TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS NO ÂMBITO DO PAIF 5.2 AÇÕES QUE COMPÕE O PAIF 5.2.1 Acolhida 5.2.2 Oficinas com Famílias 5.2.3 Ações Comunitárias 5.2.4 Ações Particularizadas 5.2.5 Encaminhamentos 5.2.6 Recomendações Gerais para a Implementação das Ações do PAIF 5.3 ATENDIMENTO E ACOMPANHAMENTO ÁS FAMÍLIAS NO ÂMBITO DO PAIF 5.3.1 Atendimento Familiar 5.3.2 Acompanhamento Familiar 5.4 DIRETRIZES PARA ORGANIZAÇÃO GERENCIAL DO TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS DO PAIF 5.4.1 Direção 5.4.2 Planejamento 5.4.3 Organização 5.4.4 Monitoramento 5.4.5 Avaliação AN02FREV001/REV 4.0 5 5.5 SUGESTÕES DE ABORDAGENS METODOLÓGICAS DE TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS NO ÂMBITO DO PAIF 5.5.1 Pedagogia Problematizadora 5.5.2 Pesquisa – Ação 5.5.3 Considerações Finais sobre Diretrizes Teórico-metodológicas do Trabalho do PAIF 5.6 DIRETRIZES TEÓRICO-METODOLÓGICAS DO TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS NO ÂMBITO DO PAIF REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AN02FREV001/REV 4.0 6 MÓDULO I 1 OS VALORES NA FAMÍLIA "A família é a primeira escola das virtudes sociais de que a sociedade tem necessidade" (CNBB, 2004, p. 116). Frente a essa realidade a família traz em si inúmeros valores essenciais que por nada podem ser ofuscados, tolhidos ou menosprezados, pois a família não é somente lugar de crescimento pessoal, afetos e transmissão de cultura entre as gerações, mas sim uma comunidade de amor, o lugar do direito e do princípio do cuidado, da solidariedade, da partilha, da amizade, do companheirismo e do respeito e unidade. A família é imagem de Deus do qual tem sua origem, seu modelo perfeito, motivação e fim último na comunhão de amor das três pessoas. E ao tornar-se pais, os esposos recebem de Deus o dom de uma nova responsabilidade. O seu amor paternal é chamado a tornar-se para os filhos o sinal visível do próprio amor de Deus, pois, "É de Deus qual deriva toda a paternidade no céu e na terra" (JOÃO PAULO II, 2007, p. 14). Tendo em vista que Deus constituiu o matrimônio princípio fundamental da sociedade, a família tornou-se a célula primeira e vital da mesma. É da família que saem os cidadãos e também é no seio da família que se encontra a primeira escola das virtudes sociais; conhecidas como a alma da sociedade. A família foi sempre considerada como a primeira e fundamental expressão da natureza social do homem. "A família delineia-se, no desígnio do Criador, como lugar primário da "humanização" da pessoa, da sociedade, do berço da vida e do amor" (JOÃO PAULO II, 1988, p. 40). A família é o lugar e ao mesmo tempo o instrumento mais eficaz de humanização e de personificação da sociedade. Não obstante, em nossos tempos é possível constatarmos uma sociedade cada vez mais despersonificada, desumana e desumanizante. Observamos, por exemplo, o crescimento da violência de forma AN02FREV001/REV 4.0 7 assustadora, a miséria, a fome, as drogas, a pornografia e tantas outras desordens que ferem a essência da família. Segundo o compêndio de doutrina social "A família, comunidade natural contribui de modo único e insubstituível para o bem da sociedade. Ela é a primeira sociedade humana, tendo em vista que ela é uma comunhão de pessoas" (CDSI, 2004, p. 213). A família deve estar em conexão íntima com a sociedade, e esta em resposta a sua participação não deve deixar de lado o seu dever de respeitar e promover a família tendo em vista que ela constitui um valor indispensável e irrenunciável, possui direitos próprios, inalienáveis, que jamais podem ser rechaçados. Assim afirma a exortação apostólica: As autoridades públicas devem fazer o possível por assegurar todas aquelas ajudas econômicas, sociais, educativas, políticas, culturais de que têm necessidade para fazer frente, de modo humano, a todas as suas responsabilidades (JOÃO PAULO II, 2007, p. 45). A família é o lugar natural onde o amor, que é o valor essencial e a mais profunda exigência humana, se realiza e se expande; amor mútuo do homem e da mulher; amor de ambos pelos filhos, que são a síntese viva deles mesmos e a garantia de sua prolongação e sobrevivência no tempo; amor dos filhos aos pais e dos irmãos entre si. Quando a família falha nessa função, os reflexos dessa falência podem traumatizar profundamente os seus membros e dar origem a desajustes psíquicos que repercutem em toda a sua vida, mesmo profissional e pública. A família não é criação humana, nem do estado, nem da Igreja. É constituição ligada à natureza do homem e da mulher, para o bem e a felicidade pessoal, da sociedade e da Igreja. "Pois que o Criador de todas as coisas constituiu o matrimônio princípio e fundamento da sociedade humana" (PAULO VI, 1965, p.11). Em suma, as famílias cristãs devem assumir sua vocação, devem ser verdadeiras igrejas domésticas tratando das realidades temporais ordenando-as segundo Deus. Pois, são chamadas por graça a uma aliança com seu criador; devem, pois, oferecer-lhe uma resposta de fé e amor. AN02FREV001/REV 4.0 8 Podemos considerar a família como um espaço sagrado, é o teto que nos dá abrigo, onde nascemos, saciamos a fome, damos o primeiro passo, a primeira palavra, onde crescemos, vivemos, criamos valores, aprendemos a nos relacionar, a compartilhar todas as coisas, a aceitar o outro como é, a amar, enfim até a hora de morrermos dignamente. Não há outro lugar mais nobre para o ser humano desenvolver-se integralmente. Mas paraque a família seja de fato o santuário da vida, é preciso escolher e experimentar os valores fundamentais que a sustentam, tais como o amor, a fidelidade, o respeito, a humildade, a espiritualidade, a fé e a oração. A família é o primeiro espaço onde cada indivíduo se insere e o qual ajuda na promoção de o ser pessoa. É nesse contexto que ele se consciencializa dos seus papéis primários e onde se inicia o processo de socialização primária, que o leva à articulação com a comunidade. É no seio familiar que se faz a transmissão de valores, costumes e tradições entre gerações. Na educação constitui maior relevância aquilo que o indivíduo é e não aquilo que ele é capaz de fazer. Desde sempre, a família acaba por surgir como um lugar onde se aprende a viver, ser e estar, e onde se começa o processo de consciencialização dos valores sociais inerentes à sociedade e sem os quais esta não consegue subsistir. É neste ambiente que o indivíduo aprende a respeitar os outros e a colaborar com eles. A família surge com direitos e deveres. Esses deveres estão consagrados na Constituição da República Portuguesa e nos valores sociais e morais respectivos à sociedade. Os pais dão vida aos filhos, a partir daí cabe a eles dar-lhes o apoio de que necessitam, a educação e as condições necessárias para o seu crescimento saudável. A família tem um papel educativo essencial, dela vai depender a definição do quadro de referência primário para a prática educativa. No entanto, o desenvolvimento contínuo da função parental está longe de ser linear e positiva. Existem períodos de concordância que resultam em desenvolvimento para todas, mas também surgem momentos de desacordo que põem a família frente à educação com um profundo mal-estar. O meio familiar exerce uma das mais importantes influências no desenvolvimento das capacidades cognitivas e na estruturação das características AN02FREV001/REV 4.0 9 afetivas dos filhos. No entanto, a educação familiar não deve entoar só os efeitos do desenvolvimento dos filhos. A família deve ser considerada um ecossistema da educação. A família é a instituição mais privilegiada da educação, pois é no seu meio natural que o homem nasce e existe e onde se desperta como pessoa. Exerce enorme influência tanto na integração escolar quanto no desenvolvimento dos filhos. 1.1 A FAMÍLIA E A REDE DE RELAÇÃO SOCIAL A rede de relação social é composta por pessoas ou organizações, conectadas por um ou vários tipos de relações, que partilham valores e objetivos comuns. Uma das características fundamentais na definição das redes é a sua abertura e porosidade, possibilitando relacionamentos horizontais e não hierárquicos. O homem, como ser social estabelece sua primeira rede de relação no momento em que vem ao mundo. A interação com a família lhe confere o aprendizado e a socialização, que vão se estendendo para outras redes sociais. É por meio da convivência com grupos e pessoas que se moldarão muitas das características pessoais determinantes da sua identidade social. Surgem neste contexto o reconhecimento e a influência dos grupos como elementos decisivos para a manutenção do sentimento de pertinência e de valorização pessoal. Todo indivíduo carece de aceitação e é por meio da vida em grupo que ele irá externar e suprir esta necessidade. Os vínculos estabelecidos tornam-se intencionais, definidos por afinidades e interesses comuns. O grupo então passa a influenciar comportamentos e atitudes funcionando como ponto em uma rede de referência composta por outros grupos, pessoas ou instituições, cada qual com uma função específica na vida da pessoa. A família representa um grupo social primário, nos quais as relações entre os indivíduos são pautadas no sentimento, que por sua vez criam vínculos. Estão ligados a descendência (demonstrada ou estipulada) a partir de um ancestral comum, matrimônio ou adoção, nesse sentido o termo confunde-se com clã. AN02FREV001/REV 4.0 10 A família é unida por múltiplos laços que costumam compartilhar do mesmo sobrenome, herdado dos ascendentes diretos. A noção de família remete a relacionamento entre pessoas, que não necessariamente compartilham o mesmo domicílio e os mesmos laços sanguíneos ou de parentesco. Essa ampliação da ideia clássica desse agrupamento humano parece claramente assumida na literatura, nos marcos legais e no discurso cotidiano das pessoas. Contudo, talvez ainda não esteja suficientemente incorporada nas ações institucionais. As famílias podem assumir uma estrutura nuclear ou conjugal, que consiste num homem, numa mulher e nos seus filhos, biológicos ou adotados, habitando num ambiente familiar comum. A estrutura nuclear tem uma grande capacidade de adaptação, reformulando a sua constituição, quando necessário. Há também famílias com uma estrutura de pais únicos ou monoparental, tratando-se de uma variação da estrutura nuclear tradicional devido a fenômenos sociais, como o divórcio, óbito, abandono de lar, ilegitimidade ou adoção de crianças por uma só pessoa. A família ampliada ou consanguínea é outra estrutura, que consiste na família nuclear, mais os parentes diretos ou colaterais, existindo uma extensão das relações entre pais e filhos para avós, pais e netos. Para além destas estruturas, existem também as denominadas de alternativas, sendo elas as famílias comunitárias e as famílias homossexuais. Nas famílias comunitárias, ao contrário dos sistemas familiares tradicionais, onde a total responsabilidade pela criação e educação das crianças se cinge aos pais e à escola, o papel dos pais é descentralizado, sendo as crianças de responsabilidade de todos os membros adultos. Nas famílias homossexuais existe uma ligação conjugal ou marital, por contrato entre duas pessoas do mesmo sexo, que adotaram crianças ou um ou ambos os parceiros têm filhos biológicos de casamentos heterossexuais. Quanto ao tipo de relações pessoais que se apresentam numa família, referimos três tipos de relação. São elas, a de aliança (casal), a de filiação (pais e filhos) e a de consanguinidade (irmãos). É nesta relação de parentesco, de pessoas que se vinculam pelo casamento e/ ou por uniões sexuais, que se geram os filhos. AN02FREV001/REV 4.0 11 O conceito de família, ao ser abordado, evoca obrigatoriamente, os conceitos de papéis e funções, como se tem verificado. Em todas as famílias, independentemente da sociedade, cada membro ocupa determinada posição ou tem determinado estatuto, como por exemplo, marido, mulher, filho ou irmão, sendo orientados por papéis. As famílias como agregações sociais, ao longo dos tempos, assumem ou renunciam funções de proteção e socialização dos seus membros, como resposta às necessidades da sociedade pertencente. Nessa perspectiva, as funções da família regem-se por dois objetivos, sendo um de nível interno, como a proteção psicossocial dos membros, e o outro de nível externo, como a acomodação a uma cultura e sua transmissão. A família deve responder às mudanças externas e internas de modo a atender às novas circunstâncias sem, no entanto, perder a continuidade proporcional. A família tem também, um papel essencial para com a criança, que é o da afetividade, tal como já foi referido. A sua importância é primordial, pois considera o alimento afetivo tão imprescindível quanto os nutrientes orgânicos. Sem o afeto de um adulto, o ser humano enquanto criança não desenvolve a sua capacidade de confiar e de se relacionar com o outro. As famílias de camadas populares, que são organizadas em rede (participação de outros parentes e de pessoas dacomunidade no convívio e em prol da sobrevivência) e que têm como foco o sistema de obrigações, diferenciam-se das de camadas médias, que se organizam em núcleos centrados no parentesco. Esse conhecimento é relativamente difundido. Diante disso, uma das questões que se impõe é a de compreender como essa organização da família em rede poderia ser oficialmente assumida pelas instituições – sem necessariamente passar pela legalização do vínculo ou da responsabilidade, como é geralmente exigido pelo sistema judiciário – com vistas a contribuir para o fortalecimento de certas estratégias de sobrevivência dessa população e da própria prevalência da convivência familiar e comunitária. Nesse aspecto, podemos entender que pais, sobretudo mães, criam vínculos mais estáveis com algumas pessoas de sua rede de relações primárias, com as quais estabelecem trocas recíprocas, para favorecer tanto o cuidado e a proteção de AN02FREV001/REV 4.0 12 seus filhos quanto à possibilidade de inserção social, aspectos classicamente assumidos como funções básicas da família. Contudo, para se pensar a influência das redes de relações primárias no processo de inclusão social ou de novo enraizamento social (GUEIROS, 2007, p.47), se faz necessário examinar as particularidades de cada família em termos de tempo e espaço sociais, principalmente no que se refere à sua configuração e organização, ao seu percurso transgeracional e à sua localização territorial. 1.2 O TRABALHO COM A FAMÍLIA EM VULNERABILIDADE SOCIAL A Política Nacional de Assistência Social apresenta a matricialidade sociofamiliar como um dos tópicos relativos ao “Conceito e à Base de Organização do Sistema Único de Assistência Social”. A implicação disso é a necessidade de se conhecer, em profundidade, as famílias às quais estão direcionadas as ações, pois pela própria multiplicidade de configurações, formas de convivência – diretamente relacionadas às suas condições sociais, crenças e hábitos culturais – e por constituírem espaço de contradições e conflitos, tais famílias apresentam significativas diferenças entre si, mesmo fazendo parte de um mesmo segmento social. Identificar no que as famílias se igualam e no que elas se diferenciam parece ser um dos primeiros desafios que se apresenta para os serviços cuja responsabilidade é a de implementação de políticas sociais, por meio da estruturação de ações que possam ser efetivas e eficazes para determinada população. É necessário um compromisso do profissional no sentido de atender as famílias dentro de suas especificidades, fazendo da prática cotidiana uma prática de natureza investigativa, subsidiando a implementação e a avaliação de políticas sociais que sejam adequadas à realidade. Tendo sempre presente a importância de coletivamente mobilizarem-se forças em prol do enfrentamento das causas estruturais da pauperização, no planejamento e na execução de um trabalho social, há de se direcionarem esforços AN02FREV001/REV 4.0 13 para a articulação entre bens e serviços públicos como forma de assegurar os direitos individuais e sociais à família. Desse modo, torna-se imprescindível a organização da rede de serviços do território, que inclui o constante diálogo entre as diferentes organizações, na perspectiva de evitar descontinuidades, lacunas ou sobreposições de ações. Uma eficiente organização da rede de serviços pode proporcionar o atendimento em tempo hábil às necessidades apresentadas pela família. A prática tem mostrado que, em prol da efetividade e eficácia do trabalho social, certas demandas precisam ser respondidas com a maior brevidade possível, inclusive porque disso depende o não agravamento da questão em foco. Se esse aspecto não for considerado, o que emergiu como sendo de média complexidade pode se transformar em situação de alta complexidade e, por conseguinte, exigir mais tempo e recursos para seu equacionamento, além de ocasionar maior sofrimento e até danos à pessoa ou à família. Na prática com a população de segmentos populares é possível constatar que outro desdobramento da não efetividade das ações é a descrença nos serviços oferecidos, o que pode repercutir negativamente na forma como a família participa da proposta do trabalho e no próprio sentimento de “ter direito a direitos”. Nesse sentido, cabe indagar a devida contextualização das questões apresentadas pela família, bem como do caminho que ela já percorreu na tentativa de ver suas demandas atendidas, de modo a evitar sua culpabilização ou responsabilização, sobretudo nos casos em que o envolvimento do usuário naquele dado projeto não esteja atendendo ao inicialmente planejado. O rigor na análise da situação apresentada pela família e de seu percurso de vida permite a compreensão desse núcleo para além do tempo presente e das demandas emergenciais e pode favorecer a formulação de programas eficazes. Assim sendo, a identificação, a valorização e a potencialização das capacidades ou competências dos sujeitos, se realizada de forma que eles se sintam partícipes desse processo, podem, com o devido apoio técnico e acesso às políticas públicas de proteção social, contribuir para a emancipação da família e, consequentemente, para o equacionamento de suas adversidades cotidianas. Uma análise cuidadosa das questões apresentadas por indivíduos e famílias pode evitar também julgamentos precipitados sobre seus modos de vida. É AN02FREV001/REV 4.0 14 interessante que se indague, por exemplo, quais são os motivos que levam uma mulher-mãe a buscar, de forma repetitiva, novos parceiros. Seria essa uma tentativa de obter proteção em territórios cuja violência é muito grande? Ou seria também uma forma de conquistar, por meio da troca afetiva, algum fortalecimento para enfrentar as agruras de seu dia a dia? Será que o homem continua ocupando, nesse segmento social, o papel de principal mediador entre a família e o meio social imediato? Presumimos que o exame dessa e de outras questões pode contribuir para que o profissional efetive ações concernentes às demandas da população usuária daquele dado programa ou serviço. Um trabalho que abarque esse processo conjunto com a família deve estar diretamente associado às necessidades apresentadas por ela, mas, de regra, é importante que se realizem, além de sua inclusão em políticas de proteção social, diferentes modalidades de atendimento, algumas de caráter individualizado e outras de caráter coletivo. Esse cuidado é necessário porque um indivíduo, ou uma família, pode melhor se expressar em uma determinada modalidade do que em outra e, assim, ampliam-se as possibilidades de identificação de suas questões e de suas potencialidades. A atenção individualizada visa abordar as questões que são singulares àquela família, sobretudo as relativas às vicissitudes de seu percurso de vida, ao convívio de seus vários membros e ao processo socioeducacional de crianças e adolescentes. Os procedimentos de caráter coletivo envolvem diversas famílias e têm o objetivo de trabalhar as particularidades daquele conjunto de sujeitos e de estimular a articulação entre eles, inclusive em prol da reivindicação de seus direitos sociais. Desse modo, o trabalho social com famílias, abarca procedimentos relativos à rede de bens e serviços do território e atenção individualizada e coletiva à população usuária, realizados de forma regular e frequente. O SUAS, cujo modelo de gestão é descentralizado e participativo, constitui- se na regulação e organização em todo o território nacional das ações socioassistenciais. Os serviços, programas, projetose benefícios têm como foco prioritário a atenção às famílias, seus membros e indivíduos e o território como base de organização, que passam a ser definidos pelas AN02FREV001/REV 4.0 15 funções que desempenham, pelo número de pessoas que deles necessitam e pela sua complexidade. Pressupõe, ainda, gestão compartilhada, cofinanciamento da política pelas três esferas de governo e definição clara das competências técnico-políticas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com a participação e mobilização da sociedade civil e estes têm o papel efetivo na sua implantação e implementação (PNAS, 2004, p. 32- 33). Anteriormente ao SUAS a lógica era a pobreza, já na era SUAS a lógica são as condições de vulnerabilidade e risco social em que se encontra os cidadãos. O SUAS tem o objetivo de identificar os problemas sociais na ponta do processo, focar as necessidades de cada município e ampliar com eficiência os recursos financeiros e a cobertura social. Assim como também tem por direção o desenvolvimento humano, os direitos de cidadania e o dever de garantir seguranças como: acolhida, renda, convívio familiar e comunitário, desenvolvimento da autonomia e sobrevivência, por meio da hierarquização de serviços que visam reverter as situações de vulnerabilidade e risco social vivenciadas pelas famílias. Deve contemplar igualmente a interdisciplinaridade e intersetorialidade (articulação das políticas de saúde, educação, assistência e habitação, entre outras) e zelar pela permanência a médio e longo prazo dos programas e serviços oferecidos, posto que as famílias já vivem múltiplas instabilidades (de trabalho, de domicílio, da rede de suas relações sociais primárias, por exemplo) e não podem ser submetidas também a projetos que não se constituam em políticas de longo alcance, em termos dos recursos necessários e de um tempo viável ao processo de autonomia e de emancipação da família. Nessa perspectiva, um aspecto que pode e deve ser contemplado é a reflexão, e redefinição se for o caso, de conceitos que orientem os gestores e profissionais no planejamento e execução do trabalho, com vistas a implementar as premissas conceituais e legais das questões em foco, fazer a devida articulação das condições vividas pela população com as relações sociais mais amplas e a defesa intransigente da garantia dos direitos fundamentais dos sujeitos em prol de sua autonomia e cidadania. 1.3 A RELAÇÃO FAMÍLIA E ESTADO AN02FREV001/REV 4.0 16 O surgimento do Estado, contemporâneo ao nascimento da família moderna como espaço privado e lugar dos afetos, não significou apenas uma separação de esferas. Significou também o estabelecimento de uma relação entre eles, até hoje conflituosa e contraditória. De acordo com Mioto (2004, p. 45), a relação família e Estado é conflituosa desde o princípio, por estar menos relacionada aos indivíduos e mais à disputa do controle sobre o comportamento dos indivíduos. Por essa razão ela tem sido lida de duas formas opostas. Como uma questão de invasão progressiva e de controle do Estado sobre a vida familiar e individual, que atrapalha a legitimidade e desorganiza os sistemas de valores radicados no interior da família. Ou como uma questão que tem permitido uma progressiva emancipação dos indivíduos. Pois, à medida que o Estado intervém enquanto protetor, ele garante os direitos e faz oposição aos outros centros de poderes tradicionais (familiares, religiosos e comunitários), movidos por hierarquias consolidadas e uma solidariedade coativa. A partir deste ponto de vista, podemos citar a intervenção do Estado nas famílias por meio de três grandes linhas. Da legislação por meio da qual se definem e regulam as relações familiares, tais como idade mínima do casamento, obrigatoriedade escolar, deveres e responsabilidades dos pais, posição e direitos dos cônjuges. Das políticas demográficas, tanto na forma de incentivo à natalidade como na forma de controle de natalidade. Da difusão de uma cultura de especialistas nos aparatos policialescos e assistenciais do Estado destinados especialmente às classes populares. A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 já previa em seu artigo XVI: “A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado”. O Estado tem o dever de proteção pelo simples fato de que proíbe a autotutela, ou seja, não permite ao particular, salvo em casos excepcionais, usar o próprio esforço. Um direito fundamental sempre gera do Estado um dever de proteção, que geram obrigações vinculantes, vinculando o Estado em toda sua extensão. AN02FREV001/REV 4.0 17 A função geral do Estado de garantir segurança se converteu em obrigação constitucional específica, no momento em que as leis gerais não eram suficientes para que os deveres de proteção fossem concretizados. Cabe ressaltar que os deveres de proteção não são somente estatais. O Estado tem dever de proteção exatamente porque não nos permite, salvo em casos excepcionais, usar o próprio esforço, é vedada a autotutela. Isso não quer dizer que o direito fundamental vincule somente o Estado, o particular está vinculado pelo direito fundamental de outras pessoas, não pode ficar desrespeitando, violando esse direito. O particular tem dever jurídico em relação à outra parte bem como o Estado. Porém, se o particular não estivesse vinculado à outra parte o Estado sequer teria o dever de proteção, nesse caso, tem-se uma mediação dos conflitos por parte do ente estatal. O principal caminho para realização da função protetiva se dá por meio da legislação. No caso da Constituição Brasileira há uma imposição, o legislador não é livre para decidir se edita ou não determinada lei diante do reconhecimento constitucional do dever de proteção. Deve o Estado adotar medidas normativas e fáticas suficientes para cumprir seu dever de tutela, fazendo a proteção de maneira adequada e efetiva. Para isso, se faz necessário um projeto de proteção que combine elementos de proteção preventiva e repressiva. O dever de proteção da família consagrado no artigo 226 da Constituição Federal abarca não apenas as famílias constituídas sob a égide do casamento, mas também a união estável e a monoparental. A nova concepção da família é cada vez mais distante daquela que se tinha no Código Civil de 1916. Essa nova família reconhecida pela Constituição Federal de 1988 é fundada no amor e na igualdade, dissociada do casamento. E ainda, não só a entidade familiar deve ser protegida pelo ente estatal. Pela interpretação que se depreende do §8º do art. 226 da Constituição Federal, essa proteção se dará na pessoa de cada um dos entes do núcleo familiar, in verbis: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. AN02FREV001/REV 4.0 18 É dever do Estado a proteção da família, família esta que constitui como diz no próprio texto constitucional, “a base da sociedade”. Com o advento do Estatuto do Idoso, passou a existir por parte do Estado a obrigação de alimentar. Conforme relata Maria Berenice Dias (2001, p. 55): O Estado possui o dever de amparo para com o idoso que não tenha como se sustentar nem tenha parente de quem possa se socorrer, no que se refere à criança e ao adolescente não poderia ser a ação do Estado diferente, principalmente pelo fato de possuírem absoluta prioridade e proteção integral, tendo como suporte o princípio da igualdade. Assim é que se deve reconhecer a obrigação do Estado paraassegurar a manutenção de jovens (crianças e adolescentes) com pais ou familiares sem condições econômicas para tanto. No que tange a entidade familiar, esta também é carecedora de proteção estatal, com destaque para as famílias monoparentais que possuem “estrutura mais frágil”. Faz-se necessário que o Estado se preocupe com esta espécie de família, por meio de políticas públicas, ações protetivas que facilitem o melhor desenvolvimento e sustento, pelo fato de serem famílias compostas por um pai ou uma mãe que vive com a prole. Em relação ao casamento, o Estado estabelece de forma rígida os deveres dos cônjuges, com o escopo de proteger a família. O Estado tem como interesse a permanência da família como base da sociedade, fazendo com que todas as pessoas envolvidas estejam amarradas dentro da estrutura familiar. Obrigação ou dever de reconhecer a paternidade ou maternidade é um ponto fulcral no contexto da entidade familiar. Tanto se percebe a intervenção do Estado nesta seara que o legislador ordinário traz a presunção de paternidade do cônjuge varão quando o filho é nascido durante o casamento. O Estado tem o dever de dar proteção à família, pelo exato motivo de que a Constituição Federal de 1988, ao declarar a família como base da sociedade impôs implicitamente limitação ao Estado, com essa previsão a família não poderá ser impunemente violada pelo Estado, não poderá o ente estatal atingir a base da sociedade que serve ao próprio Estado. AN02FREV001/REV 4.0 19 Refere Berenice Dias (2001, p. 57) que o Estado não tem apenas o dever de se abster de praticar atos que atentem contra a dignidade humana, mas sim ser responsável por ações positivas. No que se refere aos deveres da família e de seus membros em relação à própria entidade familiar, pode-se iniciar pelo casamento. O Código Civil impõe para o casamento e para a união estável, determinados deveres, mas também assegura direitos, o que se pode vislumbrar nos artigos 1.566 e 1.724 respectivamente. O poder familiar trata exatamente da proteção dos pais (pai e mãe conjuntamente) em relação aos filhos menores. Em face do princípio do melhor interesse da criança, os pais estão em igualdade de condições para o exercício do poder familiar e para decidirem o que é melhor para ela. Dentre as obrigações dos pais, está a de prestar alimentos ao filho menor, além de assistir, criar e educá-lo, como referido anteriormente. O princípio da solidariedade social e familiar impõe aos pais o dever de assistência aos filhos e também o dever de amparo às pessoas idosas, por solidariedade entenda-se o que cada um deve ao outro. Como dever da entidade familiar em relação ao seu próprio clã e até mesmo em favor da sociedade destaca-se a necessidade de fiscalizar as ações estatais, conferir se a proteção é efetiva, se as ações positivas estão sendo realizadas e se o Estado está se abstendo no que deve acerca das ações negativas. Enfim, é necessário fiscalizar e cobrar do ente estatal as providências necessárias para que a proteção da família (ou das famílias) seja plena. FIM DO MÓDULO I
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